Proclamar Libertação – Volume 37
Prédica: Colossenses 3.1-11
Leituras: Eclesiastes 1.2, 12-14; 2.18-23 e Lucas 12.13-21
Autor: Jilton Moraes
Data Litúrgica: 11º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 04/08/2013
1. Introdução
Os textos caminham na mesma direção: a vida sem Deus perde o sentido; é só frustração diante da ambição pelo inatingível. Tentar viver sem Deus é correr atrás do vento (Ec 1.2;12-14); e o trabalho, mesmo realizado com sabedoria, conhecimento e habilidade, resulta em frustração: o prazer no trabalho vem de Deus (Ec 2.18-25).
Em Lucas 12.13-21, Jesus mostra que é inútil, mesmo que com afinco, planejar e realizar, sem considerar a presença do Deus Soberano, que frustra os planos de quem procura viver como se fosse senhor do universo. Assim como em Eclesiastes, a lição é que viver só vale a pena diante do Criador, rogando-lhe sabedoria para ajustar-nos a seu querer.
Esses textos convergem para o texto da meditação (Cl 3.1-11), em que Paulo afirma que os cristãos, ressurretos com Cristo, morrem para as práticas do passado e renovam-se à imagem do Criador. O desafio é claro: sabendo que todo o esforço sem Deus resulta em frustração, devemos buscar realização em Cristo Jesus, procurando as coisas que são do alto e mantendo nelas o nosso pensamento (v. 1-2), sabendo que morremos e a nossa vida está escondida nele (v. 3), lembrando que, quando o Salvador se manifestar, seremos semelhantes a ele (v. 4), abandonando as velhas práticas antes realizadas (5-9). A lição principal desse ensino é: Ressurretos com Cristo, mortos para práticas do passado, devemos renovar-nos à imagem de nosso Criador.
2. Exegese
Utilizaremos leitura comparativa a partir da Nova Versão Internacional com as traduções: Almeida Revista e Atualizada, ARA; Melhores Textos, MT; Bíblia de Jerusalém, BJ; Tradução Interconfessional, TI; e A Mensagem, M, visando ampliar nossa visão do texto.
V. 1-2 – Portanto, já que vocês ressuscitaram com Cristo, procurem as coisas que são do alto, onde Cristo está assentado à direita de Deus. Mantenham o pensamento nas coisas do alto, e não nas coisas terrenas;
Se vocês estão falando sério sobre viver a nova vida da ressurreição com Cristo, ajam de acordo com ela [M]. Procurem, busquem as coisas do alto, de cima; coisas norteadas por Cristo [M]. O sentido original é: tendo em vista que vocês ressuscitaram com Cristo. A identificação com Cristo tira o foco do mundo material para coisas celestiais. Mais do que procurar, é preciso pensar nas coisas do alto. Olhem para cima e observem o que acontece ao redor de Cristo. É por aí que devem seguir. Vejam as coisas da perspectiva dele [M]. Cf.: Rm 12.2; 2Co 5.17b; Rm 8.8. O pensamento muda quando ressuscitamos com Cristo (Fl 4.8).
V. 3-4 – Pois vocês morreram, e agora a sua vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a sua vida, for manifestado, então vocês também serão manifestados com ele em glória.
Vocês morreram: A velha vida de vocês está morta [M]. Cf.: Gl 2.19; Rm 8.10; Ef 2.1; Rm 6.14. Ter a vida escondida com Cristo em Deus tem a ver com o fato do mundo não compreender o modo como ele age em nós e tem a ver também com a nossa segurança: estamos guardados nele, ele cuida de nós, aguardamos a sua vinda; ele é a nossa vida. A nova vida é a vida real ainda que invisível aos espectadores – com Cristo em Deus. Ele é a vida de vocês [M]. Quando Cristo, que é a sua vida, for manifestado. Quando Cristo, a verdadeira vida, aparecer de novo na terra, o ser verdadeiro e glorioso de vocês vai se manifestar também [M]. “Na segunda vinda de Jesus, aguardamos pela perfeição da nossa felicidade. Se vivemos uma vida de pureza e devoção cristã agora, quando Cristo que é a nossa vida se manifestar, também nos manifestaremos com ele em glória” (HENRY, 2008, p. 642).
V. 5-7 – Assim, façam morrer tudo o que pertence à natureza terrena de vocês: imoralidade sexual, impureza, paixão, desejos maus e ganância, que é idolatria. É por causa dessas coisas que vem a ira de Deus sobre os que vivem na desobediência, as quais vocês praticaram no passado, quando costumavam viver nelas.
Fazer morrer = exterminar [MT]; mortificar [BJ]; eliminar [M]. Cf.: Rm 6.11. Os membros do corpo deixam de ser usados para a realização dos desejos pessoais. Façam morrer: Natureza terrena [ARA]; inclinações carnais [MT]; membros terrenos [BJ]; desejos deste mundo [TI]; Tudo que esteja ligado ao antigo caminho de morte [M]; o que pertence à natureza humana. Cf.: Rm 5.24. Imoralidade sexual = prostituição [ARA e MT]; fornicação [BJ]; promiscuidade sexual [M]. “Impulso ou força que não descansa até ser satisfeito” (RIENECKER e ROGERS, 1985, p. 429). Impureza [ARA, MT, BJ e M]; devassidão [TI]; abrange todos os maus desejos. Paixão: paixão lasciva [ARA]; paixões desordenadas [TI]; imoralidade [M]; Cf. Rm 1.26. Desejos maus = BJ; desejos malignos [ARA]; vil concupiscência [MT]; desejo de ter o que não é lícito; desejo incontrolável de possuir o que é proibido. Ganância, que é idolatria: avareza [ARA e MT]; Cupidez [BJ]; cobiça [TI]: Desejo de apoderar-se dos bens que pertencem aos outros. Cf.: Ef 5.3, Gl 5.19-20. Devemos fazer morrer tudo quanto não está em sintonia com o propósito divino. Vocês praticaram no passado: noutro tempo quando vivíeis nelas [ARA]; em outro tempo andastes [MT]; assim também andastes, [BJ]; era dessa maneira que vocês procediam antigamente [TI]. A ética do cristão é diferente do comportamento do mundo (Rm 12.1-2). Quem pertence a Cristo mortifi ca o pecado e vive uma vida de obediência. Vem a ira de Deus = ARA e MT; provocam a ira de Deus [BJ]; o castigo de Deus [TI]; Deus está prestes a explodir em ira [M]. Filhos da desobediência = ARA e MT; desobedientes [BJ]; os que lhe desobedecem [TI]. Castigo para quem, alheio ao plano de Deus, afasta-se da graça. O pensamento paulino caminha nessa direção: Cf. Rm 1.18; 2.5; Ef 5.6.
V. 8-11 – Mas agora, abandonem todas estas coisas: ira, indignação, maldade, maledicência e linguagem indecente no falar Não mintam uns aos outros, visto que vocês já se despiram do velho homem com suas práticas e se revestiram do novo, o qual está sendo renovado em conhecimento, à imagem do seu Criador. Nessa nova vida já não há diferença entre grego e judeu, circunciso e incircunciso, bárbaro e cita, escravo e livre, mas Cristo é tudo e está em todos.
Abandonem = BJ, M; despojar [ARA, MT]; libertar-se [TI]; O que temos que deixar para seguir a Cristo? Indignação, maldade, maledicência, linguagem indecente. A recomendação final é: Não mintam uns aos outros – Cf.: Ef 4,25; a autenticidade deve ser a marca do cristão: vocês já se despiram do velho homem; vocês são diferentes do que eram [TI]; os velhos costumes já eram [M]. E se revestiram do novo. Cf Ef 4.24. Nesse processo contínuo, somos renovados em conhecimento à imagem do Criador. E nessa renovação as barreiras que separam as pessoas desaparecem: Cristo é tudo em todos. Tudo é definido por Cristo, tudo está incluído em Cristo [M]. Em suma, Cristo é o nosso único referencial.
3. Meditação: Privilégios e compromissos na vida cristã
Que avaliação podemos fazer da igreja, corpo de Cristo, na atualidade? As estatísticas propagam o visível crescimento do número de evangélicos no Brasil, causando euforia a muitas pessoas. Pregando a um grupo de universitários de tradição mais carismática, mencionei esse fato. Fui surpreendido por um fervoroso amém. Após a pausa, reiniciei cuidadosamente a prédica, uma vez que a minha ênfase não era a quantidade, mas a qualidade: “Quando o Filho do Homem vier, encontrará fé na terra?” (Lc 18.8). A igreja cresce em número, mas sem qualidade, quando propaga privilégios e apaga compromissos.
Paulo lembrou os cristãos colossenses de que, ressurretos com Cristo, mortos ao passado, deviam renovar-se à imagem divina. São privilégios e compromissos que devem estar sempre diante de nós: Ressurretos com Cristo, mortos ao passado, devemos nos renovar à imagem do Criador.
Ressuscitamos com Cristo. As coisas de baixo são trocadas pelas coisas do alto (v. 1): “Portanto, já que vocês ressuscitaram com Cristo, procurem as coisas que são do alto, onde Cristo está assentado à direita de Deus”. Pode haver privilégio maior do que a convicção de que o Senhor Jesus não apenas ressurgiu dos mortos, mas nos ressuscitou com Ele? Ressurretos com Cristo, assumimos o compromisso de procurar as coisas que são do alto, de mudar o centro de nosso interesse, sabendo que ele está sentado à direita de Deus. Essa tem sido uma característica do nosso viver? O modo como vivemos diz que ressuscitamos com Cristo? Temos assumido esse compromisso? E nossa responsabilidade vai mais longe (v. 2): “Mantenham o pensamento nas coisas do alto, e não nas coisas terrenas”. Não só as nossas ações, mas o nosso pensamento deve ser diferente. E é o mesmo Paulo quem desafia (Fl 4.8): “Tudo o que for verdadeiro, tudo o que for nobre, tudo o que for correto, tudo o que for puro, tudo o que for amável, tudo o que for de boa fama, se houver algo de excelente ou digno de louvor, pensem nessas coisas”.
Outro privilégio que traz compromisso é que MORREMOS PARA O PASSADO (v. 3): “Pois vocês morreram, e agora a sua vida está escondida com Cristo em Deus”. O mundo não compreende o agir de Deus em nós. Jesus é a razão do nosso viver! Diante dessa realidade, Paulo afirma também o que devemos afirmar: “Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim” (Gl 2.20). Qual espaço Cristo ocupa em nosso viver? Nosso pensamento, decisões e atitudes são dirigidos por ele?
No dia a dia, somos desafiados a extinguir todo o passado que não agradava a Deus: “Assim, façam morrer tudo o que pertence à natureza terrena de vocês: imoralidade sexual, impureza, paixão, desejos maus e ganância, que é idolatria” (v. 5). A fórmula para fazer morrer o passado é viver para agradar a Deus. Infelizmente, há pessoas que querem os privilégios dos cristãos, mas não os compromissos; e Paulo diz: “É por causa dessas coisas que vem a ira de Deus sobre os que vivem na desobediência, as quais vocês praticaram no passado, quando costumavam viver nelas” (v. 6-7).
Entre os privilégios e compromissos está, ainda, a realidade em que vivenciamos a transformação. “Quando Cristo, que é a sua vida, for manifestado, então vocês também serão manifestados com ele em glória” (v. 4). Ele nos “chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1Pe 2.9), transformou-nos completamente e prossegue nos transformando: “pelo poder que o capacita a colocar todas as coisas debaixo do seu domínio, ele transformará os nossos corpos humilhados, tornando-os semelhantes ao seu corpo glorioso” (Fl 3.21). Não apenas fomos transformados quando, pela fé, entregamos a vida a Jesus, mas estamos sendo transformados a todo instante. Essa transformação é vista pelo modo como passamos a pensar e agir, mantendo o pensamento nas coisas do alto, e não nas coisas terrenas. A realidade da transformação desafia-nos a buscar as coisas do alto, a pensar nas coisas do alto, a viver na convicção de que já morremos com Cristo e que a nossa vida está escondida em Deus, a fazer morrer tudo o que não agrada a Deus e a viver para agradar em tudo aquele que morreu para dar vida.
Propagar privilégios e apagar compromissos ameaça a qualidade da igreja. Não podemos esquecer que a glória vem pelo sofrimento; a certeza da ressurreição, pela morte; e o trono é conquistado na cruz. É irresponsável falar em privilégios sem compromissos. Ressuscitamos com Cristo, morremos para o passado e vivenciamos a transformação. Amém.
4. Imagens para a prédica
Quando Cristo é tudo: Will Thompson tornou-se um músico milionário. Mas nunca se esqueceu do lugar de Jesus em sua vida. Sentindo-se devedor de Cristo, passou a compor somente músicas sacras. Comprou um cavalo e uma carroça, onde colocou seu piano, e viajou por todo o estado de Ohio, pregando por meio de seus hinos. Cinco anos antes de falecer, escreveu o hino “Cristo é tudo para mim, …vou sempre confiar no grande amor do Salvador, até o fim chegar. Então no céu eu cantarei, santo louvor entoarei, santo louvor ao meu Senhor, a Jesus” (J. MORAES, Homilética, do púlpito ao ouvinte, p. 279).
Cristã mista? Há alguns anos, uma jovem problemática, carente de referências, falava sobre seus familiares. Referia-se em especial a uma tia que ora agia bem e, outras vezes, tinha péssimas ações. Perguntei-lhe: Sua tia é cristã? A resposta foi inusitada: “Pastor, ela é mista”. Admirado, indaguei: O que significa cristão misto? “É que às vezes ela é cristã e outras vezes não.” (J. MORAES, Ilustrações e poemas para diferentes ocasiões, p. 69).
Em meio à podridão deste mundo corrompido e perverso, devemos viver de tal modo que as pessoas constatem que morremos para os interesses materiais e, ressuscitados com Cristo, buscamos as coisas do alto.
Usufruímos dos privilégios da vida cristã quando nos dispomos a aceitar os seus compromissos: morrendo com Cristo, ressuscitamos com Ele; tomando a cruz, seguimo-lo; desprezando o mundo, somos aceitos por Jesus.
5. Subsídios litúrgicos
O culto pode ser programado com ênfase no fato de que o cristão morre para o mundo e ressuscita para uma nova vida com Deus. “Fomos sepultados com ele na morte por meio do batismo, a fim de que, assim como Cristo foi ressuscitado dos mortos mediante a glória do Pai, também nós vivamos uma vida nova” (Rm 6.4). No texto da prédica, há uma riqueza de detalhes e figuras que pode ser usada na liturgia; alguns verbos usados podem ser explorados tanto na prédica como no culto: ressuscitar, morrer, esconder, manifestar, despir, revestir etc.
Uma sugestão seria a inclusão de testemunhos pessoais: duas ou mais pessoas narram brevemente suas experiências com Cristo e a diferença que ele faz em nosso viver diário, uma vez que, ressuscitados com ele, temos o compromisso de buscar e pensar nas coisas do alto. Ou uma entrevista com uma ou mais pessoas que compartilhem o significado de algumas figuras do texto em sua experiência:
(1) O que significa estar ressuscitado com Cristo e de que modo isso afeta o seu agir?
(2) Como devemos viver para que as pessoas que convivem conosco constatem que a nossa vida está escondida em Deus?
(3) De que modo o vestir e o revestir acontecem em sua experiência cristã? (4) Como explicar a afirmação
de Paulo de que “não há mais diferença” quando a Bíblia mostra a diferença que ele faz?
Quanto à escolha dos hinos, leituras e litanias, pode-se trabalhar a partir da realidade do texto e sua aplicabilidade para o momento atual.
Bibliografia
HENRY, Matthew. Comentário Bíblico: Novo Testamento – Atos a Apocalipse. Rio de Janeiro: CPAD, 2008.
RIENECKER, Fritz e ROGERS, Cleon. Chave linguística do Novo Testamento grego. São Paulo: Vida Nova, 1985.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).