Proclamar Libertação – Volume 17
Prédica: Lucas 12.49-53
Leituras: Jeremias 23.23-39 e Hebreus 12.1-13
Autor: Antônio Roberto Monteiro de Oliveira
Data Litúrgica: 13º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 06/09/1992
O texto insere-se na segunda parte principal do Evangelho de Lucas (9.51-19.28), que relata a viagem de Jesus da Galileia para Jerusalém, onde haveria de enfrentar sofrimento e cruz. O contexto mais específico mostra a missão de Cristo e o discipulado sendo desenvolvido em meio a conflitos e dificuldades. Assim, Jesus é rejeitado pelos samaritanos, (9.51-56), alerta para as duras condições do discipulado (9.57-62), envia os discípulos (10.1-20), discute e denuncia os escribas e fariseus (10.21-37), exorta o discípulo a confiar na providência de Deus e estar vigilante no cumprimento de sua missão à espera do Senhor que em breve virá (11-12.48). Os conflitos e divisões fazem parte dos sinais dos tempos (12.54-59). Portanto, a delimitação do texto no v. 53 é intencional, e poderia estender-se até o v. 59.
Os vv. 49-50 são material exclusivo de Lucas. Os vv. 51-53 encontram seu paralelo em Mateus 10.34-36, onde o sentido é o mesmo. O termo espada em Mateus é equivalente a divisão em Lucas; a espada já fez seu trabalho. A frase: Assim os inimigos do homem serão os da sua própria casa, que Mateus acrescenta, é um comentário secundário à passagem provocada por Miquéias 7.6. Portanto, os vv. 51-53 são provenientes da fonte Q dos ditos de Jesus. O tema é a divisão que a fé em Cristo provoca. Já os vv. 49-50 mostram que Lucas entendeu que a divisão que Jesus provoca já é manifestação do fogo do julgamento que ele veio trazer, com o custo de sua paixão.
V. 49 — Jesus veio lançar fogo à terra.
V. 50 — Porém, ele precisa enfrentar um batismo.
Vv. 51-53 — Jesus vem causar divisão.
V. 49 — É bastante discutido o sentido do fogo que Jesus veio trazer. Fala-se do fogo da palavra e do Espírito (Stuhlmueller, p. 160); o fogo cósmico escatológico (Conzelmann, p. 169); o derramamento do Espírito Santo (Arndt, p. 323 e Ellis, p. 182) ou simplesmente como agente da divisão (Lancelloti e Bocalli, p. 155).
Entendo fogo como o fogo escatológico do juízo de Deus. Com Jesus irrompeu o tempo escatológico ainda que o fim não tenha chegado. Na pregação de João Batista, segundo Lucas, isto é claro: no fogo é lançada a árvore improdutiva (3.9), Cristo vem batizar com o Espírito Santo e fogo, recolhendo o trigo, mas lançando no fogo a palha (3.16-17). Também na pregação apostólica este sentido foi conservado (1 Co 3.15s. e 2 Pe 3.7-12). O contexto, onde o discípulo é exortado a estar vigilante no cumprimento de sua missão à espera do Senhor que vem, apoia essa interpretação.
E bem quisera que já estivesse a arder. Não dá para resolver o problema do desejo incendiário de Jesus mudando a tradução (contra Arndt, p. 323: O que mais eu quero, se ele já está aceso?), nem supondo que Jesus não fale de seu desejo, mas já dos resultados de sua mensagem.
Ele quer que o fogo do julgamento divino inflame toda a terra, por todo o mundo conhecido e desconhecido onde vive a humanidade.
V. 50 — Jesus sabe que, antes que seu desejo se cumpra, ele tem que enfrentar perseguição, sofrimento e morte, aqui descritos como batismo (Mc 10.38). Esse batismo, de certa forma, tem relação com o batismo de Jesus (3.21s.), uma vez que, por ocasião de seu batismo, Jesus foi ungido (4.16ss.) para sua missão. Ele terá que sofrer as consequências desse batismo até o fim, até que o mesmo se realize. A partir dessa palavra de Jesus, Paulo desenvolveu sua teologia do Batismo (Rm 6.3-14). Ser batizado significa ser batizado na morte de Cristo (v. 3), ser sepultado com ele na morte (v. 4), o velho homem é crucificado com ele, o corpo do pecado destruído (v. 6). A finalidade é participar também da ressurreição de Cristo (v. 4), andar em novidade de vida (v. 4), não mais servir ao pecado como escravo (v. 6).
A angústia de que Jesus fala em relação a esse batismo é a mesma diante do cálice de sofrimento no jardim de Getsêmani (Lc 22.42-44).
V. 51 — Era uma esperança popular que o Messias viesse trazer a paz. Assim tinham anunciado os profetas (Is 9.5; 11,1; Zc 9.9), se bem que criticando a paz falsa e superficial que os poderosos queriam estabelecer (Jr 6.14). Essa esperança pela paz pode ter sido manipulada pelos líderes religiosos e políticos para descobrir a opressão e injustiça. A paz romana não era a paz verdadeira. A paz que Jesus veio trazer é a paz verdadeira que surge como fruto da justiça (Is 32.15-20). Para que essa paz seja realidade é necessário lutar (Stuhlmueller, p. 160).
Vv. 52-53 — Por isso, a fé no Cristo provoca divisão. Ele é sinal de contradição, que revela o que está dentro dos corações (2.34). A expressão daqui por diante mostra que a época das lutas inicia (Conzelmann, p. 169). Conflitos e confrontos se tornam inevitáveis, até mesmo no seio da família, na medida em que em nome de uma falsa paz, segurança ou da própria família, pessoas se oponham ao reino e a fé, à verdadeira paz que não é uma questão privada do próprio espírito, ou da própria família, mas tem a ver com toda a terra. Sem o fogo do juízo, as escórias não permitiram a pureza da paz.
As palavras de Jesus questionam os cristãos, à medida em que eles veem o sentido de seu discipulado, instituições e vida, na paz e segurança superficial e desligada do dia do Senhor (1 Ts 5.3-4). Questiona-os à medida em que colocam o meramente instrumental, p. ex., a organização em família e seu convívio pacífico, acima da causa do reino, do fogo do juízo e a paz verdadeira. Jesus questiona o discipulado sem conflitos, quer dizer, sem os conflitos necessários, inevitáveis para que haja paz. Normalmente, a Igreja tem sido baluarte da tradição, família e propriedade, sem se importar muito se esta servia ou não à paz. Normalmente, queremos a bem-aventurança, a salvação, escapar do fogo do juízo, porém sem viver as consequências do nosso batismo, sem enfrentar cruz, sem renunciar a nada, sem enfrentar conflitos.
Jesus provoca. Não para que seus discípulos sejam incendiários anarquistas, que querem ver o circo pegar fogo, pura e simplesmente, e que fazem da máxima: Onde há governo sou contra, o seu lema. Jesus provoca seus discípulos a abrasar a terra. Não deixar fora do alcance do juízo de Deus nada que prejudique a vida, que substitua a paz por falsa segurança, o amor por sentimentos vazios.
Jesus nos deixa participar dos benefícios de seu batismo, oferece vida eterna e salvação, livra do fogo consumidor. Deixa-nos ser crucificados com ele, sepultados com ele, para ficarmos livres da escravidão do pecado, para andarmos em novidade de vida, para ressuscitarmos com ele. Jesus nos provoca a viver as consequências do nosso batismo.
Diante disso, não há como deixar de avaliar a nossa vida em família, em comunidade. Será que, de fato, há paz? Como é que resolvemos nossos conflitos? O que em minha vida, família, trabalho, Igreja, não subsiste ao fogo do juízo de Deus, nem serve à paz? Onde é que somos chamados, como comunidade, no meio em que vivemos a assumir conflitos e lutas em favor da paz?
O fio vermelho deverá ser a questão da verdadeira paz. Tenho feito a experiência de que ilustração e comparações servem melhor quando as tiramos do próprio texto. Temos várias imagens a desenvolver: fogo, vida em família, etc.
3.1 — Introdução: Exemplo da realidade local, onde alguém que está empenha do em favor da verdadeira paz, vida, seja acusado de incendiário, agitador. Como é que nós, como Igreja o vemos?
3.2 — Leitura do texto. O que Jesus quis dizer com isso?
3.3 — Explorar um pouco o contexto: discipulado em meio a conflitos. O que fazer?
— Deixar o fogo purificador do juízo queimar?
— Não fugir dos conflitos. Avaliá-los na perspectiva da verdadeira paz.
— Assumir as consequências do nosso batismo.
1. Após o introito sugiro ler responsivamente o Salmo 85.
2. Oração de Confissão:
P.: O que em nossa vida não subsiste ao fogo do juízo de Deus? (Silêncio).
C.: Tem piedade de nós, Senhor!
P.: Vamos pensar nos compromissos e consequências do nosso batismo.
Nós os temos assumido? (Silêncio.)
C.: Tem piedade de nós, Jesus.
P.: Qual é a paz que temos promovido em nossa família, trabalho, escola, Igreja? A paz verdadeira, ou a paz superficial? (Silêncio.)
C.: Tem piedade de nós, Senhor!
Após o anúncio do perdão, convidar a todos para celebrar a paz que é possível pelo perdão com um abraço fraterno.
3. Sugestão de hinos: 170 (HPD); 195 (HPD) e 144 (HPD).
ARNDT, W. Bible Commentary. The Gospel according to St. Luke. St. Louis, Concórdia Publishing House, 1956;
CONZELMANN, H. El Centro del Tiempo. Estúdio de Ia Teologia de Lucas. Madrid, Ediciones Fax, 1974 (Actualidad Bíblica, 34);
ELLIS, E. E. The Gospel of Luke. New Century Bible Commentary. Grand Rapids, Eerdmans Publ. Co., 1981;
LANCELLOTI, A. et BOCALLI, G. O Evangelho da Libertação Segundo Lucas, Petrópolis, Ed. Vozes, 1972.
STUHLMUELLER, C. P. Evangelho de Lucas. São Paulo, Ed. Paulinas, 1975.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).