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Olhar as pessoas pelo que elas sofrem

 

Proclamar Libertação – Volume 43
Prédica: Lucas 1.68-79
Leituras: Malaquias 3.1-4 e Filipenses 1.3-11
Autoria: Teobaldo witter
Data Litúrgica: 2º Domingo de Advento
Data da Pregação:  09 de dezembro de 2018

 

1. Introdução

Deus ouve, toma decisões, tem lado, fala e age. Na postura comportamental divina, testemunhada pelas Sagradas Escrituras, duas temáticas estão interligadas. A primeira é sobre as dores humanas: do que as pessoas estão sofrendo? A segunda é sobre o que fazer com as dores: que postura Deus toma? Do lado humano, predomina a insensibilidade diante do sofrimento de outros seres. Do lado divino, predomina, existencialmente, o amor, isto é, “vontade de ter comunhão com as pessoas que sofrem” (Bonhoeffer, 2003, p. 35). Advento nos traz à memória a vontade, no sentido da prática da justiça da fé, de Deus se tornar ser humano, visitar e libertar suas criaturas. Deus encarnou no mundo por causa da condição e das dores humanas.

Os textos falam dessa compaixão de Deus e de sua atitude de visitar e redimir o seu povo. Referindo-se ao passado, ao presente ou abrindo horizontes para o presente ou futuro, Deus ouve e fala. Cada um em seu específico, os três textos falam do futuro e falam de advento. Mas não o fazem sem referência, mesmo de forma sub-reptícia, ao passado e ao presente. Malaquias 3.1-4, referindo-se ao passado, lembra a aliança. Essa, por sua vez, puxa a memória da libertação, do caminho pelo deserto e da comunhão com Deus. No presente, Deus envia seu mensageiro. Ele vem, mas sua mensagem será dura: Quem poderá suportar o dia da vinda do Anjo da Aliança? (v. 2). O mensageiro do Senhor anunciará que vai haver purificação, ou seja, mudanças profundas na mente e no coração para que haja ofertas justas ao Senhor (v. 3).

Lucas 1.68-79 descreve a alegria, o júbilo e o louvor de Zacarias porque Deus se lembrou de sua santa aliança, visitou o seu povo e está prestes a redimi-lo (v. 68s). Com seu filho João nos braços, ele dá glória a Deus, porque o menino será chamado de profeta do Altíssimo, que vai preparar a vinda do Deus Salvador. A palavra realizará profundas mudanças no comportamento humano. Então haverá adoração a Deus sem medo, em santidade e justiça (v. 75), porque graças à entranhável misericórdia divina o povo receberá conhecimento da salvação e remissão dos pecados (v. 77s).

Em Filipenses 1.3-11, o apóstolo reafirma sua certeza de que Deus, que iniciou a boa obra em meio ao povo, vai concluir a missão até o Dia de Cristo Jesus (v. 6).

Nesses pontos de aliança, da queda humana, da promessa de restauração e salvação, do envio de mensageiro, da preparação do caminho da vinda do Senhor e da realização da obra divina no nascimento, vida, morte e ressurreição de Jesus, os três textos se complementam.

 

2. Exegese

2.1 – O cenário: duas mulheres e duas crianças (Lucas 1.1 – 2.40)

Lucas brinca com as palavras, as histórias, os cenários e personagens. Primeiramente, ele dá credibilidade e cientificidade aos seus relatos. Informa ao seu amigo Teófilo, a quem escreve, que fez uma “acurada investigação” (Lc 1.3) de tudo desde sua origem para informar, por escrito, para que ele possa ter certeza daquilo que lhe fora ensinado (Lc 1.1-4).

Em seguida, informa sobre um casal, Zacarias e Isabel. Localiza-o no tempo, no espaço, na cultura, sua ética, sua dedicação a Deus. E diz que o casal não tem condições de gerar filhos (Lc 1.5-7). Zacarias vai ao templo, como era seu costume sacerdotal. Recebe ali a visita do anjo Gabriel, que lhe diz: Não temas, tua oração foi ouvida (v. 13). Gabriel noticia que o casal terá um filho. Zacarias deverá dar o nome João ao filho. Zacarias duvida das palavras de Gabriel e fica mudo. E só por acenos podia se comunicar. Isabel engravida, fica muito feliz e se oculta por cinco meses (Lc 1.8-25).

Entra em cena uma outra mulher, chamada Maria, que recebe a vista do anjo Gabriel em Nazaré, uma cidade da Galileia. Maria era uma mulher jovem e solteira, prometida em casamento para um rapaz chamado José. Ela se assusta com a saudação do anjo. Esse diz: Maria, não temas, porque achaste graça diante de Deus (v. 30). O anjo informa sobre a concepção de Maria, a origem e a missão do Filho de Deus. Informa que sua parenta Isabel está no sexto mês de gestação, e que para Deus nada é impossível. Maria se coloca à disposição do Altíssimo. E o anjo se ausenta.

Maria sai da Galileia e vai para a região montanhosa de Judá. Entra na casa de Isabel e Zacarias. Já na saudação, a criança no ventre de Isabel se alegra com a presença de Maria. Isabel a reconhece como a mãe do meu Senhor (v. 43). E diz que Maria é a bem-aventurada, porque as palavras de Deus serão cumpridas. Então temos um dos mais lindos e significativos cânticos, o Magnificat, o cântico de Maria. Maria permanece por três meses nas montanhas, na casa de Isabel, até voltar para sua casa (Lc 1.39-56).

De Isabel nasce João Batista. Vizinhos e parentes se alegram e são solidários com a família. Entenderam que Deus está sendo misericordioso com o casal. A escolha do nome do menino causa discussão. Todos queriam dar a ele o nome do pai: Zacarias. A controvérsia termina quando Zacarias, até então mudo, escreve o nome da criança: João. Então se destravou a sua língua. E todos ficaram possuídos de temor, na expectativa sobre o futuro desse menino, porque entenderam que algo de maravilhoso estava acontecendo. Zacarias recuperou a fala. Temos então o Benedictus, o cântico de Zacarias. Por fim, diz-se que o menino crescia, se fortalecia e vivia nos desertos até a hora de ser manifestado a Israel (v. 57-80).

No capítulo 2, no fechamento desse círculo das duas mulheres e duas crianças, no cenário muito lindo construído por Lucas, há nascimento e cânticos. De Maria nasce Jesus, numa estrebaria, na manjedoura, com descrição do tempo e do espaço. O cântico dos anjos, testemunho dos pastores, circuncisão e apresentação de Jesus, no templo, cântico de Simão, profecia de Ana a respeito do menino. Depois, Maria, José e o menino voltam para casa, na Galileia. Ali, crescia o menino Jesus e se fortalecia, enchendo-se de sabedoria. E a graça de Deus estava sobre ele (Lc 2.1-40).

No início escrevi que Lucas brinca com as palavras, as histórias, os cenários e personagens. Agora posso dizer que ele, na “boniteza” de um texto, construiu um fabuloso mosaico para fazer a narrativa do fato que mudou o mundo, a sociedade, as pessoas, a visão humana, isto é, Jesus Cristo é a encarnação de Deus no mundo.

2.2 – Contexto imediato de Lucas 1.68-79

No contexto atual, Lucas 1.67-79 é um enxerto explicativo do v. 64. O texto explica o motivo das maravilhas que cercam João Batista desde o anúncio do seu nascimento, quando o pai emudeceu até o nascimento e a escolha do nome do menino, João, quando Zacarias fala novamente. Zacarias, na escolha do nome da criança, recupera a fala. Após o texto vem o relato do nascimento de Jesus. Com o paralelismo entre o Magnificat e o Benedictus, por um lado, e a história do nascimento de João e o de Jesus, por outro, Lucas consegue, também formalmente, subordinar João e a sua obra a Jesus e à obra deste.

2.3 – Texto da pregação (Lucas 1.68-79)

Concordo com Molz (1982, p. 8), quando afirma que o texto se divide em duas cenas:

a) A primeira parte (v. 68-75) é um salmo de louvor que relata o ato salvador de Deus. Este visita, liberta e desperta o Messias. Ele é o Deus de Abraão, dos pais, dos profetas, das promessas e seu cumprimento. Essa primeira parte conclui com o alvo do processo de libertação: uma comunidade, livre de medo, presta culto ao seu Deus em santidade e justiça.

b) A segunda parte (v. 76-79) é, formalmente, um hino comemorativo ao nascimento de uma criança, mas, de conteúdo, é uma profecia que anuncia a  salvação. Compõe-se de duas partes:

– Os v. 76-77, 79b se referem à criança, filho de Isabel e Zacarias. João é o menino chamado profeta do Altíssimo. Ele precede o Deus Conosco, Emanuel (Mt 1.23). Vai ensinar sobre a salvação, dar ao povo o conhecimento e pregar a remissão dos pecados.

– Já os v. 78,79a relacionam e submetem João, tematicamente, a outra criança, ao filho de Maria, Jesus Cristo.

A subordinação de João a Jesus resulta na “característica principal do texto, cujo tema maior não é João Batista, mas acaba sendo o seu relacionamento com Jesus Cristo. João é definido como profeta do Altíssimo, que é Deus, e como precursor e preparador do caminho do Senhor. Segundo Molz, “em seguida, o texto parece se referir indiretamente à atividade que os sinóticos atribuem a João: ele prega salvação através do perdão dos pecados e conduz o povo para o caminho da paz”. Através dos v. 78,79a, no entanto, o autor consegue fazer ver que o sol ainda não raiou no meio da escuridão e da sombra da morte, mas que o seu mensageiro (João) já chegou, e que logo mais virá o Filho de Deus (Jesus), que realizará e consumará a libertação plena que fora anunciada e prometida. O cântico de louvor de Zacarias traz uma série de expressões que se relacionam com o Antigo Testamento. É mais um hino de louvor ao Messias Jesus do que um canto dirigido a João Batista, segundo Lichtenfels (1979, p. 4).

V. 67 – Aqui, no ponto alto da narração sobre o nascimento de João, acontece uma inserção. A boca de Zacarias se abre (v. 64) e, em sua exaltação a Deus, a seguir, ele se mostra cheio do Espírito de Deus e como profeta.

V. 68-75 – Esse cântico de louvor chama-se Benedictus. Na primeira parte do hino (v. 68-75), constatamos os mesmos traços típicos de um hino escatológico, como no Magnificat (Lc 1.46-55), segundo Lichtenfels. Também aqui o futuro é relatado como presente. O povo, cuja salvação já inicia, é o povo de Israel. Isso, porém, não tira a hipótese de uma salvação universal. A salvação aparece como libertação política (v. 71 e 74). O cântico é um salmo que fala, de modo geral, da ação de Deus através do envio do Messias. Toda ansiedade de um povo tem fim porque Deus cumpre as promessas dos profetas. A necessidade externa é entendida, ao mesmo tempo, como necessidade de fé. Se com a ação do Messias cair a carga externa e interna de Israel, então, esse pode servir a Deus em santidade e justiça, ainda segundo Lichtenfels. O resultado de tudo isso será o governo de Deus. É isso exatamente que Deus faz, através do descendente, do rebento da casa de Davi: Jesus Cristo.

V. 76-79 – A segunda parte do Benedictus é uma profecia sobre a tarefa para a qual Deus designou o menino João. João é chamado, no v. 76, de “profeta do Altíssimo”. No entanto, apesar do pleno poder concedido a Jesus (1.32), ele sempre estará a serviço de alguém maior (Deus).

V. 79 – Somente o Messias pode ser chamado de o Sol nascente das alturas. Essa expressão quer mostrar a magnitude do filho de Deus. As expressões, no fim do cântico, ratificam essa afirmação: para alumiar aos que estão nas trevas e na sombra da morte, para dirigir os nossos pés pelo caminho da paz.

Como no cântico de Maria, aqui tudo está conectado à magnificência de Deus, prometida no descendente da casa de Davi, afirma Lichtenfels. O povo terá o conhecimento da salvação através do seu agir, perdoando-lhes os pecados. O tempo de salvação iniciou, mas se desdobrará por completo quando o Messias iniciar, aberta e publicamente, a sua obra plena.

 

3. Meditação

3.1 – Um dos bons legados do ensino de Dietrich Bonhoeffer é a comunhão que Deus permite entre seres humanos, nas dimensões da ética, da fé, da sociologia, da filosofia, da política, da antropologia. Diante da situação dos sofrimentos humanos provocados pela guerra, ele propõe uma leitura nova, não a partir das decisões judiciais, mas da justiça. Enquanto decisões legais do judiciário significam poder, a justiça, pelo contrário, significa igualdade. Para chegar ao entendimento, precisa rever conceitos e aprendizagens. Segundo ele, “continua sendo uma experiência de valor incomparável termos aprendido a olhar os grandes eventos da história do mundo a partir de baixo, da perspectiva dos excluídos, dos que estão sob suspeita, dos maltratados, dos destituídos de poder, dos oprimidos e dos escarnecidos, em suma, dos sofredores” (2003, p. 43).

Ainda segundo Bonhoeffer, temos que olhar as pessoas por aquilo que elas sofrem. Nessa compreensão, “a única relação fecunda com as pessoas e,  especialmente com as fracas, é o amor, isto é, a vontade de ter comunhão com elas” (2003, p. 35). Ser solidário com elas significa entrar na dimensão de  suas dores.

O sentido da reflexão de Bonhoeffer perpassa os textos bíblicos que fundamentam teologicamente a mensagem. São duas mulheres que se encontram e se visitam em sua gravidez (Maria e Isabel), e o pai de uma das crianças, Zacarias, que percebe que das pessoas sofredoras Deus suscita conhecimento e salvação.

3.2 – Lembramos que o calendário cristão nos coloca no segundo domingo de Advento. É também o Dia da Bíblia e o Dia da Declaração Universal dos Direitos Humanos. É uma época muito movimentada. Acontecem formaturas nas escolas e faculdades. São realizados encontros de Advento e encontros de confraternizações de fim de ano. São tantos convites que nem é possível atender a todos. Fico sempre triste quando alguém convida e estou impossibilitado de participar. Bom é que a comunidade participa dos encontros e cultos de Advento. É uma época agradável e bonita de convívios humanos. E cada pessoa tem a sua motivação própria. Apesar do estresse próprio da época, as pessoas geralmente se cumprimentam mais, alegram-se, “baixam a guarda” e brigam menos. A época é muito pacífica. E tem gente que se aproveita disso, vende muito e engana pessoas desatentas. Basta lembrar que no dia 13 de dezembro foi assinado o Ato Institucional Nº 5 (AI 5), que arrasou o povo brasileiro com atitudes de poder que nos atormentaram por décadas, citando um exemplo. Então, nessa alegria, a vigilância deve continuar.

As pessoas que participam do culto de Advento, muitas vezes, estão sendo motivadas, em grande parte, pela esperança que essa época do Ano da Igreja traz consigo. É uma esperança geral, não só cristã, difusa e indefinida, entre saudade do passado e esperança por dias melhores e pela possibilidade de encontros e passeios. Esse processo é repetido ano após ano, acabando por trocar a alegria que a pessoa teve como criança por conformismo na fase adulta. Nesse contexto parcial da vida moderna, a Bíblia traz a vida de duas mulheres e duas crianças e o Benedictus de um homem, Zacarias, muito feliz e agradecido.

3.3 – Ao informar o nome da criança, Zacarias tem sua língua destravada e diz: Bendito seja o Senhor. E enumera o motivo da bendição: Deus visitou o seu povo. A visão básica de visitação do povo de Israel é aquela do Êxodo: Deus visita o seu povo escravo, ouve o seu clamor e o tira da opressão no Egito. Trata-se de uma visitação que socorre e liberta de uma situação de injustiça, imposta por pessoas ou  pelo poder dominante (Êx 3.16). Deus ouviu a aflição do povo e cuidou dele (Êx 2.23-25). Zacarias recebe a visita de Deus através do anjo. Ele recebe a mensagem: Não temas, porque a tua oração foi ouvida (Lc 1.13), diz o anjo Gabriel. Deus, ao ouvir a oração de Zacarias, envia um mensageiro para informar e preparar o acontecimento em função do cumprimento da promessa divina.

Deus não é estático; ele está em movimento. É Deus quem ouve orações e clamores e que cumpre suas promessas de vida e salvação. Não é Deus da lei, mas Deus do amor. É Deus misericordioso (Lc 1.50,72,78). Maria e Zacarias exaltam esse Deus misericordioso, que ouve, visita e fala. A visitação sempre tem em vista a salvação, mesmo em situações pecaminosas, quando o povo precisa de arrependimento, ou seja, mudança de mentalidade e de postura. No Egito, Deus ouviu o clamor dos sofredores e fez uma visitação para que o povo fosse libertado de uma opressão provocada por estruturas e pessoas opressoras. No exílio babilônico, Deus anuncia sua presença por causa dos pecados do povo e para que ele fosse libertado das maldades provocadas contra Deus e contra o próximo. É uma visitação de correção que visa purificar o povo e fazê-lo voltar à antiga aliança com o seu Deus. Se no Egito Deus lutava mais contra forças militares, forças opressoras, no tempo do exílio ele luta mais contra o desvio de conduta dos líderes e do óprio povo (Jr 5.9). Aqui, no texto de Lucas 1.68, é dito que, em Jesus, Deus vem visitar o seu povo para libertá-lo das mãos dos inimigos e dos que odeiam (Lc 1.71). E, pelo menino que é o precursor, pregar conhecimento da salvação e redimi-lo dos seus pecados (Lc 1.77). Deus cumpriu sua promessa: visitou, libertou, redimiu o seu povo e estabeleceu salvação plena e definitiva através de Jesus Cristo, segundo a proclamação dos profetas. Nossa salvação está contida no perdão dos pecados, na bondade e na graça de Deus para conosco.

3.4 – Jesus veio para reconciliar os seres humanos com Deus, consigo mesmo e uns com os outros. Ele cria comunhão. Na comunhão não há os que sabem tudo, ninguém vale pelo que possui ou não possui. Jesus não vem para os dominadores nem para os que se acham sãos. Jesus Cristo vem, graças a Deus, para os ignorados, preteridos, fracos, oprimidos e injustiçados, para os que estão nas trevas e na sombra da morte. Ele vem para dirigir nossos pés pelo caminho da paz. Sigamos juntos e juntas!

3.5 – Na época de Advento e Natal as pessoas se aproximam mais. Decidem colaborar mais, apoiar materialmente pessoas empobrecidas, doentes e que estão em situação de vulnerabilidade. Participam mais dos encontros de sua comunidade. Há mais solidariedade. A manjedoura de Jesus Cristo ajuda-nos a pensar na fragilidade e no sofrimento. Valorizamos as pessoas não por aquilo que elas têm, mas por aquilo que elas são. Nem por aquilo que elas fazem ou deixam de fazer. Os sofrimentos delas sensibilizam. E a vontade de estar com elas, em meio às dores humanas, é o lance principal da vida.

 

4. Imagens para a prédica

Dietrich Bonhoeffer foi pastor luterano e um dos principais mártires do regime nazista na Segunda Guerra Mundial. Por causa da pregação e da postura contrária a esse regime, foi preso e executado. Foi pastor de comunidades e professor em seminários e universidades. Na pregação no Primeiro Domingo de Advento, no dia 03 de dezembro de 1933, numa comunidade da Alemanha, ele fez a seguinte reflexão: “Vocês sabem o que é um acidente em uma mina. Nas últimas semanas, lemos sobre o assunto nos jornais [i. é, grave acidente numa mina em Wales]. Chegou o momento que até o mineiro mais corajoso temia durante toda a sua vida. Não adianta bater contra as paredes. Em redor tudo é silêncio. Ele sabe que lá em cima eles trabalham febrilmente em busca dos que estão soterrados. Talvez alguém seja salvo, mas aqui neste poço? Restam apenas uma espera desesperadora e a morte. Mas quando, de repente, se consegue ouvir um ruído semelhante a batidas e de rochas quebrando, e quando, em seguida, vozes chamam: Onde você está? A ajuda está chegando! – o desesperado se levanta, seu coração ameaça saltar-lhe do peito e ele grita: Estou aqui, me ajude! Eu aguento até que vocês cheguem! Venham logo! Mais uma batida de marreta junto ao seu ouvido e a salvação está próxima; mais um passo, e ele está livre. Estamos falando do Advento. Parecido com isso é a chegada de Cristo: ‘[…] exultai e erguei a vossa cabeça; porque a vossa redenção se aproxima (Lc 21.28bc)’” (Bonhoeffer, 2003, p.13).

Com quem se fala assim? Pensem em prisioneiros. Em doentes no hospital. Naquela pessoa que tem um segredo que a atormenta e não consegue mais dormir. Naquela pessoa que errou e que queria ser perdoada, mas seus tormentos são tratados com indiferença. E elas gritam: Sim, vem, ó Salvador! Vem nos libertar!

 

5. Subsídios litúrgicos

Kyrie

Muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo (Tg 5.16b). Perdoados, humanizados e reconciliados por Deus, queremos, agora, lembrar-nos e trazer diante do Senhor as dores do mundo. Pedimos a Deus pelas pessoas que vivem na escuridão, são escravizadas pelo medo, pela violência, pela escuridão da ignorância, pelo poder, por ameaças, pela fome, pelo desemprego, pelos diversos tipos de drogas, por seus problemas não resolvidos e pelas doenças, pelos seus remorsos e rancores. Pensamos, especialmente, nas mães e crianças que estão em situações de vulnerabilidade. Deus, colocamo-nos à tua disposição para ser apoio solidário para as pessoas que são vítimas. Que o Senhor esteja com elas ali onde se encontram, quer seja em nosso município, estado, país e mundo. Dá-lhes, Senhor, a felicidade e a vida digna.

Gloria in excelsis

Está alguém alegre? Cante louvores (Tg 5.13c). Bendito seja Deus (Lc 1.68). Podemos e devemos nos alegrar com Deus. Damos sempre graças a Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, quando oramos por vós, desde que ouvimos da vossa fé em Cristo Jesus e do amor que tendes para com todos os santos (Cl 1.3-4). Minha alma engrandece ao Senhor (Lc 1.46). Nós, certamente, estamos felizes, porque Deus escuta nossas orações, súplicas e nossos motivos de agradecimentos e louvor. Queremos reconhecer, agradecer, dar glória e louvor ao Senhor com as palavras de gratidão e alegria, junto com Maria e Zacarias, cantando todos juntos o gloria [HPD 2, 346].

Oração do dia

Deus, tira de nós e ao redor de nós tudo o que atrapalha nosso ouvir com atenção e cuidado. Prepara nossa mente, nossos pensamentos, nosso coração, nossos sentimentos para este momento de leituras e pregação da tua santa Palavra. Nós te agradecemos porque o Senhor nos convidou e conduziu até aqui, neste lugar, para o culto, para nos perdoar e ensinar no nosso preparo para o encontro definitivo, completo e eterno. Pedimos que tu nos envies o teu Santo Espírito. Sê presente, pela ação do teu Espírito, no cotidiano de todas as pessoas que se encontram aqui no culto. Assiste-nos com tua bondade e criatividade neste momento. Isso te pedimos em nome de Jesus Cristo, que contigo e o Espírito Santo vive e governa agora. Amém.

Confissão após pregação

(Para ser lido em dois grupos, alternando 1 e 2.)

1. De bons poderes fiel e em paz cercado, tranquilo, consolado, sem pesar, ao
vosso lado nestes dias quero estar, convosco em ano novo entrar.

2. Bendito seja Deus, porque ouviu o clamor, visitou e salvou seu povo.
Bendito seja Deus, porque suscitou plena e grande salvação na nossa casa.

1. Maravilhosamente bem guardados, confiantes esperamos o porvir. De
noite e dia em Deus aconchegados, e assim em cada dia que surgir.

2. Bendito seja Deus, porque nos libertou dos inimigos e dos que odeiam.
Bendito seja Deus, porque nos concedeu liberdade e adoração sem medo.

1. Ainda nos oprimem dias idos, fantasmas do passado sobrevêm. Ó Deus,
concede às pessoas desvalidas a salvação que guarda lá no além.

2. Bendito seja Deus, porque nos concedeu um menino chamado “profeta do Altíssimo”.
Bendito seja Deus, porque recebemos sua entranhável misericórdia.

1. E caso o amargo cálice servires, de sofrimento a transbordar, então mui
gratos, sem tremer, conforme o queres, o recebemos de tua boa mão.

2. Bendito seja Deus, porque de nós cuida com afetos de bondade.
Bendito seja Deus, porque nos deu conhecimento da justiça e da salvação.

1. Porém, se queres dar-nos alegrias no mundo, ainda, com o seu fulgor,
então lembrar queremos idos dias, e a vida tua só será, Senhor.

2. Bendito seja Deus, porque o “Sol da Justiça” nos visitará.
Bendito seja Deus, porque alumia quem jaz nas trevas e na sombra da morte.

1. E que ardam hoje cálidas as velas que vieste em nossas trevas acender. E
a todos nós reúne – que o concedas! A noite tua luz há de vencer.

2. Bendito seja Deus, porque dirige nossos pés pelo caminho da paz. Bendito
seja Deus, porque nos encontra no rio da justiça que não morre.

1. E quando agora a calma nos envolve, do mundo ouçamos o celeste som
que imperceptível sobre nós se estende, das filhas tuas a glória em alto tom.

(Hino de Dietrich Bonhoeffer, na prisão, dia 19/12/1944, baseado em Lucas 1.68-79)

 

Bibliografia

BONHOEFFER, Dietrich. Resistência e submissão: cartas e anotações escritas na prisão. São Leopoldo: Sinodal; EST, 2003. p. 638.
LICHTENFELS, Ivo. Meditação sobre Lucas 1.67-79. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal; EST, 1979. v. V.
MOLZ, Claudio. Meditação sobre Lucas 1.67-79. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal; EST, 1982. v. VIII.

 

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Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).