Prédica: Atos 13.44-52
Leituras: Apocalipse 21.1-5 e João 13.31-35
Autor: Roberto Natal Baptista
Data Litúrgica: 5º Domingo da Páscoa
Data da Pregação: 14/05/1995
Proclamar Libertação – Volume: XX
1. Observações preliminares
Os três textos acima estão previstos para este 5o Domingo da Páscoa. Encontro dificuldades em relacionar uma mensagem comum nesses textos. Até vejo alguma proposta, mas, ao que me parece, a relação entre eles não é clara. Pode ser que você tenha encontrado uma resposta. É sempre bom enfatizá-la na liturgia do culto.
Quero utilizar este espaço para instigar, provocar a sua criatividade na elaboração da prédica e do culto deste domingo. Por isso, não gostaria de fechar demais o conteúdo em cima de uma visão muito pessoal minha. Pode ser que o seu modo de observar as coisas e a sua realidade sejam diferentes daquela a que estamos acostumados.
2. A celebração é um todo
Onde Deus age hoje? Onde ele atua? Reunimo-nos aos domingos para celebrar a presença de Deus em nossas vidas. Aos domingos nos lembramos mais de Deus. Ele atua, porém, em cada dia da semana. No nosso trabalho, em casa, na escola, com os amigos, nos sindicatos, em nossas lutas, é aí que Deus age.
A celebração do domingo deve trazer para dentro da igreja esse espírito atuante de Deus. Ah, no domingo, devem convergir as experiências dos cristãos que, como comunidade, se encontram e repartem esse agir de Deus em suas vidas. A celebração é o lugar privilegiado que a cristandade tem para fazer aflorar esses sentimentos.
Assim, a celebração deve ser um todo, um conjunto. O pastor deveria ser mero aglutinador, animador dessas forças. Sabemos que na prática isso nem sempre é fácil. Mas também não devemos nos conformar e continuar alimentando o centralismo na pessoa do pastor. A liturgia do culto pode ser um avanço neste sentido, se ela nos trouxer à lembrança que não estamos sós nessas celebrações.
Pensando um pouco neste domingo após a Páscoa, temos a comunidade se preparando para Pentecostes, a inauguração da Igreja de Jesus Cristo. Como uma das leituras, podemos pensar principalmente no Evangelho de João, ali onde Jesus enfatiza que só o amor é elemento aglutinador entre os cristãos. O teste¬munho do discipulado esta na capacidade desse amar profundo. É desta maneira que se funda e se fundamenta uma Igreja até atingirmos a utopia do mundo sem males, de Apocalipse 21.1-5.
3. O texto da prédica
O texto da prédica já nos remete para uma Igreja estabelecida e em movimento. É o apóstolo Paulo realizando a sua primeira viagem missionária. Os comentários ao livro de Atos costumam pensar a estrutura como uma espiral que se abre a partir de Jerusalém. Na primeira parte do livro temos o testemunho da Igreja em Jerusalém. Depois, passa-se para a Judéia e a Samaria, para, num terceiro momento, se falar inclusive de até os confins da terra. Esta terceira e última parte inicia-se em 13.1. Aqui se situa a nossa perícope.
Ela faz parte da primeira viagem missionária de Paulo. Na primavera de 45 d.C. Paulo, Barnabé, que era cipriota, e seu sobrinho João Marcos partem de Antioquia, da Síria, para anunciar o evangelho de Jesus Cristo. Primeiro vão à ilha de Chipre. Depois partem para a região da Panfília (13.13). Marcos retorna a Jerusalém e Paulo e Barnabé chegam em Antioquia, da Pisídia. É ali que acontece o conflito presente no nosso texto.
O trabalho em Antioquia constitui uma importante etapa na história da missão, pois foi a primeira vez que Paulo anunciou o evangelho para não-judeus. Aqui se percebe o conflito. A decisão do apóstolo surge da particular rejeição dos judeus daquela cidade. O termo ousadamente, que demonstra o modo como Paulo e Barnabé reagiram ao contradizer os judeus, reflete a coragem, a eloquência e, principalmente, uma boa carga de emoção. Foi uma decisão importante diante daquela rejeição.
Na teologia de Lucas, no entanto, que coincide com a paulina, a chegada do evangelho aos não-judeus não se dá apenas pelo fato de os judeus o rejeitarem. Citando Isaías 42.6 e 49.6 (v. 47), Paulo assume essa missão do Messias Jesus. Independentemente de os judeus dizerem não ao evangelho, o Messias haverá de ser luz para todos os povos. Encontramos esses mesmos elementos também no Evangelho de Lucas (por exemplo, 2.32: luz para iluminar as nações e glória de teu povo, Israel.).
Convido ainda para prestar atenção no discurso proferido por Paulo naquela mesma cidade, uma semana antes (vv. 16-41). Este discurso pode ser comparado com o texto de 2 Sm 7.6-16. Alguns autores, entre eles Comblin, afirmam ser o discurso de Paulo um midrash ao texto vétero-testamentário. Há muitas coincidências entre esses textos. Paulo relê a história de Israel também a partir da sua nova visão cristã (veja Comblin, volume 2, p. 25-36).
Essa releitura que Paulo faz da história provoca uma forte reação das autoridades da sinagoga. Elas não reagem de imediato, mas aguardam o próximo sábado, provavelmente porque aquele discurso produziu reações favoráveis do público, inclusive de alguns judeus (v. 43). Ao meu ver, não foi apenas urna questão teológica que gerou este conflito, mas sobretudo uma visão estreita, exclusivista e preconceituosa dos judeus da cidade de Antioquia. Eles pareciam não querer mistura entre eles. O conceito de um povo eleito exclusivamente gerou toda essa discriminação.
O que se poderia ressaltar ainda aqui é a adesão das mulheres e dos importantes da cidade contra os anunciadores do evangelho. Instigadas pelos maiorais da sinagoga, senhoras que ocupavam alta posição social convencem seus maridos não-judeus a também lutarem contra Paulo e Barnabé. Os dois são expulsos da cidade, sendo perseguidos, inclusive, até a cidade de Listra (14.19).
4. Algumas considerações sobre a prédica
Levantamos alguns aspectos do texto previsto para a prédica deste domingo. Como e o que enfocar na prédica? Não podemos dar muitos tiros, pois correríamos o risco de não acertar nenhum. E preciso mirar em poucos alvos. A realidade de sua comunidade o fará decidir em quais dos alvos você deverá mirar. Peço licença para dar algumas sugestões.
A primeira é que poderíamos enfatizar as características da missão cristã. O evangelho é para todos. Não se pode privilegiar um povo, uma raça, uma nação eleita. De início, Paulo corria atrás dos judeus. Compreendendo melhor o Reino, ele se abre depois também para os não-judeus. Não se esqueça, Paulo era judeu! O que nossas igrejas têm a aprender com isso? Onde estará o nosso futuro aqui neste país brasileiro?
Segundo, o evangelho produz reação. Gera conflitos. Nem sempre é paz. Nem sempre somos ovelhas. O próprio Jesus ressaltou isso em certa ocasião: ' 'Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada.'' (Mt 10.34.)
Poderíamos enfatizar, ainda, a versatilidade da missão diante de uma determinada realidade. O evangelho deve ser anunciado. Paulo e Barnabé tomam uma decisão histórica. Enfrentando um determinado obstáculo, assim mesmo eles avançam, e com qualidade. Quais são hoje os obstáculos que nos prejudicam de anunciar melhor o evangelho? Será que podemos ter ousadia como eles tiveram para reavaliar a situação e partir para um novo campo?
Há muitos outros aspectos que poderíamos ressaltar no texto em questão. Acredito que com essas ênfases, que ao meu ver estão interligadas e podem formar um conjunto, teremos condições de explorar um bom conteúdo. Avalie você e através de sua realidade crie outros conteúdos.
5. Algumas considerações sobre a celebração
Estamos na época pós-Páscoa. Este período do calendário cristão é rico. É época de alegria. Comemoramos a nossa libertação e a ressurreição do nosso Jesus. Assumimos um compromisso com ele. Seu projeto deve ser levado adiante. Ele morreu por uma causa justa. É importante que esse nosso compromisso transpareça na liturgia do culto. Pode-se pensar na confissão de pecados como um momento de reavaliar esse nosso elo com Jesus.
Também é importante o aspecto da missão. Ela pode brotar no próprio jeito de celebrarmos em nossas comunidades. A participação das pessoas deve refletir esse engajamento. Elas podem formular orações, leituras, encenações. A música pode ser um forte veículo comunicativo e emotivo. Quando cantamos costumamos nos envolver com a letra e/ou com a melodia. Finalmente, gostaria, assim, de sugerir um canto que imagino espelhar esse compromisso missionário.
A Canção do Senhor na Terra Brasileira
1. Como vamos cantar este canto imprevisto, tão distantes do lar, tão num mundo sem Cristo? A canção do Senhor, contra toda a canseira, tem de ser um clamor na terra brasileira.
2. Como vamos cantar, se é tão grande a maldade, se tem gente a chorar com temor e ansiedade? A canção do Senhor tem de ser a primeira à injustiça se opor na terra brasileira.
3. Como vamos cantar, se o irmão é explorado, se lhe fazem calar, se ele é sempre anulado? A canção do Senhor tem de ser verdadeira para ser o louvor na terra brasileira.
4. Como vamos cantar sem amor, liberdade, sem poder partilhar o calor da igualdade? A canção do Senhor tem de ser mensageira de inefável amor na terra brasileira.
Jaci C. Maraschin
6. Bibliografia
COMBLIN, José. Atos dos Apóstolos; v. l e 2. Petrópolis, Vozes; São Leopoldo, Sinodal, São Bernardo do Campo, Metodista, 1988.
KRODEL, Gerhard A. Acts. Minneapolis, Augsburg, 1986.
RIUS-CAMPS, Josep. El camino de Pablo a la misión de los paganos. Madrid, Cristiandad, 1984.
SAOUT, Yves. Atos dos Apóstolos: ação libertadora. São Paulo, Paulinas, 1991.
SARAIVA, Javier. O caminho da Igreja segundo os Atos. São Paulo, Paulinas, 1990.
Observação: A título de informação também encontramos artigos sobre Atos na sem-Estudos Bíblicos, ne 3, da Vozes. Se você deseja enfocar o conflito presente em Atos 13.44-52, então sugiro o artigo de Carlos Mesters (Os conflitos no livro de Atos dos Apóstolos; uma sugestão para o estudo, p. 21-34).