Proclamar Libertação – Volume 34
Prédica: Lucas 10.38-42
Leituras: Gênesis 18.1-10a e Colossenses 1.15-28
Autor: Jorge Batista Dietrich de Oliveira
Data Litúrgica: 8º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 18/07/2010
Os textos indicados para o 8º Domingo após Pentecostes já foram abordados diversas vezes em Proclamar Libertação (PL VI, XVII, XXIII, XXIX). Para quem tem acesso a esses exemplares, recomendo a leitura desses trabalhos, pois cada um traz um enfoque diferente e uma contribuição preciosa.
O texto da primeira leitura nos apresenta Abraão recebendo a visita do Senhor. As honras dadas a um visitante, que chega numa hora inconveniente, e a hospitalidade de Abraão, que se coloca ao inteiro dispor de seus convidados, demonstram sua fé e amor ao Senhor seu Deus. Como recompensa ele recebe a promessa da fecundidade de Sara, que estava escutando a conversa e reage com risos.
Na segunda leitura, Paulo discorre sobre o mistério da preexistência e senhorio de Cristo e sua revelação por meio do evangelho. Cristo revela a riqueza de Deus na pobreza da cruz, e seus seguidores serão testemunhas da mesma ao mundo, pois Deus quer fazer conhecer esse mistério a todas as pessoas.
O texto da pregação relata a visita de Jesus à casa de Marta e Maria. Fala do amor que serve e da importância de ouvir a palavra de Jesus para servir melhor. Quem acolhe um hóspede parece estar dando algo, mas, na realidade, está recebendo. É o caso de Abraão, e muito mais ainda de Marta e Maria. Hospedar e cuidar é bom, mas fundamental é acolher o dom que é a palavra de Jesus. Ele não veio para ser servido, mas para servir: serve com sua palavra, com sua vida inteira.
A perícope indicada para a pregação é matéria exclusiva do Evangelho de Lucas e encontra-se dentro de um grande bloco, que fala da viagem de Jesus a Jerusalém (9.51 – 19.28). Nessa viagem, Jesus visita suas amigas Marta e Maria. Esse relato se encontra entre a parábola do bom samaritano, que acentua o amor ao próximo, e a oração do Pai-nosso e os ensinamentos de Jesus sobre como se deve orar. Lucas coloca entre o amor ao próximo e o amor a Deus o amor a Jesus. Entre ação e oração está a contemplação. O amor a Deus e ao próximo não é exclusividade dos cristãos, mas para ser cristão é preciso amar Jesus.
V. 38 – A caminho (de Jerusalém), Jesus e seus discípulos chegam num povoado. Provavelmente Betânia, a cerca de 4 km de Jerusalém, conforme João 11.1. Jesus hospedou-se na casa de Marta, que em aramaico significa senhora, dona. Tudo indica que ela era a irmã mais velha, dona da casa e responsável pela família.
V. 39 – Sua irmã Maria, forma grega do hebraico Miriã, assumiu a atitude de uma discípula sentada aos pés do Senhor a ouvir seus ensinamentos. Os rabinos não aceitavam mulheres como discípulas, mas a atitude de Jesus é diferente (Lc 8.1-3).
V. 40 – Marta também se inclui no grupo das discípulas ao servir Jesus (gr. diakonia); no entanto, censura sua irmã por não a estar ajudando. Cobra de Jesus uma atitude em relação a Maria; exige que ele mande sua irmã a auxiliar.
V. 41- 42 – Jesus responde com ternura, alertando Marta para o fato de ela estar agitada e preocupada com muitas coisas. “Pouco é necessário”, pois no estilo de vida adotado por Jesus e seus discípulos não se necessita de muitas coisas.
O serviço de Marta não é condenado, afinal ela é hospitaleira e preocupada em servir bem a seu amigo. Mas fica claro que existe algo mais importante do que costumes e etiquetas da mesa farta e hospitalidade generosa. “Uma só coisa” é necessária: ouvir a palavra de Jesus. Maria fez essa escolha, e isso não lhe será tirado.
Segundo Carlos Arthur Dreher, no PL VI, p. 127, existe um critério claro que indica que Maria fez a escolha certa. O critério é a presença de Jesus. “Marta e Maria não estão sozinhas. Jesus está na casa. E a sua presença determina toda a narrativa.” Jesus está servindo com os seus ensinamentos. Marta, preocupada em servir, não tem tempo para ser servida por Jesus. Maria escolheu estar com Jesus e ouvir seus ensinamentos, pois “o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mc 10.45 e Lc 22.27).
Mais do que apenas amigas, Marta e Maria são apresentadas como discípulas de Jesus numa época em que às mulheres era proibido o ensino dos rabinos. Jesus não se prende à tradição e não se importa com os preconceitos. Ele as trata como suas discípulas.
Marta é apresentada como chefe de um lar. Em nossas comunidades, também encontramos muitas mulheres responsáveis pela direção e pelo sustento da família. Marta é alguém que gostava de hospedar. Não só recebeu Jesus em casa, como se preocupou em lhe preparar uma deliciosa refeição. Ela se mostra uma mulher de valor, trabalhadora que sabe receber alguém em casa com muita competência.
Sabemos que hospedar alguém é sempre uma fonte de preocupação, ainda mais quando esse alguém é uma pessoa importante. Para Marta, não era diferente. Ela fica extremamente agitada com todo o trabalho a ser feito. Quem já viveu a experiência de hospedar seus amigos e precisou preparar as refeições e achar meios de entretê-los certamente se identifica com Marta, pois sua atitude nos parece mais simpática; afinal, ela estava servindo, realizando diaconia. Por que será que Jesus escolheu a atitude de Maria?
No texto que lemos, há um critério claro que indica que Maria escolheu a boa parte, que não lhe será tirada. O critério é a presença de Jesus. Jesus está visitando suas amigas, talvez a última visita antes da crucificação.
E Jesus não está preocupado com o cardápio, com os detalhes da boa hospitalidade. Ele repreende Marta com muito carinho dizendo: “Marta! Marta! Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas. Entretanto, pouco é necessário, ou mesmo uma só coisa; Maria, pois, escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada”.
Jesus está dizendo com isso: Marta, eu não preciso de uma mesa farta, eu quero a tua atenção… Eu quero que você escute o que eu tenho a dizer…
Um amigo, certa vez, me disse: Minha mãe é assim… Quando vamos à sua casa no domingo, ela corre para a cozinha para preparar o almoço. Nós a chamamos para a sala, mas não adianta. Ela não percebe que não estamos interessados no almoço… Nós queremos é conversar com ela…
Marta representa as mulheres e os homens dos tempos modernos: preocupados em servir, em agradar, em mostrar serviço. Ela estava tão concentrada em servir Jesus e seus discípulos, que se privou de passar algum tempo com eles. Maria, porém, escolheu sentar e escutar. Sua hospitalidade concentrou-se não somente nas necessidades físicas, mas nas relacionais. Também nós, muitas vezes, estamos tão preocupados em acolher e servir bem, que nos esquecemos de simplesmente estar com as pessoas. Como podemos conhecer as necessidades uns dos outros se não temos tempo para sentar, para conversar, para ouvir? Quantas vezes nossos relacionamentos são superficiais, pois a agenda e o relógio nos impedem de um relacionamento profundo e verdadeiro. Ficamos nas aparências, nas formalidades e perdemos a “boa parte” que Maria escolheu.
A nossa vida é feita de escolhas. Constantemente temos que escolher, e não é fácil estabelecer prioridades. Muitos têm dificuldades nessa área. Vivem sobrecarregados com a urgência dos compromissos e afazeres.
Maria fez a escolha certa. Talvez Jesus ficasse pouco tempo em sua casa. A hora era de ouvi-lo, porque aquela oportunidade era única e jamais voltaria. Ela entendeu que a vida não é feita só de coisas materiais. Talvez tivesse em mente a verdade ensinada a seu povo desde tempos imemoriais e reafirmada pelo próprio Jesus no contexto da sua tentação: “Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus” (Dt 8.3 e Mt 4.4).
Qual tem sido a nossa atitude para com Jesus? Temos tempo para ouvir a sua palavra ou estamos tão atarefados que não conseguimos parar e deixar Jesus falar?
Existem pessoas que não querem ouvir. Simplesmente não se deixam questionar pela palavra de Deus, pois possuem seus conceitos e pré-conceitos e os defendem com unhas e dentes. Existem outras que estão tão preocupadas em servir a sua igreja, tão absorvidas no trabalho, que se tornam ativistas. Elas não têm tempo para ouvir Jesus. São pessoas sinceras, assim como Marta. São pessoas que querem servir a Jesus, mas na ânsia de servir esquecem que Jesus “não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mc 10.45). Ele quer nos servir com sua palavra para que possamos servir ao nosso próximo. Ele mesmo afirma: “No meio de vós, eu sou como quem serve” (Lc 22.27b).
Felizmente, existem pessoas que, a exemplo de Maria, param para ouvir Jesus. Tiram tempo para aprender de Jesus, pois quando Jesus está presente, o mais importante é ouvir a sua palavra. A palavra de Jesus traz libertação, transformação. Ela nos conscientiza e prepara para agir de uma nova forma, comprometida com o reino de Deus. No entanto, não basta apenas ouvir. Como Maria, ficamos a ouvir e a sempre ouvir de novo os recados de Jesus. Armazenamos tantos conhecimentos, que até fica difícil colocá-los em prática.
Podemos aprender olhando para a atitude de Marta que agir sem ouvir Jesus nos faz errar o alvo. Agir sem embasamento na palavra de Jesus é agir em vão. É desperdiçar energias. Por outro lado, aprendemos de Maria que ouvir Jesus sem agir é desperdiçar a palavra. Podemos deduzir que Maria foi motivada a agir a partir do que ouviu do Senhor, pois escutar a palavra de Jesus é receber a mensagem de envio a serviço do próximo. Também nós somos preparados, motivados e enviados a servir ao nosso próximo a partir daquilo que aprendemos de Jesus. Por isso ouvi-lo é fundamental. É a boa parte que não nos será tirada.
Ser Marta é preciso, mas ser Maria é imprescindível. Também precisamos encontrar tempo, em meio a tanto serviço, para ouvir os ensinamentos de Jesus. Todos nós somos ora Marta, ora Maria. Por isso é fundamental buscar o equilíbrio para estar fazendo e vivendo a obra de Deus. Que o Senhor Deus nos dê um coração de Maria disposto a ouvir e aprender de Jesus, mas também mãos de Marta para servir na Missão de Deus – Nossa paixão.
A URGÊNCIA DE VIVER – Autor: Henry Sobel.
O que você fez HOJE é muito importante, porque você está trocando um dia de sua vida por isso.
Esperamos demais para fazer o que precisa ser feito num mundo que só nos dá um dia de cada vez, sem nenhuma garantia do amanhã.
Enquanto lamentamos que a vida é curta, agimos como se tivéssemos à nossa disposição um estoque inesgotável de tempo.
Esperamos demais para dizer as palavras de perdão que devem ser ditas, para pôr de lado os rancores que devem ser expulsos, para expressar gratidão, para dar ânimo, para oferecer consolo.
Esperamos demais para ser generosos, deixando que a demora diminua a alegria de dar espontaneamente.
Esperamos demais para ser pais de nossos filhos pequenos, esquecendo quão curto é o tempo em que eles são pequenos, quão depressa a vida os faz crescer e ir embora.
Esperamos demais para dar carinho aos nossos pais, irmãos e amigos. Quem sabe quão logo será tarde demais?
Esperamos demais para ler os livros, ouvir as músicas, ver os quadros que estão esperando para alargar nossa mente, enriquecer nosso espírito e expandir nossa alma.
Esperamos demais para enunciar as preces que estão esperando para atravessar nossos lábios, para executar as tarefas que estão esperando para ser cumpridas, para demonstrar o amor que talvez não seja mais necessário amanhã.
Esperamos demais nos bastidores, quando a vida tem um papel para desempenhar no palco.
Deus também está esperando nós pararmos de esperar.
Esperando que comecemos a fazer agora tudo aquilo para o qual este dia e esta vida nos foram dados.
É hora de VIVER.
Hino:
1. Aprendemos com Maria a ouvir com devoção, ter de Marta a energia,
pressa e dedicação. Acontece diaconia na ação com oração. Ser uma Marta Maria:
que bonita vocação.
Estribilho: Vamos juntos trabalhar na seara do Senhor. Pois o povo está a vagar, qual ovelhas sem pastor. Libertados pela graça, nos dispomos a servir. Sirvamos com alegria, exaltando o Deus do amor.
2. Do pequeno ser amigo ao faminto dar o pão; com o nu buscar abrigo, com o doente comunhão. Acolher o forasteiro, ao sedento saciar; libertar o prisioneiro e os mortos sepultar.
3. Todos nós somos chamados para este mutirão: Venham, pois, muito animados integrar a comunhão! Vivenciar diaconia com os mais pobres deste chão: resgatar cidadania, superar a escravidão!
Oração:
Senhor nosso Deus, assim como tu visitaste Marta e Maria, visita nossa casa e enche nossa vida com tua Palavra e tua presença. Ajuda-nos a ouvir teus ensinamentos, que nos enviam ao serviço de amor ao próximo. Conceda-nos um coração de Maria, que ama ouvir tua Palavra, e mãos de Marta, que não se cansam de fazer o bem. Isso te pedimos por Jesus Cristo, nosso Senhor. Amém.
Bênção:
Que Deus te abençoe e derrame sobre ti a cada instante as bênçãos do deserto: a serenidade, o frescor da água, os horizontes vastos, o céu aberto, as estrelas para iluminar teus caminhos nas trevas.
Que a terra que pisas faça teus pés dançarem e fortaleça teus braços; que ela encha teus ouvidos de música e que teu nariz aspire suaves aromas.
Que os céus sobre tua cabeça encham tua alma de ternura e teus olhos de luz, que os céus façam nascer alegria no teu coração e música nos teus lábios (Em Tua graça. Livro de culto e orações da 9ª Assembleia do CMI, p.70-71).
Envio:
Agora vão. Busquem servir segundo o exemplo de Jesus Cristo, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate de muitas pessoas. Vão em paz e sirvam ao Senhor com alegria. (Livro de Culto VII.328)
BARCLAY, William. El Nuevo Testamento Comentado. V. 4 Lucas. Buenos Aires: Editorial La Aurora, 1972.
DREHER, Carlos Arthur. Lucas 10.38-42. In: Proclamar Libertação VI. São Leopoldo: Sinodal, 1980. p. 124-132.
MORRIS, Leon L. O Evangelho de Lucas. Introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1986.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).