EXERCÍCIO HOMILETICO
Günter K. F. Wehrmann
l – Preliminares fundamentais
A prédica é um entre tantos outros meios da pregação, ou seja, do testemunho eclesiástico. Através desse testemunho público, Deus quer comunicar-se com todas as pessoas de hoje. Quer revelar-se como Deus criador que cria o mundo e por ele zela. Quer revelar-se como Deus libertador (salvador) que liberta e salva do poder da destruição da vida. Como tal ele constrange e compromete os cristãos para serem suas testemunhas que promovem a vida boa que Deus quer para todos, principalmente para os pequenos, fracos, marginalizados e tudo que é indefeso. O Espírito Santo nos faz saber e confiar que, a partir da Páscoa e da Ascensão, o poder da morte não mais terá a última palavra, mas sim a vida! Deus quer comunicar-se, portanto, através de juízo e graça (denúncia e anúncio) – ou melhor: através de lei (que desmascara o poder da morte), através de evangelho (que liberta, aceita, perdoa e transforma) e através de imperativo (que coloca sinais concretos da nova vida em meio ao velho para os que menos a têm).
Essa é a missão que Deus quer realizar no mundo de hoje, através de sua Igreja. Através da Igreja, Deus incumbiu a nós pregadores (as) de anunciar, em público, aquilo que todo mundo deve ouvir. Baseado no testemunho bíblico, cujo centro é Cristo, pelo qual Deus se revelou para seu povo do passado, anunciamos para seu povo de hoje que Cristo, o Senhor, está presente. Como membros de seu povo, também nós pregadores (as) estamos sob juízo e graça do futuro de Deus.
A prédica – seu testemunho bem como sua testemunha – é, portanto, um meio limitado e fraco pelo qual Deus quer alcançar, na pessoa individual, na sociedade e no mundo, o objetivo mais elevado: paz com Deus, consigo mesmo e com o meio em que se vive; vida para todos. Assim Deus governa o mundo.1
II – O problema da sequência dos passos de preparo da prédica
1. Do texto para a prédica, ou da situação – via texto – para a prédica
Essa foi a pergunta discutida engajadamente no grupo de colaboradores do Proclamar Libertação (PL), no fim da década dos anos 70. Em jogo estavam basicamente duas preocupações: a) evitar que se pregue apenas sobre suas próprias ideias favoritas, usando o texto tão-somente como padrinho, sem se deixar questionar e orientar por ele; b) evitar que se pregue apenas sobre um texto do passado, sem perguntar por sua relevância para hoje, ou até sem perguntar se determinada situação da comunidade atual (p. ex.: incêndio, enchente, etc.) não requer outro texto do que aquele previsto na série de perícopes.2 A discussão evidenciou a importância de atentar para ambos os perigos. Elaboraram-se passos metodológicos para o caminho alternativo de partir da situação.3
A mim pessoalmente ajudou uma colocação de Carlos Mesters, dada na ocasião. Ele nos uniu em torno do objeto da pregação que é: Facilitar o escutar Deus hoje. Para isso é necessário que três aspectos sejam considerados, ou seja, a Bíblia (fonte da revelação da vontade de Deus), a realidade (para dentro da qual Deus quer falar) e a comunidade de fé (que abarca a história do testemunho de fé).
Esses três aspectos formam um triângulo. Não importa muito em que vértice do triângulo se começa o preparo da prédica. Importa, porém, que os três vértices sejam devidamente considerados e interligados.4
2. Significado e lugar da assim chamada meditação
No preparo da prédica, a meditação representa um problema crónico. Tradicionalmente ela tem seu lugar entre exegese (E) e a redação da prédica (P). Manfred Seitz5 aponta para o fato de que, dessa forma, a meditação entra num campo de força cujos dois pólos procuram puxar para si a meditação. Assim ela acaba sendo atraída para o lado da prédica. Com o passar do tempo, a meditação foi reduzida à invenção (ou ideia) para a prédica, perdendo seu lugar e valor próprios. Com isso, o pregador deixa de ser o primeiro ouvinte do texto; não mais é atingido por ele, visto que o escuta logo para os outros. Provavelmente resida nesse fato uma das causas de muitas prédicas terem pouca força para convencer. Seitz conclui ainda que nesse esquema triplo de preparo da prédica (E-M-P) não há lugar específico para a reflexão sobre a comunidade (os ouvintes). Em consequência disso, acontece que, nesse passo intermediário, pregador e comunidade são misturados e confundidos. Na sequência dos passos de preparo da prédica, portanto, não há lugar próprio para pregador (a) nem para comunidade.6
A fim de solucionar esse impasse, Seitz propõe uma mudança profunda: A meditação deve ser tirada desse lugar e nele será colocado aquilo que realmente deve acontecer entre exegese e prédica, a saber: a Reflexão Homilética – isto é, a reflexão sobre um texto já analisado exegeticamente, com vistas à pregação (auf Anrede hin). A assim chamada meditação será colocada bem à frente como primeiro passo, a fim de permear todos os passos do preparo. Visto que o termo meditação está tão marcado por mal-entendidos e diferentes interpretações, Seitz o substitui pelo termo Contemplação Pessoal, ciente de que esse termo, apesar de ter uma longa tradição eclesiástica, também não está isento de mal-entendidos. Se ainda consideramos o assimilar ou memorizar o manuscrito como mais um passo de preparo, teremos 5 passos:
1) Contemplação Pessoal (C);
2) Labor exegético (E);
3) Reflexão Homilética (H);
4) Elaboração do manuscrito da prédica (P);
5) Assimilação ou Memorização do manuscrito (A) = C-E-H-P-A.7
As vantagens dessa proposta de Seitz são: a) A contemplação pessoal possibilita que o pregador seja, antes de mais nada, o primeiro ouvinte do texto; b) a reflexão homilética, como passo 3, oportuniza o devido lugar para a comunidade no preparo da prédica; nesse lugar também podem ser incluídos grupos de preparo da prédica.8
Concluindo: Existem muitos métodos de preparar a prédica.9 Em última análise, cada pregador (a) desenvolverá o seu próprio método e esse também não será estático, mas dinâmico. Para facilitar isso, primeiramente importa aprender determinado método e exercitá-lo por algum tempo. Depois disso, o pregador terá melhores condições de assimilar e avaliar outros métodos, com vistas ao seu próprio crescimento. A seguir, apresentamos os 4, respectivamente 5 passos sugeridos por Seitz que me parecem ser simples e lógicos.10
Lembrete: Como princípio norteador para todo o preparo lembremos, mais unia vez, do ora et labora Todo o empenho e labor devem estar marcados pela pontura de quem mendiga por iluminação!
Ill – Possíveis passos de preparo da prédica
Passo 1: Contemplação pessoal .
Nesse primeiro passo, nós nos dispomos e expomos ao texto bíblico, assim como a florzinha onze horas se expõe e se dispõe aos raios-do sol e, sob influência do calor e da luz, chega a se abrir. A postura da florzinha não é ativa, mas passiva! Assim também a nossa contemplação pessoal do texto não é ativa, lógica ou discursiva, mas muito antes receptiva e de certa forma passiva. De maneira contemplativa, assim como uma criança se senta diante do aquário ou diante de uma rosa no jardim, deixemo-nos influenciar pelo texto bíblico (em português!) -sem finalidade específica, isto é, sem preocupação direta com a prédica a ser feita. A nossa postura é a do eis me aqui, Senhor! Queremos facilitar que aquele que o texto testemunha e para o qual aponta, se mostre e fale a nós mesmos, de maneira direta e pessoal; queremos que ele nos cative11, tome conta de nós, desafie e liberte a nós. Uma estrofe do hino Deus está presente expressa bem esse mistério:
Como as tenras flores
Prontamente se abrem
e se dispõem ao sol,
deixe-me assim, silencioso e contente,
teus raios receber
e te deixar operar.
A contemplação pode ter 4 momentos:
1) Ao ler o texto, anoto as primeiras impressões (impulsos) que ele provoca em mim.12
2) Procuro ver e perceber o externo do texto (estrutura, acontecimento ou movimento, figura(s) ou cena(s) – ver! ouvir! sentir! contemplar!
3) Procuro ver e perceber o interno do texto (enunciados essenciais em termos de Evangelho, Lei e Imperativo). O que Deus faz para a libertação e salvação das pessoas e de mim (Deus quer libertar baseado em quê)? O que Deus questiona e critica nas pessoas e em mim (Deus quer libertar de quê)? Que quer Deus que façamos agora (Deus quer libertar para quê)?
Importante é que eu me deixe atingir pelo texto, permitindo que ele fale primeiramente para mim; isso requer de mim a postura do dispor-se, do ver, sentir, ouvir e contemplar.13
4) Finalmente anoto, de maneira resumida, os principais resultados dessa contemplação (em algumas frases provisórias).
Passo 2: Labor exegético
Agora aproximamo-nos do texto, de maneira científica, fazendo uso do instrumentário histórico-crítico e teológico, para compreender melhor o texto em sua situação original. Subdividimos esse passo em dois momentos: 1) Esclarecimentos exegético-históricos; 2) Resumo teológico. Esse labor exegético pretende complementar, aprofundar ou até corrigir a compreensão do texto que obti¬vemos na contemplação pessoal (passo 1). Dessa forma, os passos 1 e 2 se complementam; pois, são duas maneiras distintas de se aproximar do texto.
Vejamos alguns detalhes do procedimento no labor exegético-teológico:
1 – Esclarecimentos exegético-históricos:
a) Texto (tradução e comparação de traduções)
b) Forma (gênero)
c) Lugar (situação original)
d) Palavra (análise do conteúdo teológico)
e) Intenção (o que o texto queria mudar ou alcançar naquela situação original).
Obs.: Quando se trata de um texto do AT, deverá ser feito também o Crivo pelo NT! Nesse sentido podem ajudar perguntas, como: O texto, ou parte dele, é citado no NT e como ali é interpretado? O texto está aberto para o NT ou para ele aponta?14
2 – Resumo teológico:
Ainda estamos nos encontrando na fase dos esclarecimentos exegético-históricos; procuramos agora sintetizar o que já elaboramos. Esse resumo, feito em forma de teses curtas, abarca 3 aspectos15:
a) Intenção (cf. passo 2.1 e): O que o texto queria mudar ou alcançar junto aos ouvintes originais? (Descreva-o numa só frase!)
b) Querigma: Quais são os enunciados salvífico-teológicos desse texto em que se baseia a intenção? Pensamos num tipo de sumário teológico do texto, formulado em teses, sem perder a conreticidade e especificidade do texto; descreva-as em sequência lógica (+ou – 3 frases!).
c) Proprium: Em que consiste, segundo forma e conteúdo, o próprio (o específico) desse texto que o torna único e inconfundível com outro texto? Descreva-o em uma ou duas frases!
Obs.: O esforço em sintetizar é de suma importância (afunilamento) com vistas aos passos seguintes. Esse resumo teológico do labor exegético, juntamente com a contemplação pessoal, representa o fundamento para a reflexão homilética. Nesse sentido, devem ser relacionados a intenção do texto com a intenção da prédica, o querigma com o conteúdo da prédica e o proprium com o tipo (forma) da prédica.
Passo 3: Reflexão homilética
3.1 – Definição das demais leituras bíblicas:
Antes de entrarmos nesta fase, convém definir as demais leituras bíblicas para o respectivo culto. Pois elas devem estar relacionadas com o texto da prédica e o evento litúrgico, a fim de que todo o culto receba uma unidade interna. Conforme a tradição eclesiástica, cada culto tem um Salmo ou uma palavra de intróito e 3 leituras bíblicas – AT, EP e EV – (incluído o texto da prédica); textos são sugeri-dos nas Senhas Diárias, no Manual de Ofícios, e outros. Assim sendo definimos:
a) Salmo ou palavra de intróito;
b) duas leituras bíblicas:
se o texto da prédica for AT, indicamos um texto de EP e EV;
se o texto da prédica for EP, indicamos um texto de AT e EV;
se o texto da prédica for EV, indicamos um texto de AT e EP.
3.2 – Reflexão homilética:
Feito isso, começamos a reflexão homilética propriamente dita. Depois de nos termos aproximado do texto, de maneira contemplativa (passo 1) e de maneira exegética (passo 2), confrontamos o texto agora com as perguntas, dúvidas e os desafios da comunidade-alvo (e vice-versa), com vistas à invenção da prédica. Enfocamos: 1) Situação da comunidade; 2) Reflexão teológico-sistemática; 3) Invenção da prédica.
3.2.1 – A situação da comunidade-alvo, à luz do texto e evento litúrgico:
À luz do texto específico (cf. principalmente passo 2.2!), procuramos enxergar e auscultar a comunidade, os ouvintes.
a) Quem são os ouvintes: Onde, como, de que, para que vivem? Com que se alegram, lutam e sofrem?
b) Os ouvintes, o texto e o evento litúrgico: O que esperam ouvir nesse evento litúrgico? Como ouvirão o texto (conceitos ou preconceitos enraigados…)? Que motivos de mal-entendido ou escândalo eles poderão achar? Que tipos de perguntas os ouvintes carregam consigo (p.ex.: acontecimento político que afeta a todos; morte por falta de atendimento médico-hospitalar; incêndio; enchente,…)? Assim passamos, na imaginação, pelas casas, escolas, hospitais, lugares de trabalho dos membros da comunidade-alvo, olhando, auscultando, ouvindo e sentindo com olhos, ouvidos e coração aguçados pelo texto e evento litúrgico.
c) Finalmente perguntamos pela interpretação exemplar do texto e evento litúrgico que é dada pelos meios de comunicação de massa (rádio, TV, jornal, revista…), pela literatura, arte, pelo cinema, pela liturgia, história,…
3.2.2 – Reflexão teológico-sistemática:
Agora consideramos as perguntas ético-sistemáticas que o texto porventura contém, bem como aquelas perguntas ético-sistemáticas que, a partir da situação dos ouvintes, trazemos para o texto – trata-se do movimento a partir da comunidade para o texto. Por meio da teologia sistemática, procuramos encontrar respostas para essas perguntas – trata-se do movimento a partir do texto para a comunidade. Nesse processo experimentamos a nossa (comunidade) distância para aquilo que a Palavra visa (p.ex.: a falta de sinais do Reino; nossa inércia, omissão… – Lei); mas também experimentamos, apesar de fracassos, a nova aceitação (EV) e assim a possibilitação de superar, em parte, essa distância (Imperativo).
Desde o início até o presente momento, estávamos coletando material. Agora começa a arte de selecionar, definir e delimitar com vistas à formulação da a) intenção (objetivo), do b) conteúdo e da c) estrutura da prédica.
a) Intenção (objetivo) da prédica: À luz do resumo teológico, especialmente da intenção do texto (passo 2.2) e à luz da situação da comunidade e considerando o evento litúrgico, procuramos formular a intenção da prédica. O que Deus quer alcançar, a partir desse texto, através desta predica, junto a essa comunidade? As perguntas de Kirst (libertar de quê e para quê?) podem ajudar nessa formulação de objetivos claros, concretos e limitados.
b) O conteúdo da prédica: O que é imprescindível de ser dito nesta prédica, a fim de alcançar esses objetivos? A partir do querigma (passo 2.2.2), procuramos definir e delimitar Lei, Evangelho e Imperativo para esta prédica sobre esse texto, nesse evento e nessa comunidade. Quais são os enunciados do texto que devem ganhar acento especial (p. ex.: figuras, concretizações) para alcançar os objetivos dessa prédica? Quais são os aspectos do texto que podem ser deixados de lado ou receber apenas pouca atenção? A delimitação é necessária!
c) Estrutura da prédica: A estrutura reflete o proprium do texto (passo 2.2.3), a intenção e o conteúdo da prédica (passo 3.B3a + b). A estrutura determina e define a forma adequada ao conteúdo. Como principiantes em homilética exercitamos primeiramente um tipo simples de estrutura: introdução: parte central (1-3 pensamentos principais – blocos) e o final da prédica. A estrutura também já define o lugar da leitura do texto, a ilustração (exemplo do cotidiano dos ouvintes) e seu lugar e eventuais retomadas. É necessário fazer uma estrutura bem detalhada, para que ela realmente defina e delimite toda a linha de pensamento da prédica. Somente assim se evita que, na elaboração do manuscrito, a gente se perca ou sobrecarregue a prédica com um número muito grande de ideias e pensamentos. Agora o mais difícil está feito! Convém fazer uma pausa, para depois rever novamente a estrutura.
d) Verificamos se a estrutura é progressiva e lógica, se ela é fiel ao resumo teológico do texto (cf. passo 2.2), se ela considera a comunidade e o evento litúrgico e se ela de fato serve para alcançar a intenção da prédica.
Passo 4: Elaboração do manuscrito da prédica (3,5 p., espaço 1,5)16
Lembramos novamente do passo 1. Aquilo que já vimos, ouvimos e experimentamos na contemplação própria, perpassa todo o caminho do preparo, também a elaboração do manuscrito (… pois nós não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos. At 4.20). Assim, a prédica poderá tornar-se um veículo (embora frágil e limitado) pelo qual o próprio Deus se comunicará com os ouvintes.
Finalmente alguns lembretes para a elaboração do manuscrito:
a) O linguajar não deve ser erudito, nem académico, nem conforme a última moda (p. ex.: gírias), ou artificialmente popular (p. ex.: tu vai; tou…) não confunda linguajar popular com fala errada ou vulgar! Ó linguajar deve ser natural, simples e acessível, assim que também o humilde possa entendê-lo (isso vale também quando a Escola Superior de Teologia for a comunidade-alvo!).
b) O estilo não deve ser abstrato, mas concreto, ilustrativo e narrativo, assim que os ouvintes até possam ver. O estilo deve ser poimênico, assim que os ouvintes se sintam levados a sério em suas alegrias, tristezas e dúvidas e percebam como o Evangelho quer libertar de… e libertar para… Formule frases curtas (evitando encaixes); use a voz direta, perguntas geradoras e contrastes; lembre do uso responsável do eu e do nós.17
c) Lembre da curva de atenção! Coloque um enunciado principal no início e uma ilustração no meio da prédica; lembre da importância do final da prédica!18
d) Facilito, através de resumos e retomadas entre as partes distintas, que o ouvinte, porventura desligado, possa reembarcar!
e) Lembre da saudação do púlpito (formulações litúrgicas são p. ex.: 2 Co 13.13; Ap 1.4b) e da bênção do púlpito (p. ex.: Fp 4.7)!
Passo 5: Assimilação ou memorização da prédica
A prédica no culto ou a alocução em ofícios, embora elaborado um manuscrito, deve ser proferida de maneira mais livre possível. Exigir que se decore todo o manuscrito parece estar tão errado como o simples ler; pois em ambos os casos o processo de comunicação está prejudicado. Importa, porém, memorizar e assimilar o manuscrito de tal forma que se domine a linha de pensamento, introdução e final da prédica e uma ou outra formulação de especial importância da parte central.
Eis algumas dicas para a memorização:
a) Leia a prédica em voz alta; com lápis marque pausas e ênfases na entonação e gestos. Leia a prédica algumas vezes, em horas diferentes (em todos os casos antes de dormir e de manhã cedo uma a duas horas antes do culto).
b) Penetre, meditando e orando, nos pensamentos principais; conscienti-ze-se da sequência das partes principais e da linha de pensamento; eventualmente decore alguns enunciados fundamentais.
c) Profira a prédica, em voz alta, diante do espelho e, se possível, use o gravador para depois avaliar sua fala.
d) Então vá dormir tranquila e confiantemente; pois um pregador deve ter descansado bem (E. Fuchs). Entregue tudo nas mãos do Espírito Santo. Você dependeu dele já durante o preparo; agora dependerá dele mais ainda!
e) Finalmente suba ao púlpito, confiante na promessa de que Deus mesmo se quer utilizar de você para comunicar-se com os ouvintes. Pregue em voz alta, audível, clara e engajada. Pois, você tem uma mensagem que os ouvintes precisam ouvir. Explore a clara dicção, a entonação variada, a expressão facial, os gestos dosados e bem pensados; após uma pergunta ou um enunciado importante ou desafiador, faça uma breve pausa para os ouvintes poderem assimilar. Assuma a postura de quem que tem algo importante a comunicar em nome do próprio Deus.
IV- Critérios de avaliação
O ideal é avaliar, em grupo, a prédica.19 No Seminário de Homilética avaliamos a prédica com vistas ao aprendizado conjunto. Isso requer de todos um espírito de humildade, confiança, abertura, sensibilidade e uma postura de aprendiz.
Primeiramente esforcemo-nos em destacar os pontos positivos para depois enfocar os pontos críticos e dúbios. Podemos proceder da seguinte maneira:
1 – Impressão geral: Espontaneamente, sem ferir, expressamos a impressão imediata que a prédica nos causou. Em que a prédica nos atingiu? Como nós ouvintes nos sentimos?
2 – Conteúdo e estrutura: Procuramos recapitular, de maneira resumida e breve, a estrutura e linha de pensamento. Assim expressamos a mensagem que ouvimos. Isso serve de feedback para o pregador perceber até que ponto a prédica foi acessível, clara e de fácil acompanhamento.
3 – Reconhecimento: Destacamos o que foi bom. Perguntamos pela intenção do pregador, verificando o que alcançou e o que não alcançou.
4 – Crítica:
4.1 – O conteúdo da prédica pode ser responsabilizado exegética e sistematicamente? O Evangelho do texto foi devidamente enfocado e explicitado, assim que nos levasse a reconhecer culpa (Lei que denuncia) e assim que nos motivasse para a novidade de vida (Imperativo)?
4.2 – Crítica antropológica: As dificuldades, necessidades e expectativas (gerais e em termos de fé) dos ouvintes foram devidamente consideradas. O pregador falou poimenicamente com os ouvintes?
4.3 – Crítica homilética: Evangelho, Lei e Imperativo foram concretizados a partir e para dentro do cotidiano dos ouvintes? O evento litúrgico foi devi¬damente considerado e relacionado com o texto? A estrutura estava clara e possibilitou o acompanhamento? Houve retomadas assim que um ouvinte, porventura desligado, pudesse reembarcar? O estilo foi ilustrativo (ilustrações do cotidiano)? O linguajar foi simples e acessível (sem jargões eruditos; teológicos e acadêmicos)? A dicção foi clara? A entonação da voz foi adequadamente variada? Os gestos foram dosados e bem empregados? Houve contato visual com os ouvintes? A postura foi condizente? A expressão facial foi condizente ao conteúdo?
5 – Avaliação conclusiva: Ela não deve ser um tiro de misericórdia, mas deve ser um estímulo para continuar a caminhada de aprendiz. As seguintes perguntas podem ajudar: O que foi bom e como isso pode ser aprimorado? O que não foi bom ou até errado e como se pode melhorar ou mudar – indiquemos aspectos e respectivas pistas concretos!
PS.: Lembrete para cada avaliador (a) de prédica:
Em que a Palavra de Deus me atingiu, independentemente de minha concordância ou crítica?
POSSÍVEIS PASSOS DE PREPARO DA PRÉDICA – RESUMO
1 – Contemplação pessoal
2 – Labor exegético
3 – Reflexão homilética
4 – Elaboração do manuscrito
5 – Memorização da prédica
1 – Contemplação pessoal:
Através da contemplação pessoal, procuro facilitar que eu, como pregador, ouça a Palavra primeiramente para mim mesmo!
Primeiras impressões
Ver e perceber o acontecimento (figuras, movimento) Mensagem salvífica para mim (Lei, Evangelho, Imperativo)
Sou atingido
Resumo – frases provisórias
2 – Labor exegético:
Através dos meios exegético-científicos, procuro compreender o texto como Palavra para os ouvintes originais em sua situação específica.
2.1. Esclarecimentos exegético-históricos:
a) Texto
b) Forma
c) Lugar
d) Palavra
e) Intenção
Obs.: Ao se tratar de um texto do AT, faço o crivo pelo NT!
2.2. Resumo teológico:
a) Intenção
b) Querigma
c) Proprium
3 – Reflexão homilética:
Refuto sobre a comunidade atual, à luz do texto e do evento litúrgico, para que o texto se possa tornar Palavra para os atuais ouvintes.
3.A – Definição das demais leituras bíblicas
3. B – Reflexão homilética
1 – Situação da comunidade-alvo
2 – Reflexão teológico-sistemática
3 – Invenção da prédica:
a) Intenção
b) Conteúdo
c) Estrutura
d) Verificação
4 – Elaboração do manuscrito:
A partir da estrutura verificada, elaboro o manuscrito, atentando para es¬tilo ilustrativo, linguajar simples
e retomadas.
5 – Assimilação ou Memorização do manuscrito:
Contemplando e assimilando memorizo o manuscrito. Atento para uma boa comunicação.
Notas:
1. Inspirado por WINTER, Friedrich. Die Predigt. In: Hanbuch der Praktischen Theologie; v. 2. 2. ed. Berlin, 1979, p. 204. e principalmente inspirado por SEITZ, Manfred. In: Homiletisches Exerzitíum (polígrafo), s. d., p. 1.
2) Sobre as vantagens e desvantagens do uso das séries de perfcopes v. KIRST, Nelson. Rudimentos de Homilética. São Leopoldo, 1985, p. 53s. e Proclamar Libertação, v. 9. São Leopoldo, 1983, p. 10ss.
3) Ibidem p. 54-56, respectivamente p. 11-14.
4) A colocação de Carlos Mesters inspirou-me, assim que eu a adaptei a nossa confessionalidade luterana, colocando a Bíblia no vértice de cima do triângulo.
5) SEITZ, Manfred. Zum Problem der sogenannten Predigtmeditation. In: Praxis des Glaubens – Gottesdienst, Seelsorge und Spiritualität. 2. ed. Göttingen, 1979, p. 21-32.
6) Ibidem, p.23.
7) Ibidem, p. 23. Os primeiros 4 passos também se podem encontrar na proposta de Kirst, op. cit. p. 123ss; mas ele não os dintingue tão claramente, principalmente o passo 1, e, além disso, propõe mais passos, dando ênfase especial no passo 7 (estrutura e recheio).
8) Cf. Seitz, 23s.
9) Cf., p. ex., ap. BARTHOLOMÄUS, Wolfgang. Kleine Predigtlehre. Zürich/Einsiedeln/Köln, 1974, p. 134ss.
10) Os primeiros 4 passos, em grande parte, são inspirados por Seitz, M. p. 24-32 e seu Homiletisches Exerzitium e por Kirst, p. 123-128.
11) Cf. SAINT EXUPÉRY, Antoine de. O Pequeno Príncipe. Rio de Janeiro, 1972, p. 67-71.
12) Cf. tb. ap. Kirst, N. op. cit. item 9.1.2, p. 123.
13) Cf. tb. ap. Kirst, N. op. cit. item 9.3, p. 124.
14) Sobre a relação entre AT e NT, v. von RAD, G. In: Teologia do AT, v. 2.
15) Essa tentativa de resumir o labor exegético-teológico também pode ser chamada de formulação de escopo. Visto que esse termo não mais está suficientemente claro e muitas vezes induz a uma formulação abstrata e genérica de escopo, Seitz o substitui por resumo teológico, definindo-o por 3 aspectos: intenção; querigma; proprium. Dessa forma, procura evitar a redução do texto a uma verdade generalizante, abstrata e distanciada da situação original. Cf. Seitz, p. 27.
16) Essa recomendação vale apenas para o Seminário de Homilética quando se trata de prédicas dominicais; ao se tratar de alocuções para ofícios convém usar folhas de tamanho meio ofício.
17) Sobre o uso do eu e do nós v. ap. Josuttis, M. Prática do Evangelho… 2. ed. São Leopoldo, 1982, p. 70-97.
18) Sobre estilo, linguajar e curva de atenção, Kirst, N. p. 99-103; 87-91.
19) Sobre avaliação em grupo, Kirst, N. p. 97-99.