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Proclamar Libertação – Volume 36
Prédica: Jonas 3.1-5,10
Leituras: Marcos 1.14-20 e 1 Coríntios 7.29-31
Autor: Wilhelm Sell
Data Litúrgica: 3º Domingo após Epifania
Data da Pregação: 22/01/2012

 

1. Introdução

Todos sabem que há muitas controvérsias sobre o livro de Jonas. Há diversas tentativas de classificação. Alguns defendem ser um relato histórico, outros uma novela ou parábola judaica. No entanto, acredito que o valor didático de uma narrativa não depende necessariamente de sua historicidade, e por isso é certo aceitá-la a partir de sua mensagem intencional: defender a liberdade de Deus em ser Deus e que seu amor transpõe os limites de um povo e sua nação. A história de Jonas parece uma historinha infantil de um homem que é engolido por um grande peixe, mas sua mensagem é a oportunidade de expandir a compreensão de Deus e de sua salvação para além dos limites teológicos conhecidos. Em foco está a segunda chamada de Deus a Jonas para ir pregar aos ninivitas, para que o povo se arrependa de seus pecados. Mas não é possível entender o que está em jogo sem olhar o relato do livro por completo. Por isso seria muito interessante que, antes de pregar sobre o referido texto, o pregador se disponha a lê-lo por inteiro, podendo, dessa forma, contar resumidamente a história de Jonas à comunidade.

Os textos paralelos auxiliam e ampliam a mensagem. Em Marcos 1.14-20, lemos que também Jesus Cristo prega uma mensagem de arrependimento, dizendo: “O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho!”. E para tal tarefa, para a Missio Dei, ele convoca algumas pessoas que se tornam seus discípulos para ser pescadores de gente. Esse relato é riquíssimo em sua imagem e mensagem. Todo cristão é chamado a se tornar um discípulo de Cristo, apaixonado pela missão de Deus. Colocar em prática essa paixão é buscar e anunciar o arrependimento e experimentar as práticas de libertação que acontecem a partir do crer no evangelho. No texto de 1 Coríntios 7.29-31, o apóstolo Paulo traz algumas recomendações práticas diante de perguntas que provavelmente os membros fizeram ao apóstolo em relação ao matrimônio. Paulo percebe não poder recorrer a alguma ordem do Senhor em relação a esses assuntos e dá algumas opiniões pessoais para tentar ajudá-los. E sua opinião é fortemente influenciada pela crença de que o mundo está à beira da catástrofe final. Mas aqui, já que temos essa passagem, poderíamos nos perguntar sobre como andam os relacionamentos nas famílias em nosso “tempo de tribulação”, quando muitas famílias são destruídas pelo egoísmo, falta de diálogo, ignorância, vícios, onde também são necessários arrependimento e confissão de pecados, deixando espaço para que Deus seja Deus e aja conforme o seu querer e liberdade.

 

2. Exegese

Diferente de outros livros proféticos, Jonas não é uma coletânea de ditos, mas uma narrativa com objetivo didático em forma de história. Algumas opiniões literais datam o livro em torno de 760 a.C., mas historiadores, em sua maioria, defendem que o livro foi redigido (resultado da tradição oral?) numa época nitidamente mais tardia. As razões são de ordem linguística (o texto faz uso de formas aramaicas) e de conteúdo, as quais apontam para o século IV ou III a.C. O livro é lido costumeiramente na sinagoga como leitura profética por ocasião do grande dia do perdão.

Jonas está entre os profetas menores. Curiosamente, ele não é nem chamado de profeta no próprio livro. Mas todo o relato caracteriza muito bem seus personagens, o que revela a intenção do autor com o escrito. Nínive é um terror; Deus é misericordioso; os marinheiros são ativos e piedosos, clamam e oram para o Deus de Jonas. À sua maneira, os marinheiros pagãos convertem-se à obediência, enquanto o “profeta” do Deus vivo diz várias palavras piedosas (1.9; 4.2) e na prática se mostra desobediente. Jonas até mesmo se baseia nas antigas confis-sões de Israel (Êx. 34.6; Sl 86.15, 103.8ss) e clama pela misericórdia e paciência do Senhor. Mesmo enquanto agia em desobediência, encobria-se com palavras piedosas frente à missão com a qual Deus o havia incumbido. Assim, o livro caracteriza os pagãos, outros povos, como simpáticos, como aqueles que por meio do arrependimento passam a respeitar a vontade de Deus, enquanto que, por alusão, todo o Israel é criticado na figura “piedosa”, antipática e teimosa de Jonas. Nesse sentido, a experiência de Jonas é uma acusação profética diante de todo o Israel, que é experiente em lançar palavras cheias de piedade enquanto agia em desobediência e não deixava Deus ser Deus. Por fim, a contragosto, Jonas faz a vontade de Deus (texto em questão). A ameaça na mensagem sem rodeios de Jonas desperta o arrependimento. Até mesmo o próprio rei se submete ao ritual de penitência, conclamando todos a participar mediante jejum e a se afastar do mal. Deus revoga a desgraça diante do arrependimento e da submissão dos ninivitas. Esse resultado positivo que Jonas obtém por meio de sua pregação deixa-o amargurado. O profeta deseja morrer e exclama: “Peço-te, Senhor, tira-me a vida, porque melhor me é morrer do que viver”. A vontade de Jonas é frustrada a tal ponto com a vontade divina, que ele passa a desejar a própria morte. A história termina com uma “lição de moral” que Deus dá em Jonas: Deus envia um verme que mata a planta que fazia sombra para Jonas em seu descanso. Jonas fica muito irritado com o destino da planta, e então Deus pergunta: “Tens compaixão da planta que não te custou trabalho, a qual não fizeste crescer, que numa noite nasceu e numa noite pereceu; e não hei de eu ter compaixão da grande cidade de Nínive, em que há mais de cento e vinte mil pessoas, que não sabem discernir entre a mão direita e a mão esquerda, e também muitos animais?”. A narrativa encerra com uma pergunta não respondida, mas que quer nitidamente convidar o leitor à reflexão.

O conteúdo do livro pode ser dividido da seguinte forma:

1 – Jonas foge do Senhor (1.1-17)

2 – Oração de Jonas (2.1-10)

3 – Nínive se arrepende (3.1-10)

4 – O descontentamento de Jonas e a misericórdia de Deus (4.1-11)

 

3. Meditação

A história de Jonas tem a intenção de ensinar a seu público algo sobre si mesmo, também a nós hoje. A instrução de Deus (1.1; 3.1) é que Jonas vá a Nínive, a grande cidade, para pregar uma mensagem de arrependimento àquele povo. Para um israelita, isso era uma tarefa mais do que desagradável e indesejável, mesmo que Deus estivesse pedindo. Nínive era a capital da Assíria (2Rs 19.36), a nação que destruiu o reino do norte de Israel e cercou o reino do sul por muitos anos. Assíria era mais do que um inimigo; era uma força que mudou dramaticamente a história do povo de Deus. E é para esse lugar que Jonas é enviado. Sua teimosia não era simples má vontade, mas uma questão pessoal com marcas profundas. Por isso precisamos “olhar” a história também na perspectiva do próprio Jonas. Nesse sentido, não podemos rapidamente julgar essa figura tão antipática que é Jonas, mas pensar em como nos sentiríamos numa situação parecida.

Num primeiro momento, poderíamos entender que a fuga de Jonas nasce do medo de ser morto pelos assírios ante a mensagem de destruição pregada por um simples israelita. Mas depois entendemos que seu receio está em que Deus seja misericordioso para com os inimigos. Por isso Jonas aparece em um barco indo na direção contrária de Nínive. E durante essa viagem surge uma grande tempestade, e o mestre do navio acorda-o para que também Jonas invoque o seu Deus. Jonas explica que aquela situação surgiu por sua causa. A seu pedido, os marinheiros lançam-no ao mar. Jonas termina num grande peixe e só aqui ele fala com Deus, usa as palavras de Salmos que não estão de acordo com a situação vivida (Sl 86.15, 103.8ss). E aqui o interessante é que ele não usa suas próprias palavras para falar com Deus, o que soa como ironia diante do fato de que ele precisa falar em nome de Deus para uma nação totalmente desviada e malvada, que também tem o seu próprio deus: Assur.

Então aparece o texto em questão, sugerido pelo lecionário (Jn 3.1-5,10). Jonas se dispôs, vai a Nínive, mas anuncia de forma simples e rasteira, como não ligando para mais nada: “ainda quarenta dias e Nínive será subvertida”. Não há motivação nenhuma em suas palavras, mas, mesmo assim, todo o povo se converteu de seus maus caminhos, “e Deus se arrependeu do mal que tinha dito lhes faria e não o fez”. O resultado é impressionante, semelhante aos marinheiros pagãos. Imaginem a imagem que o autor quer passar: rei, homens, mulheres, bois, ovelhas e todos os outros animais, de jejum, de saco amarrado, com cinzas até a cabeça, arrependendo-se, convertendo-se de seus maus caminhos e clamando por misericórdia: os ferozes inimigos são transformados em suplicantes; os animais são colocados ironicamente como mais suscetíveis à vontade de Deus do que o próprio Israel. Trocam seu deus pelo Deus Adonai. Como resultado, temos Deus satisfeito e Jonas extremamente aborrecido. O sentimento de Jonas é percebido em 4.1: “Com isso, desgostou-se Jonas extremamente e ficou irado”. Uma possível tradução mais literal do hebraico seria: “Foi mal a Jonas, um grande mal, e a sua raiva estava queimando”. Isso demonstra um profundo sentimento de revolta, e ele reclama (4.1): “Ah, Senhor! Não foi isso que eu disse, estando ainda na minha terra? Por isso me adiantei, fugindo para Társis, pois sabia que és Deus clemente, e misericordioso e tardio em irar-se, e grande em benignidade, e que te arrependes do mal”. E o livro termina com a reflexão se é razoável ou não o sentimento de Jonas contra a bondade de Deus.

Como dito anteriormente, o livro de Jonas é lido no calendário judaico no dia da expiação (Yom Kipur), quando os judeus confessam seus pecados contra Deus e o próximo. É uma história que, em forma de lei e evangelho, acusa que também nós muitas vezes queremos colocar limites ao amor e ao agir de Deus, que nos revela um Deus de amor, de benignidade, que vai ao encontro do pecador, do que pratica a iniquidade, oferecendo-lhe a sua salvação. A lei causa constrangimento e arrependimento diante de sua situação. Arrependimento e salvação estão em muitas passagens bíblicas estreitamente ligadas (ex. Mc 1.14ss). Arrependimento significa mudança de coração e de vida e é resultado da fé salvífica em Deus. Ninguém é dono da graça de Deus, e facilmente se pode cair no erro de querer delimitar o seu agir. Poderíamos exemplificar isso no ato do Batismo: Deus não depende da razão e do entendimento para abraçar uma simples e indefesa criança. Portanto a narrativa do livro de Jonas é mais do que a história de um homem engolido por uma “baleia”. É uma mensagem que revela a liberdade do amor de Deus.

Essa liberdade ultrapassa alguns outros limites imaginados até a vinda de Jesus Cristo, o verbo encarnado. No texto de Marcos, que nos quer auxiliar na mensagem, percebemos isso claramente. O anúncio de Jesus Cristo (“o tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho”) é claramente uma mensagem profética para o arrependimento, mudança de vida e anúncio da boa-nova. Deus transpõe barreiras e vai novamente ao encontro das pessoas, de todos os povos. Essa é a “nova” missão da qual os discípulos chamados são incumbidos: a Missio Dei, missão para a qual todos os cristãos são igualmente chamados, cada um conforme o dom que recebeu, missão no sentido abrangente: anunciar, compartilhar, viver, lutar contra injustiças, fazer diaconia, promover vida, defender a sacralidade da vida e a dignidade humana.

 

4. Imagens para prédica

* É tempo de Epifania. O texto de prédica revela um Deus que ultrapassa limites imagináveis para ir ao encontro das pessoas, proporcionando vida, perdão e salvação. O ápice dessa revelação encontramos em Jesus Cristo.

* Interessante seria explorar os conflitos internos que nossas vontades geram quando nos deparamos existencialmente com a vontade de Deus. Nem sempre o que desejamos é bom para nós. Pode-se destacar que a vontade de Deus está voltada para o amor e a misericórdia.

* Nenhuma pessoa está condenada e perdida de antemão. Todos são amados por Deus: “pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Jesus Cristo” (Rm 3.23s).

* O texto desafia-nos como igreja a olhar para além de nossos “muros”. Não é difícil perceber que ainda somos, em alguns contextos, uma igreja pouco acolhedora e contextualizada para os outros e, em grande medida, para nossos próprios jovens.

* Como igreja, paróquia, comunidade, cristãos, quais são as nossas semelhanças em relação a Israel, pensando na intenção do autor do livro de Jonas ao fazer sua narrativa? Também somos teimosos? Quantas vezes queremos limitar o agir de Deus? Em quais momentos somos tentados como igreja e como cristãos a não fazer a vontade de Deus em sua missão? Mas também não poderíamos deixar de apontar para os exemplos positivos que temos em nossa igreja, paróquia, comunidade, que demonstram sinais do amor e da misericórdia de Deus. A nível de IECLB, temos a Campanha Vai e Vem: poder-se-ia falar de alguns dos projetos de missão a partir da Campanha Vai e Vem.

 

5. Subsídios litúrgicos

Oração do dia:

Deus de graça e misericórdia! Nós te louvamos pelo privilégio que temos de estar em tua casa, desfrutando de tua infinita misericórdia. Louvamos-te porque os teus planos não dependem de nossa vontade, a qual muitas vezes se mostra egoísta. Queremos te pedir que venhas neste momento falar aos nossos corações, para que possamos conhecer cada dia mais o tamanho do teu amor por cada um de nós. Tira de nós o que atrapalha e envia o teu Santo Espírito para que sejamos convencidos pelo poder de tua Palavra. Por Cristo Jesus, nosso Senhor. Amém!

Confissão de pecados:

Gracioso Deus. Estamos diante de tua presença para reconhecer que somos fracos, teimosos, falhos. Somos pecadores carentes de tua graça e de teu perdão. Perdoa-nos, Senhor, pelas vezes em que somos egoístas e não queremos partilhar com os outros aquilo que recebemos de ti. Perdoa-nos pelas vezes que agimos mal, que magoamos aquelas pessoas que tu colocaste ao nosso lado para ser o nosso próximo. Se olhamos com sinceridade para o nosso coração, o que vamos ver é corrupção, pecado, maldade. Por isso, na tua presença, clamamos por perdão. Tira de nós esse coração que é corrupto e coloca em nós um coração moldado por tua graça e por teu amor. Por Jesus Cristo é que te pedimos. Amém.

 

Bibliografia

HOMBURG, Klaus. Introdução ao Antigo Testamento. São Leopoldo: Editora Sinodal, 1981.

 

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Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).