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Prédica: Mateus 18.21-35
Autor: Geraldo Graf
Data Litúrgica: 22º Domingo após Trindade
Data da Pregação: 03/11/1985
Proclamar Libertação – Volume: X

1 — Comentários sobre o texto

V. 34: BASAVISTÉS – examinador, inquisidor, torturador. É normalmente traduzido como carcereiro. No caso, trata-se de um torturador, alguém que usa de violência.

V. 30: A prisão está colocada sob guarda. Na comparação dos w. 26 e 29 notamos que no pedido do servo malvado há um PANTA, ausente no pedido do seu conservo. Quanto à tradução de Almeida, uma observação: No v. 28 a tradução exata é: … paga, se (EO me deves algo …

O texto bíblico fala por si mesmo, se o seu vocabulário é observado. A tradução de Almeida não reflete tão bem o jogo de palavras que há no texto. O servo malvado deve uma fortuna ao rei. Este o ameaça, mas não usa de violência. Quando o servo pede um prazo, até perdoa a dívida. Isto reflete a bondade do rei. Já o servo malvado, em relação ao seu conservo, age de maneira muito violenta: Agarra o outro pelo pescoço, tudo por causa de uma pequena dívida. Deve ser uma quantia pequena, pois já nem se lembra direito se o outro deve ou não.

O conservo é jogado na prisão, o que pode ser traduzido também como: colocado sob guarda. Já o servo malvado não é jogado apenas na prisão. Ele é entregue ao torturador. O texto insinua que o servo malvado está colocado sob pressão violenta.

Na comparação das súplicas dos dois servos, notamos o uso das mesmas palavras. Apenas há um PÁNTA tudo a mais na afirmação do servo malvado, justamente aquele que deve uma fortuna.

Há um crescimento de intensidade dentro da história, especialmente quanto à aplicação do perdão e do castigo.

Fundamental é fazer o câmbio das moedas. Para a compreensão do ouvinte devemos usar valores conhecidos do mesmo. Só se tiver condições de fazer a comparação entre as duas dívidas, terá uma visão sobre o tamanho do perdão divino e da necessidade de viver o perdão com o próximo. Este é o objetivo do texto.

Um denário (v. 28) correspondia a aproximadamente um dia de serviço. Leia Mt 20.1ss. Denário era a moeda romana de prata mais em uso no tempo de Jesus. Nela estava impressa a imagem do imperador romano (Mt 22.19ss). Se fosse possível fazer um câmbio, arriscaria calcular a divida do conservo em aproximadamente Cr$ 100,000,00.

O servo malvado deve ao rei 10.000 talentos. O talento era um valor monetário grego. Há indicações de que seria um valor em ouro, correspondente a 47 kg. Um talento teria o valor de 1.000 moedas de ouro. 10.000 talentos é uma imensa fortuna. O servo malvado deve ser algum ministro da fazenda do rei. Na comparação do cálculo dos denários, dez mil talentos corresponderiam a aproximadamente Cr$ 50.000.000.000,00 (50 bilhões), o equivalente a ganhar sozinho 25 vezes a loteria esportiva. Fundamental não é o número, mas sim a comparação entre a vida do servo mau com a dívida do conservo. A diferença é gritante. Esta diferença deve ficar clara para a comunidade. Só assim fica claro também o tamanho do perdão do rei e a ausência de perdão do servo malvado.

A parábola do servo malvado está incluída no contexto que trata do perdão. Jesus já conhecia a história do rei e de seus servos. Ela provém do mundo pagão do Oriente Médio. Não é objetivo de Jesus contar apenas uma história. Se assim fosse, ela não caberia dentro da Sagrada Escritura. Devemos ver a história do servo malvado em conjunto com a pergunta de Pedro e a resposta de Cristo. Somente assim se entende o conselho final de Cristo, no v. 35.

O assunto do perdão também é tratado em Lc 17.3,4. Mateus fala de perdoar setenta vezes sete. Lucas fala de perdoar ainda no mesmo dia.

Apesar de que Cristo quer o perdão (cf. texto anterior), Pedro ainda pergunta pelos limites. A mentalidade dos judeus, tão bem como a nossa, permitia perdoar uma, duas, talvez até três vezes. Pedro quer mostrar-se generoso, perguntando se basta perdoar sete vezes. A resposta de Cristo é desconcertante. Quebra qualquer barreira. Podemos deduzir a partir da história do servo malvado que, mesmo perdoando o próximo setenta vezes sete, ainda estamos perdoando pouco, se compararmos com a nossa culpa perante Deus. A diferença é de 50.000.000.000 para 100.000. Também Gn 4.23 se refere aos setenta vezes sete, falando porém de vingança. Cristo faz uma inversão e recupera o mundo caído desde Adão. O assunto é tratado também em Mt 5.21-48.

Em Rm 13.8a, o apóstolo Paulo interpreta bem as palavras de Cristo, onde deixa claro que o amor humano nunca deve perguntar pelos limites. Por mais que perdoamos, ainda é pouco em relação ao perdão que recebemos de Deus.

A ação do servo malvado em relação ao seu conservo mostra qual é a nossa atitude na vida diária. Deus mostra o seu amor. Ele nos perdoa. Mas este perdão é mandamento. Deus quer o perdão praticado entre as pessoas. Onde o perdão não é praticado, ali nos tornamos réus da ira de Deus (seremos entregues ao torturador eterno).

2 – Meditação

O amor de Deus, dado aos homens, se concretiza no fato de poderem perdoar uns ao outros. É mandamento divino passar adiante o perdão que a pessoa experimentou de Deus.

A parábola ilustra a exortação a se perdoar, sempre e sem limites. O Reino de Deus é comparado com um ajuste de contas. O rei é Deus e o devedor somos nós que devemos ouvir a mensagem do perdão.

A bondade do Senhor supera em tudo o pedido do servo. O servo pediu apenas um prazo (carência). O senhor lhe concede anistia total. Esperaríamos do servo uma atitude semelhante em relação ao seu conservo, pois a quem tudo foi perdoado, não necessita mais cobrar dos outros. Mas aqui vem a reação contrária. Em lugar de perdão acontece a prisão. É evidente a dificuldade de relacionamento entre as pessoas.

Tanto maior é a ira do Senhor. Ele que tudo perdoara, volta atrás em sua palavra. Torna sem efeito a sua anistia, o seu perdão. E o castigo se torna tanto mais severo.

No início, quando o Senhor cobrara a dívida do seu servo, ameaçou vendê-lo como escravo, ele, sua família e seus bens. Mas, apesar do sacrifício, o servo estaria livre da dívida. Agora está colocado sob o jugo do torturador, até que pague a dívida.

Deus nos deu o mandamento do perdão. É obrigação passar adiante o perdão experimentado. É uma forma de agradecimento pelo perdão recebido. A gente não faz isto automaticamente, mas faz isto exultante, cheio de alegria, pois perdoando a gente deixa clara a alegria de se sentir perdoado por Deus.

Se não passarmos o perdão adiante, experimentaremos a ira do Deus. Todo o perdão que Cristo para nós conquistou na cruz fica prejudicado ante a dureza de nosso coração. O texto bíblico é um texto que anima para a prática do perdão. Conscientiza para a grandeza do perdão recebido. Mas á também uma exortação ao que teima em não praticar o perdão.

Augusto é o proprietário da terra. Alfredo é o seu meeiro. Os dois se desentenderam na colheita, durante a partilha de café e arroz. A coisa toda vai parar na justiça (no fórum). Augusto consegue convencer as autoridades da necessidade de despejar Alfredo da propriedade. Alfredo precisa sair da terra de Augusto e procurar outro lugar. Tudo isto parece corriqueiro. Pode acontecer em todos os lugares. Mas Augusto e Alfredo são da mesma comunidade. Augusto é sogro de Alfredo. Ambos foram procurados pelo pastor que apontou para o perdão divino, que custou o preço da cruz. Apontou-se para a necessidade do diálogo, da prática do perdão entre as pessoas. Alfredo concordou com o perdão, desde que fosse Augusto que viesse pedir perdão. Augusto disse que não vai perdoar nem pedir perdão. Disse que já teve paciência demais. Se Alfredo não saísse logo do terreno, então haveria mortes. Nenhum dos dois quer mostrar fraqueza. E pedir perdão é encarado como sinal de fraqueza.

Quando você chega na beira de um córrego de uns dois a três metros de largura e precisa atravessá-lo, sem poder molhar os pés, o que você faz? Certamente não vai arriscar a pular dali mesmo, pois pode errar o salto e cair dentro do córrego. Então não vai molhar só os pés. Certamente vai retroceder alguns metros para ter ura) impulso e conseguir saltar por sobre o córrego. A solução melhor é saber dar alguns passos para trás. Assim também acontece onde é necessário praticar o perdão. Quem quiser vencer obstáculos, sem retroceder em nada, certamente tropeçará nos mesmos. O segredo está no saber retroceder. Só sabe perdoar quem souber retroceder. O grande problema do perdão está justamente na teimosia das pessoas em não querer perdoar, pois isto seria uma fraqueza.

Na prédica é bom apontar que a cruz de Cristo é o maior sinal de fraqueza que pode existir, E foi o único caminho para o nosso perdão.

Sempre se fala muito em perdão. Mas a prática da vida mostra que as pessoas tem dificuldades em praticar o perdão. Nas comunidades onde o amor e o perdão deveriam ter a sua maior expressão há grandes conflitos entre as pessoas. Estes conflitos não são apenas as brigas, mas trata-se também do conflito maior, o conflito social entre ricos e pobres, entre donos de terra e bóias-frias, entre intelectuais e analfabetos, etc.

A prática do perdão é uma forma que Deus usa para a proteção da vida (cf. o 59 mandamento). É uma das regras básicas do convívio humano. Deus quer a reconciliação entre as pessoas. Quem não quer a paz e o perdão, este será levado diante de Deus como a um juiz em tribunal severo. Sem a prática da reconciliação com o próximo a nossa reconciliação com Deus fica abalada. Tudo é uma questão de fé e de obediência. É uma questão de termos compreendido a dimensão do perdão divino. Onde não existe a gratidão pelo perdão divino, ali somos carrascos em relação ao próximo. Se quisermos permanecer do perdão de Deus, precisamos praticar o perdão uns com os outros.

Ill —Subsídios litúrgicos

1. Saudação :1 Jo4.21.

2. Confissão de pecados: Misericordioso Pai! Nós sempre de novo comparecemos diante de tua santíssima face para pedir perdão pela nossa culpa que é imensa. Em tudo nós falhamos. Falhamos na nossa obediência, na nossa fé. Acabamos sempre de novo adorando falsos deuses ou criando nossos próprios ídolos. Falhamos em relação ao nosso próximo. Nós o usamos para a nossa própria promoção. Não lhe damos o devido valor ou respeito, não aceitamos os seus direitos. Não pedimos perdão nem perdoamos. Por isso estamos aqui, para reconhecer a nossa fraqueza e pedir por misericórdia. Ajuda-nos a entender que o perdão deve ser algo da prática de nossa vida diária. Por Jesus Cristo, que por nós morreu na cruz. Tem piedade de nós. Senhor!

3. Oração de coleta: Senhor, misericordioso Pai celestial! Volta os teus olhos para nós, para que experimentemos a tua proximidade em nossa vida. Dá-nos a conhecer a tua Palavra que cria e mantém a nossa fé. Liberta-nos para uma vida que te louva com palavras e ações. Ouve-nos através de Jesus Cristo, o qual contigo e com o Espírito Santo, conduz nossa vida para a prática do perdão e do amor. Todo Poderoso Deus, tu és o início e o fim, de eternidade a eternidade. Amém.

4. Leituras bíblicas: Mt 5.21-48 e 1 Jo 1.5-10.

5. Assuntos para a intercessão: Pedir em favor de uma prática mal concreta do perdão, pedir por aqueles que têm dificuldades na prática do perdão ou que são vítimas da ausência e das consequências da falta do perdão.