Celebrar a história da Páscoa
Proclamar Libertação – Volume 40
Prédica: Êxodo 12.1-4 (5-10), 11-14
Leituras: João 13.1-17 e 1 Coríntios 11.23-26
Autoria: Kurt Rieck
Data Litúrgica: Quinta-Feira da Paixão
Data da Pregação: 24/03/2016
1. Introdução
É Quinta-feira da Paixão. O texto de leitura do Evangelho de João (13.1-17) atém-se ao lava-pés, um dos tantos fatos ocorridos na noite em que Jesus foi traído. Dentro do ciclo de celebrações, é o terceiro dia que antecede a Páscoa judaica. Na preparação da festa, Jesus vale-se da força de um simples ato: lavar os pés de seus discípulos.
Em 1 Coríntios 11.23-26, o apóstolo Paulo relembra o que é dito na Santa Ceia e reproduz as palavras que norteiam a narrativa da instituição.
O texto previsto para a pregação deste dia foca a preparação da primeira Páscoa, quando o povo israelita é instruído para a ceia que antecede a fuga do Egito, tornando-se um rito de passagem para uma nova vida.
2. Exegese
No memorial da Páscoa judaica, Deus fala com Moisés e solicita que o mesmo diga ao rei do Egito que libere o povo para ir ao deserto oferecer sacrifícios ao Senhor (Êx 3.18). Arão e Moisés fazem a solicitação (Êx 5.3). Em resposta, o rei aumenta a carga de serviço aos escravos judeus. Coisas terríveis estão por acontecer. Deus chama novamente Moisés e promete libertar o povo da escravidão (Êx 6). Pragas acontecem (Êx 7-10). Chega a hora derradeira: a última praga.
Farei pequenos comentários sobre cada versículo.
V. 1 – “O Senhor Deus falou.” A expressão denota autoridade constituída, que determina uma ação.
V. 2 – Dá-se o início de uma contagem. A Páscoa foi instituída para ser comemorada na lua cheia do primeiro mês do ano. A noite de lua cheia é estratégica. Esse mês é chamado no antigo calendário de Abibe (trigo recém-amadurecido) e no calendário pós-exílico de Nisan, primeiro mês da primavera. Páscoa torna-se uma festa da primavera e uma festa de ano-novo.
V. 3 – Seguem as instruções para a refeição destinada a “todo o povo israelita”. Esta é a primeira ocorrência no Pentateuco do que viria a ser um termo técnico (edah) para descrever Israel em sentido religioso (COLE, p. 101). No décimo dia do mês, deveria ser escolhido o animal a ser ofertado, que seria sacrificado no décimo quarto dia. Poderia ser um carneirinho, que vem a ser uma ovelha macho, ou um cabrito, cujo animal adulto é chamado de bode e a fêmea, de cabra. O termo hebraico seh é neutro e deveria ser traduzido por “cabeça de gado (miúdo)”, aplicável igualmente às ovelhas e às cabras de qualquer idade (COLE, p. 101).
V. 4 – Nada de desperdício. Havendo mais carne do que o necessário, seria dividido com a família vizinha. A carne deveria ser totalmente consumida. Vemos uma comemoração familiar restrita a pequenos círculos. Aqui não há templo, nem tenda da congregação, nem altar, nem sacerdote (Cole, p.102).
V. 5 – Seria servido carne de primeira, animal de um ano de idade, sem apresentar deficiência física.
V. 6 – Todos carneariam no mesmo dia entre o pôr do sol e o anoitecer.
V. 7 – A marca de sangue no batente da porta sinalizaria que nessa casa foi sacrificado e consumido um animal, rito religioso que protegeria aquela família da décima praga. Como acontecia no período patriarcal, o chefe da família fazia as vezes de sacerdote (COLE, p. 103).
V. 8 – O assado seria preparado na brasa, acompanhado de pão sem fermento e ervas amargas. A carne era assada sobre o fogo aberto, feito num buraco. O simples fato de o animal ser comido mostra que o sacrifício não era tido como oferta pelo pecado. O pão asmo simbolizava a pressa com que deveriam sair do Egito. As ervas demonstravam a vida amarga que tiveram (Êx 1.13-14). O que significavam esses três alimentos? Zerôa, um pedaço de carne assada, representa o cordeiro como sacrifício especial de Pessach na véspera do êxodo do Egito. Lembra os cordeiros que seriam mortos. O sangue do cordeiro protegeu o povo de Israel antes de Deus libertá-los. Maror, almeirão, escarola, alface-romana, ervas amargas, representa o sofrimento da escravidão, a tristeza do trabalho forçado, as crianças que eram sacrifcadas, quando o trabalho estabelecido pelo Faraó não era alcançado. Matzá, pães sem fermento, representa a pressa. Não havia tempo para esperar que levedasse a massa. Quando lhes foi permitido sair, sabiam que tinham pouco tempo. Deixaram de colocar fermento na massa para não precisar esperar crescer. Simplesmente pegaram o que podiam. O pão não poderia deteriorar no caminho.
V. 9 – A pele do animal era tirada. As partes internas eram extraídas, limpas e recolocadas no lugar. Então o animal era assado inteiro, com a cabeça, as pernas e os miúdos. Precisava estar bem assado, nada cru e sem que lhe quebrasse nenhum osso (Êx 12.46; Nm 9.12).
V. 10 – Não podia haver nenhuma sobra. Havendo excedente de carne, devia ser queimada antes do amanhecer.
V. 11 – Roupa posta, bastão na mão, refeição rápida. Vestidos e alimentados para desencadear a fuga. Esta é a Páscoa de Deus.
V. 12 – A décima praga está por acontecer: a morte do primogênito, tanto das pessoas como dos animais. Terrível castigo de morte.
V. 13 – Selar com sangue o marco da porta é fazer parte de um rito que identifica um ato de fé, que os livrará da morte. “Passarei”: o sangue do cordeiro sacrificado deveria ser aspergido nas ombreiras de suas casas. Quando o anjo passasse, passaria por cima daquelas casas que tivessem o sangue aspergido sobre elas. O nome “páscoa” significa passar por cima, passar por alto. … eu verei o sangue e então passarei por vocês sem parar, …
V. 14 – Estabelecida está a Páscoa, que jamais deverá ser esquecida, para lembrar o que o Senhor fez a seu povo.
3. Meditação
Há uma situação intolerável. O povo de Deus estava sendo subjugado. Deus intervém, chamando líderes para assumir a nobre e difícil tarefa. É o fim de um longo tempo de escravidão. O preço dessa libertação é altíssimo.
Moisés e Arão (v. 1-4), tendo ouvido o Senhor Deus, orientam o povo para preparar uma refeição de cunho familiar. Definidos foram o dia, a forma como essa celebração se daria e o cardápio. A carne preparada era de primeira qualidade e não poderia ser desperdiçada. Dependendo do tamanho do animal, as famílias deveriam organizar-se para juntas usufruírem sem desperdício. O forte caráter familiar relatado em Êxodo 12 faz lembrar a forma como hoje é celebrada a ceia de Natal.
Estavam vestidos e alimentados. A morte passaria ao largo. O sangue do cordeiro protegia-os. Essa data jamais deverá ser esquecida. A celebração faz com que haja o constante resgate da história.
Jesus respeita e valoriza a tradição que celebra a fuga do Egito. Utiliza essa história para estabelecer uma nova aliança. Jesus reuniu aqueles que pertenciam ao seu núcleo mais íntimo e apresenta-lhes um rito que faz lembrar o que ocorreu desde a noite em que foi traído até o dia da sua ressurreição. Não por acaso, tudo culmina na Páscoa. Assim jamais será esquecido o que ocorreu quando da sua morte.
Em Êxodo 12, encontramos as raízes da Santa Ceia. O texto mais antigo da tradição cristã que conhecemos é o de Marcos 14. 22-24. Nesse último versículo, ele fala do “sangue que garante a aliança feita por Deus com o seu povo”. Assim como na antiga aliança Deus conduziu o povo de Israel para fora da escravidão egípcia, assim Ele liberta o seu povo, por meio de Cristo, para uma nova aliança (EIS, p. 224).
Ao olhar o texto de Êxodo a partir da nova aliança, o apóstolo Paulo escreve em 1º Coríntios 5.7 e 8: Joguem fora o velho fermento do pecado para ficar completamente puros. Aí vocês serão como massa nova e sem fermento, como vocês, de fato, já são. Porque a nossa Festa da Páscoa está pronta, agora que Cristo, o nosso Cordeiro da Páscoa, já foi oferecido em sacrifício. Então vamos comemorar a nossa Páscoa, não com o pão que leva fermento, o fermento velho do pecado e da imoralidade, mas com o pão sem fermento, o pão da pureza e da verdade.
Percebam a relação entre os dois textos:
Êxodo 12
v5 – O animal deverá ser um carneirinho ou um cabrito sem defeito.
v.8 – O animal deverá ser um carneirinho ou um cabrito sem
defeito.
1 Coríntios 5
v.7 – … Cristo, o nosso Cordeiro da Páscoa, já foi oferecido em sacrifício.
v.7 – A “massa nova e sem fermento” faz referência às pessoas que experimentam uma nova vida a partir da fé em Cristo.
v.8 – “…comemorar …com o pão sem fermento, o pão da pureza e da verdade.”
No Antigo Testamento, quem morre é um animal, cujo sangue afasta a morte e cuja carne alimenta o povo de Deus para a fuga. No Novo Testamento, Cristo ocupa o lugar do cordeiro, é sacrificado, e o pão asmo torna-se alimento que lembra o seu corpo. No Antigo Testamento, a morte acontece entre os opressores. No Novo Testamento, o próprio gerador da vida é que morre para mostrar a força inigualável da ressurreição.
4. Imagens para a prédica
É Quinta-feira Santa. O texto de Êxodo marca o momento final de um tempo extremamente difícil. A festa guardará a lembrança do ocorrido. O Novo Testamento aponta, na mesma data, para uma revelação extraordinária, quando algo divino se revela. Toda a carga simbólica registrada no Antigo Testamento é acolhida e repassada para um novo momento histórico.
A celebração da Santa Ceia é a nossa Pessach. Não só uma vez por ano, mas regularmente somos convidados a lembrar o que ocorreu na Páscoa de Cristo. O caráter festivo quer ser sublinhado. Preparamos a nossa roupa para seguir adiante. Alimentamo-nos de Jesus para nos fortalecer a seguir peregrinando na vida com pureza e verdade. A graça do perdão, que provém do sacrifício de Cristo, faz-nos romper com o velho e olhar de forma positiva para o futuro.
Esta noite é oportuna para fazer da Quinta-feira Santa uma celebração que nos faz enxergar a graça de Deus que vence os poderes da morte. Dessa celebração todos deveriam fazer parte.
A internet permite abrir um enorme leque em que somos informados sobre a tradição judaica da festa da Páscoa. Sugiro olhar no YouTube o filme “Yeshua, Nosso Cordeiro de Pessach”, produzido por judeus messiânicos.
5. Subsídios litúrgicos
Se possível, trazer para a celebração três símbolos: zerôa, o cordeiro da Páscoa, matzá, o pão sem fermento, e maror, as ervas amargas. Promover um ambiente festivo em que esses elementos possam ser partilhados com a comunidade.
HPD 413
Saudação trinitária
Dirigente: Bendito sejas tu, Senhor nosso Deus, que nos permites poder lavar as nossas mãos e assim contar a história da Páscoa. (Providenciar para que todos os participantes lavem suas mãos.) Fazer desse gesto a confissão de pecados.
Oração do dia
Ler Êxodo 12.26-27
Três alimentos trazemos, os quais queremos partilhar nesta noite:
Zerôa – Ergue-se um pedaço de cordeiro assado. Ler Êxodo 12.3-5 e 9. Contar sobre o significado do cordeiro na Festa da Páscoa e na Santa Ceia. Dirigente mostra o símbolo e diz: Bendito sejas tu, Senhor nosso Deus, que alimentaste o teu povo com assado de cordeiro antes de se pôr em fuga da escravidão do Egito. Bendito sejas tu, Senhor nosso Deus, que deste teu Filho Jesus Cristo em sacrifício por nós. Amém.
HPD 371
Partilhar pequenos pedaços de carne de cordeiro assados na brasa e servir aos participantes. (Valer-se de palitos ou garfos)
Matzá – Ler Êxodo 12.8: “Nessa noite a carne deverá ser assada na brasa e comida com pães sem fermento…” (A cada leitura segurar na mão o alimento que está sendo mencionado.) Contar sobre o significado do pão asmo na Festa de Páscoa e na Santa Ceia. Dirigente mostra o símbolo e diz: Bendito sejas tu, Senhor nosso Deus, que fazes nascer o trigo que alimenta o teu povo com pão, com pão sem fermento. Bendito sejas tu, Jesus Cristo, que deste teu corpo em nosso favor.
Maror – Ler Êxodo 12.8: “Nessa noite a carne deverá ser assada na brasa e comida com pães sem fermento e com ervas amargas”. (A cada leitura, segurar na mão o alimento que está sendo mencionado.) Contar sobre o significado das ervas amargas na Festa de Páscoa. Dirigente mostra o símbolo e diz: Bendito sejas tu, Senhor nosso Deus, soberano do universo, que permites que comamos ervas amargas. Servir aos participantes pão asmo com ervas amargas.
HPD 424
Dar seguimento, celebrando a Ceia do Senhor na forma habitual. Comendo as “ervas amargas”, lembramos as amarguras da vida sem Deus e sem Jesus, quando escravizados pelo pecado. “Pão sem levedo” e o “cálice” do suco de uva sem fermento têm sido estabelecidos como símbolos apropriados do seu corpo sem pecado e da pura redenção, através do sangue, pelos seus e meus pecados, “até que ele venha”.
Bênção
HPD 378
Bibliografia
COLE, R. Alan. Êxodo, introdução e comentário. São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova e Associação Religiosa Editora Mundo Cristão, 1972.
EIS, Werner. In: Neue Calwer Predigthilfen, Fünfter Jahrgang. Stuttgart: Calwer Verlag, 1982.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).