Proclamar Libertação – Volume 40
Prédica: Lucas 13.31-35
Leituras: Gênesis 15.1-12,17-18 e Filipenses 3.17-4.1
Autoria: Aline Danielle Stuewer e Joel Haroldo Baade
Data Litúrgica: 2º Domingo na Quaresma
Data da Pregação: 21/02/2016
A relação dos três textos de leitura previstos para o 2º Domingo na Quaresma não é totalmente explícita. Por isso propõe-se uma chave de leitura que sirva de ponte entre eles, qual seja: a promessa de Deus e a atitude das pessoas diante dela. O texto do Antigo Testamento (Gn 15.1-12,17-18) trata da promessa de descendência que Deus fez a Abraão e a dúvida e o medo do patriarca diante da improbabilidade de ter um filho. A aliança com Deus no Antigo Testamento é feita através de sacrifícios de animais.
No texto do evangelho (Lc 13.31-35), que é o texto da pregação, o evangelista relata o diálogo de Jesus com alguns fariseus que vieram alertá-lo a respeito da intenção de Herodes de matá-lo. Em sua fala, Jesus faz referência à sua morte e declara-se profeta enviado por Deus. Igualmente lamenta a rejeição sofrida pelas pessoas a quem quis tantas vezes abraçar e cuidar, assim como uma galinha cuida dos seus pintinhos.
Já na carta de Paulo aos Filipenses (3.17-4.1), o apóstolo exorta para que se persevere em fé na promessa de Deus através do Cristo crucificado. Paulo lamenta que muitas pessoas desviam-se, através de suas ações, do caminho e tornam-se, inclusive, inimigos da mensagem de Cristo. Igualmente o apóstolo manifesta a sua alegria pela persistência daqueles que se mantêm fiéis ao Salvador, pois ele fará com que sejam glorificados.
Segundo Schneider, o Evangelho de Lucas pode ser dividido em cinco blocos: a) introdução (1.1-4.13); b) a atuação de Jesus na Galileia (4.14-9.50); c) relato de viagem (9.51-19.27); d) a atuação de Jesus em Jerusalém (19.28-21.38); e) paixão, morte, ressurreição e ascensão de Jesus (22.1-24.53). O texto da pregação, portanto, localiza-se no terceiro bloco do evangelho, onde se relatam os acontecimentos durante a viagem de Jesus a Jerusalém, onde a sua atuação o levaria à morte na cruz. Esse bloco, por sua vez, pode ser dividido em três partes menores: 1) o envio dos setenta e ditos contra as cidades (9.51-10.24); 2) relato da atuação em viagem: ditos, curas, parábolas, ações diversas (10.25-18.14); 3) a caminho de Jerusalém, com retomada do relato do Evangelho de Marcos (18.15-19.27). Assim, o texto em análise está localizado na segunda parte do terceiro bloco do evangelho, no qual o evangelista colhe relatos diversos sobre a atuação de Jesus quando já estava a caminho de Jerusalém.
O Evangelho de Lucas tem quatro temas de destaque: a misericórdia para com os mais fracos e necessitados; crítica em relação aos ricos e à riqueza; a espiritualidade de Jesus; e a exaltação dos samaritanos como modelos de fé (SCHNEIDER). A abordagem desses temas no texto da prédica não é totalmente explícita, mas transparece na crítica aos dirigentes, sendo que Herodes é chamado de “raposa”; e a crítica ao povo judeu de modo geral com a acusação de rejeitar os mensageiros enviados por Deus. Uma palavra de juízo é proferida por Jesus diante da rejeição: Agora a casa de vocês ficará completamente abandonada (v. 35a).
Para análise versículo a versículo, foram comparadas as versões Almeida Corrigida Fiel (ACF), Almeida Revista e Atualizada (ARA) e Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH). A versão grega foi consultada também.
V. 31 – Na comparação das versões não foi encontrada diferença significativa. O tema de destaque do versículo é a ameaça de morte que já paira sobre Jesus. Herodes Antipas é apontado pelos fariseus como autor de tal ameaça. Ele era o dirigente da Galileia e Idumeia na época e governava com o título de tetrarca, que lhe fora concedido pelos imperadores romanos Calígula e Cláudio. Quanto aos fariseus, eles não são apresentados por Lucas necessariamente como inimigos de Jesus (7.36; 11.37; 14.1), embora haja controvérsias a esse respeito. De qualquer forma, eles acabam fazendo o jogo dos perseguidores de Jesus, tendo ido ao encontro de Jesus por incumbência de Herodes ou por ter a pretensão de atrair Jesus a Jerusalém para ser entregue nas mãos do Sinédrio (VOLKMANN).
V. 32 – Neste versículo, não há igualmente diferenças expressivas entre as versões. A única diz respeito ao tempo verbal do verbo grego τελειοῦμαι/teleioumai, que é um indicativo presente passivo da primeira pessoa do singular, ou seja, “sou consumado”, “terminado”, “finalizado”. ACF mantém esse tempo verbal, enquanto ARA (terminarei) e NTLH (terminarei o meu trabalho) usam formas ativas do verbo. O verbo expressa o compromisso de Jesus com o projeto do reino, que não poderá ser interrompido por nenhuma pessoa.
O temor de Herodes em relação a Jesus é porque ele o associa a João Batista, a quem mandou decapitar (9.7-9). Contudo Jesus não lhe atribuiu muita importância, chamando-o de “raposa”, que pode significar o que também hoje se entende com o termo, ou seja, pessoa esperta, ardilosa, como também um elemento insignificante. Por essa disposição de matar Jesus, Herodes é um inimigo do reino, tal como os fariseus e as autoridades de Jerusalém que matam os profetas enviados por Deus. Por isso as palavras de Jesus são uma advertência a todos eles (VOLKMANN).
V. 33 – As diferenças entre as versões neste versículo são bastante sensíveis. οὐκ ἐνδέχεται/ouk endechetai traduz-se melhor por “é impensável” ou “não pode ser”. Assim, a melhor tradução é a de ARA: porque não se espera que um profeta morra fora de Jerusalém. Jesus vê-se em certo sentido como profeta, mas também entende a sua obra como consumação da ação salvífica de Deus para toda a humanidade, que se expressa através do verbo τελειοῦμαι/teleioumai (v. 32), o mesmo empregado nos anúncios da paixão (Mt 16.21; 17.22s; 20.18s) (VOLKMANN).
V. 34 – A diferença mais substancial neste versículo está relacionada à tradução do termo grego τέκνα/tekna (plural de τέκνoν/teknon), que pode ser traduzido literalmente por “filho”, mas também significa “descendentes”, “posteridade” ou “filhos”. Dessa forma o termo é traduzido por ACF e por ARA, enquanto NTLH prefere usar o termo “povo”. Em outras passagens, a NTLH também emprega “filhos” para traduzir o mesmo termo (cf. Mt 2.18). A imagem da galinha que cuida dos seus pintinhos, reunindo-os sob as suas asas, pode ser a ênfase a ser dada ao texto durante a realização da prédica. Ao cuidado de Deus, pode-se chamar a atenção para as muitas situações de rejeição desse cuidado.
V. 35 – A comparação das versões não permitiu identificar divergências significativas ou que alterassem a compreensão do texto. A NTLH prefere o sinônimo “abandonada” em vez de “deserta” como tradução de ἔρημος/erēmos, que serve de qualificativo para o substantivo casa (οἶκος/oikos). Em Mt 14.15, a NTLH traduz o mesmo termo por “deserto”, assim como ARA e ACF. Outra diferença está na tradução do verbo εὐλογημένος/eulogemēnos (de εὐλογέω/eulogeō – abençoar, louvar), que está no particípio perfeito passivo nominativo masculino singular, ou seja, “abençoado”, “louvado” ou “bendito” (ACF e ARA). A NTLH prefere a forma ativa “Deus abençoe”.
Segundo Volkmann, o texto de Lucas reflete uma profunda contradição em relação à cidade de Jerusalém. Ela é a cidade toda especial, escolhida por Deus para ali habitar o seu nome; é a cidade do templo. E, ao mesmo tempo, é a cidade que mata os profetas, que se recusa a receber e ouvir a mensagem de Deus. Também não percebe agora esta ocasião toda especial e vai proceder com Jesus dentro da mesma lógica. Por isso Jesus não só morre em, mas por intermédio de Jerusalém: não é destino cego ou mera coincidência; é culpa consequente (VOLKMANN).
A análise versículo a versículo permite concluir que as traduções mantém–se relativamente fiéis ao texto grego, e cada qual poderá fazer a leitura na versão usual em sua comunidade, sem que haja prejuízo para o entendimento do texto.
Quem não arriscaria a própria vida para salvar alguém que ama? Eis que foi isso o que Jesus fez. A caminho de Jerusalém, foi alertado sobre o perigo de continuar a viagem e entrar na cidade. Ali viviam as autoridades políticas e religiosas que estavam incomodadas com a mensagem que Jesus estava anunciando. Mesmo sabendo do risco iminente de morte, levou a sua missão até as últimas consequências. Correu risco de vida para levar vida.
Na viagem a Jerusalém, Jesus curou e ajudou muitas pessoas. Bem próximo a Jerusalém, foi avisado pelos fariseus: Sabe, é melhor você sair daqui de fininho, porque o governador Herodes quer acabar com você. Jesus deve ter achado muito engraçado o pedido dos fariseus. O seu trabalho não poderia ser interrompido. Havia muitas pessoas sedentas pela verdade. Como ele iria simplesmente virar as costas a elas?
Ao ouvir que alguém queria matá-lo, Jesus não manda recado a Herodes para simplesmente desafiá-lo ou provocar uma briga inútil. Manda dizer que continua trabalhando como sempre: dando atenção a quem mais precisa, libertando do poder do mal, oferecendo às pessoas uma vida digna e curando os doentes. Nenhuma autoridade irá intimidá-lo.
Ao se referir a Jerusalém, Jesus parece sentir um aperto no peito. Inclusive, mais adiante, o texto de Lucas 19.41 diz que, ao avistar a cidade, Jesus chorou. A mesma cidade que fora cruel com os profetas no passado novamente se fecha à oferta de acolher o evangelho da graça e da paz. E Jesus lamenta que Jerusalém, seu povo e suas autoridades negaram a acolhida, a proteção e o aconchego do próprio Deus: Jerusalém, Jerusalém. Quantas vezes eu quis proteger você como a mãe galinha protege os seus filhotes, mas você não quis…
Jesus compara o seu cuidado ao cuidado de uma mãe galinha por seus pintinhos. A galinha tem um grande cuidado por seus pintinhos. Quando ela pressente, por exemplo, a mudança de tempo, procura logo envolver completamente os seus filhotes com as suas asas para protegê-los. Assim os pingos de chuva não os atingirão.
Desde o início da criação, Deus tem buscado nos alcançar. Porém teimamos em seguir nossos próprios caminhos e ignoramos a sua oferta de amor. Ele enviou profetas para avisar ao povo que deixasse o pecado e o obedecesse, porém muitos continuaram não dando atenção. Então Deus se fez gente e veio ao mundo em Jesus Cristo para que o amor se tornasse carne e assim fosse reconhecido pela humanidade. Mesmo assim, muitos o rejeitaram.
Também nós, muitas vezes, rejeitamos o amor e o cuidado de Deus e preferimos viver a vida que achamos correta e ignoramos a proposta de Jesus. Insistimos em viver uma vida repleta de mentiras, brigas, fofocas, competição e indiferença. Mesmo assim, Jesus não desiste de nós e prova o seu amor, morrendo na cruz para nos dar uma nova chance. Ele quis tão insistentemente nos deixar debaixo das suas asas, que morreu de braços abertos.
Após um incêndio no Parque Nacional Yellowstone, nos Estados Unidos, começou a tarefa de limpeza e avaliação dos danos. Um guarda-florestal ia caminhando pelo parque quando encontrou uma ave carbonizada ao pé de uma árvore, numa posição bastante estranha, pois não parecia que morrera escapando nem que fora apanhada; simplesmente estava com as suas asas fechadas ao redor de seu corpo. O guarda, intrigado, encostou nela suavemente com uma vara; três pequenos filhotes vivos apareceram debaixo das asas da mãe. A mãe sabia que seus filhos não podiam escapar do fogo; por isso não os abandonou nem os levou para o ninho sobre a árvore, onde a fumaça subiria e o calor se acumularia. Levou-os para debaixo da árvore, provavelmente um por um, e ali ofereceu a sua vida para salvar a vida deles. Podem imaginar a cena? O fogo rodeando-os, os filhotes assustados e a mãe muito decidida, dizendo-lhes: Não temam, venham debaixo das minhas asas, nada acontecerá. Estavam tão seguros e protegidos do fogo, que horas depois do incêndio terminado ainda não tinham saído de lá. Estavam confiantes na proteção da mãe; somente após o encostar do guarda no corpo morto da mãe pensaram que deveriam sair (Autor desconhecido).
Querido e bondoso Deus, tu que cuidas dos teus filhos e filhas assim como uma galinha protege os seus pintinhos, achegamo-nos à tua presença para te pedir perdão por justamente não reconhecer o teu cuidado diário para conosco. Confessamos que temos dificuldade para ver a tua ação em nossa vida, para ver o que tu tens planejado para nós. Sabemos que jamais tiveste a intenção de nos impor a tua vontade, mas queres ser aceito em amor e como cuidador, embora sistematicamente temos rejeitado esse cuidado ao não dar ouvidos às pessoas enviadas por ti para nos anunciar a tua mensagem de amor.
Do HPD: 130 – Senhor, tu nos chamaste; 198 – Oh bem cego eu andei;
209 – Deus sempre me ama; 46 – Agradecemos-te, Jesus.
SCHNEIDER, Nélio. Roteiro para a Leitura da Bíblia. São Leopoldo: Sinodal, 1996.
VOLKMANN, Martin. 2º Domingo de Quaresma: Lc 13.31-35. In: SCHNEIDER, Nélio; WITT, Osmar. Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal, 1998. V. 23. p. 65-71.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).