Prédica: Atos 1.15-26
Leituras: 1 João 4.13-21 e João 17.(9-10) 11-19
Autor: Geraldo Graf
Data Litúrgica: 7º Domingo após Pentecoste
Data da Pregação: 12/05/1991
Proclamar Libertação – Volume: XVI
Ao pregar sobre este texto, sugiro conduzir a reflexão em três momentos:
1° MOMENTO: A palavra geradora testemunha.
2° MOMENTO: Ser testemunha no texto bíblico.
3° MOMENTO: A comunidade local é testemunha!?!
1. 1° momento
O que é testemunhar? É depor sobre algo que se viu ou ouviu e declarar a sua veracidade (conf. dicionários). O testemunho mais forte e convincente é quando a pessoa arrisca a própria vida como garantia pelo testemunho dado. Conhecemos muitas formas de testemunho, entre as quais destacamos:
l .a — Ser testemunha num julgamento, afirmando o que se presenciou ou ouviu, influenciando assim no veredicto a favor ou contra alguém. Neste sentido o oitavo mandamento exorta contra o falso testemunho, pois somos facilmente corruptíveis ou somos mercenários mercadejadores e leiloeiros.
l .b — Ser testemunha num acidente de trânsito, por exemplo. Geralmente não queremos sê-lo e até nos escondemos por causa dos aborrecimentos que isto nos traz.
2. Ser testemunha em assuntos legais (documentos, contratos, registros, casamentos, batismos…).
3. Ser testemunha de uma experiência e desejar que outros também a tenham. Na língua grega (língua na qual o NT foi escrito) a palavra testemunho se expressa pelo termo martyría. Daí se derivam as palavras martírio, mártir. Mártir é aquele que sofre tormentos (tortura e sofrimento) ou morte por causa das suas convicções, fé e afirmações. O termo grego expressa, com todas as suas letras, que nenhum testemunho verdadeiro é neutro e sem consequências. Implica sofrimento e até morte, justamente porque a pessoa, convicta de sua afirmação ou atuação, não arreda pé nem renega seu testemunho. O exemplo mais concreto disto é dado por Jesus Cristo, que enfrentou cruz e morte, testemunhando assim o amor do Pai. As testemunhas cristãs (ou mártires) seguem os passos do seu Senhor (l Pedro 2.21).
2. 2° momento
Em Atos l. 15-26 a escolha de Matias, para ocupar o lugar do falecido traidor Judas Iscariotes, visa a superação do escândalo, ocorrido pelo mau testemunho de Judas, e a recomposição da comunhão (12 é o símbolo da plena comunhão).
Pedro, o reconhecido líder dos apóstolos (seu porta-voz), se levanta entre os irmãos. O termo irmãos coloca a todos em pé de igualdade (Lutero usou este texto para combater o papismo) e designa os membros da família de Deus agrupados ao redor de Cristo, superando e eliminando todas as limitações e obstáculos raciais, nacionais e sociais.
Os versículos 21 e 22 expressam as condições para ser testemunha: ser testemunha acerca de Jesus desde seu batismo até a sua ascensão. Compreende o período em que Jesus agiu em nossa realidade humana — E o Verbo se fez carne e habitou entre nós e vimos a sua glória, cheia de amor e de verdade; esta glória ele a recebeu como Filho unigênito do Pai. (…) Este testemunho foi escrito para que vocês creiam que Jesus é o Salvador, o Filho de Deus, e crendo tenham vida por meio dele. (João 1.14 e 20.31.) A testemunha fala daquilo que viu ou experimentou, sentiu, colocando a sua própria vida em risco como garantia. Isto também deve ser a característica da testemunha de Jesus hoje. O ver é o experimentar, abrir os olhos para as revelações divinas que fazem reconhecer a Jesus como o Cristo. Aquele que veio ao mundo é o Salvador! Conforme Atos 1.8, este falar não procede da sabedoria humana. Por si próprio o ser humano jamais terá uma compreensão do agir amoroso de Deus. Tudo é revelado. O Espírito Santo abre os nossos olhos para as revelações de Deus. Faz a gente enxergar a realidade, faz ver o que antes não via, tendo um discernimento claro das coisas. Enxergar as revelações de Deus em Cristo somente é possível onde o Espírito Santo atua sobre nós. Tornar-se testemunha — falar e agir — é consequência imediata deste enxergar.
Hoje muitos falam. Muitos se apresentam como testemunhas. Enquanto escrevo esta meditação os meios de comunicação relatam sobre os escândalos e o 'mercadejar da palavra de Deus por pastores (Edir Macedo, David Miranda). Aí nos surge a reflexão: sobre o que fala a testemunha que passou a enxergar o agir de Cristo Salvador entre nós? Sob a orientação do Espírito Santo a testemunha falará do agir de Cristo em confronto com as dominações e forças escravizadoras deste mundo. A testemunha certamente não conseguirá permanecer neutra e descompromissada (tipo Jornal Nacional), nem falará com intenções pessoais e econômicas (falsos profetas e mercenários).
A testemunha falará do que viu e experimentou, apontando para o Senhor que liberta de todas as dominações e escravidões e que promove um mundo de irmãos. A testemunha fala a partir do grupo de irmãos — a comunidade. A comunidade — seu jeito de conviver, seu exemplo de discipulado, sua forma de repartir, de atuar em prol da verdade e da vida (João 14.6) — vai ser fundamental no testemunho diante do mundo. Este testemunho transforma. Transforma pessoas, transforma estruturas, transforma a maneira de enxergar as coisas, a realidade, as pessoas. Onde as pessoas passam a ver Cristo em sua atuação aqui no mundo (vindo em carne) e reconhecem nele o Salvador, ali acontece transformação, a tal ponto que as pessoas não suportam mais ficar numa vida individualista e egoísta, O círculo dos irmãos é a consequência imediata do enxergar a Cristo. E este círculo de irmãos se caracteriza pelo testemunho claro e corajoso de nosso Senhor Jesus Cristo, arriscando a própria vida pela verdade e vida.
3. 3° momento
Colocar toda esta reflexão na prática de vida da comunidade local, passando-se à análise do seu ser testemunha, da sua atuação clara e concreta. Onde podemos reconhecer o agir do Espírito Santo na comunidade? Onde a comunidade passa a enxergar o agir de Cristo aqui e agora? Onde, em consequência disto, a comunidade passa a viver como círculo de irmãos?
Onde a comunidade se põe a serviço no testemunho, arriscando a sua própria segurança e integridade, em defesa da verdade e vida? Concluir com propostas claras, de preferência formuladas pela própria comunidade, onde se faz necessário o testemunho imediato e concreto da mesma.
Orar pedindo que o Espírito Santo clareie nossa visão.
4. Subsídios litúrgicos
Confissão de pecados: Senhor, nós confessamos a nossa culpa: não guardamos a aliança contraída no Batismo de sermos fiéis e cumprirmos os teus mandamentos. O nosso testemunho é fraco e confuso, pois nos falta a prática da fé. Nós confessamos, Senhor, que não amamos suficientemente o nosso próximo, pois amamos mais a nós mesmos e deixamos nos dominar pelo egoísmo e pela ambição. Somos omissos e sentimo-nos não-merecedores de sermos chamados teus filhos. Por tudo isto pedimos o teu perdão, em nome de Jesus Cristo, que foi crucificado por causa das nossas transgressões. Tem piedade de nós, Senhor.
Absolvição: O Deus Eterno sempre cumpre o que promete: ele é amoroso em tudo o que faz. Ele ajuda os que estão em dificuldade e levanta os que caem. (Salmo 145.13-14.)
Coleta: Bondoso Deus, misericordioso Pai. A tua comunidade está reunida segundo a tua vontade. Envia sobre nós o teu Espírito Santo e desperta em nós uma fé firme e inabalável. Permite, Senhor, que estudemos a tua palavra com devoção e compromisso. Transforma-nos em testemunhas do teu amor revelado através de nosso Senhor Jesus Cristo. Fala, Senhor, teus servos escutam. Amém.