Prédica: Marcos 13.24-31
Leituras: Daniel 7.9-10 e Hebreus 11.20-21
Autor: Flávio Schmitt
Data Litúrgica: Último Domingo do Ano Eclesiástico (Cristo Rei)
Data da Pregação: 23/11/2003
Proclamar Libertação – Volume: XXVIII
Tema:
1. Introdução
Os dias, meses e anos do terceiro milénio do calendário ocidental estão a transcorrer normalmente. O tão anunciado fim do mundo, ao que parece, terá que aguardar por mais algum tempo. Não foi desta vez que os visionários e profetas de plantão acertaram. Ainda assim, contra todas as evidências, não faltam pessoas que continuam falando do fim, inspirados em textos bíblicos que dão margem a essa interpretação. Geralmente usam textos apocalípticos.
A passagem indicada como texto de pregação para este último domingo do ano eclesiástico de 2003, por se tratar de um texto apocalíptico, poderia dar margem a uma interpretação e pregação sobre o fim do mundo. Contudo, este texto, mais do que prever o fim do mundo, procura conscientizar a comunidade da transitoriedade de seu papel histórico, de sua função enquanto comunidade de Jesus Cristo. Mais precisamente, procura chamar a atenção dos discípulos para como deveriam se comportar diante das adversidades que terão de enfrentar.
Como leitura estão indicados os textos de Daniel 7.9-10 e Hebreus 11.20-21. Os três textos têm o Filho do homem como denominador comum. Daniel descreve suas características falando de suas vestes brancas, de trono e de fogo. Em Hebreus, é destacado o dinamismo da fé que se cumpre ao longo da história do povo de Deus e que encontra em Jesus sua expressão maior. Em Isaque, Jacó e José, a fé transcende a história. A fé faz ver mais longe, para além do presente, para o lugar de onde o Filho do homem vem.
2. Interpretação do texto
A – Apocalíptica em Marcos
Edições anteriores do PL que se ocuparam com Marcos 13 fazem referência à apocalíptica e suas características. Embora haja controvérsia quanto às características apocalípticas de textos do NT, este gênero está presente nos evangelhos, nas cartas do apostolo Paulo e no último livro da Bíblia. Essas passagens neotestamentárias alimentam se de toda uma tradição extrabíblica e veterotestamentária que tem no livro de Daniel sua expressão maior.
A apocalíptica é reconhecida como um gênero literário próprio de um período em que as circunstâncias históricas possibilitaram uma experiência peculiar de Deus, uma percepção especial do tempo e do espaço em que se está situado.
B – Marcos
a) O evangelho
O Evangelho de Marcos inaugura o gênero evangelho. Nele, pela primeira vez, a boa-nova torna-se uma literatura específica a servido da boa-nova. Com uma perspectiva teológica própria, Marcos estrutura sua mensagem tendo como pano de fundo a prática de Jesus antes do primeiro anúncio da paixão (Mc 8.27ss.) e o desenrolar dos acontecimentos por ocasião de sua inserção no marco geográfico que corresponde ao espaço delimitado pela lógica de morte articulada cm torno dos interesses de Jerusalém e do templo.
O capítulo 13 está inserido na segunda parte do evangelho, onde o foco da atenção concentra-se nos conflitos desencadeados pela prática de Jesus com os judeus e os fundamentos simbólicos de sua religião
b) Marcos 13
Marcos 13 reflete a situação de guerra entre romanos e judeus, após a destruição do templo pelos romanos. As circunstâncias são catastróficas. Por isso mesmo, a esperança não poderia ser expressa de outro modo.
Na passagem, estão costurados o motivo cristão e a tradição da apocalíptica judaica. O capítulo 13 do Evangelho procura responder a duas questões básicas: 1a) que sentido tem a destruição do templo?; 2a) o que esta destruição tem a ver com a segunda vinda de Cristo?
O capítulo deixa transparecer que a situação provocada na comunidade com a destruição do templo é de sofrimento e até certo ponto de desespero (v. 7). Nesse contexto, Marcos não se vale de meias palavras para dizer que o fim da história começou com a ruína e destruição do templo. Porém, é justamente neste contexto que o reinado de Deus, se dá a conhecer. O fim não é o fim, mas o começo de uma nova perspectiva, um novo olhar, uma nova maneira de ver acontecer o projeto de Deus. Doravante, o decisivo é a forma como a comunidade se posiciona diante desta realidade na qual está inserida.
C – Texto de Marcos 13.24-31
Os versículos 24-31 do assim chamado sermão apocalíptico de Jesus podem ser divididos em duas partes. Nos v. 24-27, temos uma referência ao que é passageiro, penúltimo, histórico e como se relaciona com o que é último, definitivo, eterno (v. 28-31). A história tem seu fim. Mas o Filho do homem está agora acima da história. Não está fora, muito menos aquém da história. Está acima dos acontecimentos. Para Marcos, esse Filho do homem é o próprio Jesus.
Por mais pessimista que seja a forma de tratar a história, a apocalíptica, mais do que afirmar o seu pessimismo, busca reforçar o poder de Deus. Onde a história encontra seu ocaso, seu caos, ali está o Filho do homem. O Filho do homem é a certeza de que o fim é a chave do começo. A negação é o princípio da afirmação. O reverso da história encontra seu sentido na presença do Filho do homem. O novo céu e a nova terra de Is 65.17 encontram seu cumprimento na presença do Filho do homem.
Os versículos 28-31 não nos dizem quando nem como será a vinda do Filho do homem, apenas convocam à vigilância. Aliás, os v. 32-33 deixam claro que previsões e cálculos são pura especulação. Este é justamente o aspecto com o qual os discípulos não precisam se preocupar. Esta é a dimensão da história que está nas mãos de Deus. Marcos justamente quer chamar nossa atenção para aquilo que de fato deve ocupar a comunidade, a saber: estar atenta, de olhos abertos, sentir o rumo dos acontecimentos. É isto que a comunidade precisa aprender (v. 28).
3. A caminho da pregação
A comunidade corre um grande risco de tomar como penúltimo aquilo que no evangelho é último, e vice-versa. À medida que nos ocupamos com previsões e cálculos, não estamos tomando em nossas mãos a missão que de fato nos cabe: estar atentos, perceber a negação do projeto de Deus em nossa história. Marcos é um convite para assumir a história, a vida, a humanidade com todas as suas ambiguidades e contradições. Tudo porque a história já recebeu seu veredito na cruz de Jesus.
Para a comunidade, isso significa assumir a própria condição, as limitações e condicionamentos históricos que não permitem viver e desfrutar da vida abundante que nasce na manjedoura em Belém. De modo mais preciso, a pregação poderá recorrer a fatos concretos da vida da comunidade que apontam para a ambiguidade do ser cristão. Nas palavras de Martim Lutero, pode-se inclusive recorrer à formula simul iustus et peccator.
Contudo, a ambiguidade histórica da condição humana não nos permite condenar a história. O tempo e o espaço são de Deus. Por mais circunstancial que possa ser o testemunho da comunidade cristã, por mais vigilante que esta comunidade venha a ser, a história está nas mãos de Deus. Ela é dele. Ainda que céu e terra desapareçam, os seguidores de Jesus, a comunidade cristã como um todo, têm uma missão, têm seu papel a desempenhar, são convidados a assumir uma postura diante dos mesmos. Esta missão poder ser resumida na expies são assumir a causa de Jesus neste mundo.
Ao pregador importa conduzir a comunidade ao aprendizado. Em geral, tem-se a compreensão (p. ex., nas comunidades da IECLB), que já não temos mais nada a aprender; inclusive entre obreiros pode se verificar essa compreensão. No entanto, Jesus nos convida a aprender, a ler sinais, a olhar com o coração para a vida. Lembro aqui algumas frases que poderiam servir de ilustração para a fala: Caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao caminhar, Se não podes mudar o caminho, muda o jeito de caminhar e mais uma atribuída a Ghandi. Para a paz não há caminho, o caminho é a paz. Parafraseando este dito, pode-se dizer que para a salvação não há caminho, o caminho e a salvação.
Bibliografia
BÍBLIA Sagrada. Edição Pastoral. São Paulo: Paulinas, 1990.
FRIEDRICH, Nestor. Marcos 13.1-13. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal, 1996. v. 22, p. 286-291.
KAICK, Baldur van. Marcos 13.33-37. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal, 1999. v. 25, p. 17-22.
RUSSEL, D. S. Desvelamento Divino. São Paulo: Paulus, 1997.
Proclamar Libertação 28
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia