A graça de Deus – nossa salvação
Proclamar Libertação – Volume: 46
Prédica: Filipenses 2.12-13
Leituras: Isaías 45.19-25 e Mateus 10.26b-33
Autoria: Odair Airton Braun
Data Litúrgica: Dia da Reforma
Data da Pregação: 31/10/2022
1. Introdução
Novamente celebramos o Dia da Reforma. Essa data relaciona-se com anunciar e proclamar a palavra de Deus, sua verdade e justiça. Esses são valores centrais para a Reforma e não devem ser deixados em segundo plano. A celebração da Reforma deve ser vista como uma oportunidade para olhar para a pregação como sendo algo mais amplo do que subir ao púlpito e proferir palavras. A palavra vem de Deus e por nosso meio, por meio do testemunho das comunidades deve chegar às pessoas, promover consolo, mudança de vida e mudança de posturas em meio à sociedade.
O culto no Dia da Reforma deve ser encarado como uma oportunidade para falar de aspectos centrais da Reforma promovida por Lutero. Em 2022, a Reforma cairá numa segunda-feira e a tendência de juntar com a celebração de domingo deveria ser evitada. A relevância da data é nobre e merece ser priorizada, independentemente de ser feriado ou não. Onde não é feriado, que possa ser celebrado na segunda-feira à noite, mesmo que seja por meio de celebração on-line. A data, todavia, deve ter prioridade e ser mantida exclusivamente para celebrar a Reforma, dando-lhe caráter e oportunidade de apresentar a obra de Lutero, suas ênfases e descobertas teológicas e os frutos decorrentes.
Feitas essas considerações, olhemos os textos que motivarão a reflexão do dia. A leitura do Antigo Testamento, Isaías 45.19-25, tem como ponto central a exclusividade de Deus, criador do mundo e da vida, sobre toda a criação. Não pode haver outros deuses (v. 20: […] pessoas carregando suas imagens […]). Nisso encontramos um pilar largamente apontado por Lutero e a Reforma, cuja mensagem deve perpassar a celebração do dia.
A passagem do Novo Testamento, Mateus 10.26b-33, tem como uma das principais características a narrativa de incluir os discípulos na atuação de Jesus. Mateus 9.35-38 aponta para a amplitude do desafio presente, ou seja, grande colheita, apresentando o clamor para que trabalhadores sejam agregados na jornada. Mateus 10 também apresenta Jesus chamando os discípulos, instruindo-os e advertindo-os sobre seu papel frente à sociedade. Mateus 10.26b-33, por sua vez, tem caráter consolador e encorajador frente aos desafios colocados (v. 26: não tenham medo de ninguém; v. 28: não tenham medo de quem mata o corpo), sem deixar de lado dimensões da promessa, conforme v. 31. A mensagem da palavra de Deus não pode e não deve ficar oculta. Sua luz, com potencial de transformar realidades, deve ser posta em destaque.
Isaías e Mateus, juntamente com a passagem de Filipenses 2.12-13, indicada para a pregação, estão perpassados pela intencionalidade de fortalecer os ouvintes diante dos desafios que os mesmos enfrentam no dia a dia. E uma vez desafiados, deve haver compromisso e envolvimento na busca do novo, da transformação. Sendo dia de celebrar a Reforma, essa perspectiva deve ser explorada a partir da atuação e exemplo de vida de Lutero.
2. Exegese
Importante observar que a cidade de Filipos, local do destino inicial da Carta aos Filipenses, foi uma importante colônia militar romana. Paulo esteve nessa cidade na sua segunda viagem missionária, entre o ano de 50 e 51 d.C. Pesquisadores defendem que ali foi o primeiro local na Europa onde chegou a palavra de Deus, que teria tido início na casa de uma mulher, Lídia, comerciante, que ouviu e acolheu a mensagem de Paulo, sendo batizada, como pode ser visto em Atos 16. Conforme 2 Coríntios 8.2, essa comunidade de Filipos teria levantado uma oferta destinada para o sustento de Paulo ao longo de suas viagens. O encarregado de levar e entregar essa carta teria trazido de volta, aos filipenses, a carta em estudo. Exegetas também apontam que Paulo teria, para com essa comunidade, zelo, cuidado e carinho, razão pela qual a linguagem é cordial. Em resumo, a carta visa avivar e fortalecer a alegria em Deus.
Filipenses 2.1-11 é perpassado pelo ensino de Paulo, que aponta de modo contundente para a humildade de Cristo, que deve ser o exemplo a ser seguido. Isso é possível, pois Cristo concede discernimento e confiança, força e orientação, de modo gratuito, encorajando-nos e dando inspiração por intermédio de seu amor e sua atuação. Em Filipenses 2.12-13 deve ser observado que Paulo não se dirige a uma pessoa. Ele afirma meus amados, do qual se entende estar falando com um grupo de pessoas, com uma comunidade. Igualmente fica evidente que Paulo tem estima e consideração por aquela comunidade que é tratada com palavras carinhosas e de estima.
Filipenses 2.12-13 precisa ser visto dentro de um conjunto maior, ou seja, deve ser lido levando em consideração o hino cristológico de Filipenses 2.(5)6-11. Nessa passagem, destaca-se que olhar para o exemplo de Cristo e procurar ter a mesma linha de conduta e atuação, ou seja, obedecer a Deus, é a vontade e o convite que o Criador faz. Os v. 12 e 13 são desdobramento do exemplo de Jesus Cristo, o qual manteve obediência até a morte na cruz para, desse modo, cumprir os propósitos de Deus. Celebrando a Reforma, essa verdade deve ser destacada com intensidade. Também é importante observar que o v. 10 faz referência à obediência e à oração, que, de certa forma, abrem as portas para a salvação, destacada no v. 13.
A partir de Filipenses 1.27 pode-se deduzir que os destinatários da carta enfrentavam alguma ameaça e possíveis influências estranhas vindas do mundo externo. A passagem de Filipenses 2.2 deixa transparecer a existência de intrigas no contexto dos receptores da carta. Ao que parece, a intenção de Paulo é prover e incentivar a unidade do grupo/da comunidade e seus integrantes. Isso tem estreita relação conosco e com os desafios que experimentamos. Filipenses 1.27 apresenta uma exortação no sentido de buscar resistência conjunta e perseverança diante dos desafios, e elas, a resistência e a perseverança, precisam estar ancoradas em Jesus Cristo.
Olhando de modo mais atento à passagem de Filipenses 2.1-13, percebe-se que humildade, harmonia e unidade são definições que descrevem aquilo que Paulo profere e que deve servir de admoestação também para os nossos dias. A vida cristã tem sua razão de ser unicamente em Deus e em seu seguimento. Na passagem em estudo, reforça-se a certeza de que a salvação é ação de Deus, sendo o fim último de vivermos em unidade e em comunidade. Essa salvação vem a nós por meio da graça de Deus; um presente por ele concedido de modo soberano. Contudo, também deve estar evidenciado que isso não elimina a responsabilidade que temos. Salvação não é resultado de esforço humano, mas é ação primeira de Deus a favor da humanidade, ou seja, das pessoas.
O texto indicado para orientar a pregação na Reforma de 2022 expressa o clamor e o desejo de Paulo para que a comunidade permaneça firme e perseverante no seguimento a Jesus, em cumprimento à vontade de Deus, que faz da comunidade um espaço diferenciado em meio ao mundo. O v. 12 inicia afirmando portanto ou por isso. Deste modo, estabelece-se contundente ligação com o hino cristológico que antecede a passagem em estudo, ou seja, Filipenses 2.5-11, assim como as exortações formuladas em Filipenses 1.27-2.4.
Desenvolver a salvação, assim como referido por Filipenses 2.12, pressupõe que Deus já agiu e nos alcançou. Receber a salvação de Deus de modo totalmente gratuito é um belo presente. Mas não pode ser visto e entendido como carta de alforria que leva ao descompromisso. A salvação precisa ser assumida com gratidão, levando ao comprometimento e a ações de transformação e preservação da vida e do meio ambiente. A salvação é obra de Deus a nosso favor. Por força própria não a alcançaríamos. Deus o efetua por nós (v. 13), por isso é presente. E presente recebido deve ser integrado na vida, deve ser usado, como forma de demonstrar gratidão.
O v. 13 deixa bem explicitado que tudo depende de Deus, o qual não mediu e não mede esforços para se colocar ao lado de seu povo em todos os momentos da caminhada. Creio que, em se tratando de culto da Reforma, essa verdade pode ser explicitada com a vida e atuação de Lutero, os riscos e ameaças que sofreu e, especialmente, a forma amorosa com a qual Deus o guardou e sustentou diante de cada situação e desafio por ele enfrentado. Portanto cruzar os braços e ficar aguardando soluções, sem tomar o caminho da ação, não condizem com o que Deus de nós espera. Novamente, ligando isso a Lutero, diante das inconsistências que observou, entre a Sagrada Escritura e seus ensinamentos e a prática cotidiana da igreja de então, se tivesse se omitido ou calado, nada teria sido alterado e a Reforma teria sucumbido.
3. Meditação
De Deus recebemos incumbências e isso nos compromete por meio do Batismo. Os discípulos foram chamados. Nós também somos. Também nisso reside papel essencial que não deveria ficar em segundo plano num culto que celebra a Reforma. A partir dessas passagens é possível questionar: como, em nossa vida pessoal, familiar e comunitária, temos pregado e testemunhado a boa-nova? Como temos anunciado a salvação? Onde, como e com quem colocamos nossos dons a serviço? Estamos em meio ao mundo e seus desafios e não podemos ficar omissos. É preciso repetir à luz do dia e anunciar abertamente (Mt 10.27).
Comunidade luterana tem como papel primordial apontar, testemunhar e anunciar que Cristo salva e que dele vem a justiça, o ânimo e a força para viver e enfrentar percalços que se apresentam. Entrega e submissão a Deus, que concede a salvação por meio de Jesus Cristo, deve ser o anúncio irrestrito de toda a comunidade. É papel central da comunidade viver e anunciar essa verdade. Isso não pode deixar de ser proclamado por ocasião da celebração da Reforma.
Como batizados e integrantes de uma comunidade, temos o dever de dar testemunho público convincente, ao ponto de convidar e encantar mais pessoas a seguir nessa vereda. Novamente destaco que a vida e a obra de Lutero é exemplo reluzente de uma vida vivida nesse sentido. Por essa razão, a Reforma deve ser celebrada com alegria e gratidão. Reitero, culto de Reforma é razão de gratidão e alegria, devendo ser momento especial de impulsionar para ensinamentos, comprometendo para as mudanças que são necessárias diante das agruras e descaminhos colocados em nosso contexto. Portanto Reforma deve e precisa ser comemorada com temor e tremor, mas, especialmente, perpassada por alegria e gratidão.
Importante reiterar ainda que a passagem de Filipenses 2.5-11 deve estar como pano de fundo no momento de preparar a mensagem para este Dia da Reforma, pois aponta com precisão a centralidade de Cristo. O que aconteceu com Cristo precisa ser o exemplo para as pessoas cristãs, para as comunidades. Isso equivale a dizer que Cristo não procurou seus próprios interesses; ele se esvaziou e se entregou, na cruz, por nós. Esse é o caminho a ser seguido. Dito de modo resumido, olhar para a salvação requer olhar para Cristo. A comunidade cristã precisa agir e atuar a favor do reino de Deus, opondo-se às forças que se contrapõem a ele. Novamente, o exemplo da vida de Lutero e sua atuação nos dão parâmetros nessa direção.
O evangelho é força de Deus que vem em nosso socorro. Essa verdade é ressaltada e recordada por Paulo aos filipenses. Também para nós, hoje, se configura numa grande riqueza. Destaca-se que em Cristo está a salvação eterna; longe dele, a perdição eterna. Esse é o juízo de Deus. Nesse entremeio a comunidade cristã, a fim de enfrentar percalços e oposições, precisa estar fortalecida e em perfeita harmonia e união. A pessoa cristã precisa se mostrar ativa para assegurar a salvação recebida de Deus, fazendo-o com temor e tremor. Mesmo que enfrente muitas dificuldades, ela deve resistir à força do desalento. E essa resistência deve estar ancorada no auxílio da graça de Deus.
4. Imagens para a prédica
Conforme visto anteriormente, percebemos que Cristo fez por nós tudo o que precisamos para a salvação. Diante disso, uma singela estrutura para a pregação poderia ser:
a) as descobertas de Lutero sobre graça e salvação;
b) a graça de Deus – nossa salvação;
c) somos vistos por Deus pela fé, não pelas obras.
5. Subsídios litúrgicos
Saudação: Proponho fazer uso de Filipenses 2.14-15: Façam tudo sem murmurações nem discussões, para que sejam irrepreensíveis e puros, Filhos de Deus inculpáveis no meio de uma geração pervertida e corrupta, na qual vocês brilham como luzeiros no mundo.
Hinos: Importante que nesta data sejam recordados hinos de autoria de Lutero, como forma de apresentar às pessoas o seu pensamento teológico. Sugerimos: HPD I, 88, 97, 106, 147, 155.
Confissão de pecados: Sugiro usar o Salmo 32.1-5,8,10-11.
Liturgia da palavra: Poderia ser usado o Salmo 46, fazendo a leitura intercalada entre o oficiante e a comunidade reunida, de modo que o versículo final seja lido em conjunto.
Oração do dia: Deus da vida, tu nos deste teus ensinamentos, tua palavra, como luz e orientação para a caminhada. Tu nos chamas e acolhes para te seguir e servir com fé e coragem, com júbilo e alegria. Permite que sempre possamos ser por ti fortalecidos e por tua graça orientadas. Que tua palavra seja sempre lâmpada para os pés e luz para o viver, concedendo sabedoria e discernimento. Permite que possamos seguir teus ensinamentos e, assim, dar testemunho ao mundo. Amém. Bênção: O Senhor te dê paz. Para o corpo, bem-estar; para a vida, salvação; para tua família, futuro. Assim te abençoe o Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Amém.
Bibliografia
STAAB, Karl; BROX, Norbert. Cartas a Los Tesalonicenses. Carta de La Cautividad. Cartas Pastorales. Barcelona: Herder, 1974.
Proclamar libertação (PL) é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).