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Prédica: Marcos 10.17-27
Autor: Werner Brunken
Data Litúrgica: 18º. Domingo apósTrindade
Data da Pregação: 18/10/1987
Proclamar Libertação – Volume: XII

l – Texto e Contexto

– No texto original não consta a palavra Jesus do v. 17. A tradução correta seria: E ele, pondo-se a caminho…

– A frase do v. 24 para os que confiam na riqueza aparece pela primeira vez num escrito do século V. Ela esclarece para quem é difícil entrar no reino de Deus. De minha parte opto em não incluir esta frase, pois entrar no reino de Deus, por esforço próprio ninguém consegue.

– Encontramos o presente texto também no Evangelho segundo Mateus (19.16-26) e Lucas (18.18-27).

– O texto mais longo é o de Marcos, o que estranha, pois geralmente os textos de Marcos são mais curtos, por serem mais antigos, os quais os outros evangelistas usaram como fonte para os seus escritos.

– Comparando os textos dos três evangelistas, notamos que há muita semelhança entre eles. Só o v. 24 do texto de Marcos não aparece nos outros Evangelhos.

– Só no texto do Evangelho segundo Mateus diz que o homem, que foi a Jesus, era um jovem.

– Os textos paralelos de Mateus e Lucas já foram tratados na série de Proclamar Libertação. O de Mateus no volume II (pp. 182ss) e o de Lucas no vo¬lume VI (pp. 265ss) e não no volume IV conforme índice do Proclamar Libertação.

– Todos os três textos encontram-se nos três evangelhos no grande contexto de: O caminho de Jesus para a paixão, que em Marcos vai do c. 8.27 até 10.52.

– Dentro dos capítulos (Marcos 10; Mateus 19 e Lucas 18) temos na sua maioria os mesmos assuntos: a questão do divórcio; Jesus abençoa as crianças; o homem rico; o perigo das riquezas; Jesus prediz sua morte e ressurreição (este último falta em Mateus).

– No Evangelho segundo Marcos, o texto (10.17-27) só tem afinidade com os vv. 28-31. Os outros assuntos tratados são diferentes.

II – Exegese

V. 17 – Jesus estava a caminho de Jerusalém. Uma pessoa, que antes não tivera oportunidade de falar com ele, saiu ao seu encontro. Esta pessoa deve ter ouvido os ensinamentos de Jesus e tinha dúvidas. Respeitava Jesus, pois ajoelhou-se diante dele. Chamou Jesus de Bom Mestre. Perguntou o que deveria fazer para receber a vida eterna. Estava, portanto, preocupado com sua vida futura.

V. 18 – Jesus rejeitou o título Bom Mestre. Quem decide sobre o que é bom é Deus. A ele compete julgar sobre estas colocações.

V. 19 – Na caminhada para a vida, que esta pessoa está buscando, ela é lembrada dos mandamentos. São citados do quarto até o décimo mandamento; to¬dos relacionados com a segunda parte do grande mandamento: amarás o teu próximo como a ti mesmo (Marcos 12.31).

V. 20 – A pessoa respondeu que tudo isto tem observado desde a sua juventude. Por isso alguns comentaristas afirmam que se tratava de um jovem. Só na versão de Mateus é dito que esta pessoa era jovem. Tenho minhas dúvidas se esta pessoa era jovem, pois tinha muitas propriedades. E normalmente, se a pes¬soa for honesta, precisa alcançar uma certa idade para possuir muitos bens. E se ela afirma que observava os mandamentos que dizem respeito ao próximo, é de se aceitar que se tratava de uma pessoa honesta, que já tinha alcançado certa idade.

V. 21 – Como Jesus é símbolo do amor, amou também esta pessoa que o procurou. Notou que lhe faltava algo, a saber, desprender-se de toda segurança material, a fim de depender totalmente de Deus. Esta dependência está expressa no primeiro mandamento: Eu sou o Senhor, teu Deus. Não terás outros deuses além de mim. Ou no grande mandamento: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força (Marcos 12.30). Para chegar a esta dependência, deveria vender tudo o que possuía e distribuir aos pobres. Deveria esvaziar-se de si mesmo, para seguir a Jesus e depender totalmente dele.

V. 22 – Este desafio foi pesado demais para esta pessoa. Ficou contrariada, pois jamais esperara uma resposta destas. Não conseguiu entender que deveria desfazer-se das suas muitas propriedades para pertencer ao reino de Deus.

V. 23-24 – Depois da retirada desta pessoa, Jesus viu o desapontamento dos seus discípulos e entrou em diálogo com eles. Afirmou que será muito difícil entrar no reino de Deus alguém que se prende à sua riqueza. Afirmo: não só para pessoas que confiam nas suas riquezas – mas para todas as pessoas que con¬fiam mais em coisas desta vida do que em Deus. Pois ali onde está o vosso te¬souro, af estará também o vosso coração (Lucas 12.34).

V. 25 – Para agravar mais ainda a perplexidade dos discípulos, Jesus usou a figura do camelo, ao qual é mais fácil passar pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus. Vários comentaristas procuram amenizar esta figura, afirmando que a palavra no original não era KAMELOS (= camelo), mas KAMILOS ( = corda para amarrar navios). Entretanto sou de opinião que a figura não pode ser amenizada. Ninguém, por mais que se esforce, pode herdar o reino de Deus, como o camelo jamais conseguirá passar pelo fundo de uma agulha.

V. 26 – E os discípulos entenderam esta figura assim como Jesus a colocou. Neste caso ninguém pode conseguir entrar no reino de Deus; ninguém alcançará a salvação. Partindo do ser humano, jamais haverá acesso ao reino de Deus.

V. 27 – Só existe uma saída para este impasse: olhar para Deus; dirigir-se a ele; confiar nele; depender dele. Para as pessoas é impossível entrar no reino de Deus, mas para Deus tudo é possível. Ele abre o caminho para o seu reino, enviando seu Filho Jesus Cristo. Só nele há saída, há esperança para todas as criaturas neste mundo.

Ill – Meditação

Introdução – As pessoas têm dificuldade de procurar orientação para a sua vida quando estão presas às riquezas neste mundo. Por vezes é o medo de se expor e ser ridicularizado; outras vezes temem perder a segurança que acreditam ter neste mundo. Assim deve ter acontecido àquela pessoa que procurou Jesus. Sentia que algo lhe faltava. Hesitou em ir ao encontro de Jesus. Finalmente criou coragem e foi. Quis saber de Jesus o que ainda lhe faltava para herdar o reino de Deus. Uma coisa esta pessoa não imaginou: que o seu envolvimento com Jesus tivesse o desenrolar que teve.

Toda pessoa que hoje se envolver com Jesus através da sua palavra, precisa estar preparada para receber uma resposta que seja o contrário do que desejaria ter.

1 – O personagem de nosso texto acreditava sair-se bem neste diálogo, pois elogiou Jesus como sendo o bom Mestre, ajoelhou-se diante dele e era fiel observador dos mandamentos. Vivia na trilha do ditado: Faço o bem e não temo ninguém. Observando as pessoas hoje, constatamos que muitas vivem este ditado. Ao passar por uma igreja ou diante de um crucifixo fazem suas reverências. Falam bem das pessoas. Até ajudam aqui e acolá. Tudo parece estar bem com eles, com Deus e com o próximo.

2 – Entretanto, Jesus desmascarou esta falsidade. De nada adianta uma vida aparentemente de bem, quando não se consegue desfazer das garras que a prendem neste mundo. É o caso da pessoa que procurou Jesus: era dono de muita riqueza. Esta era sua segurança. Sua vida dependia dela. E Jesus pediu que abandonasse esta sua segurança e passasse a depender totalmente de Deus. Este deveria ser temido, honrado e amado acima de todas as coisas (primeiro mandamento).

3 – As colocações de Jesus foram tão radicais, que o personagem do texto não conseguiu aceitar. Ele deveria arrepender-se da sua falsa segurança, dar meia-volta e seguir a Jesus. Este passo decisivo, apesar de reconhecê-lo como certo, ele não conseguiu dar, e retirou-se triste. Mas quem consegue dar este passo hoje? Não estamos por demais presos às aparentes seguranças deste mundo?

4 – Jesus notou quão difícil é para o ser humano aceitar este desafio, não só na pessoa que o procurou, mas também no rosto dos discípulos. Afirmou também a eles que é muito difícil entrar no reino de Deus quando se confia nas riquezas deste mundo. Estas riquezas podem ser: dinheiro, bens, saúde, emprego, auto-segurança e auto-confiança. Nada pode derrubar-nos, pois somos boa gente. Acredita-se no Deus bondoso e amoroso. Dá-se um lugar para ele na vida religiosa. E Jesus, conhecendo o coração humano, que nele não há nada de bom (Mateus 15.19; Gênesis 8.21) e que de natureza ele não confia em Deus acima de todas as coisas, afirmou que dificilmente alguém poderá herdar o reino de Deus. Os discípulos sentiram o problema a tal ponto de perguntarem a Jesus: Então, quem pode ser salvo? Mesmo eles, que no sentido material eram pobres, sentiram que jamais poderiam herdar o reino de Deus, pois também eles possuíam suas seguranças neste mundo. Sim! Quem pode ser salvo?

5 – Por si – ninguém! De natureza somos perdidos e condenados. Mas Jesus trouxe luz a este beco sem saída: O que para os homens é impossível, é possível para Deus. Deus abriu a possibilidade de vida eterna através de Jesus Cristo. Aí está a nossa esperança. Unicamente neste Senhor há saída. Ele se esvaziou, deu a sua vida por nós (Filipenses 2.5-11). De nossa parte não há outra saída do que abandonar as falsas seguranças, dobrar-nos diante Dele, reconhecer e confessá-lo como Senhor.

Conclusão – Quem dá meia-volta (arrependimento), atendendo ao desafio de Jesus, viverá já aqui, sinais do reino de Deus, pois estará neste mundo para buscar a Deus e servi-lo através do seu semelhante, esvaziando-se das falsas seguranças. Aí teremos paz e justiça.

IV – Esquema para prédica

Introdução – Pessoas têm dificuldades de expor seus problemas a outras. Mas há necessidade de sair de si mesmo, dialogar com Deus em sua palavra, a fim de saber que rumo e atitudes tomar na vida.

1 – Desdobrar o ditado: faço o bem e não temo a ninguém – observando as pessoas hoje espelhadas no personagem do texto.

2 – Jesus desmascara a falsa segurança das pessoas e as desafia para confiar em Deus acima de todas as coisas (primeiro mandamento).

3 – Diante das palavras de Jesus há necessidade de tomada de posição: aceitar ou rejeitar o desafio: O personagem do texto rejeitou o convite e afastou-se triste. Qual a nossa decisão?

4 – De natureza as pessoas não buscam a Deus. São maus os seus pensamentos, caminhos e atitudes.

5 – Deus abriu um novo caminho. Nele tudo é possível para aqueles que buscam nele respostas para as suas dúvidas.

V – Subsídios litúrgicos

1. Intróito: Diz Jesus Cristo: Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e rou¬bam.

2. Confissão de pecados: Todo-poderoso Deus! Estamos diante de Ti como pessoas culpadas. Pois é grande a tentação de juntarmos riquezas neste mundo e depositarmos nelas a nossa confiança. Perdoa-nos pelo sangue de Jesus. Ajuda-nos a nos desprendermos destas riquezas, usando-as em benefício dos mais necessitados. Somente assim poderemos buscar a ti de todo o coração. Por Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador. Amém.

3. Leitura bíblica: Filipenses 2.5-11.

4. Oração de coleta: Eterno Deus! Somos gratos por esta oportunidade que tu nos dás de estarmos reunidos em comunidade. Agradecemos-te por que tu queres falar conosco neste encontro. Abre nossas mentes para aceitar o desafio que lanças diante de nós. Por Jesus Cristo, nosso Senhor. Amém.

5. Oração final: Deus e Pai! Louvamos e glorificamos a ti, pois tu tens palavras acertadas para a nossa vida. Novamente recebemos a tua mensagem que nos desafia. Ajuda-nos para que definitivamente possamos seguir-te. Mas este seguir exige de nós sacrifícios materiais. Exige que nos desprendamos das falsas seguranças, das riquezas, que tanto nos prendem. Pois quando isto fizermos, estaremos ajudando outros e haverá mais paz e justiça entre nós.
– Interceder pelas famílias, pela cidade, pelo estado, pelo país e suas autoridades para que abandonem suas falsas seguranças e saibam distribuir com os que não têm. Que vivam com menos e dependentes de Deus.

VI – Bibliografia

– BAILER, A. Meditação sobre Mc 10.17-27. In: Neue Calwer Predigthilfen. v. B. Série do 39 ano. Stuttgart, 1981.
– OBENDICK, H. Meditação sobre Mc 10.17-27. In: EICHHOLZ, G. ed. Herr tue meine Lippen auf. v. 3. 4. ed. Wuppertal-Barmen, 1962.
– SCHÄEFFER, D. Meditação sobre Mt 19.16-26. In: Proclamar Libertação, v. 2. São Leopoldo, 1977.
– SCHNIEWIND, J. Das Evangelium nach Markus. In: Das Neue Testament Deutsch. v. 1. 7. ed. Göttingen, 1956.
– SCHWINDT, J. Meditação sobre Lc 18.18-30. In: Proclamar Libertação, v. 6. São Leopoldo, 1980.
– VOIGT, G. Meditação sobre Mc 10.17-27. In:___. Die geliebte Welt. Göttingen, 1980.