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Advento, tempo de renovação, luz e esperança

 

Proclamar Libertação – Volume 42
Prédica: João 1.6-8,19-28
Leituras: Isaías 61.1-4, 8-11 e 1 Tessalonicenses 5.16.24
Autoria: Odair Braun
Data Litúrgica: 3º Domingo de Advento
Data da Pregação: 17/12/2017

 

1. Introdução

Estamos no 3º Domingo de Advento. A tônica deste tempo é a esperança e a preparação para o novo. A comunidade cristã é desafi ada a levar uma vida de alegria e oração, assim como de ações de graça em vista do que virá. As passagens bíblicas indicadas para as leituras e a pregação apontam nesse sentido. Isaías 61.1-4,8-11 é um texto do período pós-exílico, quando o povo estava em calamidade e sofrimento, diante de incertezas. Ali o profeta fala da ação de Deus que cura, liberta, consola, promove justiça (v. 1-4), faz aliança eterna (v. 8), produz renovo, fazendo o jardim brotar tudo aquilo que se semeia (v. 9). A promessa do profeta é que Deus fará brotar a justiça e o louvor entre as nações. Nesse sentido, a passagem quer fortalecer o povo angustiado e em sofrimento.

Isaías fala de dores concretas na vida das pessoas. Em cada pessoa que encontrava, Isaías via estampada a dor. Essa dor era causada pela guerra e pelos sofrimentos. Por onde passa um exército, fica um rastro de violência, humilhação, fome e morte. As lavouras eram saqueadas e destruídas; as casas, queimadas; as mulheres, violentadas; as crianças ficavam, na maioria das vezes, órfãs. Guerra tem como consequência a destruição da família, da vida e da dignidade. Nesse contexto, a esperança se ausenta. Na época em que o profeta Isaías escreve este texto, a guerra já havia terminado, mas as ruínas, a destruição e, principalmente, a fome ainda eram visíveis.

Isaías foi instrumento de Deus para dar liberdade e esperança a quem estava preso, para quem tinha sido escravizado. Isaías tinha a tarefa de fazer com que as dívidas fossem perdoadas, os bens devolvidos, mas, principalmente, ele era instrumento de Deus para consolar as pessoas que choravam. Este aspecto é o mais marcante no texto: trazer consolo aos enlutados, alegria aos que choram. Isaías era instrumento de Deus para fazer com que as pessoas se tornassem carvalho de justiça para a glória de Deus.

Em 1 Tessalonicenses 5.16-24 observa-se a intenção de encorajar e consolar, razão pela qual se pede por tenacidade, fidelidade e perseverança. Denota-se dessa passagem que é Jesus Cristo quem prepara a comunidade para o dia da chegada. Por isso estamos em tempo de Advento, que antecede o Natal. Neste tempo devemos nos preparar para acolher a criança da manjedoura, que traz uma nova luz aos nossos dias, que faz a esperança reavivar e se fortalecer.

A passagem do evangelho apresenta João Batista pregando o arrependimento como caminho para manter o coração humano devidamente preparado para o novo que virá, como referido nas passagens de leitura. Essa novidade de vida provoca alegria para a qual o Advento conduz e prepara. Por isso as passagens deste domingo apontam que a luz vinda de Deus é mais forte do que as trevas que insistem em ocupar espaço. Advento tem o intuito de preparar nosso agir para evidenciar que Cristo é a luz e que ele traz a luz para o mundo. A pergunta de fundo que deve permear é: como desejamos acolher e “viver à luz dessa luz”?

 

2. Exegese

O Evangelho de João apresenta João Batista, enviado de Deus, ao qual compete testemunhar e falar da luz que vem de Deus (v. 6-8). Ao dar valor e testemunhar sobre a luz de Deus, João Batista acentua o valor da fé cristã. Os v. 19-23 apresentam o que podemos considerar como a primeira parte de um inquérito investigativo, uma interrogação de uma testemunha ou acusado. O ponto fundante dessa investigação é observado no v. 25: por que batizas?

As perguntas formuladas e as respostas dadas fazem recordar um inquérito. De modo contundente se observa João Batista afi rmando que ele não é Jesus. Nos v. 24-28, segunda parte do inquérito, persiste a tônica inquisitiva e João Batista aponta enfaticamente para o senhorio de Jesus (v. 26). É significativo observar que,  no interrogatório, João Batista não permanece calado. Pelo contrário, aproveita a oportunidade, fala e testemunha sobre o significado e a importância de Jesus Cristo. Disse a que veio, sem maiores rodeios.

João Batista enfrenta o interrogatório de modo singelo e humilde. Sobressai a sua personalidade humilde do deserto, vestido de trapos. Ele se alimentava de mel e gafanhotos. Em meio a essa humildade, ele fala de um reino que estava se aproximando. A primeira novidade era a pregação vinda do deserto falando de luz. Deserto é espaço de pouca vida, lugar árido e de dificuldades. Como pode surgir “renovo” desse meio? Sob esse aspecto se pode deixar um questionamento, que pode ser considerado na elaboração da mensagem deste dia: onde hoje se revelam os desertos e o que vemos brotando neles?

João Batista sofre inquérito. Ele é investigado. Isso nunca é algo simples. Um inquérito é sempre momento de tensão, afi nal, em última instância, é a liberdade da pessoa que está ameaçada. Mas, mesmo assim, vemos João Batista respondendo cheio de humildade e sem perder a oportunidade de testemunhar Jesus. Vindo do deserto, de região de pouca vida, sob risco e perigo, ele formula uma pregação que visa proporcionar e incentivar a vida, razão pela qual fala em endireitar os caminhos do Senhor. Portanto observamos que a passagem deste dia faz ver que do lugar de pouca vida, lugar de aridez, surge proposta inovadora que aponta para vida plena, digna e abundante (Jo 10.10).

Olhando atentamente para o texto, observa-se o que já foi anteriormente mencionado, ou seja, o fato de João Batista agir e responder com naturalidade e humildade às questões que lhe eram propostas pelos seus interrogadores. Ele recusa o papel de personagem relevante na história. Está ali para preparar e mostrar o caminho para a salvação. Mas ele não é a salvação. O caminho requer a fidelidade ao Filho de Deus, bem como o seu seguimento com determinação e bravura. Por isso é importante olhar para a humildade de João Batista, observar sua forma de vida, seu jeito de agir e pregar, do qual se percebe um testemunho prático, assim como se observa nas orientações contidas em 1 Tessalonicenses 5.16-24.

A forma do inquérito ao qual João Batista é submetido deixa evidente que as lideranças religiosas daqueles dias estavam preocupadas com a ação daquele personagem vindo do deserto e, especialmente, com o conteúdo de sua mensagem. Olhando o texto, observamos que as três primeiras perguntas feitas recebem respostas negativas. Na quarta questão apresentada, João Batista afirma enfaticamente: Sou a voz do que clama no deserto (v. 23). E essa voz prepara o caminho de Deus em nosso meio.

O texto de pregação, conjugado com as passagens de leitura, oferecem um amplo leque de possibilidades para a mensagem deste dia. Não se deveria fugir do pano de fundo dos textos deste dia, no qual está colocada a presença de Deus que deseja ser luz e orientação para o seu povo. Aceitar essa luz e orientação requer se submeter a determinadas recomendações, assim como visto em 1 Tessalonicenses, bem como entender que é Deus que vem ao nosso encontro para que tenhamos orientação, esperança, consolo e fé, a fim de seguir na jornada.

 

3. Meditação

O tempo de Advento apresenta a voz de João Batista que clama do deserto e que afi rma vir para preparar o caminho. Essa voz e seu clamor visam proporcionar renovação, retirando-nos das trevas e apontando para a luz ofertada pelo Senhor da vida. Por isso Isaías 61.1-3,10-11 afi rma um novo tempo, no qual deverá reinar a justiça, forte como um carvalho. Também em vista disso observamos que 1 Tessalonicenses 5.16-24 expõe recomendações variadas para o dia a dia comunitário. Essas recomendações apontam para a oração, para a vida em alegria e para a necessidade de ter gratidão. Esse tripé não pode ser esquecido jamais por uma pessoa cristã. Esse tripé deve ser o alvo de nossa caminhada comunitária. E esse tripé não é algo válido para alguns escolhidos. Ele representa o desejo de Deus para a sua criação. No Castelo Forte de 2017, na meditação do dia 21 de maio, lemos esta palavra de Lutero: A igreja na terra precisa estar e lutar em fraqueza, miséria, pobreza, medo, morte, humilhação e vergonha. Pois a situação de aperto certamente fará com que você saia de si mesmo e deixe de confi ar em orientação, ajuda e força de pessoas, e tenha Cristo no coração e considere o seu nome, a sua Palavra e o reino de Deus as coisas mais importantes e valiosas do mundo.

Pressupõe-se que João Batista, com a sua mensagem vinda do deserto, tenha oportunizado esperança e renovo para o povo do seu contexto. Advento, tempo de preparação, conduz pela mesma vereda. Advento visa preparar para celebrar o novo, o nascimento de Jesus, razão da nossa esperança. Com sua mensagem vinda do deserto, João Batista se torna propulsor da luz de Deus e da proposta de seu reino. Esse ato de ser propulsor do novo se dá por meio do testemunho humilde de João Batista. Como nós testemunhamos? Com ousadia? Como nós nos preparamos?

O testemunho dado por João Batista pode ser interpretado no sentido de que a salvação não é alcançada por ação/obra humana, mas é obra de Deus. Em vista disso ele chama ao arrependimento, sendo esse o caminho indicado para estar preparado para a chegada do reino de Deus. Por isso nos referimos ao Advento como um novo tempo, uma nova oportunidade para buscar mudanças que perpassem a vida pessoal e comunitária. Porém, esse novo não pode ser esquecido assim que passou a festa do Natal. Esse novo deve permear o caminhar e o agir no novo ano que se coloca no horizonte,  com seus desafios e suas possibilidades.

Na mensagem do dia não se deveria deixar de apontar para o fato de João Batista ter ciência de seu papel no plano de Deus, plano esse que era preparar o caminho, apontar para possibilidades e desafi os, mostrar meios e formas sob as quais seguir na jornada. João Batista fala em aplainar, em outras versões, em endireitar os caminhos. Também em nossos dias, o Advento aponta para isto: precisamos pôr em ordem aquilo que não está bem. Precisamos promover acertos, reconciliações e formas de caminhar juntos em diálogo e respeito. E, lamentavelmente, vemos nos últimos tempos debates e embates de posições políticas, teológicas, econômicas, de ideologia, onde lados se enfrentam, perdem a razão, perdem o respeito e pouco avançam. Vemos pessoas se encastelando à frente de seu celular ou computador e dali disparam mensagens, críticas, agressões de diferentes matizes, como se esse fosse um caminho para mudança e transformação. Logo, não há como fugir do questionamento: como vivo o tempo de Advento e como me preparo para a celebração do Natal? Como desejo enfrentar o novo ano que Deus já coloca no horizonte? Quais as alegrias e esperanças que são luz nessa caminhada?

Os textos bíblicos incentivam, exortam e apontam para a necessidade de buscar e estar vigilante, em oração, sóbrio e com a alegria que a fé proporciona. 1 Tessalonicenses 5.16-24 é um roteiro para a pessoa cristã seguir, se portar e agir ao longo de sua jornada neste mundo. Esse roteiro tem o intuito de preservar nossa integridade para a vinda do Senhor. É importante viver focado em Deus, em Jesus Cristo e no Espírito Santo, permitindo que a Trindade conduza e oriente os nossos passos e nossa ação. Advento é o tempo especial no qual se destaca que Jesus Cristo é o caminho certo, que a oração e preparação são fundamentais para estar apto a seguir confiante.

 

4. Imagens para a prédica

A caminhada de uma comunidade cristã deve sempre almejar o testemunho da Boa-Nova e suas implicações. João Batista surge do deserto, em posição de humildade e a partir disso prepara o caminho para a vinda de Jesus. Assim, ele se colocou como protagonista e servo de Deus. Como fazemos isso hoje em nossa comunidade? Advento é tempo especial de rememorar a comunidade do fato de termos que agir e nos portar para sermos testemunhas exemplares de Deus em nosso meio. A estrutura da mensagem deste dia poderia ser formulada em torno de:

a) A humildade de João Batista. O que aprendemos dela? Apontar para a simplicidade de João Batista, suas origens, o inquérito sofrido e a sua conduta humilde, sem deixar de dar testemunho contundente de Deus. Como comunidade, conseguimos agir assim?

b) A salvação não pode ser comprada, não é alcançada por nós mesmos. Ela não é produto de comércio. Poder-se-ia fazer referências ao uso do Evangelho para alcançar poder e finanças fartas, fazendo ver que a proposta do Reino é distinta e que como comunidade temos um papel nessa tarefa.

c) Onde e como damos o nosso testemunho e como ele transforma? Exemplificar com ações práticas do contexto comunitário, mostrando de que forma é possível promover transformação, sendo luz de Deus para a transformação do meio.

d) Somos colaboradores de Deus na proposta do Reino. Advento quer nos deixar preparados para tal. Deus jamais deixou o seu povo abandonado. Ele veio ao longo da história e continuará vindo e orientando na caminhada, razão pela qual estamos às vésperas da celebração do Natal.

 

5. Subsídios litúrgicos

Acolhida: Vimos a terceira vela da coroa de Advento ser acesa. Sabemos que neste período celebramos a vinda do Jesus menino e também celebramos a espera pela segunda vinda de Jesus em glória e poder. Mas será que nós queremos celebrar somente isso? Ou também podemos celebrar a nossa vida? Um poema de um autor desconhecido, intitulado Meu Mundo, afirma:

Saio pelas ruas e o que vejo?
O reflexo do que há no mundo, do que marca a humanidade.
A fome bate à porta e invade a vida das pessoas.
A violência interrompe vidas jovens sem piedade.
As drogas, a bebida, destroem lares.
O desemprego está estampado no rosto do povo,
enquanto cifras estão estampadas nos olhos dos corruptos.
Nos jornais, o sangue escorre por entre manchetes catastróficas.
O povo está acorrentado a uma realidade que só não vê quem não quer.
A corrente machuca as mãos e transforma a vida numa prisão,
nesta terra onde muitos têm pouco e poucos têm tudo.
No rosto se vê estampado o desejo pela mudança e ela depende de nós.

Pregação: O poema a seguir pode ser usado na pregação:
Transformemos o mundo num mundo de paz,
com justiça e direitos iguais.
Onde não haja ódio ou cobiça,
e a morte da identidade humana não seja celebrada com a vitória da vida.
Um mundo onde o sangue não seja o troféu dos que se dizem mais poderosos.
Onde os lares sejam reconciliados
e todos tenham seus direitos respeitados.
Que cada um possa ter seu próprio sustento e a corrupção que impera seja
substituída pela conscientização.
Que ao invés de muitos terem pouco ou quase nada, que todos tenham tudo
que necessitam.
Que as armas se tornem flores, os canhões arbustos, e as algemas e correntes
que prendem vidas sejam jogadas para longe.
Que todos possam andar juntos como uma única nação, de mãos dadas se
colocar ao redor do mundo.
E lançar a fé, a esperança e o amor e que todos vivam unidos como irmãos
e irmãs. (autoria desconhecida)
Bênção: Senhor, tu que és a fonte da bênção, abençoa-nos. Tu que és a fonte da
força, fortalece-nos. Tu que és a fonte do amor, anima-nos para amar todas as
criaturas e a, confiantes, seguir teus caminhos. Amém.

 

Bibliografia

CHAMPLIN, R. N. O NT interpretado versículo por versículo. Lucas e João. São Paulo: Hagnos, 2002.
BLANK, J. O Evangelho Segundo João. Petrópolis: Vozes, 1990.

 

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Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).