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Prédica: Lucas 15.8-32
Leituras: Gênesis 43.1-14 e Mateus 7.7-12
Autor: Silvio Meincke
Data Litúrgica: 9º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 10/08/2003
Proclamar Libertação – Volume: XXVIII
Tema:

1. Introdução

As três parábolas de Lucas 15 foram muito bem trabalhadas por René Krüger, no volume XVII de Proclamar Libertação. Ele aponta para R relação estreita entre elas e para a coerência interna de todo o capítulo.

Eu gostaria de elaborar uma celebração e uma prédica que tomassem como base todas as três parábolas. Assim poderia enfocar os diferentes aspectos do tema perder e encontrar e perder e encontrar-te, assim como o próprio Lucas o faz, para proclamar a alegria de encontrar o que estava perdido ou a alegria com quem se encontra.

A perícope está prevista para o 9° Domingo após Pentecoste, que coincide com o Dia dos Pais, uma data cada vez mais importante para o comércio e cada vez mais comemorada em escolas, creches e jardins de infância; uma comemoração que pode causar constrangimentos, quando não se leva em conta o grande número de pais que se separa¬ram e, por isso, não moram na mesma casa e nem na mesma cidade dos filhos.

2. O texto

As três parábolas são uma resposta que Jesus dá a fariseus e pro¬fessores da lei que murmuravam pelo fato de ele misturar-se e comer com os cobradores de impostos e gente de má fama. As pessoas de comportamento correto perante a lei não compreendem como Jesus combina a proclamação do reino de Deus e a sua comunhão com os pecadores. Pecadores são as pessoas que os murmuradores excluem da comunhão com Deus, porque as consideram injustas ou impuras. As parábolas dizem que a solidariedade de Jesus vai além dos paradigmas dos seus opositores, porque está baseada no amor de Deus e não na letra da lei. Jesus não nega que o amor de Deus inclui os que vivem corretamente diante da lei e não nega que os céus se alegram com a sua coerência, mas nega-lhes o direito ao desprezo e afirma que haverá alegria maior com o perdido que volta. Estimula os que murmuram a se alegrar com a alegria de Deus pela conversão e a volta dos perdidos. Deus ama os pecadores, não por causa do pecado deles, mas por causa da sua divina misericórdia. Essa é a sua justiça, que vai muito além da justiça dos que dividem as pessoas em merecedoras e não merecedoras do amor de Deus.

Mais do que exigir vida correta e prática piedosa, Jesus convida para a comunhão e para a dedicação àqueles que são desprezados por serem considerados perdidos. Jesus convida os murmuradores a se incluírem na alegria dos céus, da qual se auto-excluem, quando excluem a outros.

As duas primeiras parábolas tratam da perda de bens materiais (uma de dez moedas, uma de cem ovelhas). A terceira parábola vai além, porque não trata de moeda ou de ovelhas perdidas pelos proprietários, mas de dois filhos que se perdem por culpa própria, afastam-se e rompem a relação com o pai. Quebrada a relação, um dos filhos cai fundo, acaba na miséria, vai cuidar de porcos, o que é, aos olhos dos judeus da época, a expressão máxima de uma vida impura. Significa humilhação total e perdição plena. Comer a comida dos porcos significa alcançar o fundo do poço. No fundo do poço, surge o desejo da volta, da conversão. O outro filho progride e usa o seu progresso e a sua vida regrada como auto-suficiência, afastando-se, com isso da relação com o pai, o que se evidencia no desprezo ao irmão, quando este volta.

O pai vai ao encontro do filho que volta, acolhe-o com festa, anel, veste nova e beijo, todos símbolos para o restabelecimento da relação pai-filho. O comportamento do filho maior, frio, invejoso, cheio de desprezo, convicto dos seus méritos, desenha o perfil dos opositores, legalistas que murmuram. Com essa caracterização do filho maior, Jesus completa a resposta aos que não o compreendem e completa o grande arco que se estende entre os versículos 15.1-2 e 15.32.

A parábola poderia ter o título: O pai bondoso e os seus dois filhos perdidos. O título Filho pródigo refere-se ao filho mais novo e erra o alvo da parábola que é o filho mais velho. O filho mais novo volta e a alegria é grande. O filho mais velho permanece afastado, longe do pai e longe do irmão. A parábola não diz se ele volta ou não, porque ela responde aos que murmuram. Eles mesmos são o filho mais velho, e são eles mesmos que devem decidir se voltam.

3.Atualização

a) Os cobradores de impostos e as pessoas de má fama são representativos para todas as pessoas que os corretos consideram perdi¬dos e, por isso, desprezam. Então, nós nos perguntamos: quem são os perdidos em nossos dias?

– Seria aquele jovem, ex-confirmando que, numa noite de desespero e desamparo, embebedou-se e foi sentar-se nos trilhos do trem, onde foi atropelado e, hoje, anda na rua, arrastando a perna direita, j com dificuldade para falar e com um dos braços inutilizado?

– Seria aquele outro jovem, ex-confirmando, que o pastor visitava na cadeia, que chorava amargamente, porque não suportava o ambiente da prisão e que, obtendo uma liberdade condicional de três dias, fio último natal, a primeira coisa que fez foi praticar um novo assalto armado, que o levou de volta à prisão?

– Seriam aquelas ex-confirmandas que engravidam, são abandonadas, saem de casa, interrompem os estudos, perdem o emprego e, para sustentar a si e a criança, pagar aluguel, os remédios, a creche, precisam prostituir-se?

– Seria o jovem agricultor que se assusta com os compromissos assumidos, perturba-se e passa a roubar ferramentas na vizinhança, pura escândalo de toda a comunidade?

– Seria a mãe pobre, solteira, que bate à porta da casa do pastor, desesperada com o comportamento do seu filho adolescente?

– Seriam os jovens reunidos na praça, na frente da igreja, que Cumprimentam o pastor, com respeito, mas puxam o seu fuminho e se negam a frequentar os cultos, porque para eles igreja já era?

– Seriam os membros que se desligam da comunidade, porque atrasaram as suas contribuições e agora não têm dinheiro para pagar o que devem?

– Seriam os jovens, filhos de membros da comunidade que arrombaram a casa paroquial e levaram talão de cheques e máquina fotográfica?

– Seria o membro da comunidade, pedreiro, que se revolta quando o empregador não lhe paga o trabalho, abandona a profissão, entra numa quadrilha, é surpreendido e baleado num assalto e hoje vive em cadeira de rodas, com uma bala alojada na coluna?

– Seria aquela mãe, ex-membro da comunidade, cujos três filhos vivem nos Asilos Pella e Bethânia, e que passa diariamente na frente da igreja, sempre bêbada, e se deita em qualquer sarjeta com quem lhe 1 queira dar carinho, ainda que seja um carinho movido pelo álcool ou
outra droga?

– Seria o/a filho/a que entra em conflito com os pais e se afasia, porque não encontra uma forma de bom diálogo? Veja Silvio Meincke O abraço da mãe. In: Gaede, Leonídio. Nervuras do Cotidiano. São Leopoldo : Sinodal, 2000. p. 80.

– Ou seriam os pobres, em geral, culturalmente decaídos, social mente excluídos, sociologicamente desintegrados, financeiramente in capazes e astronomicamente afastados da comunidade eclesial, das normas, das regras, da moral local, da boa aparência dos que consegui ram estabelecer-se?

Nas três parábolas, Jesus quer dizer que essas pessoas de má fama estão incluídas no amor de Deus, e que os céus festejarão a volta de cada um desses filhos e filhas perdidos; que os céus se alegram, também, com os membros fiéis da comunidade eclesial, corretos, cumpridores das normas vigentes; mas que eles não têm o direito de desistir nunca da busca para incluir os perdidos; não têm o direito de olhar com dês prezo, com soberba, baseada na auto-suficiência, nos próprios méritos, porque Deus não desiste e vai ao encontro dos perdidos, com o anel, a veste nova, o beijo, as sandálias novas e a grande festa da alegria.

b) É trágico que as comunidades cristãs tradicionais hodiernas usem, quase que exclusivamente, critérios moralistas em todas as análises que fazem da realidade humana. Os conhecimentos da psicologia, da sociologia, da medicina, da economia não são encarados como critérios de análise. Quem tropeça e cai é visto como moralmente pior e, portanto, culpado da sua situação. Mais trágico ainda o fato de que pouco se usam os critérios do evangelho, que inclui a todos e todas no amor de Deus.

Quais seriam, então, as pessoas que murmuram em nossos dias?

– Seriam os presbíteros que querem demitir o pastor, porque ele visita mais os membros relaxados da comunidade do que os membros bons?

– Seria aquela família que deixou de frequentar os cultos, porque o pastor pediu a coleta para os vagabundos do Nordeste que não querem trabalhar?

– Seria o bodegueiro que pediu desligamento, porque o Departamento de Assistência da Comunidade propôs pagar-lhe dois litros de leite por dia, a serem retirados por uma família pobre, com cinco crianças pequenas?

– Seria o setorista que se negou a visitar uma família em atraso, porque não se deve correr atrás de ninguém, pois cada um tem que saber qual é o seu dever?

– Seriam as famílias que se afastaram desde que a Comunidade realiza festas populares, com almoço ao preço de R$ 1,00, especial mente para incluir os pobres?

Seriam os pais, inábeis para o diálogo, em conflito com os filhos, que apenas sabem repreendê-los, mas não abraçá-los?

Seriam os pais que murmuram, porque não entendem os filhos n os afastam com os seus murmúrios?

– Seriam as pessoas de bem, indignadas com o modo de vida dos maus elementos?

– Seria o lavoureiro, sentado sobre a nova trilhadeira, enraivecido, porque ele suou para ter a sua terra e o sem-terra a quer dada, sem dar-se conta de que a terra toda é do pai?

– Ou somos nós os que murmuramos porque não concordamos com os que murmuram e nos consideramos melhores do que eles?

Como seguidores e seguidoras de quem conta tais parábolas, podemos alegrar-nos como comunidades bem organizadas, como membros assíduos e engajados, mas não podemos apontar para os nossos próprios méritos, desprezando, condenando, excluindo os membros fragilizados, sejam quais forem os motivos da fragilidade. Jesus não se demora em explicar os motivos por que as coisas e as pessoas se perdem. Para ele não há ninguém que não mereça viver em alegria na comunhão com Deus e com os outros. As parábolas ensinam que Deus quer a convivência, a solidariedade, a partilha, a cooperação, a alegria de uns com os outros e o júbilo com cada pessoa que foi perdida e é reencontrada. Propõe substituir as relações baseadas no mérito (análise moralista, incapaz para o diálogo e para a misericórdia, porque condena, compete, exclui) pela relação baseada na solidariedade, que é fruto do amor de Deus e gera gratuidade, apoio, diálogo, perdão, reconciliação, socialização, cooperação, partilha.

4. Os dois filhos perdidos

A terceira parábola poderia ter o título O pai bondoso e seus dois filhos perdidos. O mais novo, que sai de casa e se perde, está de volta, foi reencontrado e reencontrou-se, esteve morto e tornou a viver. O mais velho, que nunca saiu de casa, perdeu-se, porque construiu a sua vida sobre os próprios méritos, a competição, a comparação, não sobre a confiança, nem a gratidão nem o amor do pai; portanto, afastou-se do pai, quebrou a relação com ele e, conseqüentemente, com o irmão.

Contando as três parábolas em resposta aos que murmuram diante da sua convivência com cobradores de imposto e pessoas de má fama, Jesus quer a salvação de ambos, dos perdidos e dos que se perdem por desprezarem os perdidos.

5. O Dia dos Pais

Para quem quer dar espaço para o Dia dos Pais, seja na liturgia, seja na prédica, sugiro refletir sobre as seguintes considerações, na preparação pessoal:

– Há muitos casos de pais e filhos que não moram na mesma casa, porque pai e mãe se separaram.

– Pais e filhos podem ter uma boa relação, e é possível ser um bom pai, também quando o pai mora em outra casa, em outra cidade.

– É constrangedor para pais separados, quando do púlpito se trabalha exclusivamente com o conceito da família tradicional, que é cada vez mais rara.

– Amor ao próximo e amor conjugal são duas coisas distintas. Quando termina o amor conjugal, não termina, necessariamente, o amor ao próximo.

– Separação não é, necessariamente, consequência da falta de fé, pelo contrário, pode ser uma decisão de fé, uma solução evangélica, de confiança no amor e no perdão de Deus, que abre novos espaços de vida.

– Até que a morte nos separe é um desejo, não um juramento.

– É para o desejo de construir a vida juntos que os noivos pedem a bênção de Deus. Na teologia luterana, casamento não é sacramento, mas o pedido da bênção, portanto, são os noivos que se casam, não é Deus que os casa.

6. Entre conformismo e moralismo

Nós, os pais, em geral, temos o sentimento de responsabilidade pelos filhos e queremos educá-los bem. Mas não somos somente nós que educamos nossos filhos. É a escola, é a televisão, é a internet, é a turminha de amigos, é o campo de futebol, é a empresa. Quando surgem as divergências entre nós e nossos filhos, muitos de nós nos sentimos totalmente impotentes e inseguros para trabalhar os conflitos. Em consequência, ficamos balançando entre o conformismo (não adianta mais, já não sei o que fazer, a juventude de hoje é impossível) e uma espécie de moralismo controlador (damos ordens, corrigimos, cobramos). Talvez os controlamos por amor, mas os filhos entendem como rejeição. E aí começa o círculo vicioso: o filho apronta para chamar a atenção (por favor me amem), os pais repreendem (rejeição), o filho precisa aprontar mais na tentativa de ser amado…

A única maneira de quebrar o círculo pecaminoso que afasta filhos e pais do reino de Deus é o que faz o pai da parábola: ele abraça. As três parábolas são convite para o abraço. Ir ao encontro, alegrar-se, abraçar, buscar o anel, trazer a veste nova, trazer as sandálias novas, fazer uma festa. O filho que apronta não quer reprimenda, não quer ler enquadrado nos preceitos da lei (na moral local: o que vão dizer os Vizinhos; quando eu tinha a tua idade…!), mas quer ser abraçado, quer ler amado. Não é o conformismo da impotência e nem o moralismo repreendedor, mas o abraço do carinho que vai trazer a alegria dos céus para a relação pais/mães e filhos/filhas.

7. A celebração

– Sinos.
– Encenação de Lc 15.8-10 (de surpresa, sem anunciá-la).
– Canto:
– Saudação com referência à encenação. Leitura de Lc 15.8-10. Anúncio do tema da celebração. Saudação especial aos pais.
– Liturgia da entrada
-Volta ao tema, com a leitura de Lc 15.1-7.
– Confissão da fé
– Canto:
– Volta ao tema, com a leitura de Lc 15.11-32.
– Prédica:
– Quem seriam os/as perdidos/as em nossos dias (apresentar exemplos, na forma de perguntas, não de afirmações categóricas)?
– Por que os opositores de Jesus murmuram?
– Quem seriam os murmuradores em nossos dias?
– O convite que Jesus faz com as três parábolas. (Esse convite quer chegar como evangelho, boa notícia, aos ouvidos de cada participante do culto).
– Liturgia do envio:
– Bênção: Pedir a Deus a bênção sobre os pais (quem sabe chamá-los para frente) para que tenham forças e sabedoria para o abraço no lugar do conformismo e da reprimenda moralista; para que construam a alegria dos céus no lugar da tristeza de uma tarefa malsucedida.

Proclamar Libertação 28
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia