Naquela manhã ensolarada de setembro, a sala de reuniões do Instituto Luterano Campos Verdejantes (Campo Alegre – SC) já estava quase cheia quando ela, a Professora Regina Piske Fertig entrou, serena e sorridente.
Regina, a convidada do dia, não se apresentava como palestrante. Ela queria conversar. Seu tema? “Olhar acolhedor que vai além da diferença.” Simples assim.
Logo no início ela nos convidou a circular pela sala. Todo mundo de pé, ostentando um pouco de timidez, nos movíamos devagar, evitando encontros diretos de olhar.
Mas a dinâmica pedia isso: olhar, encarar quem estava perto, reconhecer sua existência.
Quando chegava o momento de abraçar, muitas e muitos hesitavam, principalmente ao perceber uma pessoa em cadeira de rodas. Como é que se faz? Onde se apoia?
Foi um instante de embaraços, mas também de descobertas. A verdade é que abraçar nem sempre é tão simples como parece. “Temos a tendência de nos fechar em nós”, Regina observou, com uma gentileza que nos deixava à vontade. “Mas acolher é abrir-se. E isso não depende de perfeição.”
Ela então prosseguiu, como quem realmente queria conversar. E foi nos mostrando que existem muitas formas de acolher. Nem todas envolvem um abraço, um sorriso, ou mesmo palavras.
Às vezes, acolher é um olhar atento, uma palavra que faz eco dentro da pessoa.
“Empatia é a chave”, disse ela, enfatizando a importância de deixar a outra pessoa sentir que sua presença faz diferença, que sua ausência seria sentida.
Que descoberta! Mais do que um gesto mecânico, acolher é um gesto de alma.
A conversa avançava, e Regina começou a falar sobre as diferenças. Ela as descrevia como uma condição inevitável da vida.
Diferenças podem ser vantagens ou desvantagens, ou apenas algo que “é”. Elas nem sempre precisam ser categorizadas. “Por que não celebrá-las?”, sugeriu, com um brilho nos olhos.
A partir daquele ponto, comecei a enxergar a altura, a cor, a linguagem, e as habilidades dde quem estava ao meu lado com um olhar renovado.
Se a altura, que para umas e outros era uma vantagem, para outras e umas poderia ser um obstáculo, então talvez todos os outros possíveis “mil detalhes” também pudessem ser vistos com outros olhos.
Regina citou o filósofo Aristóteles, lembrando-nos do seu entendimento que rezava: o homem bom e virtuoso era o resultado de “alguns detalhes”. E, na ausência desses tais detalhes, a exclusão acontecia. Informou-nos que, na Idade Média era a sociedade quem definia o lugar das pessoas. Deixou-nos claro que hoje, em tempos modernos, a exclusão é um conceito que lutamos para erradicar – ou ao menos é o que Regina sugeriu.
Ela prosseguiu, descrevendo a evolução do conceito de diferença ao longo do tempo.
Primeiro, houve a exclusão. Depois, a segregação, que separava as “pessoas diferentes” do resto da sociedade.
Nos anos 90, tentou-se a integração desse povo, mas essa tentativa falhou, criando apenas nichos isolados. “Agora é o tempo da inclusão”, disse Regina, quase como um desafio. “Hoje, todas, todos devem caminhar de mãos dadas, cada um com suas diferenças.”
Aquele “olhar acolhedor” que Regina defendia parecia se expandir cada vez mais. Não era apenas um olhar sobre quem estava ao lado, mas também um olhar sobre nós mesmos.
“A escola precisa se adequar”, ela afirmou, e uma ideia nova despontou em mim.
Até aquele momento, pensava que eram as pessoas que precisavam mudar, mas não. Era o mundo ao nosso redor que deveria se transformar, ajustar-se para incluir.
Ao final, Regina nos deixou com uma provocação: há diferenças que ficam explícitas, e há aquelas que ficam escondidas.
Algumas pessoas, discretas, podem ter habilidades extraordinárias. “E você? Está pronto para enxergar além?” Era uma pergunta para a qual não havia resposta fácil.
E assim, aquela conversa, que não era uma palestra, acabou se tornando algo muito mais profundo.
Entendemos que o nosso foco não era apenas a inclusão ou acolhimento, mas a forma como olhamos a outra pessoa e o lugar que ela ocupa em nossas vidas.
Uau!
Renato Luiz Becker
Pastor Emérito da IECLB
Associado Colaborador do ILCV
Membro do Conselho Fiscal
Membro da Comissão de Comunicação
Reside em Florianópolis