Proclamar Libertação – Volume 42
Prédica: Marcos 9.2-9
Leituras: 2 Reis 2.1-12 e 2 Coríntios 4.3-6
Autoria: Gleidson Ademir Fritsche
Data Litúrgica: Último Domingo após Epifania
Data da Pregação: 11/02/2018
Deus revela o seu poder também através daqueles que ele envia. Elias recebeu do céu o auxílio solicitado para vencer os soldados do rei Acazias. Com sua capa bateu na água do rio Jordão, que se abriu e, assim, com Eliseu, atravessou o rio andando em terra seca e, em seguida, foi levado para o céu. O apóstolo Paulo lembra que no rosto de Cristo vemos a glória de Deus. Marcos escreve sobre a ação de Deus que testifica de forma visível (transfiguração) e audível (este é o meu Filho o amado, a ele ouvi) a natureza divina de Cristo e seu serviço.
Nos três textos previstos para este domingo, último antes do início da Quaresma, notamos a certeza de que Deus não apenas envia. Ele acompanha os que são enviados. Nas palavras de Paulo: Deus é quem brilhou em nossos corações (2Co 4.6). O fato de Jesus estar junto com Moisés e Elias, servos de Deus no Antigo Testamento que experimentaram também os sofrimentos em consequência do servir, mostra que a cruz não é algo apenas da Sexta-Feira Santa. No entanto, a glória de Deus não é apenas para o tempo depois da ressurreição. Deus está em Cristo. Nos três textos percebemos Deus agindo na história. Ele salva, proclama, faz resplandecer das trevas a luz.
Estamos no Último Domingo após Epifania, tempo de lembrar como Deus se revela a nós. Porém, também tempo de reconhecer o sofrimento que espera Jesus, o qual experimenta o deserto e a tentação antes de iniciar seu ministério. A cruz e a ressurreição, como expressão, respectivamente, de sofrimento e glória, irão permitir um pleno e claro reconhecimento de Jesus, o Cristo.
Marcos escreve provavelmente em Roma, por volta do ano 70 d.C. É o evangelho mais antigo. A perícope em foco consta nos três evangelhos sinóticos. A transfiguração ocorre alguns dias após o diálogo em Cesareia de Filipe (Mc 8.27-33). Mateus e Marcos mencionam “seis dias depois”, Lucas, “aproximadamente oito dias depois”. Nesse discurso, Jesus havia anunciado sua morte e ressurreição, havia sido reprovado por Pedro, a quem chamou de Satanás. Talvez um desânimo tenha se apoderado dos doze diante do anúncio do sofrimento e da morte de Jesus.
Os discípulos continuam a ser ensinados. A transfiguração aconteceu por causa dos discípulos. Jesus os “toma”, “conduz” ao alto do monte, é transfigurado “diante deles”, assim como Elias e Moisés apareceram “a eles”. Outro detalhe importante é que Lucas menciona o fato de que Jesus foi ao monte para orar, o que não é mencionado nos relatos de Marcos e Mateus.
Abaixo, trazemos uma tradução mais literal, em parte, baseada no Novo Testamento Interlinear, de Vilson Sholz, e um breve comentário sobre cada parte do texto.
Marcos 9.2-3: E depois de seis dias, toma Jesus consigo Pedro e Tiago e João e conduz os mesmos para um monte alto em particular sozinhos. E foi transfigurado perante eles, e as vestes dele se tornaram brilhantes, muito brancas, tais como lavandeiro sobre a terra não pode assim branquear. Os discípulos apenas acompanham. Primeiro, são conduzidos por Jesus, que toma a frente, age e conduz. Na sequência, assistem à transfiguração de Jesus. Deus age, transfigura Jesus. Os três discípulos em questão são testemunhas do que viram e ouviram. Servem de vanguarda. Há outras situações em que o mesmo grupo seleto de testemunhas é chamado, como podemos conferir em Marcos 5.37 e 14.33.
Marcos 9.4-6: E apareceu a eles Elias com Moisés, e estavam falando com Jesus. E respondendo Pedro diz a Jesus: Rabi, bom é nós aqui estarmos, e façamos três tendas, para ti uma e para Moisés uma e para Elias uma. Pois não sabia o que responder, pois apavorados tinham ficado. A presença dos dois representantes da antiga Aliança junto com Jesus é uma maneira de honrá-lo e autenticá–lo como Messias. Em Cristo se cumprem as promessas de Deus registradas no Antigo Testamento. Pedro não foi perguntado, mas foi respondendo. A palavra apokritheis também pode ser traduzida como “falando”, mas de qualquer forma, Pedro abriu a boca em hora inoportuna, e para colocar uma sugestão que sequer mereceu resposta. Ficar na glória antes do tempo é algo que não serve para Jesus. Sua salvação quer alcançar os confins da terra, não apenas os três que o acompanhavam. Pedro cai na tentação de querer ficar com a parte boa para si e mais alguns. Talvez quisesse esquecer definitivamente ou achar uma solução rápida para a questão da morte e ressurreição de Cristo, anunciada pelo próprio Jesus alguns dias antes. Mas quando não se sabe o que dizer, é melhor ficar calado. Soluções fáceis, receitas prontas para um “grupinho” não são características de Jesus. Pouco tempo antes, Jesus chama Pedro de Satanás, por ele ter falado o que não tinha fundamento. Aqui Jesus sequer respondeu. Para os discípulos, era tempo de ver e ouvir, eles deviam aprender. Esse é o sentido da transfiguração. O assunto era entre Jesus, Moisés e Elias. Eles estavam falando.
Marcos 9.7-8: E apareceu uma nuvem sombreando a eles, e houve uma voz da nuvem: Este é o meu filho o amado, ouvi a ele. E de repente tendo eles olhado em volta não viram mais ninguém, somente Jesus com eles. A nuvem é a aconchegante presença de Deus sobre todos. Da nuvem vem a voz. Em outros momentos, a voz de Deus foi ouvida. Porém, há peculiaridades que precisamos observar. No batismo de Jesus, em Marcos 1.11, a voz do céu se dirige a Jesus pessoalmente, na segunda pessoa do singular: Tu és o meu filho o amado, em ti me comprazo. Já na perícope em foco, Marcos não utiliza a segunda pessoa do singular, mas sim a terceira: “Ele”. A voz ouvida dirige-se às demais pessoas. As palavras vindas dos céus são uma proclamação pública da fi liação de Jesus ao grupo ali reunido: Este é o meu filho amado, ouvi a ele. Tal voz autoriza, qualifica e legitima Jesus diante dos ouvintes e leitores do evangelho. Nessa ocasião, está revelada a glória divina de Jesus. Para dar certeza total de quem é o Filho de Deus, quando os três discípulos olham em volta, não há mais ninguém, somente Jesus com eles.
Marcos 9.9: E descendo eles do monte, ordenou a eles para que não contassem a ninguém as coisas que viram até o dia em que o Filho do homem dos mortos ressuscitasse. O texto em foco termina ressaltando o segredo messiânico. A ordem é ficar em silêncio até que ocorra a ressurreição de Jesus Cristo. Os discípulos ainda não conheciam bem Jesus. Não compreendiam sequer o que era esse “ressuscitar dos mortos”. No versículo seguinte, Marcos relata que eles ficaram perguntando uns aos outros o que seria esse ressuscitar dentre os mortos. Apenas a cruz e a ressurreição vão permitir um pleno reconhecimento de Jesus Cristo (Schnelle, 2010, p. 531). O fato de os discípulos não o compreenderem fica evidente em Pedro, que quer montar três barracas e ficar por ali. Sem a paixão, morte e ressurreição, o anúncio de Jesus como o Cristo é incompleto. Aliás, nem mesmo os milagres revelam integralmente quem é Jesus. Por isso várias vezes Jesus ordena que os demônios silenciem quando eles corretamente o reconhecem como Filho de Deus (Mc 1.23-24; 1.32-34; 3.11-12). Tais relatos confirmam que os milagres não são suficientes para compreender e conhecer Jesus. “Uma compreensão integral da pessoa de Jesus não pode limitar sua alteza e glória e eclipsar sua Paixão. Antes, os dois aspectos pertencem a um conhecimento abrangente
de Jesus” (Schnelle, 2010, p. 530). O segredo messiânico visa levar a uma compreensão correta a respeito de Jesus e seu ministério. É a forma como Marcos apresenta a teologia da cruz, sendo ela, nesse primeiro evangelho, o centro.
Não é mais tempo de ficar calado. Cristo foi crucificado, mas não permaneceu morto. Ele ressuscitou! Portanto é tempo de falar. A ordem agora é: Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura (Mc 16.15). Porém, não se trata de sair falando qualquer coisa. Só conhece Jesus a pessoa que o compreende como crucificado e ressurreto. Aí está o centro do evangelho, o centro de nossa fé. Se não o percebemos e reconhecemos dessa forma, corremos o risco de falar bobagens, assim como Pedro o fez.
Para que possamos falar desse Cristo de forma correta, precisamos de espaço de formação. “Subir o monte” para aprender é importante. Temos encontrado tempo, como ministros e ministras, para isso? Os membros têm buscado formação? Estamos oferecendo espaços de formação como igreja, sínodo, paróquia e comunidade? Estamos nos deixando ensinar ou pensamos já saber tudo e saímos falando antecipadamente como Pedro? Como é difícil conviver com quem só quer ensinar!
Precisamos valorizar os momentos de aprendizado, momentos em que ouvimos. Porém, não é permitido montar uma tenda e ficar só contemplando. É necessário descer, praticar, falar, viver diariamente o que de Cristo aprendemos.
É importante participar dos grupos comunitários de leitura e reflexão bíblica, que perpassam a maioria ou todos os nossos encontros. É importante ler dia riamente a Bíblia, mas não podemos guardar esse evangelho como segredo para nós. Pelo contrário, devemos colocá-lo em evidência através de palavras e ações.
O evangelho não está mais encoberto. Cristo venceu o pecado, a morte eo diabo. Foi publicamente proclamado como Filho de Deus. Por isso nós somos convocados a anunciá-lo com clareza. Não pregamos a nós mesmos, nem nos baseamos em discursos morais, filosóficos etc. Nós anunciamos o Cristo vivo que traz em sua face a glória de Deus. Firmes na palavra de Deus, pois a igreja não é apenas pessoas, apenas comunhão de gente, onde eu me sinto bem e confortável! A igreja é a comunhão dos santos onde o evangelho é lido e pregado de maneira pura e onde os sacramentos são administrados de maneira correta. Nessa pureza do evangelho está a teologia da cruz que lembra toda a dor, solidão, tristeza, tortura e crueldade que Cristo passou antes de ressuscitar. Teologia da cruz não é teologia da glória. Quaresma e Sexta-Feira Santa não podem ser deixadas de lado, sob pena de não revelarmos a totalidade de Cristo em nossas pregações.
Algumas sugestões para a prédica: esclarecer os detalhes do texto usando uma linguagem adequada para cada contexto e público; enfatizar a necessidade de aprender e praticar o evangelho que nos é revelado em Cristo, que morreu e ressuscitou por nós; valorizar a oportunidade de ouvir e aprender; deixar claro o motivo pelo qual Jesus pede segredo aos discípulos; reforçar o centro de nossa fé.
Para o final da pregação, proponho contar e mostrar com gestos o texto que segue: Deus ressuscitou Jesus da morte, mas seu corpo continuou com as feridas. Um dos discípulos as tocou, foi Tomé. Por que as feridas? Por que dava para sentir a marca dos pregos com a mão? Será que o recado do evangelho não é o seguinte: para conhecer integralmente Jesus você precisa conhecer também suas feridas? Precisamos compreender que o Cristo ressuscitado é o Cristo ferido. Vivo, mas nunca sarado. Livre da morte, mas marcado por ela. Os surdos têm um sinal em sua linguagem que significa Jesus. O dedo médio de cada mão é colocado no centro da palma da outra mão. Jesus, eles sinalizam, é aquele com as mãos feridas. Quando eles tocam
suas próprias mãos dessa forma, eles lembram, eles sentem o nome dele na sua própria pele (John Vannorsdall). A figura anexa ajuda a compreender.
Outro exemplo que pode ser usado é o da própria cruz. O amor de Deus vem a nós em Jesus Cristo (eixo vertical da cruz: de cima para baixo). Porém, não
quer ficar apenas em nós, quer chegar às outras pessoas (eixo horizontal da cruz: para os lados). Pode-se vincular esse exemplo com o aprender e praticar.
Confissão de pecados: Querido e amado Deus, diante de ti reconhecemos que somos pecadores. Por vezes deixamos de lado a tua palavra e não dedicamos tempo suficiente para aprender de ti. Nem sempre praticamos aquilo que aprendemos. Não te amamos de todo o coração, nem amamos o nosso próximo como a nós mesmos. Por amor de teu filho Jesus Cristo, que revelou seu grande amor por nós na cruz e que ressuscitou para nos dar a vida eterna, nós te pedimos: tem compaixão de nós e perdoa-nos. Amém!
Oração do dia: Senhor, agradecemos o teu imenso amor por nós e pedimos-te: vem nos ensinar através da tua palavra. Que como testemunho da obra de teu Filho Jesus por nós, ela alimente nossa fé em ti e nos fortaleça para um testemunho claro através de palavras e ações. Que a semente do evangelho, lido e pregado, encontre solo fértil em nossa vida para crescer e frutificar, sendo constantemente revigorada pela memória do sofrimento, morte e ressurreição de Cristo em nosso favor. Amém!
HPD 1 n° 44: Na cruz eu quero te saudar
HPD 1 n° 165: Há sinais de paz e de graça
HPD 1 n° 166: Dá-nos olhos claros
HPD 1 n° 200: Cantai e folgai
HPD 2 n° 407: O grão (para a Santa Ceia, se houver)
HPD 2 n° 414: Quem quer cantar do amor
HPD 2 n° 434: Momento novo
POHL, Adolf. Evangelho de Marcos. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 1998.
SCHNELLE, Udo. Teologia do Novo Testamento. Santo André: Academia Cristã; São Paulo: Paulus, 2010.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).