Prédica: Isaías 24.12-16a
Autor: Heinz Ehlert
Data Litúrgica: Inauguração de uma Igreja
Proclamar Libertação – Volume XIII
l – Exegese
O trecho em pauta é extraído de um contexto que descreve de maneira dramática o julgamento de Deus que sobrevirá à terra e atingirá de maneira violenta o próprio povo de Deus. A terra sofrerá devastação por causa da corrupção generalizada de seus habitantes. Esta corrupção ê, sobretudo, desobediência a Deus, desprezo ao Senhor: pecado. É orgulho humano desafiando a ira do Senhor.
Trata-se, mais provavelmente, de uma composição pós-exílica.
A intenção é de estabelecer um contraste muito claro e significativo entre a visão da catástrofe – que é castigo pelos pecados – e a visão de alegria de um restante (uma pequena parte) do povo que será preservado. No trecho proposto, principalmente nos vv. 13-16a, este restante está em evidência. Vamos aos detalhes:
V. 12 – Lembrando a desolação e ruína descritas nos vv. anteriores, esta afirmação representa o fundo escuro e sombrio sobre o qual se desenha a imagem de um grupo que exulta de alegria – apesar de tudo.
É preciso, pois, ter em mente que o juízo de Deus é uma realidade. A cidade pode ser coletivo para a terra habitada em geral, que sofre as consequências da desobediência. Nada mais funciona. As festas terminam, a alegria se acabou. Reina a desolação, a cidade volta ao estado do caos (v. 10, cf. Gn 1.2) reinante antes de Deus ordenar o cosmo. A desolação é descrita pela destruição das edificações (que estão em ruínas) e a ausência da alegria de um lado e as lamentações (o clamor) por este estado de coisas, de outro.
V. 13 – Usando a mesma comparação encontrada antes (cap. 17.6), faz a descrição de um restante (um pequeno grupo) que será como o repassar da oliveira (colhendo as últimas olivas) ou do rebuscar da vindima (buscando as uvas que sobraram na colheita principal).
Não fica tão claro, se é o mesmo 'restante' que antes foi descrito como clamando por causa do caos, causado peto juízo de Deus (v. 11). De qualquer maneira é a visão dos poucos que restarão, a que se referiu o v. 6.
V. 14 – Eles levantam a voz e cantam com alegria. Levantar a voz era termo técnico para expressar o clamor que tanto pode ser motivado por profunda tristeza (Gn 21.16; 1 Sm 24.16) como por grande alegria (SI 93.3). Aqui se trata de alegria.
Quem assim levanta a voz deve ter motivo para isto. Indica-se a glória do Senhor, sem especificar em que consiste. É provável que o Senhor Deus, que pune o orgulho humano (que pretende dominar sem Deus), faz parte dessa glória. Deus se mostra soberano justamente no juízo. Homem algum, por mais poderoso que seja, pode tomar-lhe o senhorio, ou desafiá-lo impunemente.
V. 15 – O cântico de louvor, que brota espontaneamente, ainda deve crescer e avolumar-se, tornando-se cada vez mais abrangente. Por isso a exortação que de todas as direções venham mais e mais unir suas vozes ao coral re¬tumbante de louvor ao Senhor Deus de Israel. Esta última observação garante a identidade do Senhor da história que age exemplarmente na história deste povo de sua particular escolha. Manifesta-se com isso, porém, em glória a todos os povos.
V. 16a. – Dos confins da terra, pois, conflui o louvor que canta glória ao Justo: àquele que julga retamente e que cumpre a sua palavra. Ele inspira ao mesmo tempo respeito e confiança.
II – Meditação
Desde a antiguidade os templos, também entre o povo de Deus, têm servido como lugar para dar glória a Deus. Dar glória a Deus significa reconhecê-lo como Senhor e respeitá-lo como soberano, manifestado tanto na natureza como na história.
Infelizmente a história humana tem sido, através dos tempos até os nossos dias, uma história de rebeldia contra o Deus, Senhor e Criador. O AT é narração farta desta rebeldia humana, exemplificada exatamente no povo que Deus escolheu para sua revelação. O Deus de Israel aí demonstra que é criador e senhor do mundo e dos povos. Exerce o seu direito de dar os seus mandamentos para dirigir de maneira benevolente e justa a humanidade.
Quando a rebeldia do povo aumenta perigosamente, quando abandona o seu criador e seu próprio destino original, Deus tem que intervir. Assim o testemu¬nham amplamente os escritos proféticos do AT.
A sua intervenção pode representar juízo. Este juízo pode concretizar-se na destruição que os homens, líderes e liderados, embriagados com a ambição ou o gozo do poder, causam uns aos outros. O testemunho escriturístico está cheio de exemplos, onde Deus castiga o seu povo desobediente e idólatra através de povos e nações gentios. Desta punição que traz morte e sofrimento, não está excluído o próprio lugar de adoração, o templo, porque foi profanado por um culto e uma piedade hipócritas e vazias.
Construir, inaugurar e manter um templo, uma igreja hoje, faz sentido? Corresponderia à vontade de Deus? Pode, se contribuir para reconhecer a Deus como Senhor todo-poderoso e para organizar a convivência em família, comunidade e nação mais de acordo com a sua vontade. O culto no templo não pode ser divorciado da ação dos homens no dia-a-dia. É justamente no planejamento e na execução dos planos da atividade política, económica, educacional, industrial, cultual e missionária que se deve mostrar se o culto a Deus, no templo, foi levado a sério.
Deus não quer e não pode ser confinado ao templo. Por isso deve haver uma ligação estreita entre o que se faz dentro do templo, da igreja e fora dela, na vida civil e eclesiástica. A comunidade cristã e mesmo os seus líderes muitas vezes se esquecem disso. O culto na igreja pouca ou nenhuma influência tem sobre o procedimento e conduta no dia-a-dia. E as pregações estão voltadas para o contexto dos participantes, dizendo respeito ao seu dia-a-dia, ou são alienantes na linguagem e no conteúdo? É possível até que os participantes prefiram uma pregação deste tipo. O pregador, no entanto, deve interpretar e anunciar a palavra de Deus como mensagem atual. Sem render-se a modismos fúteis, guardar fidelidade à mensagem do Deus, Senhor da história.
Cada templo que se levanta em meio a tantas outras edificações (habitações, indústrias, centros administrativos) deve ser realmente o centro qualitativo que lembra a soberania de Deus. Deve-se lembrar, pois, ao homem de nossos dias que, a par de todos os avanços da ciência, de toda a capacidade realizadora, não está emancipado de Deus, mas é, ao mesmo tempo, limitado e responsável, isto é, sujeito a prestar contas sobre os seus atos e feitos.
A lembrança de uma cidade em ruínas, consequência do pecado humano castigado por Deus, é exortação para uma prática do culto racionar, recomendado pelo apostolo Paulo (Rm 12.1). É o chamado ao arrependimento. À uma humanidade que se empolga com os avanços da técnica e a capacidade de até manipular os gens, sentindo-se autorizada a fazer todo tipo de experiências, ignorando a vontade do criador, ê preciso proclamar a Palavra de Deus, como soberano Senhor e Juiz justo.
Ao mesmo tempo, porém, o templo é lugar para cantar a libertação e salvação dos que são , a um tempo, vítimas e cúmplices desta ação humana que tantas vezes conduz à devastação. Em Cristo Deus se apresenta como libertador e salvador.
Em nossos dias mais do que nunca precisamos de lugares e oportunidades de verdadeiro encontro com Deus e os irmãos e autêntica reflexão. Isso nos mostra, p. ex., a afluência das pessoas a cultos místicos de seitas ou religiões neopagãs que prometem ajuda nas crises da vida, enganando o povo.
É possível então, que diante de injustiças sociais, de exploração e corrupção, de um sistema ou ordem económica mundial injusta e opressora, que ge¬ram desânimo e miséria, possamos, pelo anúncio do evangelho, divisar um novo dia, como o faz o nosso texto.
Sinais do Reino de Deus em meio aos fracassos humanos, são então motivo para insistir no louvor praticado nos templos. Pois recorrer ao testemunho bíblico é recorrer à fonte de vida, é anunciar o Senhor todo-poderoso e justo.
Proclamando por palavra e cântico os seus feitos no passado e presente, teremos força para continuar a peregrinação em continuado louvor e esperança.
Em nosso tempo temos, graças aos meios de comunicação, a possibilidade de perceber e viver simultaneidade na alegria e na dor, na esperança e no desespero. Sejam os templos lugares para reconhecer o erro humano e a dádiva de Deus, dando a ele continuado louvor.
Ill – Indicações para a prédica
1. Motivação: A título de motivação podemos contar um acontecimento significativo, ocorrido na Alemanha, depois da 2a guerra mundial. Um grupo de famílias que foram expulsas das regiões onde moravam no oriente da Europa, recebe a permissão de se assentar numa região da Alemanha Ocidental. Pode ali fundar uma aldeia. Levanta um barracão como abrigo coletivo. Depois serão levantadas as habitações. Numa assembleia, porém, resolvem: antes de trabalhar nas casas, vamos levantar uma igrejinha ao Deus que nos poupou e conduziu: a ele honra em primeiro lugar. Orientada/os por ele podemos prosseguir na edificação de uma nova existência. Dependemos dele. Parece Abraão, quando na chegada à terra desconhecida, levanta um altar a Deus (Gn 12.8).
A Palavra de Deus deve orientar-nos na inauguração de uma nova igreja.
2. Deus é Senhor-sua glória no juízo. Ninguém gosta de ser julgado. Todos, porém, têm noção de um juízo, onde devem prestar contas. Uns falam da história, outros de Deus. A Bíblia mostra Deus como Senhor o Juiz. Disto fala o próprio texto e principalmente o contexto de Isaías aqui.
a. Povos da terra sofreram e sofrem juízo pelos seus atos, inclusive o povo de Deus.
b. Sinais de juízo na história contemporânea: guerras, terrorismo, de¬sastres nucleares; autores, cúmplices e vitimas.
3. Deus é Senhor – sua glória na salvação.
a. O restante, segundo Isaías. No juízo Deus salva um restante,
b. Ao mundo perdido Deus enviou o Filho, na plenitude do tempo.
4. O templo – lugar para adorar e proclamar Deus, o juiz e salvador.
a. Adoração e glória no culto da comunidade: a Deus que se revelou na
história e na natureza.
b. Proclamação da palavra critica dos acontecimentos e mensagens de
nossos dias.
c. Celebração e cultivo da comunhão dos crentes.
d. Impulsos e orientação para prosseguir na luta e peregrinação em direção ao alvo eterno.
5. Conclusão: O Deus eterno que se comunicou com suas criaturas, quer ser correspondido. Isto acontece com palavras e ações. O templo teve e tem uma função em meio ao povo de Deus. É lembrança contínua de sua soberania e glória. É lembrança também de sua presença para amparar e consolar. É lembrança afinal, das promessas sobre o futuro.
IV – Auxílios litúrgicos
1. Confissão dos pecados: Senhor, reconhecemos a nossa ambição de dominar e a nossa cobiça de possuir. Reconhecemos que isso conduz ao pecado contra ti e contra os nossos próximos. Perdoa-nos, Senhor, por tua graça e renova a nossa mente para servir-te. Tem piedade de nós, Senhor.
2. Oração coleta: Pai celeste, graças te damos por tua palavra. Graças te damos que podemos estar em tua presença neste novo templo. Dá-nos concentração quando ouvimos a tua mensagem. Que ela nos possa despertar, consolar e animar. Amém.
3. Elementos para a oração final: Agradecimento pela obra concluída: pelo empenho individual e coletivo; pela experiência de comunhão na fé e no serviço. Intercessão pelas famílias; pelos perseguidos e oprimidos; pelos pregadores e professores; pela missão e diaconia na Igreja; por governantes e governados.
V – Bibliografia
– BÍBLIA Hebraica. Ed. R. Kittel. Stuttgart, 1925.
– CRABTREE, A. R. Isaías. Rio de Janeiro, 1967. v. 1.