Proclamar Libertação – Volume 33
Prédica: Deuteronômio 6.1-9
Leituras: Marcos 12.28-34; Hebreus 9.11-14
Autor: Ângela Lenke
Data Litúrgica: 22º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 01/11/2009
Deus não só quer encontrar suas palavras em nossa memória, mas também em nossa vida.
Elas estão em nossa vida quando fazemos o que ele ordenou.1
1. Introdução
Vivemos num contexto onde surgem, cada vez mais, novas teorias, teologias e ideologias. Nossas comunidades são influenciadas de uma ou outra forma, em maior ou menor escala.
Há algum tempo, a “benzedura” era o problema e foi criticada por muitos. Hoje, a luta contra crenças, filosofias e práticas que afetam o povo que ainda é de Deus é muito maior.
O mercado capitalista está chegando até mesmo às comunidades rurais. Aos poucos, perdem-se o companheirismo, a troca, o mutirão, a solidariedade (valores que a sociedade precisa resgatar). A essas comunidades rurais também chegam as novas filosofias, inclusive o espiritismo.
O apego aos bens materiais faz com que pessoas, inclusive membros da igreja, deixem de participar da comunhão comunitária. Também deixam de guardar o dia de descanso (de culto) para que assim possam trabalhar mais e ter mais dinheiro, mais máquinas, casas e a tão sonhada TV de plasma. Esse apego aos bens materiais corrói a comunhão e o amor familiar, comunitário e de todas as relações sociais.
E nossas famílias como estão? Cumprimos o que o texto pede: temos inculcado a palavra de Deus? Deuteronômio relembra quem é o centro de nossa vida, de nossa dedicação e a quem devemos obediência.
2. Aspectos exegéticos
Deuteronômio pode ser resumido como o livro que reforça a Lei de Deus dada através do mediador entre Deus e o povo escolhido. O livro provavelmente foi escrito em torno de 620 a.C. Nesse período, o rei Josias promoveu a reforma religiosa, centralizando o culto em Jerusalém. Entretanto, pesquisadores do século XX afirmam que o livro pode ter data tão antiga quanto Samuel, e outros atribuem data mais recente, como por exemplo a época do exílio.
O fio vermelho do livro de Deuteronômio é a obediência a Deus. Isso inclui o ensino às futuras gerações. Expressa o que Deus espera de seu povo escolhido: passos concretos para o mandamento que Jesus coloca como o mandamento “principal” em Marcos 12.30: “Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força” (Dt 6.5). Dessa forma, a mensagem de Deuteronômio é o relacionamento íntimo do povo de Israel, agora prestes a ter a terra em que “mana leite e mel” (6.3), com o autor da vida: Deus.
Os estatutos repassados ao povo de Israel, através de Moisés, são estabelecidos para todas as gerações vindouras (6.2).
O v. 5 expressa obediência total com todo o ser. No hebraico, o verso exprime totalidade. Toda força e entendimento são a linguagem da devoção. O amor a Deus precisa ser de coração (v. 6), e por ser um amor sincero, a resposta de fé será falar e repassar as palavras do Senhor aos filhos e netos, assentado em casa, andando pelo caminho, ao deitar-se e ao levantar-se (v. 7).
Os v. 8 e 9 expressam a importância global da Lei de Deus. Ele quer que a obediência seja visível, que coloquem sinais da lei nas mãos e escrevam a lei nos “umbrais” das casas e nas portas.
3. Meditação
Vivemos num período em que tudo quer obediência. Deixamos até o capitalismo ter o controle sobre a situação.
A obediência a Deus é diferente. Ele não escraviza, mas também não quer ser nem pode estar em segundo plano em nossa vida. Quando Deus dá os estatutos, não está assentado num trono. Ele caminha com o povo, ouve os clamores no Egito, guia o povo sob uma nuvem no deserto e vai junto à Terra Prometida. Deus ama primeiro.
Jesus fala ao escriba que ele está próximo do reino de Deus (Mc 12.34). Amar a Deus e ao próximo não é uma teoria; é prática diária. E isso não é tão fácil exercer, sabendo que estamos rodeados por filosofias e tentações que afastam o “sacrifício definitivo, sem mácula” (Hb 9.14) do centro. No entanto, o amor a Deus é ação dele. Ele nos dá essa dádiva; ele age primeiro. Só nos resta obedecer. Afinal, somos feitura dele.
Jesus coloca o amor a Deus como “principal” e acrescenta “amar ao próximo”. Com isso identificamos claramente que pertencer ao povo de Deus significa estar em relação, diariamente, com Deus e as pessoas, nossos irmãos na fé. Deus quer que o amemos de todo o coração e falemos da sua Palavra aos outros. Mas falar aos outros, em palavras e ações, só é possível quando amamos, ou seja, quando cumprimos os dois mandamentos que Jesus cita (Mc 12.30-31). Amando a Deus, cuidamos do que nos foi confiado. Somos motivados a servir ao semelhante por causa da revelação do amor de Deus em Cristo.
O povo de Israel foi conduzido a uma terra boa, uma terra de “leite e mel”, ou seja, a uma terra fecunda, verde, perto da água. Nessa nova terra, Deus espera ter um povo obediente, que não caia nas mesmas tentações e pecados como no deserto. Nós somos conduzidos a um reino de paz, perdão e alegria através de Jesus Cristo. Ele é nosso mediador. Os profetas no Antigo Testamento eram os mediadores entre Deus e o povo, repassavam a lei e a vontade de Deus. Mas Jesus, que veio cumprir essa lei e ser o único mediador, trouxe-nos a boa-nova e lavou nossos pecados. Como não amaremos a Deus de todo o coração se ele nos resgatou, lavou o pecado e nos oferece uma nova vida? Tendo Jesus como único sacrifício (Hb 9.14), que nos dá a esperança da vida eterna (Jo 3.16), por que nos deixamos influenciar por outras filosofias e ideologias, colocando nossa esperança em bens materiais e desacreditando da promessa de Deus?
Somos chamados a nos lembrar dos estatutos de Deus, especialmente do primeiro mandamento, para que não nos deixemos levar por qualquer vento de doutrina e para que nos lembremos, estando tão perto do dia de Finados, de que nossa esperança está em Cristo Jesus, pois em fé nos oferece a vida eterna. Podemos estar rodeados de tentações, sentir tristeza e saudade por causa da perda de pessoas que amamos, mas lembremo-nos da promessa de um dia estar juntos com o Pai no banquete celestial.
A palavra de Deus nos consola e exorta ao dizer que “os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós” (Rm 8.18). Portanto “nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 8.38s).
Guardemos a palavra do Senhor em nossos corações, gravemos a sua palavra em nosso interior (coração) e nosso exterior, consolemos uns aos outros em amor, lembremo-nos de que o Senhor é fiel e cumpre sua promessa.
4. Imagens para a prédica
Sou de origem pomerana, e esta reflexão me fez pensar o quanto os imigrantes pomeranos, e de modo geral os alemães, precisaram ser “econômicos”. Não se olhava para o vestuário da moda: a roupa preta era a mais barata. O ensino cristão estava no cerne: a escola era construída ao lado da igreja; Bíblia, hinário e Catecismo eram os principais, senão únicos, instrumentos para passar a palavra de Deus aos filhos. Hoje temos muito mais recursos, livros, vídeos etc. Em vez de dar um livro sobre as estórias do “Superman”, é melhor sentar com os filhos e netos e contar uma história bíblica, ensinar músicas cristãs em vez de dar o fone para que aprendam músicas que colocam o ser humano como objeto.
Penso que, trazendo exemplos do cotidiano, que tenham a ver com as famílias e o contexto, a mensagem do texto será mais compreensível. Cada um precisa analisar quem ou o que está ocupando seu coração. A forma como nós agimos e testemunhamos nossa fé será exemplo para a prática dos outros, especialmente das crianças. Se não leio a Bíblia, como espero que meu filho venha a conhecer os mandamentos ou conhecer a história da salvação?
No segundo mês do Período Prático de Habilitação ao Ministério (PPHM) em Florianópolis em 2007, duas crianças que estudavam em projeto diaconal na Vila Santa Vitória levaram-me para conhecer a casa delas. A casa tinha duas peças: banheiro e cozinha, que, ao mesmo tempo, eram sala e dormitório. Bastou um convite para que a mãe das crianças começasse a frequentar as atividades do projeto. Ela era a primeira a me acompanhar nos estudos bíblicos nas casas e em algumas visitas. Ela trazia suas crianças para os cultos. Um dia, ela me perguntou se eu poderia emprestar um cancioneiro para ela copiar as músicas e cantar com as crianças em casa. Dei um a ela, grata a Deus porque a semente já havia brotado; apenas precisava de acompanhamento. Quando menos imaginamos, Deus age.
5. Subsídios litúrgicos
Confissão de pecados:
Amado Deus! Rogamos-te, em humildade, que nos dês a graça de teu perdão, porque tantas vezes esquecemos de ensinar e repassar os estatutos/mandamentos que nos ordenaste, porque colocamos outras coisas, inclusive bens materiais, como prioridade em nossas vidas. Perdoa-nos por delegar nossa responsabilidade de ensinar somente aos cuidados da igreja, sobrecarregando-a. Perdoa-nos quando, por medo e insegurança, nos deixamos enfraquecer diante das tentações e filosofias que não condizem com a vontade de Deus. Perdoa-nos quando achamos que o Senhor nos esqueceu e quando nossa esperança na vida eterna enfraquece. Em nome de Jesus Cristo, perdão! Amém.
Oração do dia:
Misericordioso Deus! Rendemos louvores a ti por nos concederes mais um dia de vida, por este dia que é obra de tuas mãos. Que neste dia, mais uma vez, possamos contemplar o quão grandioso é a maravilha de tua criação, também a maravilha da vida humana. Por isso queremos pedir-te que nos envies o teu Santo Espírito para que a tua palavra nos corrija e modifique como seres que, sem ti, caem e se perdem. Que a mensagem do culto e a comunhão com os irmãos possam nos dar discernimento e orientação, possam acalmar nosso coração e que saiamos daqui dispostos a amar e ensinar. Em nome de Jesus Cristo, que contigo e com o Espírito Santo vive e reina eternamente. Amém.
Oração de intercessão:
Ajuda-nos, Senhor, a gravar em nosso coração a tua vontade em amar-te e servir-te unicamente. Que tenhamos a sabedoria necessária para ensinar a tua Palavra aos filhos, netos e a todos os que estiverem ao nosso redor. Que nosso interior e nosso exterior, também nossas casas, reflitam o amor que transborda em louvor a ti. Que, ao sairmos daqui, tenhamos mais coragem para ensinar e falar de ti, ficando claro quem é nosso Deus. Que nossas ações, frutos de gratidão e amor a Cristo, possam transformar a vida das pessoas. Que não tenhamos medo de ensinar às criancinhas pobres, órfãos e que estão carentes de amor e carinho. Que sejamos humildes para compreender a dor das famílias enlutadas. Esteja, ó Deus de amor, com todas as pessoas que não têm um lar cristão, que ainda não sabem ou não descobriram que tu és prioridade na vida. Abençoa o trabalho da tua igreja no mundo, que continuemos fiéis a ti. Abençoa nossas famílias, mantenha a unidade, o companheirismo e o amor mútuo. Em nome de Jesus Cristo, amém.
Bibliografia
BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA. São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.
SEIBERT, Erní Walter. Meditação sobre Dt 11.18-21, 26-28. Proclamar Libertação, v. 32: Auxílios Homiléticos. São Leopoldo: Sinodal, 2007.
http://www.dasp.org.br/codigos/estudo_biblico/estudo_biblico_07_04.htm
AUGUSTINUS, Aurelius. [Santo Agostinho]. Flores do Jardim de Agostinho: a voz de um Pai da Igreja. Tradução: Lindolfo Weingärtner. Curitiba: Encontro, 2005.
Nota:
1 AUGUSTINUS, Aurelius. [Santo Agostinho]. Flores do Jardim de Agostinho: a voz de um Pai da Igreja.
Tradução: Lindolfo Weingärtner. Curitiba: Encontro, 2005, p. 64.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).