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Prédica: 1 Coríntios 12.27-13.13
Leituras: Jeremias 1.4-10 e Lucas 4.21-30
Autor: Waldemar Lückemeyer
Data Litúrgica: 4º Domingo após Epifania
Data da Pregação: 02/02/1992
Proclamar Libertação – Volume: XVII


1. Introdução

Antes de entrar no estudo do texto indicado, faz-se necessário chamar a atenção para algumas dificuldades que se colocam tanto em relação ao próprio texto, quanto em relação à unidade das três leituras para este domingo.

Iniciemos pela delimitação do texto: os últimos versículos do capítulo 12 seriam base suficiente para uma mensagem central e abrangente a respeito de eclesiologia. Assim também o capítulo 13, todo ou até parte, pode ser base para estudar a ética da comunidade, para falar de Deus, que é amor, ou ainda para falar a respeito dos dons e seu uso na comunidade.

Agora, a delimitação proposta, 12.27 a 13.13, é uma possibilidade e como tal, tem seu acento específico. É possível usar esta delimitação ainda mais quando se considera o contexto todo, aliás, fato aqui indispensável!

A outra dificuldade está na relação entre as três leituras para o domingo: não é fácil perceber o que une estes textos, qual a mensagem deles que vai ao encontro do tema do 4° Domingo após Epifania. Percebo que os três textos apontam para a(s) pontencialidade(s) que há na própria comunidade, entre os seus. No povo de Deus, na sua comunidade, todos são vocacionados pelo próprio Deus a viverem o novo, quer seja anunciando ou denunciando, quer seja por palavras ou por ações. E nisto não há distinção, não há prioridades, não há valorização maior e menor, nem hierarquia.

2. O texto

O nosso texto faz parte das respostas que o apóstolo dá à comunidade de Corinto. Havia muitas perguntas e dúvidas, havia muitos costumes e tradições pagãs que afloravam especialmente no culto: na forma de realizar o culto, na participação dos membros, no envolvimento ativo dos mesmos no culto, na manifestação (e até exibição!) dos demais variados carismas. O apóstolo aborda estas questões neste contexto maior nos capítulos 11 a 14.

Os capítulos 12 a 14 tratam do bom uso dos dons do espírito (carismas), concedidos como testemunho visível na presença do Espírito e para remediar a situação anormal de uma jovem comunidade cristã ainda embuída de concepções pagãs. Os coríntios eram tentados a apreciar principalmente os dons mais vistosos e utilizá-los em ambiente anárquico, semelhante ao de certas cerimónias pagãs. Paulo reage afirmando que os dons são concedidos para o bem da comunidade e, por conseguinte, não devem ocasionar rivalidade (c. 12). Depois, mostra que a caridade supera a todos (c. 13). Por último, cx plica que a hierarquia dos dons há de ser estabelecida de acordo com a contribuição de que cada dom traz à edificação da comunidade (c. 14). (Bíblia de Jerusalém, p. 2163, nota u).

A parábola do corpo humano, 12.12-16, aponta para a diversidade dos dons existentes na comunidade, sobre sua distribuição entre os vários membros que, juntos, formam o corpo, e, sem nenhuma exceção, vivem em função do todo. O v.27 é o resumo de toda a parábola: aponta para a diversidade, por um lado, e para a unidade, por outro lado.

3. O contexto

O contexto e o próprio texto nesta sua delimitação, abordam a temática da eclesiologia paulina e neotestamentária. Na parábola do corpo fica evidente que l o do e qualquer membro contribui com sua parte para o bom funcionamento do culto todo, e justamente o envolvimento de todos os membros, também os menos valo rizados, os considerados inferiores, é importante para o conjunto todo. Igreja é is to: participação do indivíduo no todo, agindo para a vida do todo, em função do outro. A vida nova na Igreja é marcada pelo dom maior, o amor. Ele determina e rege o que antes era regido pela lei do pecado, da carne e da morte. Cristo libertou a Igreja destes poderes, e ele mesmo determina a vida desta Igreja ao torná-la seu corpo. A Igreja não é apenas como o corpo de Cristo, mas ela é o corpo de Cristo. Aqui os dons não são capacidades ou virtudes do crente, mas são dons (graça) de Deus para edificação de todo o corpo. É Deus quem convoca (Jeremias l e Lucas 4), é Ele quem faz alguém ser membro do corpo de Cristo?

Creio que por minha própria razão ou forca não posso crer em Jesus Cristo, meu Senhor, nem vir a ele. Mas o Espírito Santo me chamou pelo Evangelho, iluminou com seus dons, santificou e conservou na verdadeira fé. (Martim Lutero, explicação do 3º. Artigo do Credo Apostólico.)

4. O dom maior

Todos os dons e todo o esforço de pertencer ao corpo de Cristo não valem na da, se não houver o dom maior, o dom maior que se doa, sem dúvida para os que estão dentro da comunidade, bem como para os que estão fora dela! Todos os dons são válidos e têm o seu espaço na comunidade na medida em que contribuem para a edificação da comunidade, característica clara do dom maior, o amor.

Deste dom o apóstolo fala em separado. Dá-lhe atenção especial, justamente por ser o dom supremo. Este dom une e deixa espaço para todos os dons individuais. É a nova técnica da comunidade.

5. Meditação

O capítulo 13, o hino do amor, se distingue e se diferencia do todo por sua forma poética. É interessante observai que há textos semelhantes e paralelos na tradição grega e judaica que enaltecem a virtude do amor.

A estrutura do capítulo 13 é muito clara nas suas 3 subunidades: vv. l a 3, 4 a 7 e 8 a 13.

Milton Schwantes trabalhou detalhadamente a estrutura destas subunidades visualizando, inclusive, o esquema (Proclamar Libertação, Vol. XI).

1. Ainda que fale a língua dos homens e dos anjos, se não tiver amor,
sou como bronze que soa ou como címbalo que retine.

2. Ainda que tenha o dom da profecia, saiba todos os mistérios e toda a ciência ainda que tenha tamanha fé ao ponto de transportar montes, se não tiver amor nada sou.

3. Ainda que distribua todos os meus bens
e ainda que entregue meu corpo para ser queimado, se não tiver amor nada disso me aproveita.

São três frases que iniciam com a condicionante ainda que. Têm uma estrutura igual e de uma para a outra é citado um carisma cada vez maior, conforme a valorização dos mesmos em Corinto. A glossolalia, a profecia e a renúncia total a tudo e de tudo apenas têm o seu valor se baseados e motivados pelo amor.

A segunda subunidade também tem sua estrutura clara:

4. O amor é paciente, é benigno o amor o amor não arde em ciúmes, não se ufana não se ensoberbece,
5. não se conduz inconvenientemente, não é interesseiro, não se irrita, não guarda rancor,
6. não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com, a verdade.
7. Tudo suporta. Tudo crê. Tudo espera. Tudo tolera.

Agora o sujeito não mais é o eu, mas é o amor ativo, eficiente e dinâmico. Aliás, não são usados adjetivos para descrever este amor, mas sim verbos: é o amor acontecendo, agindo.

A terceira subunidade igualmente tem sua estrutura:

8. O amor jamais acaba.
Havendo profecias, desaparecerão.
Havendo línguas, cessarão.
Havendo ciência, desaparecerá.
9. Em parte conhecemos e em partes profetizamos.
10. Quando, porém, chegar o que é perfeito,
então o que é em parte desaparecerá.
11. Quando era criança, falava como criança,
sentia como criança,
pensava como criança.
Quando cheguei a ser homem desisti das coisas próprias de menino.
12. Agora, vemos em espelho, obscuramente, então veremos face a face. Agora, conheço em parte, então conhecerei como também sou conhecido.
13. Agora, pois, permanecem fé, esperança, amor. Estes três, porém o maior deles é o amor.

Nesta unidade se torna bem claro por que o amor vai além de todos os carismas. Ele não está limitado ao tempo, ele não vai desaparecer como a glossolalia, a profecia e o conhecimento. Estes pertencem ao início, à fase de infância, ao imperfeito e incompleto. O totalmente novo, o completo, que a Igreja já traz dentro de si, está por vir.

6. A prédica

Ponto de partida para a prédica deve ser, no meu modo de ver, um levantamento dos principais dons conhecidos e praticados na comunidade. E aí já vamos descobrir que não é tanto a concorrência dos dons que provoca conflitos na comunidade, mas é o desconhecimento do que vem a ser Igreja, a diversidade de compreensão de Igreja e a participação do indivíduo na Igreja.

Somos convocados por Deus para participarmos da sua Igreja. Ele nos torna membros. Daí, dons ou virtudes não são capacidades do crente, mas dádiva (graça) de Deus para a edificação do todo. Por isso, o dom mais alto coloca a pessoa mais abaixo de valores humanos. Ágape é esvaziamento, doação, entrega.

Num segundo momento julgo importante destacar que o texto não elimina a diversidade de dons, antes parte da realidade de que no corpo vivo e ativo, os dons são muitos e existem lado a lado. O novo é que todos os dons devem ser perpassados pelo dom maior, o amor, caso contrário podem ser usados individualmente. Deve ser questionado, pois, o dom que não visa a edificação da comunidade e o bem estar do próximo.

Num terceiro e mais importante momento destacaria que a Igreja tem vida e é dinâmica. Só é eficiente porque Deus é amor. Não é o nosso comportamento que vai tornar a Igreja ativa e viva, mas é Deus, que é amor, que se revelou em Jesus Cristo. O amor tem sua origem em Deus, não em nós; o amor é postura divina, não comportamento humano. (D. Bonhoeffer.)

Quem se sabe membro do corpo, quem se sabe aceito e amado por Deus, aceita e ama a Deus e ao próximo.

Assim como Jeremias e também como o próprio Filho de Deus foram enviados por Deus, assim também a Igreja recebe de Deus a ordem de praticar o dom maior, a exercitar esta postura divina vivida em Jesus Cristo.

O momento mostrará onde a Igreja deve agir localmente através de seus membros.

7.1. Confissão de pecados: Senhor, nosso Deus e Pai. Desde crianças ouvimos e também já experimentamos em nossas vidas que tu nos amas. Ouvimos que, por amor a nós, até mesmo fizeste sofrer, morrer e ressuscitar o teu único Filho e que desejas que nós levemos teu amor às pessoas que nos cercam, às que têm carência de amor, de apoio e de auxílio. Confessamos-te, porém, Senhor, que falhamos nessa missão. Não temos tido forças, nem coragem suficientes para amar devidamente os da própria casa, os nossos familiares, muito menos os outros. Sabendo, no entanto, que tu és Deus misericordioso, pedimos-te: queira perdoar-nos e dar-nos uma nova chance e principalmente forças para sermos testemunhas mais autênticas deste teu amor. Arrependidos e com toda a humildade clamamos em nome daquele que por nós sofreu, morreu e ressuscitou: Tem piedade de nós.

7.2. Oração de coleta: Senhor, já tantas vezes ouvimos a tua Palavra que quase não ligamos mais para o novo que ela tem para nós. Achamos tudo tão normal, tão velho que até desligamos. Ajuda-nos para que a tua Palavra nos transforme, que ela ilumine nossa vida e nos indique o caminho que tu queres que sigamos. Por Cristo Jesus, nosso Senhor e Salvador. Amém.

7.3. Oração final: Senhor, Deus, misericordioso Pai, aproximamo-nos de ti e te agradecemos de coração pela mensagem de perdão! Através de Jesus Cristo, teu Filho, derrubaste os muros. Através de teu Espírito Santo permites que essa tua dádiva se faça presente entre nós e queres que a aceitemos e transmitamos. Senhor, ajuda-nos nessa tarefa, para que não apresentemos apenas palavrório, mas para que ajamos segundo a tua mensagem: para que não saiamos desse culto sem nos perguntarmos: Quem está à espera de meu perdão? Liberta-nos do medo e do orgulho e abre-nos o caminho até as outras pessoas! Tu encheste nossas mãos e corações com a dádiva de Teu perdão. Pedimos-te por nossa comunidade, para que levemos essa dádiva a todos os lares. Pedimos-te por nossa cidade/localidade com todas as fábricas/lavouras, hospitais e moradias. Permite que os cristãos vivam de teu perdão e espalhem o clima da esperança. Pedimos-te, hoje especialmente pelos jovens do mundo, para que se confrontem com a palavra e orientem sua vida nela com teu auxílio, em nome de teu Filho Jesus Cristo, o qual é nosso Senhor, hoje e eternamente. Amém.

8. Bibliografia

BONHOEFFER, D. Ética. Editora Sinodal, 1988.
KUNKEL, H. Meditação sobre l Co 12.31b-13.13. In: Proclamar Libertação. Vol. 5, São Leopoldo, 1979.
SCHWANTES, M. Meditação sobre l Co 12.31b-13.13. In: Proclamar Libertação. Vol. XI, São Leopoldo, 1985.
SPARN, W. Meditação sobre l Co 13. In: Neue Calwer Predigthilfen. (V. B.), Stuttgart, 1979.