“Algo precisa ser feito, pois não há mais tempo” diz Carine, a jovem brasileira e membro da IECLB participando na COP-29
A jovem brasileira e membro da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), Carine Josiéle Wendland, está em Baku, participando da COP-29. Ela é delegada da Federação Luterana Mundial (FLM) e já representou a FLM na COP-28, realizada em 2023 em Dubai. Acompanhe a entrevista que a jovem Carine concedeu à Coordenação de Comunicação e Relações Públicas da IECLB.
É uma alegria estar sendo delegada da Federação, poder partilhar e acolher experiências de outros países e continentes, também membros da Federação. Nestes momentos, percebemos que nossa causa, luta e incidência é comum, por um lugar comum e compartilhado. Mas, vai muito além disso. O movimento de unir igrejas, poder público, sociedade civil e organizações não governamentais mostra o quanto uma COP é um espaço enorme em experiências e o pode ser em ações. Assim, é urgente potencializar a voz daqueles e daquelas que são marginalizados climáticos e ser voz do Sul Global, da nossa América Latina.
Eu sempre vou me lembrar da experiência com a IRI – Iniciativa Inter-religiosa pelas Florestas Tropicais. Esta experiência aconteceu em 2022, em um encontro com cerca de 40 pessoas de diferentes denominações religiosas brasileiras. O evento possibilitou conhecer o INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e o CEMADEN – Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Ambientais. Na ocasião, um dos pesquisadores perguntou: “quem acredita em mudanças climáticas?”. Todos levantaram a mão e ele então disse que não é uma questão de acreditar ou não: elas estão acontecendo. Isso me fez perceber mais que nunca que fé e ciência precisam dialogar. Hoje, já quase não dizemos mais mudanças climáticas, passou a ser crise e agora emergência climática. As mulheres indígenas, em especial, têm realizado um grande movimento nessa renomeação, porque de fato é uma emergência e não há mais tempo.
Neste sentido, a espiritualidade tem desempenhado um papel de ação, escuta e apoio climático. Como líderes nas nossas comunidades. precisamos trazer vozes dos vulnerabilizados e uni-las em ação para uma força maior.
Aqui, não tenho como não mencionar o lugar que habito e me (de)moro: em meio à natureza e, ao mesmo tempo, ao lado de uma mineradora de pedras. Há cerca de 40 anos um britador se constituiu neste espaço. Cresci sendo resistência e me inconformando ao vê-los enterrando as árvores em troca do desenvolvimento – que, como o prefixo (des) indica, é um não envolvimento.
Não posso deixar de mencionar que, o oposto do que eu via ali acontecia em minha casa, com meus pais plantando árvores. Em Vera Cruz, onde vivo, há um Programa Protetor das Águas, que iniciou com a Universidade e passou a fazer parte do município. A partir de um monitoramento da biodiversidade, sabemos que, na área do Programa, estão 564 espécies vegetais de 117 distintas famílias botânicas, 330 espécies de avifauna, 59 espécies de mamíferos terrestres. Há também 7 espécies de árvores ameaçadas de extinção, dentre elas a araucária e a palmeira juçara (açaí da Mata Atlântica). Ambas são plantadas em dezenas, quase centenas, todos os anos pelo meu pai. Isso me mobiliza a seguir em ação, todos os dias.
Há cerca de 3 anos fui contra a construção de uma grande barragem de água também ao lado de onde vivo. Falei com a comunidade local, com as autoridades do município e sua construção não aconteceu ali. No ano de 2022, enviei um ofício à câmara de vereadores para arborização urbana. Naquele ano, 200 árvores foram plantadas e, no ano, seguinte tantas outras mais em parceria com a empresa de energia.
Ao final e ao cabo, conseguimos nós mesmos provocar alguns movimentos, mas eles se tornam mais potentes quando no coletivo. E, para tentar responder essa pergunta: a fé sem esperança é uma fé morta. Mas, de forma positiva: com uma esperança que se constitui em verbo, gera-se muitos frutos.
É importante dizer que a IECLB faz parte de um todo maior. Assim, sendo uma das 150 Igrejas membro da Federação Luterana Mundial, faz parte de uma comunidade, de uma comum-unidade de fé e ação. A FLM está igualmente exposta aos riscos climáticos. Há 68 Igrejas membro, ou seja 45,9% do total, localizadas em 34 países que pertencem ao grupo dos países mais vulneráveis ao clima.
A partir da metodologia de ir do local para o global e retornar para o local, muitas ações pelo clima acontecem. A Federação desenvolve iniciativas para lidar com perdas e danos, melhorar a adaptação e mitigar as alterações climáticas, em resposta às necessidades das pessoas. Isso se repercute na IECLB w=em vários programas, tais como FLD, COMIN, CAPA, Galo Verde, Rede de Comércio Justo e Solidário.
Em nível global, na COP vemos como a Federação está alinhada com ACT, Brahma Kumaris, Conselho Mundial de Igrejas e tantas outras que fazem parte de um grupo ecumênico e buscam soluções conjuntas. A IECLB – que agora constrói sua Política de Justiça Ambiental – pode e deve entrar cada vez mais nos debates de enfrentamento às mudanças climáticas trazendo para perto os programas que já tanto realizam para ações ainda mais locais que vão para o nacional/global e retornam para as comunidades.
A mensagem que eu gostaria de levar e que já estou levando é de algo precisa ser feito, pois não há mais tempo. Este ano vivemos extremos no Brasil, o maior número de refugiados climáticos da história recente do Brasil, quase 95% das cidades gaúchas atingidas pelas inundações, uma seca que atingiu 55% do território, 11 milhões de hectares queimados entre janeiro e agosto deste ano.
Perdas e danos econômicos foram rapidamente contabilizados e são enormes, mas e as perdas e danos não econômicos que não são reparáveis? Quantas mortes, das mais distintas formas de vida, como de animais, são contabilizadas como danos econômicos? Um território é uma língua, quando esse território é perdido, a língua também o é, e sua cultura muito afetada.
Quando todo o país se viu sob fumaça, soubemos que de cinza já bastam as cidades. É necessária uma consciência coletiva de cuidado com a “casa comum”, como nos diz o ecoteólogo Leonardo Boff.
Acredito que a fé, o sentimento de injustiça e a esperança. Pontuo o primeiro e o último ponto -fé e esperança- inicialmente como a mobilização necessária para o sentimento de injustiça. 99% dos brasileiros dizem ter fé e 90% têm alguma religião. Perder a fé de vista é considerar que tudo já está dado e acabado, o mundo pode seguir se desenvolvendo em seu ritmo que nada acontece. O contrário disso é justamente saber que algo sim pode e vai acontecer.
Assim, a juventude está cada vez mais mobilizada, em especial com um diálogo intergeracional, com os vulnerabilizados climáticos, com a justiça de gênero. A juventude está consciente das injustiças que se manifestam em diferentes tipos de desigualdades. A Igreja, nesse sentido, pode apoiar sendo porta aberta e local para a ação.
Que não estamos sozinhos. Fazemos partes de redes que nos inspiram e nos impulsionam. O Fórum de Justiça Climática da América Latina e Caribe, por exemplo, que iniciou em 2022 e do qual faço parte, segue mobilizando as mais diversas igrejas-membro da FLM na América Latina e Caribe.
Que há que ir às comunidades mesmas – de fé e todas as outras – para uma escuta profunda do que é necessário. Por exemplo, na Semana do Clima da América Latina e Caribe de 2023 alguns e algumas indígenas quando perguntados o que diriam aos presidentes de seus países mencionam o financiamento direto, a soberania alimentar e que cuidar a mãe terra está custando muitas vidas. Que problemas socioambientais nossas comunidades enfrentam?
Para a IECLB que está construindo sua/nossa Política de Justiça Ambiental: a América Latina é uma região que sofre com as mudanças climáticas, mas também é espaço de soluções. Um professor da minha universidade diz que a região do Vale do Rio Pardo e Taquari é um laboratório a céu aberto com inúmeras experiências de adaptação às mudanças climáticas e é isso que a IECLB também pode ser para todos e todas nós: casa e espaço para soluções de problemas neste mundo compartilhado, começando pela justiça climática que não se separa da justiça social e de gênero, além de abertura e uma escuta mobilizadora aos diálogos intergeracionais, interculturais e ecumênicos.
O principal objetivo é buscar um novo compromisso financeiro, inclusive sendo conhecida como a “COP do financiamento”, e na qual se busca o Novo Objetivo Coletivo Quantificado (NOCQ) que substituirá o compromisso anual de US$ 100 bilhões, estabelecido há mais de uma década e praticamente não cumprido.
É importante mencionar que depois de mais de 30 anos de cobrança para sua criação, o fundo de perdas e danos foi aprovado na COP28. A criação desse mecanismo foi determinada na COP27, no Egito, em 2022, mas o fundo foi apenas do foi apenas aprovado no primeiro dia da COP28 em Dubai no dia 30 de novembro de 2023.
Neste ano, na COP29, em Baku, o tão esperado fundo para perdas e danos para ajudar os países vulneráveis a enfrentar os estragos da mudança climática deverá começar a distribuir recursos em 2025, já anunciaram autoridades nesta COP.
Todavia, algumas estimativas sugerem que os países em desenvolvimento precisam de mais de US$ 400 bilhões (R$ 2,3 trilhões) por ano para se reconstruírem após desastres relacionados com o clima.
Ainda não sabemos quem vai pagar a conta no ano mais quente do século e o primeiro ano em que o planeta ficou 1,5º C mais quente do que na média pré-industrial, mas espero e todos esperamos que seja uma COP que perpasse palavras e promessas vazias para uma estrutura de financiamento sustentável e justa.
Temos na IECLB diversas instituições paralelas consolidadas que ultrapassam os muros da Igreja e agem em favor dos mais vulneráveis. Podemos citar alguns como sugestões para conhecer, apoiar, fazer parte e agregar:
O nosso Fórum de Justiça Climática se constitui a partir da proposta da 12° Assembleia da Federação Luterana Mundial, que aconteceu na Namíbia em 2017. Em 2022, aconteceu o primeiro encontro e, neste ano, o segundo encontro do qual participamos Natan Schumann, Coordenador Nacional da JE e eu. O evento teve lugar em Missiones, na Argentina, com integrantes de 12 Igrejas membro da América Latina e Caribe.
Criamos, neste ano, perfil @forojusticiaclimatic. Ali, é possível acompanhar o plantio de árvores que se dará nos diferentes países da região, até chegar ao Brasil, onde acontece a COP30, na cidade de Belém, capital do Estado do Pará. No Facebook, há ainda a página LWF for Climate Justice e, no X (antigo Twitter), o espaço LWF Action for Justice. Também convidamos a seguir a @lwfyouth, que divulga as mais diversas ações com jovens do mundo inteiro dentro da FLM além da @lutheranworldfederation. Deixo, igualmente, minhas páginas pessoais para qualquer dúvida, consulta ou possibilidade de ação coletiva: @cw.artes e @carine_wendland.
A COP, ou Conferência das Partes, é o principal encontro anual da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), reunindo representantes de governos, organizações internacionais, ONGs e outros setores da sociedade para negociar e discutir ações globais contra as mudanças climáticas. Criada em 1992, a COP visa promover compromissos e estratégias para a redução de emissões de gases de efeito estufa e a adaptação aos impactos das mudanças climáticas, buscando acordos e parcerias que possibilitem alcançar metas de sustentabilidade ambiental. Cada edição da COP foca em diferentes aspectos, considerando as necessidades urgentes e as metas ambientais globais para mitigar o aquecimento global.
Este ano a COP-29 acontece em Baku, no Azerbaijão, de 11 a 22 de novembro, e tem sido chamada de “COP Financeira” devido ao foco central nas questões de financiamento climático. O principal objetivo é estabelecer um novo marco financeiro para enfrentar os desafios das mudanças climáticas, em especial o financiamento necessário para que países em desenvolvimento possam mitigar e se adaptar aos impactos climáticos, por meio, por exemplo, da transição para a energia limpa. A meta anterior de US$ 100 bilhões anuais, prometida pelos países ricos, não foi cumprida, e agora se busca um novo compromisso financeiro, com valores bem mais elevados, possivelmente na casa dos trilhões de dólares, para atender às metas do Acordo de Paris.