O privilégio de ser luz no Senhor
Proclamar Libertação – Volume 41
Prédica: Efésios 5.8-14
Leituras: 1 Samuel 16.1-13 e João 9.1-41
Autoria: Astor Albrecht
Data Litúrgica: 4º Domingo na Quaresma
Data da Pregação: 26/03/2017
1. Introdução
O texto-base para a prédica ensina que em Cristo Jesus não vivemos mais nas trevas, mas somos “luz no Senhor” (v. 8). Segue o chamado para que a vida corresponda a esse novo espaço em que a vida acontece: não mais nas trevas, mas na luz. Isso não é de modo nenhum um mérito da pessoa, mas é Cristo Jesus quem nos “desperta”, “levanta” e “ilumina” (v. 14) para essa vida.
O Evangelho de João (capítulo 9) apresenta o relato da cura de um cego de nascença. A narrativa é extensa e tem muitos detalhes. Sugiro observar a pergunta feita ao cego após a sua cura: “Como te foram abertos os olhos?” (v. 10). Às vezes, quando uma pessoa tem possibilidades para uma vida feliz e não consegue acertar o caminho, costuma-se dizer: “Mas será que você não enxerga?”. O Senhor é quem abre nossos olhos para não andarmos nas trevas, mas na sua luz. Isso ele nos concede porque nos ama.
Na leitura bíblica do texto proposto de 1 Samuel, podemos destacar que Deus conhece nosso coração. Ele sabe o que se passa. Conhece nossos medos e nossas fraquezas. Sugiro apresentar isso de modo positivo, a saber, já que o Senhor tão bem conhece nosso coração, podemos confiar nele. Não há razão para esconder algo de quem sabe todas as coisas. Uma vida autêntica inicia quando toda mentira é deixada de lado e abraçamos a verdade que vem de Deus para nós.
2. Exegese
O capítulo 4 inicia com um apelo aos cristãos para andar de modo digno de sua vocação. Em seguida, o apóstolo Paulo descreve em termos práticos como esse chamado deve ser obedecido. Em 4.17-24, trata do despojar-se da velha natureza humana e revestir-se da nova natureza criada por Deus. Essa é a vida verdadeira em que o crente é dedicado a Deus. Em 4.25-5.2, Paulo escreve sobre a necessidade de abandonar o sentimento de engano e animosidades pessoais, substituindo-o pelo de verdade e amor em palavra, pensamento e ação. No texto de 5.3-14, Paulo lembra seus leitores que agora são luz em lugar de trevas. Vamos ver com maior atenção os versículos 8-14.
Paulo inicia uma das mais comuns e fortes ilustrações no Novo Testamento sobre a diferença entre a velha vida pagã e a vida em Cristo: luz e trevas. Deus é luz (1Jo 1.5). A luz expressa sua majestade e glória. Ela também indica que Deus quer revelar-se ao ser humano: “Envia a tua luz e a tua verdade, para que me guiem e me levem ao teu santo monte e aos teus tabernáculos” (Sl 43.3). O oposto dessa luz são as trevas. Portanto todas as pessoas que encontram a vida em Cristo foram transferidas do domínio das trevas para o domínio da luz (Cl 1.13). Há uma diferença na tradução entre ARA (Almeida Revista e Atualizada) e NTLH (Nova Tradução na Linguagem de Hoje). A NTLH diz “vocês mesmos viviam na escuridão” e “vocês estão na luz”. AARA diz “outrora éreis trevas” e “agora sois luz no Senhor”. Vamos preferir a tradução da ARA, pois, distantes do Senhor, não somente estamos nas trevas, mas somos trevas. Não é apenas o ambiente que está nas trevas, mas, distante de Deus, a própria pessoa é treva. Mas, agora que receberam a luz de Cristo em sua vida, tornaram-se luminosos. Lembramos a palavra de Jesus no sermão do monte: “Vós sois a luz do mundo” (Mt 5.14). Em razão de ser luz, segue o chamado para andar “como filhos da luz”. Isto é, devem prosseguir a jornada da vida de acordo com uma pessoa que vive conforme a vontade de Deus. Não somos nem temos a luz em nós a partir de nós mesmos. Essa luz se irradia à medida que seguimos Jesus: “Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará nas trevas, pelo contrário, terá a luz da vida” (Jo 8.12).
Os versículos 9 e 10 descrevem como essa luz deve ser irradiada na vida cristã. A vida em Cristo não pode passar no anonimato. Ela deve testificar dessa novidade de vida. Isso é chamado de “fruto da luz”. É apresentada a “bondade”, que é a procura ativa pelo bem em cada área da vida. Expressa a força atrativa de um bom caráter e de integridade. A “justiça” é o fruto da vida em Cristo (Fp 1.11). Injustiça e corrupção não devem estar presentes no relacionamento da pessoa cristã com seus semelhantes. A “verdade” lembra que as trevas da ignorância, cegueira e engano ficaram para trás. Em Cristo, o andar é na verdade. Assim, o v. 10 convoca para agradar ao Senhor. O povo de Deus precisa conhecer a vontade de Deus e agir de acordo com ela. Isso indica que é preciso pensar e discernir cuidadosamente. A luz de Deus é dada, mas isso não tira da pessoa a responsabilidade de pensar e escolher. Esse texto lembra Romanos 12.2, onde Paulo fala de experimentar a “boa, agradável e perfeita vontade de Deus”. Andar na luz é não procurar ser agradável a si mesmo, e sim agradar ao Senhor. É uma vida condizente com a posição que agora ocupamos em Cristo Jesus. É por isso que nós pedimos na oração do Senhor: “Seja feita a tua vontade”. Que ela se faça também em nosso andar!
Os versículos 11 a 13 tratam das obras infrutíferas das trevas e, de forma enfática, Paulo pede que ninguém do povo de Deus se torne participante ou parceiro dessas. Uma vez que as trevas foram banidas com a vinda da luz, não devemos ser cúmplices delas. O texto é semelhante a João 3.20-21, que lança luz para a compreensão dessa passagem: “Pois todos os que fazem o mal odeiam a luz e fogem dela, para que ninguém veja as coisas más que eles fazem. Mas os que vivem de acordo com a verdade procuram a luz, a fim de que possa ser visto claramente que as suas ações são feitas de acordo com a vontade de Deus”. Na escuridão, não vemos nada. É somente na luz que as coisas são reveladas. A vida de quem foi feito luz no Senhor revelará as obras infrutíferas das trevas. O povo de Deus tem a vocação de ser luz para este mundo.
O versículo 14 tem seu conteúdo tirado do Antigo Testamento (Is 9.2). Comentaristas sugerem que se trata de um fragmento de um hino cristão primiti- vo. O desafio para despertar da insensatez e do pecado é parecido com Romanos 13.11, que foi a passagem que levou Agostinho a converter-se. Estar no pecado é descrito como estar morto espiritualmente (Ef 2.1), mas o dom de Deus em Cristo Jesus é uma nova vida. É Cristo Jesus que nos faz filhos e filhas da luz. Ninguém pode despertar sem essa luz que vem de Jesus. Essa luz revela que o pecado nos separa de Deus e do nosso semelhante, mas ela também nos mostra a vontade de Deus e une-nos com ele.
3. Meditação
O texto bíblico faz um apelo para que cada crente no Senhor viva de modo digno de sua fé. É temática que aparece outras vezes nas Escrituras. Vale aqui lembrar o chamado de Jesus: “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus” (Mt 7.21). Paulo apresenta essa declaração de Jesus de maneira positiva com as seguintes palavras: “Agora sois luz no Senhor; andai como filhos da luz” (v. 8). Pela fé em Jesus somos feitos filhos e filhas de Deus. Somos filhos e filhas da luz. E Jesus já deixou claro em outra oportunidade: ele não acende uma luz para que fique escondida! Ela deve brilhar! É assim que deve ser a vida no reino de Deus (Mt 5.14-16).
Andar como filho e filha da luz é nossa vocação. Isso é desafiador. Afinal de contas, este mundo anda nas trevas. As “obras infrutíferas das trevas” (v. 11) estão aí! Dependendo de cada situação, é possível aqui citar situações bem concretas. Quando escrevo este texto, além do Brasil ser notícia sobre a corrupção, é também notícia pela barbárie de uma jovem que foi estuprada por vários homens no Rio de Janeiro. Mas podemos pensar em situações do nosso cotidiano: Como vai a vida em nossa casa? Como vai nossa família? Como é nosso convívio? Como é nossa participação em nossa comunidade de fé? Somos ativos? Andamos distantes? Aparecemos somente quando precisamos algo da comunidade? O leque das “obras infrutíferas das trevas” é amplo. Muito “joio” foi semeado. Além dos escândalos de corrupção em nosso país, há o crescimento da maldade, desrespeito, roubos, crimes, insegurança, drogas, mentiras, enganos, infidelidade. É nesse meio que estão nossa comunidade, nossa família. É nesse meio, em maior ou menor grau de “trevas”, que vivemos. Mas nós não somos trevas nem podemos ser cúmplices delas. Nós somos luz no Senhor. Temos o privilégio de seguir Cristo, e por isso nossa vida pode revelar os frutos da luz.
Aqui podemos destacar os v. 9 e 10 como um chamado para a vida de todos os batizados e batizadas em nome do trino Deus. Bondade, justiça, verdade e o agradar a Deus podem ser apresentados como um caminho cheio de luz para cada pessoa e família. Bondade é algo que experimentamos. É o que se faz. É a disposição em fazer o bem para a vida daquelas pessoas que Deus colocou ao nosso alcance. A justiça é indispensável para estabelecer bons relacionamentos. Podemos aqui nos lembrar da importância da honestidade, do ser correto e justo.
A verdade quer tornar isso tudo muito concreto. Não podemos deixar a bondade e a justiça no campo da filosofia. Precisam ser praticadas e experimentadas. A verdade pede isso! Sem verdade, fica a ilusão, e essa nos deixa frustrados! É preciso ser despertado e ter os olhos abertos para uma vida em que se agrada ao Senhor. É por isso que oramos ao Pai quando pedimos “faça-se a tua vontade”. Que ela se faça também em nossa vida!
Com certeza Cristo nos iluminará para que seja assim (v. 14). Tudo deve ser feito na confiança de que Cristo é nosso auxílio. Seu Santo Espírito, que em nós habita, assim vai guiar nossos passos. Lembramos uma palavra de Agostinho: “Cristãos, o que está dentro de vós deve arder, a fim de que incendeie a outros”. Vamos viver toda a plenitude da vida para a qual Cristo nos chamou.
4. Imagens para a prédica
Para ilustrar as “obras infrutíferas das trevas” e os “frutos da luz”, pode-se fazer uso da conhecida estória do lobo mau e dos três porquinhos. Cada porquinho constrói a sua casa, e o lobo mau vai soprar para derrubar a casa. As “obras infrutíferas das trevas” seriam este lobo mau que vem para destruir nossa casa: família, relacionamentos, propósito de vida, nosso seguir a Cristo. Essa estória também narra a respeito de construir bem a casa. Andar na luz tem a ver com edificar bem sua casa. Qual o material que usamos para edificar nossa casa (vida cristã)? Aqui pode ser apresentado o fruto da luz (v. 9-10).
Um testemunho de uma pessoa pode ser usado para ilustrar a mensagem. Numa família, o pai em idade avançada está com câncer em fase terminal. Está no hospital. O filho vai visitá-lo e não sabe o que dizer ou fazer. Mas ele vai. Está em dúvida, porque imagina ser, quem sabe, a última vez que pode ver seu pai. O que poderia dar? Ele visita. Conversa demoradamente. Sem pressa. Faz a barba do pai. Antes de sair, dá um beijo. Alguns dias depois, seu pai falece. O filho conta que sempre se lembra daquele dia e que está em paz em seu coração. Não comprou nada de valioso, mas tudo o que fez foi de coração. Às vezes, os melhores presentes não custam dinheiro: um gesto de amor, um abraço, palavras de carinho, olhar de ternura, elogio sincero, ajudar com boa vontade. Isso é coisa que nasce do coração. Esses são presentes que você tem para dar, pois você é luz no Senhor. Você é filho da luz! Você é filha da luz! Portanto viva como tal! Por onde você pode começar?
5. Subsídios litúrgicos
Acolhida para o culto
Jesus disse: “Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará nas trevas; pelo contrário, terá a luz da vida” (Jo 8.12). Nosso Senhor dirige essa palavra a todos e todas batizados em seu nome. Que, neste culto, nosso Senhor ilumine os olhos de nosso coração para vermos o quanto nossa vida pode alegrar, animar e abençoar todos os que nos cercam.
Oração
Senhor, tua palavra nos diz que em ti somos luz. Queremos ser luz em nossa família, em nosso trabalho, entre nossos colegas. Que nas trevas, Senhor, nós possamos ser uma clara luz que tu acendeste. Que nossa comunidade, ó Deus, seja luz aqui onde vivemos e reflita a luz de Cristo. Que nós não tenhamos vergonha de testemunhar teu evangelho. Que haja homens e mulheres cristãos em todas as atividades públicas, na política, na economia, nos diversos setores da cultura e principalmente na lavoura de Cristo, tua igreja. Concede-nos isso por tua graça em nome de Cristo Jesus. Amém.
Sugestão de hinos
Considerando a temática proposta neste auxílio, podemos cantar com a comunidade os seguintes hinos:
HPD 2 – 463: Caminhamos pela luz de Deus HPD 2 – 422: Comece em sua casa
HPD 2 – 452: Senhor, eu quero amar-te sempre de todo o meu coração.
Bibliografia
FOULKES, Francis. Efésios – introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1981.
SCHLATTER, Adolf. Die Briefe an die Galater, Epheser, Kolosser und Philemon. Stuttgart: Calwer, 1987.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).