E você, já faz parte da missão de Deus neste mundo?
Proclamar Libertação – Volume 44
Prédica: Ezequiel 33.7-11
Leituras: Mateus 18.15-20 e Romanos 13.8-14
Autoria: Roger Marcel Wanke
Data Litúrgica: 14° Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 06/09/2020
1. Introdução
Na IECLB, estamos falando nos últimos anos sobre missão. Esse assunto nunca pode deixar de ser tratado, pois ele é o DNA da comunidade cristã. A igreja de Jesus Cristo deixa de ser igreja se não tiver a missão em sua essência. O texto previsto para a pregação do 14º Domingo após Pentecostes tem um forte apelo missionário. E não poderia ser diferente. Deus não chama seus profetas, muito menos sua igreja para permanecerem no mesmo status quo, em sua zona de conforto. Deus chama a viver a missão que ele mesmo nos concede. Pelo fato de Deus amar os perdidos, os perversos e querer a sua salvação, ele chama a sua igreja para anunciar o evangelho, convidando as pessoas a se converterem de seus maus caminhos, a fim de segui-lo pela fé, em amor e para a esperança.
Nesse sentido, o texto previsto para a pregação do profeta Ezequiel 33.7-11 nos confronta com uma verdadeira intencionalidade missionária de Deus e uma tremenda responsabilidade missionária concedida por Deus a cada pessoa cristã. Deus não se agrada da perdição e da condenação das pessoas. Por isso ele chama cada pessoa cristã, sua comunidade e lhe dá uma tarefa sublime: advertir o perverso do juízo e anunciar-lhe a salvação. Qualquer semelhança com a distinção reformatória entre Lei e Evangelho não é mera coincidência. Também a missão da igreja depende dessa distinção.
Dois textos acompanham a pregação como leituras bíblicas: na primeira, trata-se de uma orientação importantíssima de Jesus, dada aos seus discípulos no famoso “Discurso da Igreja”, em Mateus 18.15-20, no qual Jesus explica o que significa pertencer à comunidade dos seus discípulos. Nos v. 15-20, o assunto aborda a forma de tratar um irmão culpado, que não admite sua culpa. Perverso na Bíblia é sempre aquele que não reconhece o seu pecado, a sua culpa e não se arrepende. É interessante perceber que Jesus não despreza pessoas que são culpadas e não admitem suas culpas. Após três tentativas de promover a reconciliação entre as pessoas que vivem em pecado e culpa, Jesus não as expulsa, mas pede que seus discípulos as considerem como gentios e publicanos. Ora, gentios e publicanos são o alvo da missão de Deus no Novo Testamento. A comunidade de Jesus não se livra tão fácil das pessoas que são o alvo da missão de Deus. Por isso Jesus promete estar presente no meio daquelas pessoas, sejam duas ou três, que vivem do perdão e estão reunidas em seu nome (Mt 18.20).
Já a exortação de Paulo em Romanos 13.8-14, texto da segunda leitura bíblica, destaca o fato de não ficar devendo nada a ninguém, exceto o amor com o qual nos amamos uns aos outros. Isso só é possível quando entendemos o que Deus fez por nós em Jesus Cristo (Rm 1 – 11). O atalaia de Deus é aquele que experimentou o amor de Deus, no encontro pessoal com Deus (Rm 1), no arrependimento, na confissão do pecado (Rm 3), na experiência do perdão de Deus (Rm 6 –7) e na mudança de vida (Rm 12.1-2), caracterizada pela conversão de seus maus caminhos, tornando-se discípulo e discípula de Jesus Cristo.
2. Análise exegética
O profeta Ezequiel vive e atua em um dos momentos mais trágicos da história do povo de Israel: o período do exílio babilônico. Nascido numa família sacerdotal em Jerusalém, pouco antes das reformas promovidas pelo então rei Josias (622 a.C.), testemunha e experimenta o desastre, que sobreveio a Jerusalém, provavelmente em 598 a.C., com a invasão de Nabucodonosor, rei da Babilônia (cf. 2 Reis 22 – 25). Ezequiel foi levado à Babilônia, naquele mesmo ano, no primeiro contingente de cativos de Judá e instalado num assentamento de refugiados, próximo ao rio Quebar, um canal afluente do rio Eufrates, no sul da Babilônia, nas proximidades da cidade de Nipur. O tempo na Babilônia parece não ser tão temporário como se pensava (Jr 28). Mas depois de receberem uma carta do profeta Jeremias, que ainda estava em Jerusalém (Jr 29.1-23), a comunidade exilada na Babilônia percebe que o tempo deles ali seria longo. Deus, porém, não os deixou sem sua Palavra na Babilônia. Cinco anos mais tarde (cf. Ez 1.1-2), Deus chama Ezequiel para ser seu profeta no meio da comunidade exilada, às margens dos rios da Babilônia (Sl 137). O livro de Ezequiel apresenta duas vezes a narrativa de vocação de Ezequiel. Ele é chamado por Deus e comparado a um atalaia (cf. Ez 3.16-21; 33.1-20), um vigia, que ficava numa torre e tinha a tarefa de avisar os moradores de sua cidade, caso visse algum perigo se aproximando, principalmente algum exército ou bando de salteadores chegando para conquistar a cidade. O atalaia era tão responsável pela segurança da cidade, que se ele não avisasse o seu povo e alguém viesse a morrer, por ocasião de uma invasão, ele pagava com sua vida pela morte de pessoas de seu povo.
O livro de Ezequiel pode ser subdividido em quatro partes principais: a) os oráculos de Juízo contra Jerusalém (Ez 1 – 24); b) os oráculos de juízo contra as nações (Ez 25 – 32); c) os oráculos de salvação e restauração de Jerusalém e de Judá (Ez 33 – 48); d) as últimas visões de Ezequiel: a restauração do Templo, do príncipe e da terra (Ez 40 – 48). A partir disso, podemos perceber que a nossa perícope encontra-se no início de uma série de oráculos de salvação. A perícope destaca uma nova instrução ao profeta sobre a justiça de Deus e a responsabilidade individual, tanto do ser humano perverso e pecador, diante de seu pecado e da necessidade do arrependimento e da conversão, como do atalaia, justo e perdoado de seu pecado e que tem a tarefa de avisar, advertir o perverso de seus maus caminhos. O texto pode ser estruturado a partir das quatro ocorrências da expressão “e tu” [veata’] marcando claramente o chamado e o diálogo de Deus a Ezequiel:
v. 7 E tu: o chamado de Ezequiel como atalaia em favor dos perversos
v. 9a Mas tu: a conversão do perverso de seu caminho e de seu pecado
v. 9b Mas tu: o livramento do juízo de Deus sobre o seu atalaia
v. 10 E tu: a conversão do povo de Israel que é perverso
v. 11 Fundamentação da missão: o Senhor não se agrada da morte do perverso
As quatro ocorrências da expressão “e tu” [veata’] na perícope em questão apontam também para essa dimensão bem individual da responsabilidade missionária do atalaia. A salvação do perverso e sua própria salvação estão sob sua responsabilidade. Vejamos agora alguns detalhes a respeito do conteúdo e da interpretação dessa perícope:
E tu: o chamado de Ezequiel como atalaia em favor dos perversos (v. 7-8)
Após a tarefa do atalaia ser descrita em detalhes nos v. 1-6, Deus chama Ezequiel pessoal e individualmente a assumir pela segunda vez sua tarefa de atalaia diante do seu povo exilado na Babilônia. Deus o chama de filho do homem. Essa expressão aparece 97 vezes no Antigo Testamento e 93 somente no livro de Ezequiel. Ela não pode ser confundida com a mesma expressão usada no livro de Daniel. Aqui, refere-se à humanidade, à pequenez e à fragilidade do profeta diante da presença do Deus eterno. Algumas versões bíblicas em português traduzem por homem mortal. A imagem do atalaia aparece bem pouco no Antigo Testamento, mas o suficiente para impactar quem lê os textos, nos quais ela aparece (cf. Is 21.6-11; Os 9.8; Jr 6.17; Ez 3.16-27). Deus instituiu Ezequiel, acima de tudo, por atalaia em favor da casa de Israel, que está exilada na Babilônia. Eles são o alvo, neste momento, da missão de Ezequiel. Por isso essa perícope abre o bloco dos oráculos de salvação de Judá. Ezequiel é chamado a fazer duas coisas básicas: ele deve ouvir a palavra de Deus da boca do próprio Deus. Depois de ouvir o que Deus tem a dizer, Ezequiel deverá advertir [avisar] a casa de Israel acerca de Deus e de seu juízo. No v. 8, encontramos o conteúdo que deve ser anunciado por Ezequiel e ao mesmo tempo as implicações dessa sua tarefa homilética sobre si mesmo: quando Deus disser que o perverso deverá ser condenado, por causa de seu pecado e de seu caminho distante de Deus [no hebraico há uma ênfase, conhecida por figura etimológica que literalmente diz: morrer morrerás, ou seja, certamente morrerás – Cf. Gn 2.17; Rm 6.23] e o profeta não o advertir, para se arrepender de seu caminho e de sua perversidade, então o atalaia terá de prestar contas diante de Deus e pagará com sua própria vida pela vida dos perversos. Aqui é importante lembrar que o texto está falando da advertência aos perversos diante do juízo de Deus. O povo de Judá estava, no exílio babilônico, experimentando exatamente o juízo de Deus. O texto deixa claro que o chamado a ser atalaia foi dirigido por Deus ao seu profeta. Contudo, essa era a tarefa dada por Deus a cada pessoa pertencente ao povo de Israel. O povo de Israel foi chamado a ser bênção a todas as famílias da terra (Gn 12.1-3), a ser luz para os gentios (Is 42.1-7) e a anunciar o fim do juízo de Deus sobre o perverso (Jonas). Mas não foi bem isso que aconteceu em sua história.
Mas tu: a não conversão do perverso e o livramento do atalaia (v. 9)
No v. 9 aparece duas vezes a expressão hebraica veata’. Agora, no entanto, a conjunção “vav” assume uma conotação adversativa. Por isso duas vezes ela é traduzida como “mas tu”. Essa situação adversa, descrita aqui, prevê o livramento do atalaia, caso o perverso não se converta de seu mau caminho, mesmo com a advertência e o anúncio do juízo por parte do atalaia. O perverso certamente morrerá, mas o atalaia terá sua vida poupada, livrada da morte. Pecado tem consequências: o juízo de Deus. A advertência do profeta, enquanto atalaia, deve ser dirigida tanto ao perverso como ao justo. Ao primeiro, para que se converta e mude a direção de sua vida. Já ao segundo, para que não se desvie do bom caminho e se torne, ele mesmo, um atalaia. O atalaia tem, portanto, uma responsabilidade missionária muito grande. Isso lembra, de certa forma, o testemunho de Pedro e João diante do sinédrio: pois nós não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos (At 4.20), bem como do próprio apóstolo Paulo, que aos judeus em Corinto diz: Sobre a vossa cabeça, o vosso sangue! Eu dele estou limpo e, desde agora, vou para os gentios (At 18.6), como também, após ter testificado tanto a judeus como a gregos o arrependimento para com Deus e a fé em Jesus Cristo, diz aos presbíteros da igreja de Éfeso em Mileto: Portanto, eu vos protesto, no dia de hoje, que estou limpo do sangue de todos; porque jamais deixei de vos anunciar todo o desígnio de Deus. Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue (At 20.26-28).
E tu: a conversão do povo de Israel (v. 10)
Pela quarta vez Deus chama Ezequiel com “e tu”. Deus retoma o diálogo com o seu povo por meio de Ezequiel. O povo estaria dizendo que o peso do seu pecado está sobre eles e que, por isso, estão desfalecendo (cf. Sl 32) e assim clamam a Deus: Como, pois viveremos?. A resposta de Deus virá no v. 11. Mas o que chama a atenção aqui é a ocorrência de dois termos bíblicos (“transgressão” e “pecado”), que juntamente com o termo “iniquidade” do v. 8, formam nessa perícope a tríade do conceito veterotestamentário de pecado. Pecado no Antigo Testamento é errar o alvo, se afastar de Deus. A partir disso vem a iniquidade do ser humano, que o leva à culpa e, por fim, ele se rebela contra Deus e pratica a transgressão dos mandamentos de Deus. Tudo isso está no pano de fundo do juízo de Deus nesse texto. Para a conversão de tudo isso, Deus chama Ezequiel para ser o seu atalaia diante do povo de Israel.
Fundamentação da missão: o Senhor não se agrada da morte do perverso (v. 11)
Diante da pergunta decisiva em relação ao juízo de Deus feita retoricamente pelo povo de Israel no v. 10: Como, pois, viveremos?, Deus responde no v. 11 de forma concreta, por meio de
a) um juramento: Tão certo como eu vivo, diz o Senhor Deus;
b) uma reafirmação de sua intencionalidade missionária na promessa: não tenho prazer na morte do perverso, mas em que o perverso se converta do seu caminho e viva;
c) um apelo duplo e enfático à conversão de seu próprio povo: Convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos;
d) uma pergunta retórica: pois por que haveis de morrer, ó casa de Israel? Deus não tem prazer na morte do perverso, mesmo quando esse perverso é o seu próprio povo, como é o caso aqui em Ezequiel. O Senhor é o criador, Deus da vida. Ele se alegra com aqueles que voltam para ele e vivem com ele. Ezequiel sabe que a vida vem da justiça de Deus e que a morte vem do pecado. Isso não é um processo meramente natural, mas uma questão de fé, ou seja, uma decisão de fé. Por isso a conversão é fundamental. Todos os profetas do Antigo Testamento, desde Samuel até Malaquias, enfatizaram a conversão do povo de Israel e o chamaram ao arrependimento constantemente. O Senhor quer a conversão de seu povo. E isso é pura graça de Deus. Não existe, em toda a Bíblia, graça que permita pecar. Quem prega diferente disso engana a si mesmo e a seus ouvintes. Deus não deseja o juízo, mas a conversão, que salva diante do juízo (cf. Jr 4; Jl 2; Jn 3 – 4; Rm 2). O como, pois viveremos com o peso do pecado dito pelo povo de Israel contrasta claramente com o como, pois morrereis, ó casa de Israel, questionado por Deus. Trata-se, portanto, aqui neste texto, de uma questão de vida ou morte.
Diante disso, é muito bom saber que Jesus Cristo assumiu o papel do verdadeiro atalaia. Ele pagou com sua vida pelo pecado tanto do perverso como do justo. O nosso sangue e o dos outros não é mais cobrado de nós mesmos. Mas Jesus derramou o seu sangue por nós. Contudo, a tarefa da igreja de Jesus Cristo e de cada pessoa cristã continua sendo a intencionalidade missionária de Deus, de chamar o perverso à conversão e trazer-lhe a salvação. Jesus, o verdadeiro Filho do Homem, veio para buscar e salvar o perdido (Mc 10.45).
3. Meditação
Como a análise exegética mostra, a perícope de Ezequiel 33.7-11 fala da intencionalidade missionária de Deus, que não se agrada da morte do perverso, mas quer a sua conversão de seus maus caminhos e de seu pecado, transgressão e culpa, ou seja, a sua salvação. Para que isso aconteça, Deus chama pessoas e as institui como seus atalaias. Isso traz para nós uma série de implicações. Vejamos brevemente algumas delas, que podem nos inspirar para a pregação.
a) A intencionalidade missionária de Deus não é a mesma coisa que universalismo – Embora seja uma interpretação teológica muito comum, o universalismo não é bíblico. Ele negaria a revelação exclusiva de Jesus Cristo, bem como a sua obra vicária em favor da humanidade. A tarefa missionária da igreja é conduzir pessoas para Jesus, o Salvador, porque Deus amou o mundo de tal maneira, que essa foi a sua intenção, para que ninguém se perdesse (Jo 3.16). Mas o texto mostra que o Deus salvador, revelado em Jesus Cristo, por um lado, não força ninguém a segui-lo. Por outro, porém, envia pessoas para adverti-los de sua condenação, caso não se converterem de seu caminho e de seu pecado. Jesus já assumiu o juízo do perverso sobre si. Mas se o perverso não se converter ao Senhor, a ira de Deus continua sendo real. Por isso o ser humano deve ser perguntado por sua postura em relação a Deus. Ou ele está aos pés da cruz e diante de Deus, ou ele está em pé diante de si mesmo e distante de Deus.
b) A intencionalidade missionária de Deus não é a mesma coisa que proselitismo – O texto deixa claro que os perversos e perdidos são o alvo da missão intencional de Deus. No texto de Ezequiel, o perverso pode ser tanto os povos e nações vizinhas de Israel, que viviam em idolatria (cf. Ez 25 – 32), como e, infelizmente, o próprio povo de Israel, como é o caso da perícope em questão. Deus quer alcançar as pessoas que estão fora da igreja cristã. Porém fazer parte do povo de Israel, do povo da aliança, que tinha o templo de Jerusalém, que fazia todos os sacrifícios, que tinha a Lei e os Profetas, não bastava para experimentar a salvação de Deus. Ezequiel, como atalaia, tem uma tarefa bem importante: chamar ao arrependimento.
c) A intencionalidade missionária de Deus não é a mesma coisa que conversionismo – Embora muitas pessoas hoje tenham dificuldades com o termo e o conceito bíblico conversão, é inegável a sua presença e o seu convite na Bíblia. A perícope dessa pregação é testemunha clara dessa intenção e desse convite de Deus. Mas também Jesus não veio a este mundo para convidar pessoas a se envolver em ações sociais, muito menos em movimentos sociais, ou a ficar enclausuradas em suas igrejas, reclusas da sociedade e de seus problemas. O chamado principal da igreja é para a fé, ou seja, para a conversão. A primeira pregação pública de Jesus registrada na Bíblia deixa bem claro esse propósito: […] foi Jesus para a Galileia, pregando o evangelho de Deus, dizendo: O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho (Mc 1.14-15). Jesus Cristo mesmo foi o verdadeiro atalaia de Deus. Por isso a tarefa do atalaia não é converter pessoas, mas adverti-las do juízo e anunciar-lhes a salvação. Elas devem saber que estão perdidas e devem ser avisadas da condenação e da necessidade do arrependimento. A intenção de Deus é claríssima! Deus quer a conversão do ser humano em sua direção. Por isso é o próprio Deus que converte o ser humano para viver com ele e segui-lo em seus caminhos. O ser humano não consegue por seu próprio esforço se converter a Deus. Ele precisa ser convertido por Deus. É por isso que discipulado não significa convidar Jesus para andar comigo. Pelo contrário, discipulado na Bíblia é sempre Deus que me convida a seguir os seus passos. Para seguir os seus passos é necessário haver a conversão, a mudança de direção dos caminhos, a transformação de vida. Isso Deus faz. O que eu faço é apenas anunciar às pessoas o que Deus fez na vida delas em Jesus Cristo e o que ele pode fazer na vida delas a partir de Jesus Cristo.
Ezequiel é um livro de visões em todos os sentidos. Além das visões típicas da tradição profética e apocalíptica (por isso o livro de Ezequiel é reinterpretado na tradição da apocalíptica judaica, bem como no livro neotestamentário de Apocalipse de João), o livro de Ezequiel nos mostra uma nova visão acerca de quem é Deus. Ele nos mostra uma nova visão de quem é o ser humano. Ele nos mostra uma nova visão da comunidade do povo de Deus. E na perícope em estudo, ele nos mostra claramente uma nova visão da intenção missional de Deus, ou seja, a conversão e a salvação dos perdidos e uma nova visão do chamado missional de seu profeta e de seu povo, ou seja, ser um atalaia que adverte os perversos do seu pecado, que os convida para se converterem de seus maus caminhos ao Senhor, para que experimentem a justiça de Deus. Isso significa que estamos diante de um dos textos mais inspiradores, desafiantes e fundantes da missão e para a missão da igreja neste mundo e para a missão da IECLB no Brasil.
4. Imagens para a prédica
O texto é muito rico e já traz em si mesmo uma imagem, que pode ser usada para explicar o papel e o chamado de Ezequiel e da comunidade, respectivamente, como atalaia de Deus. Inicie sua pregação retratando o contexto literário próximo (Ez 33.1-6) por meio da imagem de uma torre de vigia e explore esse aspecto, a fim de introduzir o conteúdo da pregação. Essa torre de vigia poderia ser compreendida em nossos dias com o endereço e o papel de nossas comunidades em nossas cidades. Por exemplo, as torres de nossas igrejas, são parecidas com as torres de vigia, das quais fala a nossa perícope. Que papel tem a torre da nossa igreja? Até onde vai a visão missionária de nossa comunidade? Ela vai além da sombra da torre da nossa comunidade? Que papel missionário tem a nossa igreja em nossa cidade? Estamos alertas, como atalaias, em favor da salvação das pessoas perdidas de nossa cidade? Subsídios para essa imagem podem ser encontrados tanto no primeiro PAMI (2000-2008), como também no segundo PAMI (2008-2012-2018). As Metas Missionárias da IECLB (2019-2024) também contemplam de forma fundamental essa intencionalidade missionária.
Um aspecto teológico muito importante aqui nesta perícope deveria ser considerado também na sua reflexão homilética. Ezequiel é o primeiro em toda a história literária e teológica do Antigo Testamento que estabelece a responsabilidade pessoal pelo pecado do ser humano e a responsabilidade individual na tarefa missionária (Ez 14.12-23; 18.1-32; 33.10-20). Essa responsabilidade pessoal e individual deveria ser retomada nas formulações dos tópicos da pregação. Assim, tanto a estrutura como a teologia da perícope são preservadas e valorizadas na pregação. Veja abaixo a sugestão:
Tema da pregação: E você, já faz parte da missão de Deus neste mundo?
– Deus chamou você para ouvir o que ele tem a dizer às pessoas deste mundo
– Deus chamou você para advertir as pessoas diante do seu juízo
– Deus chamou você para convidar as pessoas a se converterem de seu caminho
– Deus chamou você para amar os perdidos e a conduzi-los para Deus
5. Subsídios litúrgicos
Liturgia de entrada
Para o início do culto, considerando o calendário litúrgico (Domingo após Pentecostes) e a ênfase teológica do livro profético de Ezequiel como um todo, pode ser cantado o hino Deus está presente (LCI 14). Como o tema do culto é o chamado para a missão da pessoa cristã e da comunidade cristã, pode-se cantar ainda os hinos previstos com esse tema: Deus sempre me ama (LCI 581), nesse caso, seria uma boa sugestão. No momento da confissão dos pecados, nada melhor do que cantar com a comunidade um hino que expressa tanto o peso do pecado como a alegria daquele que, após a conversão ao Deus vivo e verdadeiro, por meio da obra redentora de Jesus Cristo: Foi na cruz (LCI 585).
Liturgia da palavra
Antes da pregação, sugere-se cantar o hino Há sinais de paz e de graça (LCI 582). Após a pregação, sugere-se cantar o hino Deus fará que tua vida tome um rumo salutar (LCI 589).
Liturgia de despedida
Ao final do culto sugere-se cantar o hino Vem, derrama a paz (LCI 288), ou ainda o hino Quem quer cantar do amor (LCI 588).
Bibliografia
MAIER, Gerhard. Der Prophet Hesekiel. Wuppertaler Studienbibel. Wuppertal: Brockhaus, 2000.
BRANDENBURG, Hans. Hesekiel: Priester, Seher, Prophet. 2. Aufl. Giessen und Basel: Brunnen Verlag, 1977.
NIHAN, Christophe. Ezequiel. In: RÖMER, Thomas; MACCHI, Jean-Daniel;
NIHAN, Christophe (Orgs.). Antigo Testamento: história, escritura e teologia. São Paulo: Loyola, 2010. p. 435-458.
ANDIÑACH, Pablo R. Introdução Hermenêutica ao Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 2015.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).