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CARTA À NAÇÃO BRASILEIRA

Eis que estou com vocês todos os dias até o fim dos tempos. (Mateus 28.20)

 

 

Saudações à Nação Brasileira!

No ano em que celebra o bicentenário das primeiras Comunidades evangélicas em solo brasileiro, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil se dirige à nação brasileira com muito respeito, alegria e esperança.

Foi em maio de 1824 e em julho daquele ano que desembarcaram no Brasil as pessoas que iriam constituir as primeiras Comunidades evangélicas luteranas no nosso país. O grupo de maio subiu a serra fluminense e se estabeleceu em Nova Friburgo. O grupo de julho seguiu viagem mais para o Sul e, pelo Rio dos Sinos, atracou em São Leopoldo, solo gaúcho. Reconhecemos que a prática de fé daquelas famílias constitui a primeira organização comunitária luterana em terra brasileira. O primeiro ofício religioso foi o sepultamento do filho do Pastor Friedrich O. Sauerbronn, em 3 de maio de 1824, em Nova Friburgo/RJ. A mãe da criança falecera e fora sepultada em alto mar, durante a viagem de travessia.

A Reforma Protestante do século XVI originou a família confessional luterana, em virtude de que um de seus principais proponentes foi Martim Lutero (1483-1546), monge agostiniano, doutor em teologia. Dos muitos ensinamentos daquele movimento, um dos mais importantes foi a necessidade de retornar às raízes bíblicas da fé. Antes de doutrinas, dogmas ou bulas papais, é na Bíblia que se encontram os ensinamentos, as orientações e as palavras de salvação, que é um presente de Deus às pessoas que creem. A afirmação central da Reforma está baseada na carta do apóstolo Paulo aos Romanos 1.17, Porque a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: “O justo viverá por fé”.

Para Martim Lutero, a leitura da Bíblia e a compreensão das Escrituras eram essenciais para que cada pessoa desenvolvesse uma fé pessoal e madura. Lutero também acreditava profundamente que a fé cristã era inseparável do conhecimento. Por isso, defendia a educação universal, tanto de meninos quanto de meninas, algo revolucionário para a época. Também as famílias que vieram ao Brasil trouxeram consigo esta premissa, que ainda hoje é uma das características da IECLB, de que tão importante quanto a igreja é a escola. Hoje, 70 unidades escolares de educação básica e sete faculdades, ligadas confessionalmente à IECLB, continuam promovendo educação de qualidade. Elas seguem a tradição luterana de educar para a liberdade, cidadania e solidariedade, formando pessoas conscientes de seu papel na sociedade e capacitadas para agir com responsabilidade em suas Comunidades.

A teologia de uma Igreja é um de seus tesouros mais preciosos. Desde 1949, quando a então Faculdade de Teologia foi fundada, a IECLB vem formando seu próprio quadro de Ministras, Ministros, teólogos e teólogas. E não só isso – hoje a Faculdades EST forma também pessoas de outras Igrejas em nível de pós-graduação. A EST tem reconhecimento internacional como uma das mais importantes casas de formação teológica do sul global. Além dela, a IECLB tem convênio para formação de Ministras e Ministros com a Faculdade Luterana de Teologia, vinculada a um movimento dentro da IECLB. O zelo e a importância dados à formação teológica são parte da história do luteranismo no Brasil e uma de suas importantes contribuições ao país.

O luteranismo se soma a outras confissões cristãs quando entende que a mulher exerce papel essencial na vida e existência da Igreja. Mulheres participaram ativamente no movimento da Reforma, contribuindo com sua sabedoria, seus conhecimentos e suas experiências. Salvo raras exceções, Igrejas luteranas ordenam mulheres ao Ministério eclesiástico. No Brasil, a IECLB ordena mulheres ao Ministério pastoral desde 1982. Em 2018 foi eleita, e reeleita quatro anos depois, a primeira mulher ao cargo de Pastora Presidente. A IECLB tem um documento importante, adotado em Concílio, seu órgão decisório máximo, que é a Política de Justiça de Gênero. Tal documento vale para todas as pessoas e instâncias da Igreja. Ele visa eliminar todas as formas de discriminação e violência contra as mulheres, e garantir a elas espaços seguros e saudáveis para o exercício de sua fé e seus dons em todos os cargos de liderança.

Estamos presentes em todo o país, sendo que a maioria de nossas Comunidades está localizada em cidades de até 50 mil habitantes, especialmente nos três estados da região Sul do Brasil. Nossa membresia tem forte presença na agricultura. Por isso, já há várias décadas, a IECLB tem se preocupado com o êxodo para os centros urbanos e criou um centro para promoção da agricultura ecológica e familiar. Seu objetivo é manter famílias na terra e dar a elas condições de produzir alimentos saudáveis para si e para a sociedade. Por outro lado, a IECLB tem buscado promover iniciativas de crescimento nas grandes cidades. Para isso, conta com um escritório na cidade de São Paulo, que pesquisa e busca formas de crescimento nas metrópoles.

Diaconia é uma palavra-chave na existência da IECLB. O serviço prestado às outras pessoas e a toda a Criação, em resposta ao amor de Deus por nós, está presente em todas as nossas Comunidades. Essas ações diaconais aliviam dores, promovem justiça e se preocupam com a vida, mas também querem mudança das realidades que provocam sofrimentos e injustiças. Deste modo a presença da Igreja se torna gesto de amor, de paz e de justiça, e é testemunho concreto da Boa Nova que a mensagem do Evangelho anuncia. Além desse trabalho comunitário, temos cerca de 50 instituições diaconais conectadas em uma rede de diaconia. A maioria delas atua em parceria com o Poder Público no desenvolvimento e implementação de políticas públicas, principalmente na área da assistência social e educação. Alcançamos mensalmente, através de nossa atuação diaconal, milhares de pessoas, especialmente crianças, adolescentes, jovens e pessoas adultas.

Transparência e ética fazem parte do compromisso da IECLB. Todas as ações e contas são revisadas e aprovadas por conselhos fiscais, em âmbito local, sinodal e nacional. Prestamos contas, igualmente, ao sistema legal oficial do Estado brasileiro. Respeitamos fielmente a Constituição do país, além dos tratados internacionais, como o dos Direitos Humanos, de Direitodas Crianças, de Pessoas com Deficiência e de Povos Originários. Defendemos a democracia e o estado democrático de direito, essenciais para o desenvolvimento da sociedade.

A IECLB é uma Igreja ecumênica. Respeita, dialoga, trabalha em conjunto com outras Igrejas que compartilham da mesma visão e missão: proclamar o Evangelho de Jesus Cristo, que liberta, acolhe, transforma, salva. Participamos de conselhos ecumênicos locais, regionais, nacionais e internacionais. Temos dezenas de parcerias com outras Igrejas. Participamos de diálogos e iniciativas inter-religiosas. Defendemos a Constituição Brasileira, que estabelece o Estado laico e combate a intolerância religiosa, dando direito a cada pessoa a viver com liberdade a sua religião ou crença.

 

Pedido de perdão

Por inúmeras razões e fatores, a presença luterana também causou dor em parte do povo brasileiro. Em alguns momentos históricos, especialmente durante as grandes guerras mundiais, luteranismo foi confundido com germanismo e nazifascismo. Também nosso relacionamento com povos indígenas originários brasileiros foi truncado e baseado em desconhecimento, medo e disputa pelas mesmas terras. Onde houve falhas, pedimos perdão.

Como se trata de uma Igreja de membresia majoritariamente branca, de descendência europeia, houve e ainda percebemos evidências de racismo e certa simpatia com movimentos ou grupos que defendem a violência, o retorno de ditaduras militares, e que não respeitam a diversidade, a democracia e os direitos humanos. Defendemos a liberdade de opiniões e pensamentos, mas nos opomos ao radicalismo do pensamento único, especialmente se este vier acompanhado pela violência, discriminação e negação do direito à opinião contrária.

Por razões históricas e contextuais, os contingentes migratórios que formaram a nossa Igreja se estabeleceram em locais específicos, onde a preservação da cultura, dos costumes e da língua alemã eram considerados essenciais. Nesse contexto, pessoas de outros grupos étnicos eram frequentemente vistas como uma ameaça. Como resultado, a fé e a confissão luterana passaram a ser, por muito tempo, quase exclusivas de descendentes de imigrantes europeus. Mais tarde a IECLB começou a se abrir para o restante do povo brasileiro. Pelo fechamento das portas de nossas Comunidades a quem não tinha origem germânica, pedimos perdão.

 

Para onde iremos?

A IECLB continuará, com a graça de Deus, evangelizando, proclamando o Evangelho, praticando a diaconia, defendendo os direitos das pessoas a uma vida digna e o direito da Criação à existência plena. Comprometemo-nos a respeitar a diversidade humana em todas as suas expressões, incluindo a diversidade sexual e de gênero. Buscamos criar e valorizar espaços para a juventude ser protagonista na Igreja e na sociedade. Almejamos que nossas cerca de 1.800 Comunidades sejam lugares acolhedores, seguros, de crescimento na fé, desde a primeira idade até os últimos dias de vida.

Continuaremos buscando novas formas de ser Igreja, com novas pastorais, ministérios, iniciativas e novos públicos. Com as Metas Missionárias 2025-2030 aprovadas, temos um caminho claro e prioridades bem definidas para seguir. Queremos nos unir com outras Igrejas e instituições que defendem o direito à vida, à livre expressão com responsabilidade e que defendem a democracia como a mais bonita e saudável forma de organização política e social. Defendemos o direito à educação de qualidade, às políticas públicas de saúde, trabalho e direitos humanos. Somos Igreja presente no Brasil e atuante em vários outros contextos, através de parcerias e convênios. Estamos em busca de ações concretas para diminuir o impacto humano na natureza e queremos nos somar aos esforços por um mundo mais equilibrado e justo do ponto de vista climático.

Queremos continuar sendo a Igreja de Jesus Cristo que Deus nos permitiu ser, enquanto caminhamos em direção à Igreja que Deus nos chama a ser: ainda mais atrativa, inclusiva, acolhedora, relevante, missionária e diaconal. Oramos para que, através do Espírito Santo, Deus nos capacite a ser a Igreja que Jesus Cristo deseja que sejamos para os próximos anos.

Em 2024, comemoramos com júbilo e alegria os 200 anos de presença luterana no Brasil. Refletimos sobre nosso passado, nossa história, os desafios enfrentados e superados, bem como sobre as falhas e equívocos cometidos, e pedimos perdão. Mas também olhamos para o futuro com confiança, reverência e fidelidade à Palavra de Deus.

 

Pa. Sílvia Beatrice Genz
Pastora Presidente

P. Odair Airton Braun
Pastor 1º Vice-Presidente

P. Dr. Mauro Batista de Souza
Pastor 2º Vice-Presidente

Adelino Sasse
Presidente do Conselho da Igreja

Astrid Gohlke Balz
Vice-Presidente do Conselho da Igreja

P. Enos Heidemann
1º Secretário do Conselho da Igreja

Dra. Débora Eriléia Pedrotti
2ª Secretária do Conselho da Igreja