Proclamar Libertação – Volume 33
Prédica: Amós 7.7-15
Leituras: Marcos 6.14-29; Efésios 1.3-14
Autor: Dalcido Gaulke e Silvia B. Genz
Data Litúrgica: 6º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 12/07/2009
Os textos indicados para a celebração trazem como conteúdo a pergunta pelo poder. De quem é o poder, quem quer o poder e o poder de Deus acima de tudo?
O texto do Evangelho de Marcos apresenta o confronto entre o rei Herodes e João Batista. Herodes é representante do poder romano, e João Batista, um simples pregador do deserto. João anuncia o Salvador Jesus Cristo. Em resumo, o confronto ocorre entre Estado e Jesus Cristo, filho de Deus, o próprio Deus. João perde sua cabeça porque fica fiel a Deus. Em Efésios, o apóstolo faz um agradecimento a Deus pela bênção do poder revelado em Jesus Cristo. Através de seu amor em Jesus Cristo, Deus realizou a sua vontade, seu plano, colocando “debaixo da autoridade de Cristo tudo o que existe no céu e na terra”. Deus é todo-poderoso, tem poder sobre tudo e é um Deus gracioso e amoroso que une com sua marca todos os que ouvem a boa-nova do evangelho. Os textos ligam-se com Amós na linha da disputa pelo poder. Por um lado, um simples agricultor que cuidava de ovelhas e cabras, o profeta de Deus; do outro lado, Ananias, o sacerdote de um santuário de valor nacional, santuário do rei, e o rei Jeroboão II como dominador e detentor do poder.
Milton Schwantes diz: As “palavras de Amós” (Am 1.1) são contextuais. Dialogam com seu meio ambiente. Assimilam as circunstâncias. O conceito hebraico de “palavra” (dabar) inclusive inclui a realidade. Não há “palavra” (dabar) sem contexto.
Amós atuou em Israel, no norte, por volta de 760-750 a.C. (Am 1). Uzias era rei de Judá, e Jeroboão, filho de Joás, rei de Israel. Amós nasceu em Tecoa, uma pequena vila do interior, distante 30 quilômetros de Jerusalém. Não era profeta por profissão, conforme 7.14; era agricultor, criador de gado miúdo e cultivava sicômoros (figueiras). Ele exercia uma profissão “civil”. Chamado por Deus, 7.15, deixou tudo e anunciava a mensagem de Deus ao povo de Israel. Provavelmente vivia desses seus bens, pois quando Amazias o mandou embora, para ganhar a vida em outro lugar, Amós respondeu que não ganhava a vida profetizando (7.12-15). Amós não dependia de ser profeta para sobreviver. Era independente economicamente.
O profeta via a situação de miséria e exploração do povo. Ele conhecia as tramas do comércio injusto, sabia do crescimento da acumulação das riquezas da idolatria e da decomposição moral e religiosa. Amós conhecia a realidade dos dois reinos – Judá no sul e Israel no norte. Em Judá, seu reino, os decretos e as leis que defendiam uma sociedade fraterna, baseada na fidelidade a Javé, estabelecidos pelos antepassados, não eram respeitados (2.4). Mas as notícias piores vinham do reino do norte, Israel. O rei Jeroboão II criara um progresso muito grande com o apoio das elites; um intenso comércio nacional e internacional, grandes construções e aumento de consumo dos que estavam próximos ao poder. Mas tudo isso com roubo, corrupção, exploração, idolatria e dominação sobre o povo e sobre Israel. Os pobres eram espoliados das roupas e dos calçados, a injustiça e a imoralidade estavam visíveis (Am 2.6ss). Vimos que Amós, sendo um camponês, era conhecedor da realidade local, internacional e tinha conhecimento das artimanhas do palácio. A inteligência de Amós era evidente e mostrava-se na profunda análise de conjuntura.
Amós não se intimidou; anunciou a destruição de Samaria, a capital, e o aniquilamento do Estado de Israel. Essas se cumpriram em 732 e 722 a.C., quando os assírios conquistaram Israel e sua capital Samaria.
V. 7-8 – A visão que Deus deu a Amós é a de um muro construído direito a prumo e Deus estava perto do muro com um fio de prumo. A pergunta de Deus a Amós é: O que estás vendo? A resposta é um prumo. Material, utensílio para deixar o muro, uma parede bem reta e firme para ficar de pé, especialmente naquela época em relação à engenharia praticada. Deus vai mostrar a Amós: “O meu povo não anda direito: é como um muro torto. Vou pôr um prumo no meio deles. Nunca mais vou perdoá-lo”.
V. 9 – Menciona o governo de Jeroboão II no Reino de Israel; esse será destruído juntamente com toda a sua descendência. Além disso, anuncia a destruição de todos os templos e lugares de adoração em Israel.
V. 10-11 – Amazias, o sacerdote do santuário real de Betel, denuncia Amós junto ao rei como subversivo, pois ele anda falando que “Jeroboão II morrerá numa guerra, e o povo de Israel será levado como prisioneiro para fora do país”.
V. 12-13 – Amazias vai a Amós, enfrenta-o e diz: “Fora daqui, este lugar o rei adora, é o templo oficial e principal do país”. Amazias manda Amós, profeta, parar de profetizar e voltar para sua terra Judá e ganhar a vida em sua terra com suas profecias.
V. 14-15 – Amós afirma que não é profeta de profissão, mas foi escolhido pelo Senhor, mandado por Deus deixar seus rebanhos para anunciar sua mensagem. Exercia uma profissão “civil”, era pastor de ovelhas e cuidava de figueiras, não ganhava a vida como profeta. Portanto era independente economicamente.
V. 16-17 – Amós alerta Amazias sobre a situação difícil que se apresentará. Explica o que acontecerá a Israel. No v. 17 faz uma descrição do horror que se aproxima. Como poderia Amós calar-se? A realidade exigia a denúncia dos fatos e o chamamento para a mudança.
Entender o contexto social, político e religioso da época serve para não simplesmente transferir palavras e afirmações para os dias de hoje. O Estado tão contestado em Amós não é idêntico ao de nossos dias. As perspectivas políticas são diferentes. Por que então conhecer a realidade da época? Conhecer a história nos ajudará a entender e atualizar a palavra de Deus para os nossos dias, a mesma recebida por Amós. Faz-se necessário uma análise conjuntural da situação atual, mundial, nacional e local. Isso servirá de pano de fundo para o pregador ou pregadora.
Amós mostra que o testemunho da fé, o testemunho cristão implica resistência frente ao poder do Estado e às autoridades que não governam de acordo com a vontade de Deus. Amós mostra que tem fé e confia no poder de Deus acima de tudo e segue o chamado. Tem desprendimento e coloca seus bens à disposição para servir a Deus como profeta. Ele nos ajuda a entender que é necessário informar-se profundamente sobre a realidade, conjuntura, para poder fazer um bom planejamento das ações.
Amós enfrenta o poder representado, questionando e enfrentando Amazias e mostrando que em Deus ele é livre. Não teme e sabe que não depende do poder representado em Jeroboão II e seu sacerdote. Milton Schwantes diz:
Rito e realeza tendem à auto-suficiência. Não necessariamente precisam de ouvintes ou espectadores. São capazes de excluí-los, de prescindi-los. Não é o que ocorre com palavra e sabedoria. Observam, analisam. Necessitam de eco. O eco à palavra é parte da própria palavra. Sem retorno é vazia. Tem vida curta. Nasce morta (veja Is 55.10-11). Palavra não se restringe, pois, a seu evento acústico. Incorpora a realidade, da qual vem e para a qual se dirige. É fala e coisa! Nesse sentido, a teologia profética é teologia a partir do dia-a-dia. É um diálogo da fé com a experiência.
Uma tal teologia é difícil de pôr sob domínio. Foge a currais. Não se poderia dizer o mesmo do sacerdócio. Ele está vinculado ao altar. Na medida em que se encurrala ao altar, passa a ter domínio sobre os agentes do sagrado. Ao interpretar o sentido de Deus a partir do altar, dos sacrifícios, da realeza, o sacerdócio torna-se deveras vulnerável. Com a profecia não sucede o mesmo. Ela lê o sentido de Deus nos eventos da vida e da história.
É difícil domesticar a teologia profética. Nisso reside seu vigor carismático. Mas nisso também reside sua aparente fragilidade. Continuamente está exposta à contestação. Todos podem contestá-la: sacerdotes (Am 7.10-17).
Amazias aponta e afirma que o templo tem dono, o rei, mas Amós mostra que esse poder é semelhante a um muro prestes a ruir. O poder de Deus é superior a tudo.
Amós se sabe fortalecido em Deus para anunciar a necessidade de mudança e transformação. O profeta não se intimida diante das ameaças; ele enfrenta o poder que se coloca como dominante.
A discussão entre Amazias e Amós mostra-nos como o santuário, o templo, é disputado. Como é isso em nossos dias? Somos comunidades em que é possível dizer em alto e bom tom, como diz o nosso tema: “Aqui você tem lugar”? Somos comunidade cristã acolhedora, onde todos têm espaço? Quantas vezes acontecem afirmações que excluem os demais membros? Parece uma boa oportunidade para mostrar que a comunidade, igreja, templo (santuário) são de Deus.
O profeta mostra a necessidade do conhecimento da realidade. A inserção, a manifestação pública também exigem o conhecimento amplo. Somos comunidade inserida na sociedade.
A comunidade, as lideranças precisam conhecer a realidade da comunidade, saber como está a vida dos membros, e a partir desse conhecimento planejar as ações, a missão de Deus. Não deve haver nenhum indício de exclusão, mas de convívio dos diferentes. Somos diferentes, mas em Cristo somos um só corpo.
Observar e afirmar com Efésios que o poder de Deus se manifestou em Cristo é o mesmo poder desde a criação ou antes e deseja a união de todos. Por causa de seu amor por nós, Deus já havia resolvido que nos tornaria seus filhos e filhas por meio de Jesus Cristo. Ele realizou seu plano, mostrou seu poder por meio de Jesus Cristo. Nome sobre todo nome, não há poder semelhante, e como é maravilhosa a graça de Deus, que ele nos deu com tanta fartura!
O mundo ainda hoje confunde poder com violência; o poder de Deus não é violência, mas paz.
Os imperadores e os reis buscam manter-se no poder com repressão e violência. Também na época de Jesus, o poder dominante, usando a força, a espada, queria terminar com o poder de Deus revelado em Jesus. Herodes elimina João Batista, corta sua cabeça, quer silenciá-lo, interrompendo o anúncio do evangelho. A verdade, no entanto, prevalece e supera o poder demonstrado na violência humana. Martim Lutero diz: “Pois o mundo e o diabo são inimigos da palavra, matam os servidores e empenham o seu poder para abafar a palavra com violência”. O poder de Deus venceu o mal em Cristo.
O poder de Deus impulsiona-nos a servir na vida comunitária em prol do bem comum. Lembrando o que diz em Atos dos Apóstolos 5.29: “Nós devemos obedecer a Deus e não às pessoas”.
Importante lembrar que não se passa pela vida sem deixar marcas. Um objeto, uma obra, um desenho, uma canção, uma carta, uma hipótese formulada são traços da passagem do ser humano. Essas marcas têm suas consequências e ajudam-nos a modificar e transformar realidades.
“O que temos feito por nós mesmos, morre conosco; o que temos feito pelos outros e pelo mundo, isso permanece” (Albert Pike).
Acolhida:
Salmo 85.10 e 11: “O amor e a fidelidade se encontrarão; a justiça e a paz se abraçarão. A fidelidade das pessoas brotará da terra, e a justiça de Deus olhará lá do céu”.
Versículo da graça:
Efésios 1.7: “… pela morte de Cristo na cruz, nós somos libertados, isto é, os nossos pecados são perdoados. Pela maravilhosa graça de Deus”.
Motivos para oração geral da igreja:
Pedir:
– por todas as pessoas que têm a tarefa árdua de anunciar a verdade em meio às mentiras;
– pelas pessoas que denunciam o roubo, a corrupção e buscam a verdade;
– pelo sistema educacional e educadores, para que possam orientar na verdade e justiça de Deus crianças e jovens;
– pelos políticos que não se vendem, mas que procuram o bem comum, especialmente defendendo o mais fraco;
– pelas famílias que procuram resistir no caminho do diálogo, da sinceridade do bom caminho de Deus;
– pela igreja, para que tenha força e coragem para ser profética;
– pela direção da igreja, obreiros/as e lideranças em geral;
– pela comunidade, pelos sobrecarregados, doentes, enfermos.
Alguns versos da: “Profecia Cantada pelo Nosso Povo”, de Jorge Pereira Lima. In: Estudos Bíblicos 4.
Amós, Camponês Profeta
Charlatanice injustiça
Era essa a grande voz
Daquele povo rebelde
Assim nos fala Amós
E todos esses defeitos
Está se vendo entre nós.
O sacerdote Amazias
Vendo Amós inspirado
Dizer que pela espada
Jeroboão é cortado
E que Israel será
Para longe deportado.
Amazias disse a Amós:
Vai-te daqui vidente
Profetizar em Judá
Não tornes publicamente
A falar contra o santuário
Do nosso rei excelente.
Disse Amós: Não sou profeta
Sou apenas um lavrador
Onde fui no meu trabalho
Tomado pelo Senhor
Que mandou profetizar
Contra um povo explorador.
Detestai o que é mal
Praticai somente o bem
Fazei nas suas assembleias
Reinar justiça também
Talvez Deus se compadeça
Do restinho qu’inda tem.
MOSCONI, Luis. Profetas da Bíblia: gente de fé e de luta 57-58. São Leopoldo: CEBI, 1992.
SCHWANTES, Milton. Amós. Meditações e Estudos. São Leopoldo: Sinodal, 1987.
SELLIN / FOHRER. Introdução ao Antigo Testamento. V. 2. São Paulo: Edições Paulinas, 1977.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).