Proclamar Libertação – Volume 39
Prédica: Gênesis 3.8-15
Leituras: Marcos 3.20-35 e 2 Coríntios 4.13-5.1
Autor: Roger Marcel Wanke
Data Litúrgica: 2º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 07/06/2015
O ano eclesiástico é a agenda de Deus para a sua igreja. A sua primeira metade constitui o indicativo de Deus, ou seja, a história da salvação de Deus em Jesus Cristo. Já a outra metade refere-se ao imperativo dado à igreja por seu Senhor. Nesses domingos, a igreja vive a partir do agir do Espírito Santo de Deus, que a chama e santifica. Para a pregação deste Segundo Domingo após Pentecostes é indicada a perícope de Gênesis 3.8-15, que evoca um dos temas fundamentais da fé cristã: o pecado do ser humano. No tempo comum, também chamado de domingos após pentecostes, a igreja é chamada também a se confrontar com seu pecado. Conforme o evangelista João, tanto o convencimento de que somos pecadores como da salvação e do perdão por meio de Jesus Cristo é obra do Espírito Santo (cf. Jo 16.8-11).
Conforme o Lecionário Comum Revisado, duas leituras bíblicas estão previstas. O texto do evangelista Marcos 3.20-35 tem como centro a controvérsia de Jesus com os escribas, os quais afirmavam que ele expulsava demônios em nome do maioral dos demônios, conhecido por Belzebu. Além desse texto ser a narrativa que aborda o tão discutido pecado contra o Espírito Santo, muitos exegetas têm destacado que a atuação de Jesus vencendo satanás seria, por assim dizer, a relação do texto com Gn 3.15, o assim chamado protoevangelho. O texto apostólico de 2 Coríntios 4.13-5.1, por sua vez, relaciona-se com as consequências que o pecado trouxe. “Tendo, porém, o mesmo espírito da fé” (v. 13) é possível viver diante da “leve e momentânea tribulação” (v. 17) com esperança. O sofrimento e a morte como consequência do pecado encontram em Jesus Cristo o seu fim. A maldição do pecado é vencida pela morte e ressurreição de Jesus Cristo.
A correta interpretação da perícope está condicionada a seu contexto literário. O texto, segundo a pesquisa veterotestamentária, faz parte da tradição javista, que tem como ênfase teológica central a culpa do ser humano e a graça salvadora de Deus. O capítulo 3 pode ser dividido em quatro partes principais:
a) O diálogo entre a serpente e entre a mulher e o homem (v. 1-7): o texto inicia com a serpente, que entra em cena sem ser anunciada e sai de cena sem avisar. Ela promove a primeira discussão teológica, todavia sem Deus e contra a palavra de Deus. O ser como Deus torna-se o grande alvo do ser humano. Sem se dar conta, pois é enganado pela serpente, o ser humano deixa de ouvir e obedecer à palavra de Deus. O ser humano transgride o mandamento divino, ultrapassa o limite dado graciosamente por Deus. Seduzido a ser como Deus, o ser humano perde, enquanto criatura, a sua liberdade de ser submisso ao Criador e de viver diante de Deus e do mundo com responsabilidade.
b) O diálogo entre Deus e o ser humano (v. 8-13): esta parte será aprofundada a seguir. Cabe aqui, no entanto, apontar para a iniciativa de Deus de vir ao encontro do ser humano. O pecado afasta o ser humano de Deus, mas não Deus do ser humano.
c) As consequências do pecado (v. 14-20): o pecado provoca tragédias. Ele desencadeia todo o sofrimento humano. Aquilo que era bom e agradável, criado por Deus para o bem do ser humano, agora passa a sofrer penosas transformações. Tudo passa a ser visto de forma diferente, ou seja, sem Deus e sem a sua bênção. Deus disse que era bom, e o ser humano não se envergonhava disso. Mas agora, com olhos abertos para a realidade do mal, tudo é vergonhoso. O pecado quebra o relacionamento com Deus, consigo e com o seu semelhante (imagem e semelhança de Deus) e com a criação. Apesar das consequências do pecado, Deus mantém as dádivas da criação como bênção ao ser humano. A vida do ser humano, a sexualidade e a maternidade, o trabalho e o sustento permanecem bênção ao ser humano pecador. Não é à toa que Dietrich Bonhoeffer, em sua interpretação desses versos, intitula essa parte de maldição e promessa (Fluch und Verheissung).
d) A graça de Deus em meio a seu juízo (v. 21-24): três aspectos podem ser vistos aqui. Em primeiro lugar, Deus veste o ser humano com peles e esconde a sua nudez. O ser humano sozinho não consegue esconder a sua nudez. Mesmo tentando com as folhas de figueira e as cintas, a nudez do ser humano somente pode ser coberta por Deus. É Deus quem os veste (v. 21). Deus faz aqui um sacrifício para cobrir a nudez do ser humano, causada pelo pecado. Não é o homem, mas sim Deus que sacrifica em primeiro lugar. Em segundo lugar, Deus expulsa o ser humano do jardim do Éden. O ser humano é enganado. O ser humano tornou-se como Deus – conhecedor ilimitado, conhece- dor do bem e do mal, mas vive agora no âmbito do mal sem Deus. Por fim, Deus guarda o caminho da árvore da vida. Para que o ser humano não permanecesse morto eternamente por causa do pecado, Deus fecha, guarda o caminho de acesso à árvore da vida, a qual traria ao ser humano a imortalidade. Querubins (guardiões de lugares sagrados no Antigo Oriente) são colocados a oriente do jardim do Éden, a fim de impedir o acesso do ser humano à árvore da vida.
Como demonstrado acima, a perícope 3.8-15 está totalmente inserida em seu contexto e marca, por assim dizer, o centro teológico e literário do capítulo 3. Vejamos agora os detalhes da perícope a partir de sua estrutura interna:
Após terem desobedecido ao mandamento do Senhor (cf. Gn 2.16-17), Adão e sua esposa percebem estar nus e sentem vergonha disso. Ao ouvirem a voz de Deus, eles têm medo e escondem-se da presença de Deus (v. 8). O Javista cita quatro vezes o fato do ser humano estar nu. Em Gn 2.25, a nudez aparece como elemento da criação de Deus e condição do ser humano enquanto sua criatura, da qual o ser humano não tinha motivos para se envergonhar. Já em Gn 3.7,10 e 11, a nudez aparece como realidade vergonhosa, por um lado, e como consciência de sua culpa diante de Deus, por outro. Apesar do pecado, o ser humano continua sendo capaz de ouvir a voz de Deus. O pecado faz o ser humano sentir medo por fora e vergonha por dentro. O resultado disso é o afastamento de Deus. A partir do v. 9 inicia um diálogo entre o Senhor Deus e Adão. Esse é um dos diálogos mais interessantes da Bíblia. Deus toma a iniciativa. Interessante é notar que Deus não pergunta, em primeiro lugar, o que Adão fez de errado, mas sim onde ele está. Com isso fica clara a consequência maior da desobediência e do pecado na vida do ser humano: o afastamento de Deus (cf. Is 59.2; Rm 3.23). Deus sabe onde o ser humano está, mas lhe dá a chance de reconhecer onde e como ele está: envergonhado de si mesmo e com medo de Deus. Por isso não é possível falar de um homo absconditus. O Deus revelado sempre encontra o ser humano que tenta se esconder dele. Deus interroga o ser humano, vem ao julgamento. Adão responde no v. 10 que, ao ouvir a voz de Deus, teve medo e se escondeu por estar nu. Estar nu pode significar duas coisas, que se complementam. Por um lado, Adão tem consciência de culpa. Por outro lado, ele sente vergonha. Agora no v. 11, Deus faz outra pergunta a Adão, já que esse não foi direto ao ponto. Deus sabe o que aconteceu. Diante dele nada permanece escondido. A pergunta de Deus é certeira, pois questiona exatamente o que homem e mulher fizeram. Para o ser humano estar nu e ter vergonha disso, havia apenas uma única resposta: ele comeu o fruto da árvore, o qual não deveria ser comido. O ser humano torna-se como Deus, mas ele se esconde de Deus, pois sabe a diferença entre ser culpado e não ser culpado através de sua própria culpa (reconhecimento de culpa).
Quando Adão não tem mais como se autojustificar, ele passa a transferir a responsabilidade à sua esposa e a culpar Deus (v. 12): a mulher que me deste. Adão dedura sua mulher. A correspondência mútua de Gn 2.18,20 cai por terra. Na sequência, Deus dirige-se à mulher e a questiona (v.13): Que é isso que fizeste?. Na verdade, a mulher tem uma boa percepção. Ela afirma com razão que a serpente a enganou. O pecado desde o seu início é sempre algo que tem a ver com o outro. O homem é questionado, mas a culpa, segundo ele, é do próprio Deus, que lhe deu a mulher (a mulher que tu me deste). A mulher é questionada, mas a culpa é da serpente, em sua opinião. A serpente, coitada, não tem quem acusar. O pecado leva o ser humano à solidão, ao isolamento: “É bom que o homem esteja só”. O ser humano esconde a verdade, empurra a responsabilidade ao outro. Culpar os outros torna-nos sozinhos e isolados. Isso é a quebra da comunhão entre o ser humano, fruto da quebra da comunhão com Deus. Gênesis não explica como o mal veio ao mundo, mas fala e esclarece de quem é a responsabilidade: o ser humano é culpado de sua própria situação. Aqui vale lembrar as palavras profundas de Paul Gerhardt em seu hino: O que tens suportado foi minha própria dor; eu mesmo sou culpado de tua cruz, Senhor. Ó vê-me, aflito e pobre: castigo mereci; com tua graça encobre o mal que cometi! (HPD I 53.3)
A partir do v. 14, o texto narra uma série de consequências do pecado, que vai até o v. 20. Essas consequências atingem três dimensões: a) Deus amaldiçoa a serpente (v. 14-15); b) Deus aumenta à mulher as dores do parto e prenuncia o domínio do homem sobre a mulher (v. 16, 20); c) Deus amaldiçoa a terra, tornando penoso o trabalho do ser humano (v. 17-19). Importante a ser dito nesse contexto é que Deus não amaldiçoa o ser humano em si. A maldição do ser humano por causa do pecado aparece na narrativa javista apenas em Gn 4.11 quando o ser humano deixa de ser tutor de seu irmão e torna-se seu assassino. À perícope em estudo com vistas à pregação, porém, interessa apenas a primeira dimensão: a maldição à serpente. A maioria dos exegetas aponta para o caráter etiológico dessa maldição. Por um lado, o texto fala da serpente enquanto animal criado por Deus (v. 1). Mas, ao mesmo tempo, descreve o relacionamento enigmático do ser humano com a realidade do mal. O v.15 continua a maldição de Deus à serpente. Entre ela e o ser humano sempre haverá inimizade. Onde o ser humano se encontra com a serpente, isso é um encontro de vida ou morte. Ao longo da história da igreja, esse versículo tem sido interpretado como Protoevangelho, uma alusão à vitória de Jesus Cristo. Mesmo que, exegeticamente falando, essa interpretação não confere, é indiscutível que, no Novo Testamento, Jesus Cristo, o verdadeiro Deus e o verdadeiro homem (descendente da mulher), é apresentado como o vitorioso sobre toda a morte, todo o pecado e sobre o diabo e todas as suas obras (cf. Jo 12.31; 14.30; 16.11; 2Co 4.4; Ef 2.1-2; Hb 2.14-15; 1Jo 5.19; Ap 12.9; 20.2, 10).
Resumindo, a partir da queda, o ser humano obteve uma conquista que a serpente não havia anunciado: homem e mulher tornam-se independentes de Deus. Agora eles podem optar pelo bem e pelo mal. Todavia suas opções, sem Deus, de toda forma sempre serão más. Dessa forma veio também a morte, por- que o relacionamento do ser humano com todas as instâncias criadas e dadas por Deus foi quebrado. O pecado destruiu o relacionamento entre Deus e o ser humano, entre o ser humano e si mesmo, entre o ser humano e seu semelhante e entre o ser humano e a criação. O texto deixa clara a tendência que o ser humano tem para se autojustificar diante de Deus. Ele não é humilde o suficiente para reconhecer seu pecado. Apesar disso, Deus não deixa o ser humano sozinho com seu pecado, sua culpa e suas desculpas.
Gênesis 3.8-15 é um dos textos mais interpretados ao longo da história da igreja. Atualizá-lo para os dias de hoje seria quase um pleonasmo, pois mais atual do que é a própria narrativa bíblica impossível. Mesmo assim, compartilham-se aqui brevemente alguns impulsos a partir de três teólogos importantes que se ocuparam com a interpretação e atualização dessa perícope.
Em sua preleção sobre Gênesis (1535-45), Martim Lutero fala que nada pode ser mais horrível do que fugir de Deus e esconder-se dele. Isso seria tentar o impossível da forma mais estúpida e estulta possível. Para Lutero, Deus chama o ser humano ao julgamento. Sua pergunta a Adão são as palavras da Lei dirigidas contra a consciência humana. “Ele quer mostrar a Adão que aquele que se esconde não está escondido diante de Deus e que aquele que foge de Deus não escapou de Deus” (p. 194). Em relação à resposta de Adão, Lutero afirma que devemos aprender que “os pecadores sempre se acusam com suas desculpas e se traem com sua defesa, principalmente diante de Deus” (p. 195). Além disso, em vez de reconhecer o seu pecado e a sua culpa, o ser humano, segundo Lutero, acusa Deus. Em relação ao v. 15, interpretado como Protoevangelho, Lutero, num primeiro momento, critica a interpretação mariológica, que já havia desde o período da patrística (p. 208-209). Depois exorta a “preservar diligentemente o significado real da Sagrada Escritura”, que para Lutero se cristalizou como cristológica e cristocêntrica. Partindo de Isaías 7.14, Lutero aponta para a obra salvífica de Jesus Cristo por meio de sua morte e ressurreição. Ao concluir a sua interpretação, Lutero deixa claro que Gn 3.15 é uma das passagens bíblicas de maior esperança para o ser humano pecador, que foge e se esconde de Deus, que transfere a sua culpa para a mulher e insulta Deus, atribuindo-lhe a autoria do mal: “Portanto, agora encontramos Adão e Eva restaurados, certamente não para a vida que tinham perdido, mas para a esperança desta vida. Através dessa esperança, eles escaparam não das primícias da morte, mas dos dízimos da morte, ou seja, embora sua carne tenha de morrer temporalmente, eles esperam a ressurreição da carne e a vida eterna depois da morte temporal, exatamente como também nós esperamos, por causa do Filho de Deus que foi prometido, que haveria de esmagar a cabeça do diabo” (p. 214).
Em seu livro Schöpfung und Fall (Criação e Queda), infelizmente ainda não traduzido para a língua portuguesa, Dietrich Bonhoeffer enfatiza o fato do ser humano querer ser sicut deus (como Deus). Para ele, a partir da desobediência, o ser humano não consegue mais estar diante de Deus, o seu Criador. Ele odeia o seu limite e, por isso, ultrapassa-o e o nega, querendo ser como Deus. Como consequência disso, o ser humano foge e se esconde de Deus. Para Bonhoeffer, esse fugir e esconder-se de Deus deve ser chamado de consciência (Gewissen). Dessa forma, ele segue aqui a interpretação de Lutero. Contudo essa consciência leva o ser humano para longe de Deus. Para Bonhoeffer, ela não é a voz de Deus dentro do ser humano pecador, mas sim aquilo que o desvia dessa voz, mas que ao mesmo tempo aponta para o saber e querer essa voz. Com a pergunta de Deus o ser humano é chamado de sua consciência. Ele deve colocar-se diante de seu Criador. Ele tem a permissão de não permanecer sozinho em seu pecado. O ser humano fujão precisa reconhecer que ele não consegue fugir de Deus.
Claus Westermann, em seu comentário sobre o livro de Gênesis, interpreta a perícope a partir da estrutura de um processo judicial, no qual o infrator é confrontado e tem seu crime revelado, passa a ser interrogado (inquérito), tem a oportunidade de apresentar sua defesa e de receber a sua sentença. Em primeiro lugar, Westermann situa a perícope no contexto das narrativas de culpa e punição, desenvolvidas pelo Javista, e subdivide-a dentro da estrutura do processo judicial. Para Westermann, o fato de Deus acompanhar o ser humano fundamenta o fato de todo pecador ou criminoso poder ter a liberdade de se defender. No entanto, Westermann enxerga bem o fato de que o ser humano despreza essa liberdade dada por Deus em sua graça. “O ser humano é de tal natureza que, após o malfeito, procura escapar às consequências, escondendo-se” (p. 42). Em vez de admitir o seu pecado, o ser humano, em sua defesa, chega a ponto de voltar-se contra Deus e de acusá-lo. Pelo fato de a serpente não ser interrogada, Westermann conclui a partir disso, com razão, que o ser humano é totalmente responsabilizado por seu pecado. Para ele, a interpretação de um “protoevangelho não é possível já porque a ‘semente’ da mulher e da serpente só pode estar se referindo à descendência, mas não a um indivíduo (Maria ou Jesus)” (p. 43).
Concluindo, parece que hoje falar de pecado é politicamente incorreto. De um lado, fala-se mais de escolhas erradas que pessoas fazem. De outro, fala-se de pecado apenas como uma grandeza moral. Infelizmente, dentro das próprias igrejas, o ser humano é poucas vezes confrontado com a realidade de sua total pecaminosidade e afastamento de Deus. Sendo assim, a dimensão da graça de Deus perde todo o sentido. Já Lutero falara a respeito: “Pois quanto mais se ameniza o pecado, tanto mais se desvaloriza a graça” (p. 166). Como falar da graça de Deus sem deixar claro o seu juízo por causa do pecado? Juízo e graça foram a ênfase do Javista. Juízo e graça foram a ênfase dos profetas de Israel. Juízo e graça foram o ministério de Jesus Cristo. Juízo e graça, como lei e evangelho, são a ênfase da pregação evangélica, da confessionalidade e espiritualidade luteranas. Há que se recuperar a centralidade do pecado e do perdão do pecado em nossas comunidades. Somente diante de um Deus que fez Jesus Cristo pecado por nós (2Co 5.21) e em Jesus Cristo, o qual se fez ele próprio maldição em nosso lugar (Gl 3.13), podemos responder a pergunta Adão, onde tu estás?, além de experimentar o perdão e a reconciliação. Por isso, “se hoje ouvirdes a voz de Deus, não endureçais o vosso coração” (Hb 3.7-8). O ser humano, por causa de seu pecado, não deveria esconder-se de Deus, mas se esconder em Deus, refugiar-se nele, pois o Senhor é nosso refúgio e fortaleza (Sl 46).
Para a introdução da pregação sugere-se envolver o grupo dos jovens da comunidade. A perícope de Gn 3.8-14 poderia ser dramatizada pelo grupo, tendo como ênfase a cena de um julgamento, em que Deus entra em cena e pergunta: Adão, onde estás? A dramatização poderia destacar ainda as desculpas que o ser humano dá diante de Deus e o não reconhecimento de sua culpa, transferindo-a a outros e, por fim, ao próprio Deus. Não haveria necessidade de elaborar outro texto, e sim seguir o próprio texto bíblico.
Outra sugestão seria mostrar diversas imagens com cenas de sofrimento humano, desigualdades sociais, injustiças, individualismo, guerras, problemas ecológicos, solidão, entre outras. A partir dessas imagens, perguntar à comunidade qual seria, conforme a Bíblia, a origem de tanto sofrimento. A resposta é clara: o afastamento de Deus.
Outra sugestão leva em conta aspectos centrais da perícope, perguntando no início da pregação à comunidade: a) O que é pecado? Com isso deve-se caracterizar a atual problemática em torno do tema pecado, que quase não tem aparecido mais em pregações; b) Quais são as consequências do pecado? Assim, procura-se evidenciar os aspectos do dia a dia. Nossa dificuldade de ouvir a palavra de Deus (a voz de Deus), nossa maestria em esconder o pecado diante de Deus e das pessoas, nossa grande capacidade de culpar os outros: a culpa é do governo, a culpa é dos meus pais, a culpa é de Deus; c) De que forma hoje o ser humano tem se colocado no lugar de Deus?
Para este culto são sugeridos os seguintes elementos litúrgicos:
No início do culto pode ser cantado, convidando a comunidade a louvar e
adorar ao Trino Deus, o hino nº 87 (Louvado seja Deus), do HPD I. Esse hino destaca a realidade trinitária do culto e leva em consideração o ciclo de Pentecostes.
Antes da pregação, sugere-se cantar com a comunidade o hino nº 147 (Das profundezas clamo a ti), do HPD I, de Lutero, baseado no Salmo 130. Após a pregação, sugere-se cantar o hino nº 148 (Cristo acolhe o pecador), HPD I. Os dois hinos apontam para a realidade do pecado e destacam a certeza do perdão dos pecados através da obra de Jesus Cristo. Assim como fica evidente na perícope de Gn 3.8-15, o ser humano não é capaz de resolver por meio de seus próprios esforços o problema do pecado.
A Santa Ceia é muito mais do que Eucaristia. Ela é, assim como Lutero escreve em seu Catecismo Menor, “o verdadeiro corpo e sangue de nosso Senhor Jesus Cristo”, que nos dão a “remissão dos pecados”. O tema do culto foi o pecado do ser humano. A partir disso sugere-se fazer a leitura do breve texto de Lutero em seu Catecismo Menor como liturgia da Ceia. Além de exercitar no culto a confessionalidade e a educação cristã, enfatiza-se e experimenta-se comunitariamente a certeza do evangelho de que Deus na Ceia vem ao encontro do ser humano pecador e que esse, em Jesus Cristo, pode experimentar a remissão do pecado e ter a certeza da vida eterna. É curioso perceber que a expressão “remissão dos pecados” é citada sete vezes por Lutero em seu Catecismo. Essa é, na verdade, a centralidade do sacramento do altar. Aqui se sugere cantar os hinos de Ceia que estão no HPD I (141-146). Neles, a dimensão da remissão do pecado ainda está bem preservada e pressuposta, diferente, infelizmente, dos hinos mais novos.
No final do culto, sugere-se cantar o hino nº 106 (Clemência dá-nos, ó Senhor), de Lutero, do HPD I. O hino destaca o envio da comunidade ao mundo a partir da realidade do perdão do pecado. Só quem experimentou o perdão do pecado e a reconciliação com Deus por meio de Jesus Cristo pode fazer a diferença neste mundo.
Assim como pôde ser visto, a ênfase do texto está no agir de Deus em trazer a salvação para o ser humano pecador. Deus vem ao encontro em juízo e graça. A pergunta, Adão, onde estás?, manifesta a graça de um Deus que vem para o julgamento. Em Jesus Cristo, essa pergunta encontra resposta decisiva para a salvação. Adão, onde estás? Adão está em Jesus Cristo, pendurado na cruz do Calvário. Nela, o ser humano encontra o juízo de seu pecado e a reconciliação com Deus. Para a pregação, sugere-se, portanto, a partir do texto de Gn 3.8-15, o seguinte esboço homilético:
O objetivo aqui é abordar o aspecto da vergonha, do medo e do esconder-se de Deus. As consequências desse afastamento podem ser trabalhadas na pregação: o pecado afasta-nos de Deus, de nós mesmos, do ser humano e da criação. O que nós fazemos com o pecado?
Aqui pode ser dada ênfase à resposta de Adão a Deus. Insistimos em dar desculpas a Deus. Não confessamos o nosso pecado, mas o transferimos a outros. Acusamos o próximo e a Deus para nos esquivar de nossa própria responsabilidade. O que Jesus Cristo fez com o pecado?
Jesus carregou na cruz o nosso pecado. Deus o fez pecado por nós. Jesus se fez maldição em nosso lugar. Em Jesus Cristo, somos libertados de todo poder e opressão do pecado. Em Jesus Cristo, somos livres para viver com Deus, conosco mesmos, com o próximo e neste mundo a partir da reconciliação e da justiça de Deus.
BONHOEFFER, Dietrich. Schöpfung und Fall. 3. ed. München: Chr. Kaiser Verlag, 2007.
LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas v.12. Interpretação do Antigo Testamento: Textos selecionados na Preleção sobre Gênesis. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia; Canoas: Ulbra, 2014. p. 166-214.
WESTERMANN, Claus. O Livro de Gênesis: Um comentário exegético-teológico. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2013.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).