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Prédica: Isaías 62.6-7,10-12
Leituras: Romanos 3.19-28 e João 8.31-36
Autor: Ricardo Rieth
Data Litúrgica: Dia da Reforma
Data da Pregação: 31/10/1994
Proclamar Libertação – Volume: XIX


1. Introdução

Este texto de Isaías já foi, por duas vezes, interpretado no PL segundo moldes da exegese contemporânea (em PL II, 256-268, por Manfredo Siegle e em PL Vil, 331-335, por Geraldo Graf). A partir das Diretrizes para a elaboração de auxílios homiléticos, elaboradas pela equipe do PL, pelas quais também seria conveniente refletir a respeito do texto quanto à […] sua função e seus efeitos em épocas e situações diversas após a redação bíblica, achei por bem assessorar o leitor no sentido de ele experimentar como o próprio reformador Lutero interpretou essa perícope selecionada para o dia da Reforma. A seguir, tomando as palavras do versículo 6, os que recordam o Senhor não silenciarão, nem se aquietarão a respeito dele, tento sugerir uma narrativa do episódio em torno das indulgências (1517), na qual é ressaltado o elemento de denúncia e crítica à corrupção, presente na pregação evangélica. Creio que seja óbvia a relação entre uma leitura daquele episódio sob o ponto de vista da corrupção e o contexto brasileira

2. O texto na interpretação do Reformador

A interpretação de Is 62.6-7,10-12 abaixo foi tomada da preleção de Lutem sobre Isaías, proferida entre 1527 e 1530. Tratou-se de um período marcado pelo debate sobre o cumprimento ou não do edito de Worms por parte do imperador Carlos V. Pelo edito, Lutero era considerado um herege e fora-da-lei a ser punido com a morte. Além disso, uma esmagadora invasão dos territórios alemães pelos turcos se fazia cada vez mais iminente. Por fim, nesses anos, intensificaram-se esforços no sentido de organizar a Igreja nas regiões cujos governantes tinham aderido à Reforma. Lutero visitou comunidades, dando-se conta da miséria espiritual reinante. Consequência dessa constatação são os Catecismos Menor e Maior, surgidos nessa época. Sem dúvida, essa situação refletiu-se na exegese do professor de Bíblia da Universidade de Wittenberg, exegese essa que, no mais das vezes, se caracterizou pela contextualidade. Vale lembrar que o texto disponível da prelecão é uma fonte indireta, isto é, são anotações — em latim e alemão — feitas por pessoas que a ouviram.

V. 6: Sobre os teus muros. Todas as palavras da promessa são enunciadas, pois a Igreja deve ser edificada enquanto todos os seus inimigos não estão no caminho Trata-se, aqui, de promessas grandiosas, que, no entanto, não são compreensíveis pela carne, pois parecem significar o oposto (do que realmente dizem). A carne, sozinha, não pode apoderar-se do tesouro, pois todas essas coisas estão ligadas à fé de que a igreja é noiva e Hephzibah (vers. 4) do Senhor.

Agora (o profeta) acrescenta vigilantes (Almeida verte guardas), isto é, bispos e pastores, que vigiam na palavra pura. O termo é eu supervisionarei, visitarei, tornarei conta e preservarei, quer dizer, você não estará tão-somente na fé e terá êxito, mas terá sempre pastores que o supervisionam. Dia e noite significa sempre. Quando no SI 1.2 se diz dia e noite, isto quer dizer assiduamente.

Os que recordam o Senhor não silenciarão nem se aquietarão a respeito do Senhor. Esse é um clamor para que se recorde o Senhor, para que se avive a memória a respeito dele, para que se pregue sobre Cristo. Vocês conhecem o jeito como a Escritura fala. Recordar não é lembrar-se em particular, mas pregar publicamente, rememorar, louvar e dar graças. Isso persiste. Enquanto a promessa tem validade, nada mais deve ser feito na igreja, a não ser pregar c ensinar a respeito de Jesus Cristo. Se, contudo, qualquer outra coisa constar como memória, sejam obras, sejam anseios, já não se trata da memória do Senhor, mas de homens. Isso é idolatria. Portanto, onde está a Igreja, ali há pregação apenas de Cristo. Por isso, o profeta diz: Não silenciarão. Eles não serão preguiçosos, não temerão o diabo, pois pregarão Cristo. Em todas essas palavras, a ênfase está na memória a respeito do Senhor, ou seja, no recordar diário, na fé dos fiéis, a redenção por Cristo através da pregação. Eles não clamarão tão-somente, mas também resistirão aos lobos, a fim de que não entrem na igreja.

V. 7: E não dão descanso a ele, isto é, ao Senhor. Trata-se de uma repetição de palavras. São antíteses contra os inimigos: mesmo que todo o mundo queira obstruí-los (os que recordam o Senhor) e não os queira ouvir, jamais se calarão. A promessa é a vantagem da Palavra em relação a todos os seus adversários. Assim, até esse ponto procede nossa Palavra contra todos os estratagemas. Os imperadores sempre se opuseram a essa Palavra e, mesmo assim, não oprimiram do mesmo modo como nosso imperador e o papa hoje maquinam. E não dão descanso a ele quer dizer não terão sucesso nos seus ataques, pois (a Palavra) sempre será anunciada. Se um pregador for morto, muitos surgirão em seu lugar. Não é possível sufocar a palavra, mesmo que apanhemos por causa dela.

Até que estabeleça Jerusalém. Aí é que se quer chegar. Eu simplesmente irei confundir os inimigos. Em seus planos, querem que nos percamos completamente e desejam com grande ignomínia eliminar-nos sob a acusação de hereges. Quanto tempo durará isso? Eu farei outras coisas. Enquanto eles vociferam contra a Palavra e arquitetam planos contra ela, há que pregá-la e, em lugar de sua desonra, deve ocorrer seu louvor. A aflição se voltará sobre suas cabeças, e eles cairão na armadilha que eles mesmos prepararam. Mesmo que nos matem, a Palavra permanecerá contra seus planos. Ela ficará, ao passo que eles já estarão em suas sepulturas. Enquanto judeus, imperadores e outros se perderam, a Igreja permaneceu gloriosa, fila permanecerá enquanto imperador e papa perecerão.

V. 10: Passem… preparem o caminho para o povo. Às promessas segue a exortação. Pois às doutrinas também seguem exortações. Este é o ofício dos prega¬dores: ensinar e exortar. O ensino é dialético, ao passo que a exortação é retórica, a fim de que o ensino seja finamente adornado. Passem, passem. Não temam os inimigos, que os desprezam e os querem intimidados e entediados em seu trabalho. Mandem-se! Pelas portas. Portas significa o lugar dos governantes. Ser nobre às portas quer dizer estar no governo. Trata-se de um hebraísmo: sentar às portas é estar no governo. Assim, nossas portas são a Igreja, e essas portas estão abertas. Aberta, a Igreja prega. E Deus promete e jura: Venham, venham, não se envergonhem e acolham a Palavra. Preparem o caminho para o povo: pavimentem e afastem as pedras. O hebraico é solu, solu, isto é, façam o caminho plano. Passem, abram caminho, façam lugar e espaço. Assim deverão trabalhar os guardas. Ninguém deve impedir que todos os escândalos sejam removidos. Limpem as pedras. Joguem-nas fora. Depois que os piedosos e sinceros pregam, há de se trabalhar, a fim de expulsar os pregadores ímpios. Protejam-se dos falsos profetas (Mt 7.15). Este é seu anseio (dos guardas): depor os escândalos, doutrinas ímpias, para que o povo não possa ser ofendido. Pois nosso objetivo é que o povo piedoso e bem instruído possa com simplicidade andar pelo caminho, sem ir de encontro à pedra de tropeço. A doutrina principal já está presente. O único anseio que resta é que ela seja preservada. Preservar o que se possui não é uma virtude menor do que adquiri-lo (Ovídio. A arte de amar 2, 13). Tomem cuidado para que algum sectário não venha e se imponha diante de vocês. Pois eu, Martinus Lutherus, estive ameaçado por quatro perigos e, muito além do que havia imaginado, fui liberto por Deus. Quando Satanás vê que permanecemos na Palavra, ele principia a colocar outro objetivo diante de nós e tenta enredar-nos nele, para que todo mundo pereça sob nosso conselho. Ele tem mil truques.

Elevem o estandarte sobre os povos. Diz o SI 4(6): Eleva sobre nós a luz do teu vulto. Erga o estandarte. Ergam o estandarte. Preparem-se para a batalha, não estejam sonolentos. Pois todo mundo está contra nós. A Palavra é uma Palavra militante. Quando ela é ensinada, provoca-se guerra primeiramente contra os incrédulos. Pois aquilo que é ensinado é atacado por eles. Não sejam presunçosos, não durmam, mas elevem o estandarte, pois os pastores devem vigiar, elevar a Palavra, estudar e dedicar-se para que a Palavra seja defendida. Portanto, não sejamos seguros de nós mesmos, pois Satanás não dorme.

V. 11: Eis que o Senhor fez com que fosse ouvido (…): Digam às filhas de Sião: Eis que teu Salvador vem. Trata-se de uma conclusão e exclamação. Resumindo: segura firme, deixa a Palavra permanecer contigo, mesmo que sejas atacado por todo o mundo. Tão-somente segura firme e serás bem recompensado, pois eis que a salvação…, isto é, sua glória está à porta. Eis a recompensa dele. Ele traz sua recompensa consigo: o que vocês creram virá a seguir. E seu galardão diante dele. Recompensa e galardão são os frutos do agricultor, da terra. Assim, a recompensa do agricultor é a colheita. Essa, portanto, é a conclusão e este o sumário: Você tem a salvação e o Salvador está vindo até você. Eis a recompensa, quer dizer, seu trabalho não será em vão, vocês terão seu fruto.

V. 12: E serão chamados de povo santo, redimidos do Senhor. Serão chama dos (vocabuntur) é impessoal. Eles serão chamados (man wyrdt sie nennen). Você será chamado. Outrora, vocês foram abandonados, desprezados pelos inimigos. Os ímpios perecem, ao passo que a Igreja permanece. O Império Romano e todos os reinos se enfureceram contra a Igreja. Eles pereceram, mas a Igreja permanece. Assim também será hoje. Os profetas aprenderam isso de Moisés. Este é um sermão acerca das promessas à Igreja.

3. Reforma da Igreja e combate à corrupção

Ninguém imaginaria que noventa e cinco teses redigidas em latim, cuja finalidade era promover o debate acerca das indulgências no restrito meio acadêmico da pouco tradicional universidade da pequena e pouco significante Wittenberg, causariam tamanho furor em fins de 1517. Ocorre que por trás daquela venda de indulgências em particular estava toda uma constelação de interesses. Os maiores promotores desses interesses eram três: Alberto de Brandenburgo (1490. 1514-1545), o papa e Jacó Fugger com seu império econômico-financeiro. Que dizer desses poderosos?

Alberto era o irmão mais jovem de Joaquim, príncipe-eleitor do território de Brandenburgo, pertencente ao Sacro Império Romano-Alemão. A fim de ampliar o poder de sua dinastia, os Hohenzollern, Alberto se apropriara, em 1513, dos títulos de arcebispo da cidade de Magdeburgo e administrador do bispado de Halberstadt. Para isso ele pagou uma soma considerável a Roma. Pouco tempo depois, ficou vacante o arcebispado mais importante de todos os territórios alemães: o de Mogúncia. Alberto viu também ali uma oportunidade de aumentar seu poder. Só que o novo arcebispo de Mogúncia deveria pagar a dívida deixada pela administração anterior para com a cúria romana, que chegava a 14 mil florins. Essa quantia era, na época, mais ou menos cinquenta vezes a renda anual de um funcionário público com formação superior, como, por exemplo, um jurista. Além da dívida, Alberto tinha outro obstáculo para se tornar arcebispo de Mogúncia. Segundo o direito canônico, as constituições da Igreja Católica Romana, ninguém podia ocupar simultaneamente dois arcebispados. Isso somente seria possível se Alberto fosse dispensado do cumprimento dessa determinação canónica, o que não era tão difícil assim. Bastava pagar pela dispensa papal a modesta soma de 10 mil florins, e tudo estaria conforme o direito divino.

O papa Leão X (1475, 1513-1521) tinha muitas despesas com seus projetos de embelezamento da cidade de Roma, de forma que todo e qualquer dinheiro seria bem-vindo.

Só que Alberto não possuía o total de 24 mil florins, exigidos por Roma, pelo posto de arcebispo de Mogúncia. Ele, porém, sabia onde conseguir esse dinheiro. O dono da fonte chamava-se Jacó Fugger (1459-1525). Para financiar a corrupção, nada melhor do que o dinheiro de um corrupto. Fugger enriquecera a partir de empreendimentos no setor da mineração de prata e cobre nas regiões do Tirol e da atual fronteira húngaro-eslovaca. Ele financiava os governantes daqueles territórios, que detinham o monopólio sobre a mineração. Desse modo, ele os colocava em sua dependência financeira. Em 1488, por exemplo, Fugger fez um empréstimo de 150 mil florins ao barão Sigismundo, no Tirol. Na fronteira húngaro-eslovaca, Fugger associou-se a João Thurzo, que tinha desenvolvido uma tecnologia revolucionária para bombeamento de água em minas submersas e abandonadas para, assim, reaproveitá-las. A grande cartada de Fugger foi propor e estabelecer com os demais empresários de mineração, no Tirol, um cartel que estabelecia um preço fixo ao cobre. Às custas de seus associados fez, então, com que Thurzo, seu sócio na região húngaro-eslovaca, vendesse cobre abaixo do preço do cartel tirolês. Agiram desse modo até que as empresas de lá falissem e fossem compradas por Fugger por um preço irrisório. Desse modo, Jacó Fugger assumiu o monopólio da venda de cobre em amplas regiões da Europa e logrou ampliar seu império financeiro. Deixou, ao morrer, um montante aproximado de 2 milhões de florins. Com parte dessa riqueza seu sobrinho, Anton Fugger (1493-1560), financiou expedições de invasão, conquista e colonização por europeus na América do Sul, México e Índia, empreendimentos que podiam trazer um lucro de até mil por cento. Tal lucro, contudo, equivaleu ao alto preço do sacrifício de inumeráveis vidas de índios e africanos.

É provável que, por iniciativa de Fugger, que tinha uma filial em Roma, chegou-se a uma solução para o problema de Alberto. A casa bancária, segundo o acordo das três partes, adiantaria a soma que Roma desejava receber de Alberto. O papa, por sua vez, daria a Alberto a concessão para a venda de cartas de indulgência nos seus territórios. Do dinheiro arrecadado, parte iria a Roma, parte seria embolsada imediatamente por funcionários de Fugger, como restituição do principal e dos juros da dívida assumida por Alberto. Em resumo: Alberto saciaria sua fome de poder; Fugger, sua ânsia por dinheiro; o papa, seu desejo por luxo e ostentação, li a conta, quem pagaria? Como costuma acontecer até os dias de hoje, a conta seria paga pelo povo pobre, simples e explorado em sua situação de necessidade e desinformação. A conta seria paga pelo João da Silva, morador de Wittenberg, que tomaria o pouco dinheiro que tinha para sobreviver com sua família, viajaria até o limite mais próximo de seu território, a Saxônia eleitoral, com Brandenburgo, para lá comprar a carta de indulgência que livraria seu finado pai do sofrimento no purgatório. Isso porque ele, desde pequeno, aprendera que, embora Deus perdoasse completamente sua culpa, sempre restariam castigos — determinados pelo sacerdote — que ele deveria sofrer ainda em sua vida terrena. Caso João não passasse por todos os castigos — como era o caso da grande maioria —, teria que passar uma temporada no purgatório, até ser limpo pelo fogo e ir finalmente para o céu. Para sorte de João, o papa administrava um reservatório onde estavam reunidas todas as boas obras de santos, que fizeram mais do que o exigido para escapar do purgatório. Portanto, bastava comprar do papa uma carta de indulgência, que ele despejaria parte dessas boas obras, liberando o infeliz de castigos terrenos ou de uma longa estadia no purgatório.

Até aqui tudo parecia perfeito. Na conjunção de forças, interesse político, acumulação de capital e ignorância religiosa tinham até mesmo sua justificação teológica. A única coisa com a qual Alberto, Fugger e o papa não contavam era a preocupação de um monge agostiniano-eremita, professor de Bíblia na universidade e pregador na igreja paroquial de Wittenberg, pelo que ele mesmo chamou de arrependimento verdadeiro, conforme expresso nas teses:

1: Ao dizer: Fazei penitência, etc. (Mt 4.17), nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo quis que toda a vida dos fiéis fosse penitência. (…)

27: Pregam doutrina humana os que dizem que, tão logo tilintar a moeda lançada na caixa, a alma sairá voando.

28: Certo é que, ao tilintar a moeda na caixa, podem aumentar o lucro e a cobiça; a intercessão da Igreja, porém, depende apenas da vontade de Deus. (…)

41: Deve-se pregar com muita cautela sobre as indulgências apostólicas, para que o povo não as julgue erroneamente como preferíveis às demais boas obras de amor. (…)

43: Deve-se ensinar aos cristãos que, dando ao pobre ou emprestando ao necessitado, procedem melhor do que se comprassem indulgências.

44: Ocorre que, através da obra de amor, cresce o amor e a pessoa se torna melhor, ao passo que com as indulgências ela não se torna melhor, mas apenas mais livre de pena.

45: Deve-se ensinar aos cristãos que quem vê um carente e o negligencia para gastar com indulgências obtém para si não as indulgências do papa, mas a ira de Deus.

46: Deve-se ensinar aos cristãos que, se não tiverem bens em abundância, devem conservar o que é necessário para sua casa e de forma alguma desperdiçar dinheiro com indulgências. (…)

62: O verdadeiro tesouro da Igreja é o santíssimo evangelho da glória e da graça de Deus.

63: Esse tesouro, entretanto, é o mais odiado, e com razão, porque faz com que os primeiros sejam os últimos (Mt 20.16).

64: Em contrapartida, o tesouro das indulgências é o mais benquisto, e com razão, pois faz dos últimos os primeiros (Lutero. Obras selecionadas. Vol. l, pp. 25-27).

A vivência de Lutero, quando experimentou a libertação da escravizante justiça das obras, proporcionada pela consciência de que o pecador é declarado justo exclusivamente por graça de Deus, teve consequências tremendas para sua vida, as quais, por sua vez, manifestaram-se radicalmente em sua pregação profética. Como os vigilantes sobre os muros de Jerusalém (v. 6), ele não conseguirá mais calar-se. O próprio Lutero confessou, seguidamente, que a partir da polêmica em torno das indulgências sentiu-se a maior parte do tempo como que levado de roldão pelos acontecimentos, assumindo coisas que ele por si só não teria a menor vontade de dizer e fazer. Refletindo sua descoberta na discussão em torno das indulgências, sua preocupação era primordialmente poimênica, isto é, ele se sentia responsável diante daqueles que periodicamente se colocavam à frente do púlpito que ocupava. Justa¬mente aqui se revelou mais uma vez — como em tantos outros momentos da história da igreja — a radicalidade da pregação do evangelho. Em 1517, Lutero atingiu em cheio o esquema Alberto-Fugger-papa, embora só chegasse a ter consciência disso tempos depois.

Seria coerente uma comunidade cristã — que, em parte, se encontra na tradição de teologia e piedade inaugurada por esse homem e anualmente recorda o dia da Reforma — refletir a respeito das consequências que sua pregação do evangelho deveria ter também no combate à corrupção numa sociedade como a brasileira.

4. Subsídios litúrgicos

1. Confissão de pecados: Senhor Deus, muitas vezes negligenciamos nossa atuação em tua Igreja. Auxilia-nos a fim de que possamos descobrir nossas omissões e falhas. Que o compromisso com o evangelho de teu Filho Jesus Cristo seja a tónica de nosso trabalho na e para a Igreja.

2. Coleta: Senhor Deus, neste dia queremos refletir a respeito da Reforma de tua Igreja. De nada vale o esforço, quase quinhentos anos atrás, de homens dedicados a ti, se dele nos apropriamos em vão triunfalismo ou mero conhecimento histórico. Faze-nos, como Igreja, viver constantemente em Reforma, assumindo com decisão a radicalidade do evangelho.

3. Oração final: Aqui se deve agradecer, lembrando episódios concretos de reforma ocorridos nas comunidades civil e cristã locais, e invocar o Espírito Santo para que conceda às pessoas cristãs o espírito de reforma, que procura assumir as exigências do evangelho e suas consequências no contexto local.

5. Bibliografia

LUTHER, M. D. Martin Luthers Werke: Kritische Gesamtausgabe (WA). Vol. 31 II Weimar 1883ss., pp. 529,20-533,4 (comp. também WA 25,375,21-376,24).

BRECHT, Martin. Martin Luther. Vol. 2: Ordnung und Abgrenzung der Reformation: 1521-1532. Lizenzausgabe. Berlin, 1989, pp. 244 e 329-332.

RABE, Horst. Reich und Glaubensspaltung: Deutschland 1500-1600. Lizensausg. Frankfurt a.M., Wien, 1989 pp. 27-69. (Die Neue Deutsche Geschichte, 4).