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Prédica: Mateus 13.1-9
Leituras: Isaías 55.10-11 e Romanos 8.18-23 (24-25)
Autor: Valdemar Lückemeyer
Data Litúrgica: 8º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 10/07/2005
Proclamar Libertação – Volume: XXX

1. Introdução

Quero iniciar o estudo sobre o texto com uma pergunta intrigante: por que o lecionário histórico (tradicional ou alemão, o das seis séries) não contempla mt 13.1-9? entre os vários comentários exegéticos e homiléticos consultados não encontrei nenhum que abordasse o texto. por outro lado, a série trienal/ecumênica o inclui, e por isso há um novo estudo e comentário sobre o mesmo, até com certa freqüência.


Em Proclamar Libertação encontramos dois bons estudos sobre o texto, sempre indicado para o 8º Domingo após Pentecostes: em PL XXI, p. 196ss, encontramos o estudo de Uwe Wegner e, em PL XXVII, p. 188SS, o de Günther K. F. Wehrmann. Busquei muitas informações nestes dois estudos para o presente trabalho e recomendo a leitura dos mesmos.

2. Um detalhe importante

A parábola do semeador é narrada pelos três evangelistas sinóticos: mt 13.1-9, mc 4.1-9 e lc 8.4-8. entre os exegetas há consenso de que mt e lc se basearam no texto de mc e, individualmente, cada um fez a sua atualização e interpretação ao passar o texto para suas comunidades. os evangelistas também foram pregadores. eles fizeram o seu trabalho redacional e também as devidas adaptações para os seus leitores/ouvintes.

Os três evangelistas também narram a explicação da parábola do semeador. Aliás, a explicação da parábola é de Jesus mesmo ou é da comunidade primitiva? O nosso texto de estudo é apenas a parábola do semeador! Mas conseguimos ler, meditar e pregar sobre a parábola do semeador sem que nos lembremos da explicação da mesma conforme os evangelistas? “É também muito provável que a explicação posterior da parábola (Mc 4.10ss e par.) seja antes uma reflexão da comunidade primitiva do que propriamente a explicação dada por jesus” (U. Wegner, p. 196).

3. Outro detalhe importante

A parábola do semeador (Mt 13.1-9 e paralelos) é uma parábola, não uma alegoria. A diferença entre uma e outra nem sempre é clara, e por isso há muitas controvérsias entre os exegetas sobre a questão. Jesus falava em parábolas a respeito do reino de deus. Por quê? Para que alguns ouvintes não o compreendessem? Será que o jeito de falar em parábolas serve para encobrir e ocultar o conteúdo para determinadas pessoas, às quais não é “dado conhecer o mistério do reino dos céus” (Mt 13.11)? Este era o pensamento nas comunidades cristãs primitivas, que se admiravam diante do milagre da fé, que acontecia mais entre os gentios do que entre os judeus… Ou será que a alegoria é o jeito adequado de entender uma parábola? A interpretação que Mateus oferece nos v. 18-23 tem uma tendência alegórica quando identifica a semente com a palavra, o solo com os ouvintes e as adversidades com poderes diabólicos e incredulidade. Tal interpretação precisa ver cada traço da parábola em seu sentido alegórico, o que pode levar a paralelos forçados, além de induzir para o apelo moralista.

Ou é a parábola a única maneira adequada de falar do mistério do reino de Deus? Identificando-o como mistério, afirma-se que ele ultrapassa todas as nossas categorias relativas e contextuais de falar do eterno, do absoluto, do reino de Deus (G. Wehrmann, p. 188).

4. Estrutura do texto

V. 1-3A: Introdução
V. 3B-8: A semente nos quatro tipos de solo
V. 9: Chamado de alerta/conclusão

5. Comentários exegéticos

V. 1: Não há referência precisa de qual casa Jesus sai para chegar ao lado (da Galiléia). é para as margens desse mesmo lago que Jesus chamou os discípulos (4.18) e onde os discípulos tiveram a sua primeira experiência com o poder de Jesus (8.24-28).

v. 3: Mateus destaca que Jesus “fala” ao povo, ao passo que Marcos registra que Jesus “ensinava”. Para Mateus, Jesus ensina na sinagoga ou também em outras ocasiões, mas sempre quando explica a lei. Ao povo Jesus “fala”, fala em e através de parábolas. Mateus concentra as parábolas em dois grandes blocos por ele agrupados: no cap. 13, onde são relatadas sete parábolas, e ainda no cap. 21.28-22.14. O semeador é mencionado aqui e não aparece mais na parábola!

v. 4-7: O sujeito agora é a semente. Uma parte cai à beira do caminho. Por descuido? Era natural que assim acontecesse? Outra parte cai em solo rochoso = camada rasa de terra, com pouco húmus, com poucos nutrientes, sem condições para resistir a uma seca! Outra parte cai entre os espinhos. A lavoura não estava limpa? Ela é assim mesmo? As sementes, se crescessem rapidamente, poderiam sufocar os espinhos?

V. 8: A produção da semente que caiu em terra boa é excepcional. Mateus inverte o resultado da produção em relação a marcos, apresentando-o em forma decrescente. apenas a semente que caiu em solo fértil, terra boa, é que produz fruto.

6. Meditação

Por que Jesus contou essa parábola? A parábola foi contada a partir da perspectiva do semeador ou da semente e dos vários tipos de solo? Sem dúvida, no AT, a palavra de Deus é comparada à semente. É uma metáfora muito usada. Um dos textos mais lembrados é a leitura bíblica do AT para este 8º Domingo após Pentecoste: Is 55.10-11. O acento, portanto, não está no semeador, que, apesar de frustrações, tem no final uma grande recompensa. O acento está na semente. Semente que é lançada na terra, apesar de alguns obstáculos e dificuldades, produz e produz muito.

“A parábola seria a expressão da certeza de Jesus de que a palavra de sua pregação, a despeito de encontrar resistência em um e outro ouvinte, daria muito fruto de aceitação e compromisso em sua obra missionária. Neste sentido, a comunidade primitiva também interpretou o texto (cf. Mc 4.10ss)” (U. Wegner, p. 198).

E mais: a semente não é apenas a palavra pregada, anunciada por Jesus, isto é, o seu ensino, mas semente é toda a sua atividade, toda a sua vida. em sua pessoa o reino de deus estava sendo anunciado, sendo “semeado”.
A parábola quer transmitir confiança e ânimo aos ouvintes. Apesar das dificuldades e eventuais contratempos, o resultado da colheita será muito bom, será excepcional. Assim é o reino de Deus. Assim é com a palavra de Deus anunciada. “Disso sabemos desde a Páscoa. Por isso, não mais precisamos desanimar diante dos insucessos, mas continuamos com a semeadura, intensificando o esmero com o preparo da semente e do solo e com o cultivo” (G. Wehrmann, p. 191).

7. Para refletir

“Se me fosse possível começar, hoje, a pregar o Evangelho, eu o faria de modo bem diferente. Pregaria o evangelho e o consolo especialmente para as consciências temerosas, humilhadas, desesperadas e simples. Por isso o pregador deve conhecer o mundo muito bem e reconhecer que ele é desesperadamente mau, propriedade do diabo, na melhor das hipóteses. Eu é que fui estupidamente ingênuo, não sabendo quando comecei, como eram as coisas, pensando que o mundo seria muito piedoso e, tão logo ouvisse o evangelho, viria correndo para aceitá-lo com alegria. Mas agora descubro, com grande dor, que fui vergonhosamente enganado” (M. Lutero).

8. Pensando na prédica

– A palavra de Deus não volta vazia; ela produz, com certeza!
– Sob essa perspectiva a comunidade realiza sua tarefa evangelizadora.
– O ministério da pregação é da comunidade. Todos os setores de trabalho na comunidade são chamados para esse serviço.
– Há momentos próprios e indicados para semear. É preciso planejar, é preciso preparar-se para a semeadura.
– O critério é semear em abundância.


Bibliografia

LUZ, ULRICH. DAS EVANGELIUM NACH MATTHÄUS. IN: EVANGELISCH-KATHOLISCHER KOMMENTAR ZUM NEUEN TESTAMENT, VOL I/2, MT 8-17, BENZIGER VERLAG, NEUKIRCHNER VERLAG.
WEGNER, Uwe. Meditação sobre Mateus 13.1-9, in: SCHNEIDER, Nélio e DEIFELT, Wanda (coord.). Proclamar Libertação XXI. São Leopoldo: Editora Sinodal, 1995. p. 196ss.
WEHRMANN, GÜNTER KARL FRITZ. MEDITAÇÃO SOBRE MATEUS 13.1-9, IN: HOEFELMANN, WERNER E SILVA, JOÃO A. M. DA (COORD). PROCLAMAR LIBERTAÇÃO XXVII. SÃO LEOPOLDO: EDITORA SINODAL, 2001. P. 188SS.