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Prédica: Hebreus 13.(7) 8-9b
Autor: Joni Roloff
Data Litúrgica: Véspera de Ano Novo
Data da Pregação: 31/12/1988
Proclamar Libertação – Volume: XIV


l — Observações gerais

Para entendermos melhor o nosso texto de estudo, faremos algumas constatações gerais sobre a Carta aos Hebreus. A Carta aos Hebreus está sendo ainda hoje um enigma, pois existem muitas perguntas sobre ela. Quem é o autor? Quem são os leitores? Quando foi escrita? Autores mais remotos argumentam ter ela sido escrita por Barnabé, por Apoio, por Áquila e Priscila, ou então por Paulo. Para Hebreus ter sido reconhecimento de tal modo que pudesse entrar no NT, teve que ser incluído nas três cartas de Paulo. No entanto, as pessoas de toda Igreja Primitiva a conheciam e estimavam, e sabiam que seu estilo e pensamento não eram de Paulo. Hebreus não tem muitas afinidades com Paulo. Existem muitas diferenças, tanto na forma como na disposição. Podemos ver alguns exemplos: a) diferença na linguagem e estilo; b) o grego de hebreus corresponde ao linguajar erudito; c) Paulo termina muitas de suas frases com construções abruptas, enquanto que Hebreus termina com construções frasais bem acabadas; d) a maioria das cartas de Paulo são subdivididas em partes doutrinárias e em partes com discursos morais, enquanto que Hebreus é entremeada de discursos morais; e) o autor de Hebreus se coloca entre aqueles que foram instruídos pelas testemunhas auriculares de Jesus (Hb 2.3), enquanto que Paulo acentua sua independência dos discípulos (Gl 1.2).

Assim, Paulo não pode ser relacionado nem direta nem indireta-mente com a carta aos Hebreus. Somente sabemos que o autor procura ajudar a segunda geração cristã no combate à tentação e esmorecimento da fé. A partir de sua obra podemos ver que sua origem é judaica, sua educação aconteceu em uma grande cidade helenística como Alexandria, mostra profundo conhecimento do AT, grande talento para a pregação, o seu cristianismo é de inspiração paulina. Ainda hoje autores concordam ou, não sabendo responder, argumentam conforme Orígenes: Somente Deus sabe quem escreveu a carta aos Hebreus.

Com mais segurança podemos, no entanto, falar sobre os leitores da Carta aos Hebreus. Não se pode partir de aos hebreus para dizer quem são os leitores, mas temos uma pista em Hb 13.24: saudações dos da Itália. Assim, poder-se-ia dizer que os leitores são da Itália, ou melhor, de Roma. Em todos os casos, são cristãos como o autor, separados da comunidade e, talvez,'se afastando da fé. A Igreja de que faziam parte já estava estabelecida há muito tempo (5.12), e tinha sofrido muitas perseguições no passado (19.32-34); era Igreja que tinha tido dias gloriosos, grandes mestres (13.7), que não fora fundada diretamente pelos apóstolos (2.3) e que se distinguia pela generosidade e liberalidade (6.10). Poderíamos dizer que o autor se dirige a uma comunidade específica, cujos problemas conhece e a qual quer ajudar exortando (13.22) e ensinando.

Quanto à época do surgimento dos primeiros escritos, a única informação que se tem vem da mesma carta. Existem muitas referências a perseguições. Toda a carta mostra o iminente perigo e medo de sofrer uma nova perseguição. Com isto, pode-se dizer que a carta foi escrita não no tempo das perseguições, mas no meio delas. A primeira perseguição aconteceu em 64 d. C., com Nero, e a segunda perseguição em 85 d. C., com Domiciano. Data-se, portanto, a carta por volta de 75 a 80 d. C., na segunda geração cristã (Hb 2.3).

Ainda nos perguntamos se Hb, capítulos l a 13, é uma epístola ou uma carta. O título conforme a Bíblia do Almeida, é Epístola aos Hebreus. Usamos geralmente o termo Carta aos Hebreus. Na verdade, o texto aos Hebreus não é uma epístola mas, sim um sermão ou prédica. Somente no final temos um bilhete de acompanhamento (13.18-25), redigido quando este texto foi enviado a alguma comunidade distante.

Com esta conclusão não podemos dizer que a Epístola aos Hebreus seja uma carta. Do início ao fim ela pertence ao género da pregação. Ela constitui o único exemplo que temos, no NT, de um texto de pregação conservado integralmente. Nos outros casos trata-se sempre de fragmentos. Assim, seria mais fácil chamá-lo de pregação sobre o sacerdócio de Cristo ou sermão sacerdotal. Não podemos, em todos os casos, mudar um nome de uma hora para a outra. Assim também acontece com a Epístola aos Hebreus' este título como o oficial.
que continuará com

Por que um sermão sacerdotal? Porque o autor de Hb foi o único, em todo o NT, que afirmou explicitamente o sacerdócio de Cristo. Na Primeira Epístola de Clemente já se encontram o título e a ideia de sumo sacerdote (l Ciem 61.3; 64.1; 36.1). Conforme Goppelt, é muito provável que esta ideia a respeito de sumo sacerdote não se tenha desenvolvido começando por Hebreus. Pelo contrário, essa ideia deve ter sido o ponto, a partir do qual Hebreus desenvolveu sua cristólo-gia de sumo sacerdote. Podemos deduzir isso, lendo Hb 2.17, onde a ideia do sumo sacerdote intercedendo em favor dos seus é introduzida repentinamente, presumindo-se que seja conhecida dos leitores.

Hebreus parte do Sl 110.1, que fala de assentar à direita, para desenvolver sua cristologia de sumo sacerdote: Tu és sacerdote para sempre, segun¬do a ordem de Melquisedeque (Hb 5.6). Paulo nunca abordou este tema; ele não fala uma única vez de sacerdote, nem de sumo sacerdote e nem de sacerdócio. Quando os evangelhos se utilizam dos títulos de sacerdote e sumo sacerdote, é sempre para designar Jesus. O autor de Hb não hesita em chamar Jesus de sacerdote e, ainda mais, de grande sacerdote, conforme Hb 3.1; apresenta a condição de sacerdote de Cristo como o tema mais importante do seu ensinamento (8.1).

Para Hebreus, Cristo é o sumo sacerdote. No entanto, Hebreus aprofundou a ideia de sacerdócio que se tinha. Não mostra simplesmente que Cristo possui o sacerdócio, mas que ele é o único e verdadeiro sacerdote no sentido mais pleno da palavra, pois Cristo foi o único que abriu às pessoas o caminho que leva a Deus e as une entre si.

A teologia da Epístola aos Hebreus, além da cristologia sumo sacerdotal, ainda apresenta a parênese. A sua culminância está na advertência da queda irreparável (3.18s; 6.14ss; 10.26ss; 12.16s). Para compreender esta advertência, precisa-se compreender a terminologia soteriológica que ela emprega.

Paulo e João desenvolvem uma terminologia soteriológica própria, enquanto que Hebreus segue a da tradição sinótica e da pregação missionária de Atos dos Apóstolos. Paulo fala da justificação, reconciliação, ou de morrer com Cristo, para com ele viver. João fala do novo nascimento, de passar da morte para a vida. Hebreus, porém, preserva as formulações tradicionais e fala de arrependimento ou penitência (6.1,6; 12.17) e de remissão dos pecados (9.22; 10.18). Uma doutrina que acentua, pois, a singularidade de arrependimento e de perdão.

Vimos, até aqui, alguma coisa sobre a estrutura teológica do autor da Epístola aos Hebreus. Vamos agora entender melhor em que contexto os vv. 8-9b estão inseridos.

Hb 1.1-5 — 5.10: A revelação de Deus no Filho, como único e verdadeiro sumo sacerdote.

Hb 5.11 — 10.39: O valor sem igual do sacerdócio e do sacrifício de Cristo.

Hb 11.1 – 12.29: Fé e santidade. Hb 13.1 — 13.19: Agir correto na comunidade.

II – Texto

A indicação do texto por parte da coordenação do Proclamar Libertação é Hb 13.8-9b. É notável, no entanto, ler os vv. 7 a 9. Verificamos que o v. 9 está dividido em três partes; lendo-o por completo, entenderemos o porquê.

Parece-nos que o cap. 13 seja um apêndice, que aplica as assertivas da epístola a questões concretas da Igreja. Vamos ver, como poderíamos dividi-lo: a) 13.1-6: exortação a uma vida cristã; b) 13.7-17: ortodoxia, obediência à Igreja.

Como vimos, a Epístola aos Hebreus é um sermão que foi escrito para uma comunidade que estava em perigo de esmorecer na fé (2.13; 12.4) e de conformar-se de novo com a vida mundana (13.13s). Aqueles que foram chamados a serem cidadãos de um mundo novo, acomodam-se no velho mundo. Para arrancar a Igreja desta situação, mostra-lhe o seguinte: Cristo é a perfeita e definitiva revelação salvífica de Deus, justamente por ter sido o humilde neste mundo. O autor tem, portanto, o máximo interesse em conseguir convencer a seus leitores que Jesus é realmente a perfeita revelação salvífica de Deus.

O nosso texto: Jesus Cristo ontem e hoje é o mesmo, e o será para sempre. Não vos deixeis envolver por doutrinas várias e estranhas, porquanto o que vale é estar o coração confirmado com graça (v. 8-9b). Nesta passagem o autor de Hebreus se concentra numa coisa:

Jesus Cristo é o verdadeiro guia. Sua preeminênca é permanente, e sua liderança é eterna. Para nós sermos seus guias, bastam a f é e a graça.

V. 7: O autor de Hebreus dá grande valor para que o domínio pessoal na vida do cristão e também a comunhão dos fiéis na comunidade possa ser dirigido e caracterizado pelo Espírito Santo. A vida de fé não funciona sem conduta e obediência. O capítulo 13 cita, por três vezes, os guias: no v. 17 os destinatários são ensinados a obedecer-lhes; no v. 24 são exortados a cumprimentar todos os guias; e aqui o autor adverte os fiéis, para pensarem nos guias já mortos. Os guias da comunidade são pessoas que dirigem a vida da comunidade de maneira responsável, que expõem a Palavra de Deus solicitamente. Decidem, baseados na sua capacidade de julgar (Hb 5.14), as perguntas concretas da vida da comunidade. Os guias mostram Cristo em sua própria vida, numa demonstração viva. Isso implica numa mudança de vida (l Tm 4.12; l Pe 5.3). Não somente em vida, mas também na morte do crente a magnificência de Deus deve tornar-se evidente. A fé como modelo consiste no fato de que, no transformar das gerações, sempre se deteve no Senhor imutável.

V. 8: O autor mostra bem claramente que o verdadeiro guia é Jesus Cristo. Todos os guias terrenos surgem e passam; têm o seu tempo de ação e depois se retiram de cena. Mas Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e sempre. Sua liderança reside nisso, é eterna e imutável. Como o Cristo ontem ele é o Filho de Deus, que por toda a eternidade vivia na magnificência de Deus. Tornou-se carne, foi crucificado e obteve a salvação para um mundo perdido. Como o Cristo hoje, ele é o Filho de Deus ressuscitado que, como pontífice, está sentado à direita de Deus e age através do Espírito Santo para reunir a sua comunidade aqui na terra. Como o Cristo em eternidade, ele é o Filho de Deus que retornou e edificou seu Reino eterno neste mundo.

O autor se utiliza de uma imutabilidade divina no início da carta (1.12), e agora a retoma, mas de uma maneira mais abrangente, pois o para sempre inclui os aspectos ontem e hoje, que na realidade abrangem todos os aspectos do tempo. Guthrie coloca que, se ontem se refere ao passado imediato do sumo sacerdote que é Jesus Cristo, a declaração inteira pode, na realidade, referir-se à sequência dos seus atos em favor das pessoas, um sacrifício passado, uma intercessão presente e uma consumação futura. Nesse caso, ressaltaria que Jesus Cristo nunca precisará ser substituído. Semelhante fé não fazia mais que corresponder à imutabilidade de seu objetivo — Jesus Cristo — no passado, no presente e no futuro.

O v. 8 volta até a declaração de Deus no monte Sinai, onde Deus se fez conhecido de Moisés como aquele que eu sou o que sou (Êx 3.14). Jesus tem parte na eternidade de Deus. Assim como ele mesmo é eterno, assim também recebe uma tarefa eterna (Hb 7.17-25). Com isso o apóstolo conduz os seus leitores de volta para o pensamento inicial colocado na carta (Hb 1.12), quando usa as palavras do SI 102.27 para Cristo: Tu, porém, és sempre o mesmo, e os teus anos jamais terão fim!

V.9: Este é o único texto de Hebreus que fala claramente de uma influência exterior da comunidade, em forma de doutrinas estranhas. Estranhas se refere a doutrinas ou ensinamentos que não procedem da comunidade nem têm origem nela. Hebreus tenta evitar o influxo de tais doutrinas que parece que não constituem um puro perigo senão que já exercem uma certa influência entre os cristãos. Quais eram estas doutrinas várias e estranhas que constituíram sempre um dos pontos difíceis da exegese de Hebreus? Para nosso entendimento não é preciso conhecer seu conteúdo, mas sim o seu nível de influência na comunidade, a importância de seu influxo e, por isso, seu papel na decisão do autor ao escrever a carta. A situação é, portanto, o grave sintoma de indiferença e despreocupação dos da comunidade ante a fé.

Um sinal claro e evidente do cristão imaturo e inseguro é a facilidade de se deixar influenciar por doutrinas erróneas (cf. 4.14). Em Hebreus, o autor afirma que a comida farta é para os cristãos maduros. Dá a entender que cristãos da Igreja à que se refere o sermão, voltaram ao jugo das leis, abandonando a liberdade cristã conquistada, como por exemplo: muitos gregos pensavam que certas comidas ou bebidas fortaleciam seu espírito ou libertavam a sua alma. Supunham, portanto, que tudo quanto era necessário era a dependência do sustento físico ao invés do espiritual. Comunidades de cristãos hebreus e de cristãos pagãos (gentios) estavam diante do mesmo problema. Para estes o autor diz de maneira clara: É bom que o coração seja firmado com graça, não com alimentos, dos quais não têm proveito algum aqueles que se preocupam com isto. A firmeza de fé do coração humano não é ganho pelo exercício exterior, de religiosidade imposta, mas como ação da graça de Deus. Quem deixa sua vida criar raízes nos ensinamentos de Jesus Cristo, também é fortificado pela graça de Deus (l Co 1.6). Quem aceita a boa nova de Jesus Cristo, terá o seu coração transportado para o invisível e vindouro, para a realidade de Deus. Assim se chega na firmeza de fé que invariavelmente se segura em Deus. O autor deixa claro: a dependência de Deus fundamenta-se na graça, não nos alimentos. Não há dúvida que a graça é a graça de Deus (2.9; 4.6), que resume os tratos graciosos de Deus com as pessoas. Esta é contrastada com os alimentos como meio de fortalecer as respectivas pessoas.

Segundo o v. 9b, parece que o autor quer mostrar que as doutrinas tinham como meta a obtenção de um coração forte, isto é, uma atitude interior de segurança. O autor aprecia este fim, mas não é o meio que recomenda para alcançá-lo. Ele conhece somente um: a graça de Deus. Só ela arranca a intranquilidade que se aninha no coração, fazendo-o firme. Sobre sua .base cresce a segura atitude própria de uma personalidade cristã.

Para o autor é de suma importância a instrução bíblica sem equívocos, baseada unicamente na Palavra de Deus. Se o autor entende que a comida farta é para cristãos maduros, se subentende que, assim, os membros das comunidades deveriam saber escolher a instrução bíblica que se baseia unicamente na Palavra de Deus. Cada doutrina falsa tem consequências inevitáveis também na vida pessoal daqueles que a seguem e proclamam. A Palavra de Deus permanece a mesma por toda a eternidade, mas faz parte dos acontecimentos previstos no âmbito da comunidade, pois sempre de novo aparecem pessoas que se envolvem em doutrinas várias e estranhas, isto é, anunciam falsos ensinamentos (At 20.30). Por isso, as advertências e a exortação de se segurar na confiante Palavra de Deus, nos ensinamentos sadios, que culminam na súplica do apóstolo Paulo, é válida para todos os cristãos: Tem cuidado da doutrina! (l Tm 4.16; 6.3; 2 Tm 1.13; Tt 1.9; 2.1). Em último caso, as forças do mal estão por trás de cada doutrina falsa, tentam usar todo o seu poder mágico e convincente para desviar os crentes da sua ingenuidade em Cristo (2 Co 11.3) e arrastá-los para a perdição. A cristandade secular sabe do poder das estranhas mudanças de espírito, mas o autor adverte mesmo assim a comunidade para que não se deixe carregar por elas. Assim, podemos compreender direito a admoestação do apóstolo: Se alguém vier até vocês, não trazendo este ensinamento, não o recebam em casa e nem o cumprimentem! Pois quem o saúda, compactua com as suas más obras (2 Jo 10).

Hebreus propõe a fé constante e paciente. Desta maneira o autor expõe a sua fé num plano de renovação própria de cristãos da segunda geração, contrária à sua atitude de indiferença, a intensificação de sua esperança e de sua fé, constantemente conservadas até o final.

Nesta exortação, que é o objetivo da carta, o autor de Hebreus assume o espírito e a letra de todas as suas parêneses. Os objetivos fundamentais centram em seu interesse: a intensidade e a constância. Em resumo, Hebreus exorta à intensificação da fé e da esperança. O autor manifesta a importância de um espírito esperto e constante, que mantém viva sua fé e esperança dia após dia até o final.

Ill — Meditação

A reflexão que segue poderá ser usada para a pregação ou para o estudo em grupos. Conforme carta da coordenação do Proclamar Libertação, foi-me sugerido fazer um estudo catequético para ensino confirmatório ou culto infantil sobre o presente texto. No entanto, somente esbocei uma reflexão, pois não tenho mais contatos diretos com adolescentes e crianças. Creio que o texto de Hebreus 13.8-9b deveria, antes de tudo, ser trabalhado com estes grupos, para depois ser melhor elaborado.

Sugiro ler Hb 13.2-9. Assim poderemos ter uma visão melhor do contexto, no qual se encontra Hebreus 13.8-9b.

Em Hb 13.2 é apontada a prática da hospitalidade, que estava sendo neglicenciada. No v. 3 aparecem aqueles que estavam presos por causa do testemunho de sua fé e, automaticamente, sendo esquecidos pelos cristãos da comunidade. No v. 4 o autor cita a desunião do matrimônio.

No v. 5 fala dos cristãos avarentos, referindo-se à exploração da época. No v. 6 o autor lembra os cristãos, para não terem medo dos poderosos.No v. 7 o autor chama a atenção da comunidade para lembrarem os seus primeiros líderes da fé. No v. 9a o autor faz uma exortação à comunidade por estar permitindo a penetração de vários ensinamentos estranhos. Até aqui, podemos ver claramente que o autor se dirige a uma comunidade específica, da qual conhece os problemas. Escreve, assim, uma pregação em forma de exortação para ajudar, animando os cristãos a permanecerem na fé e, ao mesmo tempo, ensinando que Cristo é o único e verdadeiro guia da Igreja, a quem devem seguir.

O autor de Hebreus chama a atenção dos que já morreram (v. 7), mas cuja lembrança ainda está viva. Devem lembrar de como eles viveram, o seu estilo, sua maneira de vida. A sua prática era importante, e não somente as palavras. Também hoje, o importante é que o guia espiritual ou líder de uma comunidade leve as pessoas a Cristo, não chamando a atenção sobre si mesmo, mas sobre a pessoa de Jesus Cristo. O verdadeiro líder deve viver a fé para levar as pessoas a Cristo, através de uma demonstração viva e não a partir de uma argumentação verbal somente.

A Igreja e o mundo precisam de pessoas assim. O autor, no entanto, vê que este está sendo o grande problema. As pessoas se denominam cristãos, lideram trabalhos nas comunidades, lutam por um mundo melhor, mas somente por algum tempo, depois abandonam tudo. Mas Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e sempre (v. 8). Sua preeminência é eterna, sua liderança é permanente. Nisto reside sua liderança terrena. Jesus Cristo, aquele que caminhava pela Galiléia e outras regiões, que se misturava com doentes, prostitutas, assassinos e crianças, era tão poderoso que afastava o mal destes e os amava. Assim como escolheu os 12 quando ainda caminhava no meio do povo, assim hoje procura outros 12,30,400,. . ., que levam as pessoas a ele e ele às pessoas.

Hebreus declara: O Filho foi aperfeiçoado justamente porque teve que comprovar a condição de Filho através de tentações e sofrimentos. Assim tornou-se o mediador da salvação que, como sumo sacer¬dote, tem condições de comparecer perante Deus. O Filho aperfeiçoado é o sumo sacerdote que intercede pelas pessoas perante Deus e prepara o caminho em direção a Deus. Hoje, concretamente, a Igreja tem a tarefa de orientar as pessoas para elas viverem direcionadas para Deus. Esta orientação inicia colocando em prática a palavra e a fé. Para Hebreus, a fé é atitude adequada da pessoa em relação a Deus. Por isso, sua advertência no v. 9c, onde exorta a comunidade por não mais estar vivendo a f é e a liberdade, mas dando demasiada importância às leis alimentares. Negligenciaram o lado espiritual da natureza humana e acomodaram-se ao velho mundo, trocando a vida de fé pela vida mundana. Estavam, portanto, abandonando a liberdade cristã e voltando ao jugo das. leis. O autor de Hebreus afirma que o único proveito está na graça de Deus, acolhida pela fé das pessoas (v. 9b). Não é a carne, mas a f é e a graça que importam. A lei, nesta carta, é entendida como o degrau mais baixo da revelação.

Recebemos a graça de Deus imerecidamente, já no Batismo, e através da fé incondicional em Jesus Cristo. Para recebermos a fé, precisamos nos pôr à disposição de Deus. Somente um coração que recebeu a fé consegue ser grato e humilde, a exemplo do samaritano de Lc 10.25-37.

Receber a graça compromete e leva ao/à irmão/ã necessitado/a. Fazer uma confissão de fé exige, acima de tudo, identificação total com a vida, a ação e a causa de Jesus. É preciso amar como Jesus amou, com empenho total, falando e agindo para uma transformação no mundo. Este era o problema da comunidade. Os antigos líderes agiam, se orientavam, anunciavam e denunciavam baseados na Palavra, mas foram abandonados pelos demais da comunidade. A vivência baseada no Evangelho é a cruz para a comunidade. É mais fácil acomodar-se e seguir as leis humanas.

Mais um ano está se findando. Pensando na graça imerecida de Deus, o que lembramos deste ano que nos leva a agradecer a Deus? Um novo ano se inicia e com ele comemoramos também o Dia Mundial da Paz. Com que fé e esperança iniciamos esta caminhada? Ela poderá ser uma nova e diferente etapa de vida, renovação de nosso ânimo e novas expectativas? Sabemos que todas as festas e alegrias no início do Ano Novo não duram muito. Também sabemos que o Dia Mundial da Paz foi simplesmente uma data escolhida para dizer que damos valor à paz, como o Dia do índio e tantas outras datas. De uma coisa todavia podemos ter certeza: Jesus Cristo é o mesmo, ontem, hoje e sempre. Ele se doou totalmente a nós. A sua confissão de fé foi uma identificação total com a vida digna e abundante (Jo 10.10). Ele, no entanto, espera algo de nós, como cristãos individualmente e como cristãos de uma comunidade, tanto velhos, homens, mulheres, pobres, ricos, como jovens e crianças. O nosso medo, insegurança, comodismo, falta de fé e obediência às leis humanas, são muralhas que nos separam da graça imerecida de Deus. Assim nos acomodamos ao velho mundo como a comunidade à qual o autor de Hebreus escreve. Vamos nós deixar o velho mundo e ingressar no novo ano desafiados por Cristo, anunciando o Evangelho, que justifica os pecadores por graça e fé, denunciando injustiças e mortes e lutando para que a paz não seja observada e comemorada somente num dia!? Vamos lutar junto com os pequenos, fracos e marginalizados e resistir contra as estruturas e doutrinas que oprimem e aprisionam!? Vamos, como comunidade, carregar a cruz de Cristo, confiando sempre no poder do Espírito Santo, sendo suas testemunhas, em palavras e ações, hoje e sempre!?

IV — Subsídios litúrgicos

1. Confissão de pecados: Senhor Deus, tu és misericordioso, poderoso e, acima de tudo, libertador do teu povo. O nosso caminho já está desenhado, mas nós, que nos chamamos de cristãos, vivemos em comunidades que sempre de novo se desviam da tua vontade. A nossa caminhada até aqui mostra a nossa fraqueza, á nossa falta de amor, coragem, o nosso medo de testemunhar a tua Palavra, o nosso descompromisso com o/a próximo/a. Essa nossa fé e ação fracas são demonstração do esquecimento do teu senhorio e de tua graça. Esquecemos tua mensagem, a mensagem de vida nova e plena, de paz e de justiça. Confessamos que estamos longe do caminho para um mundo novo. Dá-nos coragem, Senhor, pela força de teu espírito, de lutar por um mundo novo de paz, comunhão e justiça. Perdoa-nos, Senhor, pela falta de fé. Tem piedade de nós, Senhor. Amém!

2. Oração de coleta: Senhor, mais um ano novo se inicia. Estamos ansiosos que também um mundo novo, de paz e de justiça, seja o primeiro fruto deste ano. Sentimos a tua presença durante este ano. A certeza de que tu vives nos anima e nos dá coragem. Por isso também nos reunimos como Igreja para dar glória e honra a ti e para receber orientação sobre a tua vontade. Senhor, concede-nos o teu Espírito ao ouvir a tua Palavra, para a compreendermos e sermos agentes de transformação neste mundo. Por Jesus Cristo, amém!

3. Assuntos para a oração final: Agradecer pela comunhão com Deus e com o/a próximo/a neste culto; pelo ano que se finda; pela proteção, paciência, amor e perseverança de Deus para conosco; pelo oferecimento de seu Filho, Jesus Cristo, para nos dar a salvação e nova vida. — Interceder pelos doentes, fracos, crianças, mulheres, velhos, homens, sem-terra, índios, desempregados; por um governo mais justo, que garanta a vida decente ao povo. Pela comunidade, para que haja mais comunhão, para que ela cresça na fé, para que aconteça um maior engajamento na luta por um mundo novo. Pelos cristãos que estão se afastando da comunidade e seguindo outros ensinamentos. Pelos líderes e guias espirituais para que não desanimem de ensinar e pregar. Pedir para que Deus nos fortifique na fé, para que sejamos verdadeiros em nosso testemunho em palavras e ação, iluminados pelo poder do Espírito Santo.

V – Bibliografia

– BARCLAY, W. El Nuevo Testamento. Buenos Aires, 1973.
– GOPPELT, L. Teologia do Novo Testamento. 3. ed.. São Leopoldo/Petrópolis, 1982 V. 2.
– GUTHRIE, D. Hebreus. Introdução e Comentário São Paulo, 1983.
– LAUBACH, F. Der Brief andie Hebräer Hamburg 1967
– LOHSE, E. Introdução ao Novo Testamento .3 ed São Leopoldo 1980
– MORA, G. La Carta a los Hebreos como Escrito Pastoral. Barcelona, 1974.
– SCHIERSE, F. J. Epístola aos Hebreus. Rio de Janeiro, 1970.
– STRATHMANN, H. La Epístola a los Hebreos. Espana, 1971.
– VANHOYE, A. A mensagem da Epístola aos Hebreus. In: Cadernos Bíblicos. São Paulo, 1983. V. 21.