Proclamar Libertação – Volume 37
Prédica: Isaías 49.1-7
Leituras: João 1.43-51 e 2 Coríntios 4.3-6
Autores: Claiton e Marivete Kunz
Data Litúrgica: Epifania do Senhor
Data da Pregação: 06/01/2013
A Epifania é a celebração que recorda a manifestação de Cristo aos gentios. Os textos mostram que cada pessoa cristã precisa colaborar para que outras não tenham que fazer aquilo que cabe a mim: falar dessa manifestação e levar as boas-novas a toda a Terra, levando adiante a obra que glorifica Cristo. Nesse sentido, podemos fazer uso da chamada a Filipe e Natanael: “Segue-me” (Jo 1.43-51). O texto de Isaías 49.1-7 mostra o servo de Javé e seu relacionamento com as nações gentias, bem como mostra que por meio desse relacionamento com o Senhor o povo de Deus é chamado a refletir a luz e a glória de Deus aos gentios. Também o texto de João 1.43-51 mostra a oportunidade que todos têm para ajudar nessa tarefa. Por meio desse texto é importante mostrar que Cristo chama cada pessoa a envolver-se nessa obra e segui-lo.
O texto de 2 Coríntios 4.3-6 também contribui, apresentando os servos da igreja de Cristo como bons mordomos do serviço que a pessoa cristã deve fazer. Por isso é importante, nessa celebração, trabalhar esse momento, enfatizando tudo aquilo que podemos fazer para apresentar àqueles que vivem ao nosso lado a manifestação de Cristo. A grande questão é orientar como cada filho e filha de Deus podem ser fiéis à obra que lhes foi incumbida, independentemente de qual seja. Assim, os textos lidos complementam-se, revelando que, diante de Deus, todo aquele que cumpre sua tarefa está oferecendo vida a outros, pois dessa maneira a fé de muitos será edificada, tendo em vista que Cristo começa a preenchê-los.
V. 1 – O texto de Isaías inicia com o uso de uma fórmula que visa chamar a atenção: “ouvi-me” e “escutai-me”. Tais fórmulas são próprias do Dêutero-Isaías e são de gênero sapiencial, parecido ao livro de Provérbios, que tem por objetivo levar a reflexão sobre Deus e sobre o passado de Israel. Aqui o servo é identificado como aquele que fala ao mundo, inclusive ao mundo gentio. Termos utilizados como “ilhas” exaltam a onipotência de Javé sobre o mundo, sendo que esse mundo significa não somente o cosmos, mas a história humana. Termos deste versículo como “povos de longe” também indicam que Javé, por meio de seu servo, dirige-se às nações mais longínquas. Esse servo recebe a missão de pregar e apresenta-se como aquele que é chamado e conhecido pelo Senhor antes mesmo de nascer, ou seja, fala de seu chamado a partir do início de sua existência, com a convicção de que nasceu por determinação divina para desempenhar uma missão que seria destinada a todas as nações da Terra. Independente da dificuldade de identificar esse servo, cabe a ele cumprir uma tarefa a favor de um grupo chamado, nos v. 5 e 6, de Jacó, e também nos v. 5 e 6, bem como no v. 3a, de um indivíduo identificado como Israel. Há possibilidade de que esse servo também tenha o nome de Israel como o grupo para o qual falará ou que possa fazer referência a Jacó, pai das doze tribos.
V. 2 – Neste versículo, temos o motivo de sua vocação e a descrição por que ele pode ser considerado capaz de cumpri-la. A razão dele ser capaz é porque ele foi preparado pelo Senhor. Nesse preparo, a ênfase está nas palavras que ele pode pronunciar, que se comparam a uma espada, ou seja, são penetrantes e atingem as pessoas. A imagem da espada cortante é algo bem original e tem um sentido forte, pois mostra que o profeta tornou-se hostil aos seus devido à sua mensagem, e essa é a razão que fez com que ele tivesse que ser escondido. O versículo também apresenta o servo como uma flecha usada pelo Senhor para atingir as pessoas, flecha essa que fica coberta ou protegida pelo Senhor, bem como escondida em uma aljava até o momento em que começará a desenvolver sua tarefa. Essa simbologia indica que, assim como a flecha, o servo será usado no momento propício e de forma eficaz. Esse tipo de linguagem é típico do Dêutero-Isaías; ele faz uso de belas imagens para tornar sua mensagem inesquecível.
V. 3 – Em Isaías, o servo é identificado como um grupo e como um indivíduo. Neste versículo, o servo é chamado de Israel. Esse título no Antigo Testamento é concedido a Moisés, a reis e ao Messias, o que traz dificuldades para saber quem é o servo. Muitos entendem que o servo é tanto Israel como o povo ou a comunidade exílica. Neste versículo, o Senhor ser glorificado pelo servo significa que ele será instrumento do Senhor. Lembramos que muitos críticos suprimem o nome Israel deste versículo, mas alguns mostram a necessidade dessa permanência, ligando tal nome a seu profeta ou a seu servo, que merece ser chamado de tal forma.
V. 4 – Este versículo expressa uma queixa do servo em relação a seu trabalho, mas, por outro lado, à confiança desse servo, pois sabe que está seguro e que sua causa está diante do Senhor, de onde virá a recompensa esperada. Em meio às dificuldades, essa é a certeza que ele tem e o que lhe serve de incentivo para continuar sua jornada. Autores como Steinmann compreendem que este versículo faz menção à missão do servo de levar o povo tanto a Javé como novamente à terra da Palestina.
V. 5 – O servo apresentado neste versículo aponta para alguém que não é a nação de Israel, tendo em vista que esse nasceria do ventre de uma mulher e traria Israel de volta. Assim, diferentemente do v. 3, este mostra que o servo não pode ser Israel, pois recebeu uma missão referente a Israel, a qual seria conduzir o povo novamente à sua terra. Esse servo tem certeza de que receberá a glorificação diante do Senhor, embora tenha passado por lutas para trazer Israel de volta, provavelmente sem sucesso naquele momento. O Senhor foi a motivação e a força para esse servo cumprir sua missão.
V. 6 – A tarefa do servo apresentado neste versículo vai além de trazer Israel/Jacó de volta; ele também precisa ser luz às nações gentias por toda a Terra. Por isso o alcance de sua mensagem é universal. Assim essa tarefa é grandiosa em ambas as questões, lembrando que trazer Israel de volta também diz respeito a levá-lo novamente a estar na terra natal diante do Senhor, e quem sabe até abandonando coisas conquistadas. O versículo mostra como a missão com Israel e a missão com as nações gentílicas estão relacionadas, bem como exalta Javé, que dispensa de seu poder e graça o mundo inteiro.
V. 7 – Vemos aqui Javé sendo chamado de Santo de Israel. Essa expressão é usada com frequência no livro. Aqui também vemos uma palavra dirigida àquele que é desprezado, que muitos dizem ser Israel, especialmente na primeira parte do versículo. Há a promessa de que as nações exaltarão o servo, que, para muitos autores, como Steinmann, é Israel, a uma posição de honra por respeito a Ele. Essa é mais uma das novas imagens trazidas pelo Dêutero-Isaías. As nações darão adoração final ao Senhor, pois Ele é fiel e cumpre as suas promessas, como expresso no próprio texto, exaltando aquele que escolheu e lhe foi fiel.
O Dêutero-Isaías foi um profeta que mostrou em sua mensagem que Javé agiu em favor do povo de Israel. A fala do profeta gira em torno de Sião, termo utilizado para referir-se ao povo. Ele é ousado, pois mostra que as promessas feitas a Davi dirigem-se ao povo, ou seja, ao profeta; as promessas feitas a Davi se realizarão no povo de Israel, e esse se tornará líder das nações. Mas a mensagem do profeta vai além, pois dela tiramos algumas lições para nós como pessoas cristãs: por meio dessa mensagem aprendemos sobre a missão do servo, independente de ele ser visto como o povo de Israel, o Messias ou as pessoas cristãs em geral. Assim como o servo do Senhor, nós fomos:
Aqueles que recebem uma missão de Javé exercem elevada função. Tal missão pode ser desenvolvida num ministério repleto de alegria ou sofrimento. O povo cristão, como servo de Javé, foi escolhido para cumprir uma missão especial, que é testemunhar. Tal testemunho consiste em anunciar as boas-novas. O anúncio das boas-novas envolve muitos desafios e, em alguns casos, até rejeição. Quando anunciamos, independente da mensagem que trazemos, certamente não teremos a aprovação de todos; entretanto, cumprindo a missão, seremos chamados de “meu servo…”, a exemplo do texto lido. Essa identificação é uma amostra da honra que recebe o servo que cumpre sua missão. E mesmo que rejeições aconteçam, não dá para calar diante da mensagem de salvação oferecida.
Anunciar boas-novas é falar de salvação. Os servos de Javé são anunciadores às nações de que Ele traz salvação e socorro diante das dificuldades. A exemplo do servo que fala às “ilhas” ou ao mundo, o servo de Javé deve anunciá-lo, dando a conhecer ao mundo que sua salvação alcança as extremidades da Terra. Nesse sentido, a missão daquele que anuncia é semelhante à do profeta: consiste em falar da salvação e por meio dessa trazer consolo e conforto aos cansados. Nesse grande universo, a voz de Javé, que é o Deus dos povos distantes e longínquos, que chama o servo para anunciar o consolo e o perdão, não pode ser negligenciada.
Testemunhar é anunciar que Cristo é o resgatador, e assim como resgatou o povo do cativeiro babilônico, as suas realizações ultrapassam histórias de sofrimento e dor, que podem ter ocorrido com o ser humano.
O servo precisa conhecer aquele a quem serve. Antes do servo ser usado para ministrar a outros, precisa ser ministrado por aquele que o convocou. É a experiência com Javé que dá as diretrizes para que o trabalho possa andar e a certeza de que, enquanto estiver cumprindo a tarefa, o Senhor será fiel, pois é Santo. É nos momentos de intensa comunhão com Ele que o servo consegue enxergar a graça divina que alcança todos e faz brotar coisas novas e íntegras onde só poderia e deveria haver a destruição. Tais momentos e situações com Ele fazem o servo tornar-se forte e ser alguém de fé intensa. Por isso, mesmo nos momentos em que o trabalho parece ser em vão, tudo é feito com determinação e fé. Toda essa confiança provém da certeza de que Javé é soberano e tudo fez, a começar pelo milagre da criação. Essas experiências com Ele também lhe dão a certeza de que, mesmo diante de todas as dificuldades apresentadas na história, Javé é poderoso para modificá-las em favor de seus queridos.
Como pode o servo servir e ser fiel em meio a tantas lutas e provações? O servo não teme as dificuldades, opressões e desprezo, porque está convicto de que a palavra de Javé permanece para sempre. Vários são os motivos que fazem com que o servo seja fiel: inicialmente, vemos que, ao receber a chamada, o servo é levado à reflexão sobre os feitos de Javé no passado e sua atuação sobre o mundo; ele possui a visão de que com Javé a seu lado há segurança; por estar em constante diálogo com Ele, ainda que sua missão o leve a sofrer, ele jamais tem dúvida de que será protegido e assim é paciente e age prudentemente; ele sabe que a fidelidade de Javé atinge não somente o povo de Israel, mas outras nações têm o privilégio de receber seu amor e cuidado. Tudo isso dá forças e faz com que o servo seja ousado no anúncio das palavras que lhe foram incumbidas, além de ser incentivo para que ele se mantenha fiel e siga com sua tarefa. O servo ainda considera a fidelidade do próprio Javé, que é tão especial e é percebida no cuidado a ele dispensado. Ele se sente como uma criatura que é carregada pelo Senhor em uma aljava coberta por sua mão. Toda essa responsabilidade do servo diz respeito a ele ser para o mundo aquilo que Israel deveria ter sido para as nações gentias: luz. Isso somente acontecerá se o servo se mantiver fi el. Vale a pena, pois no final o servo será exaltado.
Um escultor famoso passou vários anos esculpindo o rosto de Jesus num bloco de mármore. Quando havia terminado a obra, a face combinava as emoções de amor e tristeza com tanta perfeição, que os visitantes choravam ao contemplá-la. Mais tarde, pediram ao escultor que fizesse uma estátua da deusa Vênus. Ele recusou: “Depois de por tanto tempo olhar a face de Jesus”, disse ele, “pensais que eu possa agora volver minha atenção para uma deusa pagã?”
A história de Dietrich Bonhoeffer é muito trágica e, apesar de tudo, inspiradora. Esse jovem teólogo cristão opôs-se ativamente ao movimento nacional-socialista na Alemanha no tempo de Hitler. Foi enviado a um campo de concentração, onde sofreu as mais terríveis torturas. Contudo, com sua fé e esperança, inspiradas por uma profunda devoção a Deus, encorajou seus companheiros de prisão e, por fim, chegou mesmo a ganhar o respeito de seus guardas. Em seu livro “O Preço do Apostolado”, Bonhoeffer diz que muitos de nós não queremos pagar o preço total como servos de Cristo. Temos a tendência de nos acomodar, pela metade, num trabalho espiritual. Esse cristão dedicado foi um exemplo vivo do preço que um discípulo de Cristo tem de pagar. Bonhoeffer, fuzilado, pagou o preço com sua própria vida, pois não deixara de pregar o evangelho nem mesmo num campo de concentração. Precisamos ser fortes na fé todas as horas. Podemos agora mesmo sondar os nossos corações e mentes em atitude de prece e dedicar-nos completamente ao serviço de Deus (James M. Buchman).
Frases de impacto:
• Deus não pergunta sobre nossa capacidade ou incapacidade, mas se estamos à disposição (Anônimo).
• Deus não se torna maior se você o reverencia, mas você se torna maior se o serve (Agostinho).
• Nunca seremos aptos para o serviço de Deus se não olharmos para além desta vida passageira (João Calvino).
• Deus tem uma obra a realizar neste mundo; fugir dessa obra por causa das dificuldades e obstáculos é rejeitar sua autoridade (John Owen).
• Todos os gigantes de Deus foram homens fracos que fizeram grandes coisas para Deus porque se basearam na presença divina com eles (J. Hudson Taylor).
• Sua salvação compete a Deus; o serviço dele compete a você (Thomas Fuller).
• Uma verdade relevante de notável distinção nas páginas do Novo Testamento é que Deus não tem filhos que não sejam servos (H. D. Ward).
• Testemunhar é todo o trabalho de toda a igreja durante todo o tempo (A. T. Pierson).
• Deus não quer nada mais do que fidelidade de nossa parte (William Gurnall).
• A fidelidade a Deus é nossa primeira obrigação em tudo o que somos chamados a fazer a serviço do evangelho (Iain H. Murray).
• Tenha prontas as suas ferramentas; Deus apresentará o serviço oportunamente (Charles Kingsley).
RAD, Gerhard von. Teologia do Antigo Testamento. Trad. Francisco Catão. São Paulo: ASTE, 1986. V. II. 466 p.
STEINMANN, J. O livro da consolação de Israel e os profetas da volta do exílio. São Paulo: Paulinas, 1976. 331 p.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).