Proclamar Libertação – Volume 42
Prédica: Marcos 4.26-34
Leituras: Ezequiel 17.22-24 e 2 Coríntios 5.6-10
Autoria: Astor Albrecht
Data Litúrgica: 4º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 17/06/2018
No ano litúrgico, estamos no tempo após Pentecostes, evento a partir do qual a boa nova do evangelho é espalhada a muitos lugares. Surgiram e desenvolveram-se as primeiras comunidades cristãs. Assim a palavra continua hoje sendo pregada em nossas comunidades, pois permanece a ordem de Cristo de fazer discípulos e discípulas. E o que temos visto e experimentado? Como nos sentimos? Há ânimo?
Ao olharmos para os textos da palavra de Deus indicados para este domingo, destaco: o texto de Ezequiel 17.22-24 contém uma promessa de esperança na forma de uma comparação. Deus irá tirar a ponta de um cedro alto (um descendente do rei Davi), cortar um broto novo que se tornará num cedro muito lindo (v. 23), onde pássaros de todo tipo viverão e acharão abrigo na sua sombra. Jesus usa essa figura de linguagem e aponta para sua pessoa e obra (Mc 4.32).
Na leitura de 2 Coríntios 5.6-10, o apóstolo Paulo, que serviu ao evangelho levando-o a lugares distantes e que encontrou nesse ministério grande luta e tribulação, diz ter bom ânimo (v. 6). Apesar de experimentar oposição ao evangelho, testemunha que quer continuar no esforço de servir e agradar ao Senhor. Isso é possível? Os motivos para desanimar não seriam mais fortes do que as alegrias experimentadas? Sua “receita” seria: “visto que andamos por fé e não pelo que vemos”.
Também nós, ministros, ministras, membros e comunidades precisamos de encorajamento e de ânimo. É preciso “olhar com fé”. Com isso em mente, olhemos mais de perto o texto para a pregação.
A perícope proposta para a pregação encontra-se no contexto que trata da proclamação do reino de Deus (3.13-6.6). Como reino de Deus entende-se o reinado de Deus quando todo o mundo obedecer e se sujeitar à vontade de Deus, quando a vontade de Deus for feita em toda plenitude na terra assim como no céu. Em direção a esse alvo, lemos em 3.14: Então, designou doze para estarem com ele e para os enviar e pregar. Os discípulos então seguem Jesus com grandes expectativas de que Deus muito em breve estabeleça seu reino. Mas eles estão equivocados. Há multidões que o seguem, mas também cresce a oposição. Os líderes religiosos, de quem se esperaria que seguissem Jesus, são seus maiores oponentes. Os romanos não seriam expulsos da sua pátria por um grupo de pescadores. Seus discípulos podem pensar: será que investimos nossa vida numa causa perdida?
As parábolas trazem luz para essas questões. Os discípulos precisavam conhecer mais sobre a atuação de Deus antes de sair e proclamar a chegada de seu reino. As parábolas no capítulo 4 têm a função de explicar como crescem os caminhos do reino de Deus. A passagem toda oferece encorajamento aos que estão abatidos, sob a aparente estagnação do crescimento do reino de Deus em meio ao mal desenfreado. Assim, vamos voltar nossa atenção às parábolas propostas no texto.
A parábola da semente (v. 26-29) oferece encorajamento aos semeadores e semeadoras, especialmente quando os resultados são invisíveis. Como se um homem lançasse a semente à terra (v. 26), assim inicia. Mas agora não é feita análise do solo, como na parábola em 4.1-20. Fala-se do semeador. Mais especificamente, trata-se da sua passividade ao excluir a sua intervenção no período que vai da semeadura até a colheita. Depois de semear, a rotina diária do agricultor (dormisse e se levantasse, de noite e de dia, v. 27) prossegue. Ele se ocupa com outros trabalhos. Mas no que trata da sementeira, está tranquilo. Não é perturbado pela ansiedade a respeito da semente plantada. Ele está contente sabendo que a terra “por si mesma frutifica”. Em outras palavras, ele deixa isso para Deus, que opera de modo desconhecido ao semeador. Ou seja, em relação ao crescimento, isso é Deus quem dá. Só Deus pode dá-lo, e ele quer fazê-lo. Por isso o agricultor não se preocupa, pois sabe que a colheita virá.
Essa parábola é escatológica: o reino está presente tanto na semente como na colheita. Aqui podemos destacar a expressão logo se lhe mete a foice (v. 29), que em Joel 3.13 está ligada ao juízo, aos inimigos que são vencidos. Aqui essa exclamação não tem inimigos em vista, é antes expressão de grande júbilo em vista das espigas carregadas de grãos. No Antigo Testamento, a colheita também pode significar uma grande alegria (Is 9.3). O tempo da colheita denota o último estágio do reino de Deus, o do amadurecimento e da consumação final. Assim, o que agora é apenas um embrião presente na pessoa e no ministério de Jesus, depois será espiga cheia, oculta agora, totalmente manifesta depois. Essa parábola é uma das poucas passagens em Marcos que não aparece em nenhum outro evangelho. Assim, podemos entender que a comunidade precisava, de modo muito especial, de palavras de encorajamento. Pode bem ser que tinham muitos problemas e poucos resultados de seus trabalhos e, diante disso, faz-se necessária a paciência de um agricultor. Deveriam continuar semeando a semente do reino e confiar que a colheita viria. Todas as pessoas deveriam ser convidadas a receber o reino de Deus; todos os homens e mulheres recebem a tarefa de semear, mas é Deus quem dá o crescimento.
Na parábola do grão de mostarda (v. 30-32), é interessante como Jesus inclui seus discípulos na reflexão ao lhes perguntar: A que assemelharemos o reino de Deus? Ou com que parábola o apresentaremos? (v. 30). Nessa época, o reino proclamado por Jesus não é muito evidente para seus seguidores. Há os críticos que o denunciam como fraude. Com essa pergunta, Jesus desafi a seus discípulos a pensar enquanto lhes apresenta a parábola: o reino de Deus é como um grão de mostarda, quando semeado, cresce e torna-se uma planta tão grande que as aves podem aninhar-se à sua sombra.
O grão de mostarda é um símbolo proverbial daquilo que é pequeno. Essa pequena semente torna-se uma hortaliça muito grande. A mostarda crescia do grão minúsculo, de um milímetro até o tamanho de uma folhagem, que podia atingir até 4 metros de altura nas margens do lago da Galileia. É a história dos contrastes entre um começo insignificante e um desfecho surpreendente, entre o oculto hoje e o revelado no futuro. O reino de Deus é como tal semente. Com sua copa ampla e cheia de vida até as pontas, a árvore prefigura um grande reino, no qual todos convivem em paz. Jesus está dizendo para não se deixarem levar pela aparência, mas que sejam encorajados a participar do reino e ter fé em um grande Deus. A aparente fraqueza será suplantada quando Deus manifestar seu poder soberano. O pequeno e fraco começo do reino de Deus não é indicação da sua consumação.
Assim Jesus “expunha a palavra” (v. 33), a sua mensagem que proclamava o reino de Deus, que acontece em sua pessoa e sua obra. Os v. 33-34 ensinam que pelas parábolas os ouvintes são desafiados a ouvir com todo o ser a fim de experimentarem o bom governo de Deus (reino) em sua vida diária. O discipulado não deveria ser algo superficial, mas deveria levar a conhecer e depender mais das palavras de Jesus e, desse modo, de sua pessoa.
Certa ocasião, em um encontro do ensino confirmatório, um confirmando compartilhou o que lhe aconteceu na sala de aula e a pergunta que isso despertou nele. Sua pergunta era: “Pastor, por que tem cada vez mais pessoas que não querem saber de Deus e não acreditam nele?”. Ele relata que a professora pediu para que levantassem a mão os alunos que acreditam em Deus e, numa turma de 26 alunos, só ele e mais três colegas levantaram a mão. Eu estou alguns anos no estado de São Paulo, mas pensei: “Mas bah! O que vou dizer agora para esse guri?”.
Eu penso que nos dias da comunidade de Marcos também não haveria muitas pessoas que iriam levantar a mão. Por isso precisavam de uma palavra de encorajamento. Também nós carecemos de bom ânimo. Em outra ocasião, Jesus mesmo lembrou que é necessário ânimo para segui-lo (Jo 16.33). Esse bom ânimo não se refere a um sentimento “legal”, mas sim a uma disposição de seguir a Cristo e testemunhar ao mundo o seu evangelho, de vivermos como comunidades que lhe pertencem neste mundo, que tem valores tão diferentes do que o evangelho de Cristo nos ensina. Ou como Paulo testemunhou: visto que andamos por fé e não pelo que vemos. Para tanto, o texto de Marcos nos quer abrir os olhos da fé e ajudar a olhar com ânimo. Algumas considerações que podemos partilhar com a comunidade.
Do evangelho aprendemos que Cristo Jesus veio para trazer vida e salvação. Se tinha alguém que tinha “grandes” objetivos, este era Jesus. Ele vê o mundo como seu campo de missão para trazer as pessoas para junto do Pai, trazer o perdão dos pecados, trazer à luz a maravilhosa promessa da vida eterna. Objetivos grandes! Como lemos em Ezequiel: cortarei o renovo mais tenro, e o plantarei sobre um monte alto […] e produzirá ramos, dará frutos e se fará cedro excelente (17.22,23). Jesus deveria ter toda pressa do mundo para fazer o máximo possível para que esses objetivos fossem logo alcançados. O seu “planejamento estratégico” pede muita coisa! Mas ele o faz como um agricultor que lança a semente e espera, dia e noite, germinar e crescer. O reino de Deus vem por si mesmo (conforme Lutero). Nele está a presença de Deus e, assim, as suas dádivas, seu agir e seu guiar. A sua palavra que temos entre nós é uma semente viva que tem em si a força para crescer e amadurecer.
Essa palavra deveria sempre ordenar nossos passos e nosso servir. Ela nos quer livrar da impaciência e até mesmo do desânimo. Não é o caso de atuarmos como se tudo dependesse de nosso serviço. É preciso confi ar que sua palavra é uma semente viva. A obra de Deus também tem seu tempo de lançar a semente, germinar, crescer e amadurecer. Por isso se faz necessário que atuemos com esperança. Há vezes que irmãos e irmãs que servem ao Senhor desanimam e se frustram. “Já que os outros não se envolvem, eu também não vou mais! Cansei!”. Alguém já me disse isso, com essas palavras. Mas essa é uma atitude para quem pensa que a partida já acabou. Não é assim! Conforme a palavra das Escrituras que hoje lemos e que testifica do Deus que nós cremos, nós não somos aqueles que se deixam abater. Karl Bernhard Garve escreveu: “Ainda que meu desânimo veja perigo e eu tenha medo de sucumbir, Cristo me alcança a sua mão. Cristo ajuda os fracos a vencer. Que o Poderoso de Deus me defende, essa é a minha confiança”.
Do mesmo modo, na segunda parábola (grão de mostarda), aprendemos que não devemos desanimar ou ficar desencorajados diante de um início pequeno e humilde. Aqui poderíamos compartilhar de experiências da comunidade na sua missão, nos seus grupos, seus desafi os, bem como a sua perseverança. Pode acontecer que há ocasiões que temos o sentimento de que não vai valer a pena, afinal de contas, somos poucos e não podemos fazer muito. De maneira lógica, Cristo nos lembra que nada está pronto no seu início. Nossa tarefa e missão é fazer conforme nossa força e dons. Foi assim que naquela conversa com o confirmando, falei: “Que bom que você levantou a sua mão!”. Foi algo pequeno, mas foi o modo de mostrar ali a sua fé. E isso vem do Senhor, é maravilhoso e ao seu tempo trará mais frutos. Disso não podemos duvidar, pois a semente do evangelho frutifica. Confiantes continuemos orando e pedindo “Venha o teu reino”.
Através dessas parábolas somos animados e animadas a seguir a Cristo. Podemos ter bom ânimo, pois Deus não ficará devendo sua atuação. Como pessoas chamadas por Cristo, podemos afi rmar nossa humanidade, também nossa incapacidade. O reino é de Deus e, por isso, podemos saber que acontecem muito mais coisas do que fazemos e sabemos. Podemos realizar tranquilos nossas pequenas ações, na confiança das grandes ações de Deus. Entre nossa semeadura e a colheita transbordante está o fiel e constante agir de Deus. Assim, lá na frente, no dia da colheita, cheios de alegria, louvaremos a Deus dizendo: Grandes coisas o Senhor tem feito (Sl 126.2).
“A majestosa montanha que aparece no horizonte nos parece próxima. Aos nossos olhos parece que ela se ergue logo além da primeira cadeia de montes que parcialmente a cobrem. Mas de nosso ponto de observação, deixamos de ver um sem-número de cadeias de montanhas mais baixas intermediárias, que existem por detrás da primeira, e que assomam ante nossos olhos ao longo de nossa caminhada. Logo que chegamos à próxima elevação, descobrimos que a distância que nos separa da montanha ainda é maior do que havíamos pensado. Os primeiros cristãos viviam esperando pelo reino de Deus. Eles viam a montanha no horizonte e não podiam esperar o dia em que chegassem ao alvo. Maranata – Senhor, vem! No decorrer da história da igreja, o povo de Deus aprendeu a atravessar vales e cadeias de montanhas que esperavam. O Senhor estava perto, mas não da forma como eles haviam pensado, em sua perspectiva humana. Tinham de aprender que só Deus tem a perspectiva correta da história e da vinda do reino de Cristo. Por isto ‘somente o Pai sabe o dia’ (Mateus 24.36). Na perspectiva do Pai, Jesus está realmente perto. E o que importa para nós é nossa caminhada rumo à montanha.”
(Lindolfo Weingärtner, Parábolas da vida – meditações)
Oração: Senhor, tu disseste que as aves do céu poderiam se aninhar à sombra da árvore do Reino. Graças por tua fidelidade, que hoje nós estamos abrigados. Mas é preciso continuar semeando. Então, vai conosco, Senhor, por onde quer que andemos. Ensina-nos a orar o que devemos orar. Abençoa o que fazemos, e nada mais nos atormentará nem nos faltará bem algum. Senhor, continua enviando servos e servas fiéis à tua seara e à tua casa, irmãos e irmãs que se dedicam a ti em gratidão. Um pequeno início foi feito, mas a terra ainda está cheia de trevas. Queiras despontar em nosso tempo, ó sol da justiça! Amém.
MULHOLLAND, Dewey M. Marcos – introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1978. (Série Cultura Bíblica).
POHL, Adolf. Evangelho de Marcos. São Paulo: Editora Evangélica Esperança, 1997. (Comentário Esperança).
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).