Prédica: II Pedro 3.8-14
Leituras: Isaías 35.1-10 e Mateus 22.23-33
Autor: Baldur van Kaick
Data Litúrgica: Dia dos Finados
Data da Pregação: 2 de novembro de 1998
Proclamar Libertação – Volume: XXIII
1. Finados
No dia dos Finados muitas pessoas acorrem ao cemitério e põem flores nas sepulturas. Elas lembram familiares falecidos recentemente e entes queridos sepultados. Onde a comunidade possui um cemitério, poderemos contar nesse dia com um culto na capela do mesmo, ou ao ar livre, do qual participará um bom número de pessoas.
O texto da Segunda Carta de Pedro, proposto para a pregação, dá resposta a um sentimento generalizado na época do autor, de que o Senhor demora a voltar. Perguntamos se o sentimento, no momento do culto, é o mesmo, ou se devemos contar com outro. A tarefa homilética não consistirá, em todo o caso, em expor à comunidade reunida no cemitério tudo o que o texto contém, mas em anunciar o que o Espírito quer que seja anunciado neste dia, para iluminar a situação.
Antes de selecionar e combinar os assuntos coletados, vamos observar o conteúdo do texto.
2. O texto
O apóstolo se dirige aos leitores com o tratamento de amados. No cap. 2 essa imagem é usada também nos vv. l, 14 e 17. O apóstolo não vê os leitores apenas como seres humanos que têm dúvidas, mas em sua relação com Deus. E vistos em sua relação com Deus, eles são amados, porque eleitos (l Pe 1.1). Eles são amados, não por seus méritos, mas pela graça de Deus em Jesus Cristo. O sentimento que essa auto-imagem expressa é homileticamente muito importante.
…para com o Senhor, um dia é como mil anos, e mil anos como um dia (v. 8).
Diante do sentimento de que o Senhor demora a voltar, o apóstolo aponta para a medida do tempo diferente de Deus. Para Deus, mil anos são como um dia, ou seja, um lapso de tempo extremamente curto; para o homem, mil anos representam um período de (empo quase interminável. A crítica de alguns cristãos de que o Senhor demora a voltar (onde está a promessa de sua vinda? – v. 4) se deve à falta de conhecimento de Deus. A volta do Senhor é obra de Deus, e está, portanto, submetida ao tempo de Deus, que é outro.
Pelo contrário, ele é longânimo para convosco, não querendo que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento…(v. 9).
Alguns julgam ser uma falta de Deus que a segunda vinda de Jesus Cristo não está se concretizando; para o apóstolo, a demora (se é que há demora!) se deve, contudo, à longanimidade de Deus. Deus deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade (l Tm 2.4). Deus está dando tempo para que todos se arrependam; por isso a vinda de Jesus Cristo não se concretizou até o momento.
Virá, entretanto, como ladrão (v. 10).
A volta do Senhor será certa, repentina e inesperada, como a chegada de um ladrão. Impossível prevê-la ou calculá-la. Cabe ao cristão estar sempre preparado e não se acomodar, levado pelo sentimento de demora.
Os céus passarão com estrepitoso estrondo e os elementos se desfarão abrasados (v. 10).
O Senhor virá para juízo. O juízo começará com o ocaso do mundo presente. Primeiro os céus, imaginados como vários céus (Is 40,22), um sobreposto ao outro, como cortinas, serão incendiados. Será uma catástrofe de dimensões mundiais. Em seguida, os elementos da terra se desfarão, como que fundidos pelo fogo do juízo. Os ímpios, que praticaram a maldade, também desaparecerão. O livro do Apocalipse anuncia: Se alguém adora a besta e a sua imagem, e recebe a sua marca na fronte, ou sobre a mão, também esse beberá do vinho da cólera de Deus… (Ap 14.9-10).
… deveis ser tais como os que vivem em santo procedimento e piedade (v. 11).
Tendo em vista que o dia do Senhor virá sobre a terra como juízo, os cristãos devem andar no temor de Deus. Deixemos, pois, as obras das trevas, e revistamo-nos das armas da luz. Andemos dignamente… (Rm 13.12-13). Procedimentos como os descritos em Tg 5.6 (tendes condenado e matado o justo…) são impróprios. O cristão deverá prestar contas de sua vida no dia do juízo; precisa, portanto, arrepender-se dos maus procedimentos e andar em novidade de vida.
… esperando e apressando a vinda do dia de Deus (v. 12).
O cristão pode apressar a vinda do dia do Senhor conduzindo sua vida em conformidade com a palavra de Deus.
… esperamos novos céus e nova terra, nos quais habita justiça (v. 13).
A comunidade de fé será salva, contudo, milagrosamente, em meio à catástrofe, como Noé e mais sete pessoas foram salvas enquanto todos os outros morreram no dilúvio (2 Pe 2.5-9). Se o dia do Senhor significa juízo de condenação para os ímpios, ele trará, por outro lado, novos céus e nova terra para os crentes. Através da destruição, irromperá um mundo novo. Aqui o apóstolo testemunha a esperança do cristão. Em l Pe 1.3 ele o diz da seguinte maneira: Bendito o Deus c Pai de nosso Senhor Jesus Cristo que, segundo a sua muita misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança, mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos. Para esse mundo novo, em que habita a justiça, se dirigem os pensamentos, o coração e todos os sentidos do cristão.
3. Meditação
1) Os primeiros cristãos estavam morrendo e o Senhor não voltava. A partir daí surgiu na comunidade a pergunta: Por que o Senhor demora a voltar?
Entre os ouvintes, no Dia dos Finados, haverá outro sentimento. Será o de dor pelo falecimento de um ente querido. Filhos ficaram órfãos. Casais foram separados. Idosos morreram. O que nos consola diante da realidade da morte? Paulo apresenta a morte como um inimigo (l Co 16.26). Sentimento semelhante têm os enlutados e aqueles que se lembram nesse dia de seus falecidos. O cristão pode esperar um reencontro?
O texto da carta de Pedro mostra que faz parte da fé cristã aguardar a segunda vinda do Senhor. Essa vinda do Senhor significa, ao mesmo tempo, fim e início. Fim para o mundo afastado de Deus. Início de novos céus e nova terra, para todos e todas que vivem no Senhor. Esse dia virá com certeza. Devemos esperá-lo com firmeza. E quando ele estiver aí, o cristão verá que a espera não foi demorada. Foi como um dia, tanto para os que morreram e serão ressuscitados, como para todos que estiverem vivendo no dia de sua volta e serão transformados (l Ts 4.16-17). Haverá um ver-se de novo, naquele dia, dos que viveram em Cristo.
2) Todos os três textos do domingo contêm imagens ideais. Jesus diz diante da pergunta dos saduceus a respeito da ressurreição: Porque na ressurreição nem casam nem se dão em casamento; são, porém, como os anjos no céu (Mt 22.30). Isaías descreve a alegria e o júbilo dos resgatados: Os resgatados do. Senhor voltarão, e virão a Sião com cânticos de júbilo; alegria eterna coroará as suas cabeças; gozo e alegria alcançarão, e deles fugirá a tristeza e o gemido (Is 35.10). Pedro aponta para a promessa de novos céus e nova terra, nos quais habita a justiça.
Imagens ideais são imagens que apontam para além de nós mesmos e para além da nossa experiência; são imagens que são sentidas como altamente positivas. Imagens ideais, na Escritura, são imagens que têm o seu fundamento não em desejos humanos, mas no poder de Deus (Jesus diz aos saduceus: Errais não conhecendo as Escrituras nem o poder de Deus – Mt 22.29) e na obra salvadora de Jesus Cristo. As imagens ideais de novos céus e nova terra articulam a esperança de que, apesar da nossa experiência dolorosa com a morte como um inimigo poderoso que destrói a vida, a vida será vitoriosa, não por nossa força, mas por causa do poder de Deus. Articular essas imagens ideais da fé é vital para a nossa vida cristã. São imagens que encorajam para viver. Não são de maneira nenhuma alienantes. Fazem parte da identidade do cristão e da cristã.
O que significa estar diante de sepulturas e articular as imagens ideais da ressurreição e de novos céus e nova terra?
Significa que podemos encarar a morte, apesar de ser um inimigo terrível. Podemos lembrar-nos de nossos falecidos e chorar a separação. Podemos sentir a dor pelo desaparecimento de familiares e sentir saudades. Mas na fé sabemos que a morte, em Cristo, perdeu a sua autonomia. Se a morte tem o seu lugar fora de Cristo é terrível. Contudo, quando a vemos dominada por Cristo, que voltará para destruí-la definitivamente, aí a nossa relação com a morte muda. Na fé, vemos a morte junto com Cristo, estrangulada por Cristo. É aí onde a morte tem o seu lugar para o cristão e a cristã.
Pregação no Dia dos Finados é pregação da boa nova, da vitória da vida sobre a morte, em Jesus Cristo.
3) Contudo, o texto da carta de Pedro apresenta um final duplo. A volta do Senhor é apresentada como condenação e como redenção. O agir de Deus é de salvação para os que estão em Cristo e de condenação para os injustos. Não podemos deixar de apontar para esse final duplo. Caso contrário, a salvação em Cristo perde o seu perfil. Só revelando esse final duplo poderemos apontar também para a necessidade de estar em Cristo e de viver em santo procedimento e piedade. A pregação terá, então, força ética e missionária.
Lutero dizia ser importante distinguir entre lei e evangelho, e saber quando pregar a lei e quando o evangelho; afirmava que devemos pregar a lei àqueles que vivem seguros, e o evangelho aos desesperados. Dia dos Finados é dia de pregar o evangelho e de fortalecer as pessoas presentes no sentido de que aguardem com firmeza a volta de Cristo. Como, porém, todos nós precisamos da palavra que nos chama ao arrependimento, pois continuamos pecadores, a prédica neste dia precisa também articular a lei, para que o injusto presente em nós saiba que necessita arrepender-se, e andar em novidade de vida.
O chamado ao arrependimento conta com a realidade de culpa na vida humana e confia no ouvinte, no sentido de que ele é capaz de arrepender-se e está disposto a fazer isso. A pregação ao arrependimento é uma forma de pregar a graça. Ela tem sua origem na benignidade de Deus. Ela trata o ouvinte e a ouvinte como alguém que e é capaz de ouvir essa mensagem e tomar decisões no sentido de viver de conformidade com a vontade de Deus.
4) Terminemos a meditação observando que o apóstolo se dirige aos seus ouvintes chamando-os de amados de Deus. Nós, pregadores e pregadoras, nos sabemos amados e amadas de Deus?
Quando nos sabemos amados e amadas de Deus temos uma relação diferente conosco, com os outros e com Deus. Podemos trabalhar aspectos negativos da nossa vida. Não precisamos criticar os outros. Porque sabemos que Deus nos ama e nos aceita, podemos transmitir aos outros o amor de Deus e animar os outros para a lê e vida na comunidade, onde temos o perdão dos pecados e onde cremos na ressurreição do corpo e na vida eterna.
Só se nos sabemos amados e amadas de Deus poderemos consolar enlutados e transmitir que outros também são amados por causa de Cristo.
É esse o sentimento que se articula na passagem bíblica e que o pregador e u pregadora têm a tarefa de articular nesse culto.
4. Bibliografia
GRUNDMANN, Walter. Der Brief des Judas und der zweite Brief des Petrus. 3. ed. Berlin : Evangelische Verlagsanstalt, 1986. (Theologischer Handkommentar zum Neuen Testament).
HAUCK, Friedrich. Die Briefe des Jakobus, Petrus, Judas und Johannes. Göttingen : Vandenhoeck & Ruprecht, 1958. (Neues Testament Deutsch).
JOSUTTIS, Manfred. Rhetorik und Theologie in der Predigtarbeit: homiletische Sudien. München : Chr. Kaiser, 1985.
Proclamar Libertação 23
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia