Proclamar Libertação – Volume 34
Prédica: Filipenses 1.3-11
Leituras: Malaquias 3.1-4 e Lucas 3.1-6
Autor: Eloir Enio Weber
Data Litúrgica: 2º Domingo do Advento
Data da Pregação: 06/12/2009
1. Introdução
Um texto da “Epístola da Alegria” para esse alegre tempo de Advento! Anunciar e viver o evangelho é motivo de alegria, pois ele traz como cerne a salvação que Deus, em Cristo, traz às pessoas de fé. Esse tempo de Advento é um tempo diferente nos sentimentos das pessoas: por um lado, todas estão esgotadas e anseiam por algum período de descanso; por outro lado, elas estão espiritualmente mais abertas para acolher a mensagem do evangelho. Por isso, em primeiro lugar, a “Epístola da Alegria” quer ser um convite para que o evangelho de Cristo nos faça erguer os olhos e esboçar um sorriso, pois “aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus” (v. 6). O Advento aponta para esse dia e nos impulsiona a viver a vida e a fé, sabendo que esse dia chegará.
Há uma convergência bonita entre os três textos indicados para este domingo. O texto para a pregação (Fp 1.3-11) mostra uma relação de afeto e de carinho muito especial do apóstolo Paulo com a comunidade de Filipos. Uma relação de proximidade que aumentou porque a comunidade sempre cooperou e participou com dedicação para que o evangelho de Cristo fosse mantido na sua essência. Essa proximidade é expressa, neste texto, em forma de gratidão: “por tudo o que recordo de vós” (v. 3) e “pela vossa cooperação no Evangelho” (v. 5); e, num segundo momento, em forma de pedido: Que o amor entre os cristãos de Filipos aumente cada vez mais a fim de que possam estar “cheios do fruto da justiça” (v. 11) e “inculpáveis para o Dia de Cristo” (v. 10), cooperando com o Evangelho, “para a glória e louvor de Deus” (v. 11).
O texto do Antigo Testamento (Ml 3.1-4) é uma reação diante das injustiças praticadas pelo povo. O texto afirma que Deus vai intervir na história produzindo uma nova ordem (Nova Aliança?), na qual a justiça será praticada e o direito será restabelecido para todos. Então o culto será “agradável ao Senhor” (v. 4), pois as injustiças serão “derretidas e lavadas” (v. 2). O texto apresenta um mensageiro que virá para preparar o caminho diante de Deus. Esse mensageiro, no Novo Testamento, é apresentado como João Batista (Mc 1.2).
O Evangelho (Lc 3.1-6) é um texto clássico para o tempo de Advento. João Batista traz como mensagem o “batismo de arrependimento” (v. 3) e, com as palavras do profeta Isaías, anuncia que “toda carne verá a salvação de Deus” (v. 6).
Temos, pois, no Antigo Testamento o anúncio que Deus vai intervir; no Evangelho é dito que esse tempo se cumpriu. O texto da pregação ressalta como a boa-nova é aplicada na prática comunitária em Filipos.
2. Exegese
2.1 – A Carta aos Filipenses
Filipos foi a primeira cidade europeia que recebeu a mensagem do evangelho. Ela foi fundada durante a segunda viagem missionária do apóstolo Paulo. O primeiro núcleo dessa comunidade surgiu na casa de Lídia, uma vendedora de púrpura, que ouviu a mensagem de Paulo nas margens do rio, junto com outras mulheres (At 16). Não se sabe ao certo o lugar e a data em que a carta foi escrita. No entanto, a maior parte dos estudos aponta para o tempo na prisão, na cidade de Éfeso, por volta dos anos 54-55. Apesar de provavelmente ter sido escrita na prisão, em meio às incertezas do autor, ela é chamada de “carta da alegria”, porque esse é um tema que aparece forte na mesma.
2.2 – O texto
O texto em estudo encontra-se na parte introdutória da carta de Paulo aos Filipenses. Logo após a saudação inicial, Paulo faz referência aos sentimentos que tem em relação à comunidade em forma de ação de graças e súplica. Pode-se dividir o texto em duas partes: a) os motivos que os filipenses dão a Paulo para agradecer a Deus (oração de agradecimento – v. 3-8); b) o que Paulo pede a Deus intercedendo em favor dos filipenses (oração de intercessão – v. 9-11).
V. 3-5 – Inicialmente, percebe-se a proximidade que o apóstolo Paulo tem em relação à comunidade. Ele começa dizendo que dá “graças ao meu Deus”: ação de graças tem a ver com o coração, com o sentimento, com a fé. Na prisão, Paulo percebe as pessoas e as comunidades que permanecem na fé em Cristo e cultivam um sentimento de fraternidade com ele. Ele ressalta que agradece a Deus por tudo o que recorda dos filipenses e por sua cooperação no evangelho. A gratidão que Paulo demonstra é motivada pela fé dos filipenses e por sua dedicação em manter a essência do evangelho.
V. 6 – Nesse versículo, Paulo aponta para Deus, que começou a obra em Filipos. Apontando para Deus, ele tira o foco de si mesmo. O missionário é um agente a serviço de Deus. A ação missionária não tem o ponto de partida na ação de seres humanos, mas na ação de Deus, que age pelo Espírito Santo. Assim como Deus iniciou a obra, ele há de encaminhá-la a bom termo, de forma completa e definitiva no “Dia de Cristo Jesus”. Percebe-se que a ação missionária tem como objetivo o reino de Deus. O início, o meio e o fim da missão estão no próprio Deus.
V. 7-8 – Paulo reafirma o seu sentimento de afeto pelos filipenses: “vos trago no coração” e “saudade que sinto de vós”. Com essas afirmações o apóstolo Paulo dá testemunho da comunitariedade da fé cristã, que relaciona as pessoas ligando as suas vidas e trazendo a esperança de que todos são participantes da graça. A participação na graça de Deus, em Cristo, coloca-nos em pé de igualdade; isso Paulo transmite à comunidade de Filipos.
V. 9-11 – Na oração de intercessão que Paulo faz em favor dos filipenses, ele suplica que o amor entre eles aumente cada vez mais. A comunidade de fé sustenta-se no amor de Deus. Esse amor precisa refletir na prática comunitária que se desdobra em afeto, misericórdia, comunhão, diaconia e na prática da oração. A origem do amor cristão deve estar na fé em Jesus Cristo, e o alvo do agir cristão é que todas as pessoas estejam “inculpáveis para o Dia de Cristo”. Nesse ponto, Paulo aponta para o reino. Ele se propõe a orar para que o amor cresça entre os filipenses a fim de que todos cheguem ao reino. O amor produz “o fruto de justiça”. A comunitariedade expressa-se na prática da justiça, pois o amor não suporta e não convive com as injustiças. O sentimento fraterno requer tratamento igualitário.
3. Meditação
Dois temas centrais saltam aos olhos de quem lê a perícope: gratidão e intercessão. São temas fortemente interligados: tanto gratidão como intercessão são temas comuns em nossas orações. Portanto o ponto de partida é a postura de oração.
Estamos vivendo o tempo de Advento. Muitas pessoas aproveitam esse período para começar a fazer um balanço do ano civil, que está por encerrar. No calendário litúrgico, já estamos no início de um novo ano. É um tempo de preparação para celebrar o Natal. Portanto um momento para reflexão sobre o sentido da nossa vida e da nossa fé. Perguntar pelo espaço que a oração tem em nosso cotidiano. Olhar para as pessoas, a igreja e o mundo e perceber que somos, como cristãos, chamados a orar, trazendo ações de graças e súplicas diante de Deus.
Ao olhar para o mundo atual, pode-se dizer que, cada vez mais, as pessoas estão insatisfeitas. Supervalorizam as perdas e não percebem os sinais do amor de Deus em suas vidas. Não percebem as pequenas e grandes bênçãos em sua volta. Neste tempo de Advento, especialmente, estão preocupadas em acertar nos presentes de Natal. E, não raras vezes, dão-se conta do quanto é difícil a tarefa de agradar os outros e acertar os gostos alheios. É difícil agradar o ser humano. Vale refletirmos sobre esse tema, pois somente um coração grato agradece verdadeiramente.
Advento é um tempo de reflexão sobre o grande amor de Deus revelado em Jesus Cristo. Por isso mesmo o sentimento da época deve ser de gratidão. O apóstolo Paulo, ao olhar para a comunidade de Filipos, encheu o coração de alegria e em ação de graças colocou-se diante de Deus. Na vivência comunitária, percebe-se a importância das outras pessoas, que são irmanadas conosco pelo Espírito Santo.
A nossa capacidade de agradecer demonstra onde está o nosso coração. Somente conseguimos agradecer plenamente por aquilo que enche o nosso coração de alegria. No caso do apóstolo Paulo, ao olhar para a fé e o exemplo de comprometimento com o evangelho de Cristo da comunidade de Filipos, a reação foi de gratidão.
A nossa capacidade de agradecer está intimamente ligada à capacidade de interceder. A gratidão faz-nos olhar para além de nossas necessidades pessoais. A confiança em Deus faz surgir o amor em nós. O amor não permite que nos ocupemos somente conosco; ele não tolera o egoísmo.
O Advento é tempo de anúncio. O tema central do anúncio cristão é a salvação em Cristo Jesus. A salvação leva-nos a olhar para frente, para o futuro, para onde os nossos olhos não conseguem enxergar ainda: o reino. Advento não é só um período de preparação para a festa que rememora o nascimento de Cristo. A fé não pode contentar-se em celebrar somente o passado. Ela quer celebrar e antever o reino. É tempo de preparação para essa festa maior, que é o reino. O texto em questão, ao natural, trata desse tema central para a fé cristã: Paulo fala duas vezes do “Dia de Cristo Jesus” (v. 6) e “Dia de Cristo” (v. 10).
4. Imagens para a prédica
Penso que a pregação precisa ir ao encontro daquilo que o texto traz como conceito central: agradecimento e intercessão, fazendo uma ligação com o tema de fundo para o tempo de Advento: apontar o reino. A seguir, trago quatro pontos pelos quais a pregação pode passar.
a) Trazer uma leitura exegética do texto: É importante localizar os ou- vintes no contexto da perícope. Levar os ouvintes a ler o texto sob a perspectiva da gratidão e intercessão, tendo como pano de fundo para a fé cristã e que se reflete neste tempo de Advento, que é o reino de Deus.
b) Refletir sobre o tema da gratidão: O texto aponta para a gratidão. Refletir sobre gratidão e ingratidão. Provocar essa reflexão a partir da constatação de como é difícil agradar as pessoas. As pessoas supervalorizam as perdas e acontecimentos negativos e não conseguem olhar a vida sob a ótica da graça de Deus, oferecendo ação de graças.
c) Refletir sobre o tema da intercessão: Como está a nossa solidariedade? Orar pelos outros requer comprometimento com a vida dos mesmos.
d) Advento e o reino: Percebe-se que há uma dificuldade de compreensão desse tempo de Advento. Muitas vezes, ele é visto somente como um tempo de preparação para o Natal. Não deixa de ser, mas não é só isso. Quer ser um tempo de olhar para a volta (aparusia) de Cristo. A pregação deveria pegar esse tema que o apóstolo Paulo trata pelo menos duas vezes no texto, refletindo sobre esse tempo de Advento.
5. Subsídios litúrgicos
Acolhida:
Prepara, Senhor, nossas mãos.
Prepara, Senhor, nossas mãos para um toque diferente. Para despertar ternura, afeto, consolo e amizade.
Que elas possam brindar, sustentar, construir e orientar.
Prepara, Senhor, nossos braços para um encontro diferente.
Para sentir a unidade, a proximidade, o manto da misericórdia que nos cobre, O calor que nos faz um só corpo.
Que eles possam fortalecer, proteger, alcançar a quem está longe.
Prepara, Senhor, nossos ombros para uma carga diferente. O peso das lágrimas alheias, da culpa do mundo,
Da própria cruz e de tantas outras.
Que possam eles ser cavalgadura dos filhos e filhas
Que entram no reino de Deus.
Prepara, Senhor, nosso coração para um pulsar diferente. Para bombear a vida que se esgota,
Para sentir-nos dentro desse grande peito
Que é a comunidade e a terra.
Que possa ele alegrar-se, festejar, ser redimido do desamor
E do abismo da prepotência.
Prepara, Senhor, nossa mente para uma verdade diferente. Para pensar em como viver de outra maneira, com pureza, Justiça, sabedoria, honradez e confiança.
Que nossas ideias possam nascer todos os dias
E compreender como o sol, que dá a luz sem discriminação, Sem julgar, sem submeter, sem condenar.
Prepara, Senhor, nossos pés para um caminho diferente. Para vencer o veneno, a traição e o medo.
Para andar como de dia, sem cansaço, sem desculpas.
Que eles levem a boa notícia, o bom humor, o bom semblante, A boa fé, nossos corpos humildes ressuscitados por tua Palavra.
Autor: Amós López (Cuba). (Rede Clai de Liturgia) Texto: Prepara, Señor, nuestras manos.
Tradução e adaptação: Eloir E. Weber.
Confissão de pecados:
Aonde vai nossa terra?
Aonde vai nossa terra?
Aonde vai nossa terra cheia de lágrimas? Se o amor é assassinado,
Se permanecemos divididos, Aonde vai nossa terra?
Deus de amor, perdoa-nos! Nada pode renascer,
Nada pode renascer e viver;
Se nossos punhos se fecham
E nosso esforço é desperdiçado, Nada pode renascer.
Deus da vida, perdoa-nos! Para construir a cidade,
Para construir a cidade em festa,
Necessitamos compartilhar O vinho, o sal e o trigo, Para construir a cidade.
Deus da partilha, perdoa-nos! No imenso mundo,
No imenso mundo em armas,
O ser humano tem sido feito para amar, Para trabalhar pela paz
No imenso mundo.
Deus da paz, perdoa-nos! Nunca, jamais a guerra!
Nunca, jamais a guerra! Queremos a amizade. Anunciamos a unidade: Nunca, jamais a guerra!
Deus da fraternidade, perdoa-nos!
Extraído de: “Los árboles del mar”. Didier Rimaud. Tradução: Eloir Enio Weber.
Kyrie eleison:
L.: Quando clamamos a Deus em favor dos que sofrem, queremos demonstrar que não estamos alienados do mundo, nem insensíveis ao que se passa ao nosso redor. Supliquemos a Deus, que promete ouvir nosso clamor:
L.: Clamamos, Senhor, por todas as pessoas que sofrem por estar envolvidas em guerras, em conflitos entre nações, por todas as que sofrem fome, sede, dor, injustiças e abandono. Escuta-nos, quando a ti clamamos:
C.: e Tem, Senhor, piedade…
L.: Clamamos, Senhor, pelas pessoas que aparentemente têm suas necessidades supridas, mas sofrem opressão, ameaças, sofrem aquela violência silenciada e escondida, protegida por quatro paredes, pelo medo das vítimas, pelo consentimento de sociedades injustas. Escuta-nos, quando a ti clamamos:
C.: e Tem, Senhor, piedade…
L.: Clamamos, Senhor, enfim, pelo nosso planeta, pela tua criação: dá que se estabeleça a paz na terra, usa a tua igreja, Senhor, para realizar esse Shalom. Escuta-nos, quando a ti clamamos:
C.: e Tem, Senhor, piedade…
Oração geral:
L.: Interceder é entregar nas mãos de Deus causas, pessoas e situações. É um reconhecimento humilde de que nós não damos conta de tudo sozinhos e que precisamos da intervenção de Deus. É oportunidade que temos, como cristãos, de olhar para além das nossas necessidades com o olhar carinhoso do próprio Cristo, percebendo sinais de dor e de sofrimento. No final de cada intercessão, cantamos juntos: “Ouve nossa oração…”. Oremos.
L.: Senhor, tu nos convidas para nos achegarmos a ti. Aconchegados em tua graça, pedimos em favor da tua igreja no Brasil. De forma especial pela IECLB. Concede que o amor entre os seus membros aumente mais e mais em pleno conhecimento da tua bondade. Anima para que a fé produza os frutos da justiça até o Dia de Cristo. Senhor, em tua bondade.
C.: e Ouve nossa oração…
L.: Intercedemos pelos governos e governantes de nossa nação, dos estados e municípios. Fortalece e encoraja aqueles e aquelas que procuram realizar seu trabalho com transparência e empenho pela vida. Corrige os que têm em vista apenas os seus próprios interesses. Senhor, em tua bondade.
C.: e Ouve nossa oração…
L.: Intercedemos em favor dos que sofrem porque estão solitários, enlutados, do- entes ou desamparados. Intercedemos pelos idosos desta comunidade, os viúvos, os portadores de deficiência. Ajuda-nos a ser uma comunidade viva e presente pelo nosso testemunho e pelos nossos gestos. Senhor, em tua bondade.
C.: e Ouve nossa oração…
L.: Tudo o mais que guardamos em nossos corações, entregamos a ti em confiança. Amém.
Bibliografia
BORTOLINI, José. A carta aos Filipenses: O Evangelho encarnado. São Paulo: Edições Paulinas, 1991.
CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo. 4. ed. São Paulo: Milenium Distribuidora Cultural, 1983.
KÜMMEL, Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Edições Paulinas, 1982.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).