Jesus mostra o rosto do pai
Proclamar Libertação – Volume 39
Prédica: Gálatas 4.4-7
Leituras: Isaías 61.10-62.3 e Lucas 2.22-40
Autor: Kurt Rieck
Data Litúrgica: 1º Domingo após Natal
Data da Pregação: 28/12/2014
1. Introdução
O caminho pelo qual acontece a salvação é anunciado, e da boca daqueles que se dão conta do acontecido surge um hino de louvor e adoração. Assim o texto de Is 61.10 a 62.3 expressa alegria pelo que Deus fará. Na forma de ser vestido, no observar o que brota da natureza surgem analogias ao extraordinário ato da salvação. Jerusalém é a cidade onde a vitória de Deus é celebrada.
Maria e José, de acordo com o Evangelho de Lucas 2.22-40, dirigem-se ao templo de Jerusalém, como ordena a Lei de Moisés, com o propósito de realizar a cerimônia de purificação e apresentação de Jesus. O personagem Simeão extravasa a sua alegria pelo privilégio de carregar no colo, nada mais, nada menos, do que o Messias. Ele sintetiza em seu canto a missão que Jesus terá de cumprir. Também Ana, a profetisa, confirma e se soma ao que Simeão havia proferido. Do reconhecimento de que essa criança é o Messias brotam expressões de adoração e louvor. Todos os que são alcançados pela salvação que se encontra em Jesus não conseguem ficar calados.
Não foi diferente com o apóstolo Paulo. No momento em que compreendeu que Jesus era o Messias, não cansou de expressar de forma falada e escrita para que todos pudessem tomar conhecimento da grandiosidade do fato ocorrido quando do nascimento do Filho de Deus.
2. Exegese
Há uma rica contribuição exegética sobre o texto em várias edições do Proclamar Libertação. Vale a pena conferir o que tudo já foi escrito sobre ele.
Esse texto é um daqueles cernes das Sagradas Escrituras, ao qual nos achegamos com todo respeito e reflexão. Paulo consegue sintetizar onde reside a verdadeira alegria da festa de Natal.
A sistematização das versões que se seguem é uma tentativa de facilitar a interpretação do texto proposto.
Gálatas 4.4-7
Grego
4.
OTE DE ÊLTHEN TO PLÊRÔMA TOU KHRONOU EXAPESTEILEN O THEOS TON UION AUTOU GENOMENON EK GUNAIKOS GENOMENON UPO NOMON
5.
INA TOUS UPO NOMON EXAGORASÊ INA TÊN UIOTHESIAN APOLABÔMEN
6.
OTI DE ESTE UIOI EXAPESTEILEN O THEOS TO PNEUMA TOU UIOU AUTOU EIS TAS KARDIAS ÊMÔN KRAZON ABBA O PATÊR
7.
ÔSTE OUKETI EI DOULOS ALLA UIOS KAI KLÊRONOMOS DIA THEOU
Revista e Atualizada
4.
Vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu filho, nascido de mulher, nascido sob a lei,
5.
para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos.
6.
E, porque vós sois filhos, enviou Deus ao nosso coração o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai!
7.
De sorte que já não és escravo, porém filho; e, sendo filho, também herdeiro por Deus.
NTLH
4.
Mas, quando chegou o tempo certo, Deus enviou o seu próprio filho, que veio como filho de mãe humana, e viveu debaixo da lei
5.
para libertar os que estavam debaixo da lei, a fim de que nós pudéssemos nos tornar filhos de Deus.
6.
E, para mostrar que vocês são seus filhos, Deus enviou o Espírito do seu Filho ao nosso coração, o Espírito que exclama: “Pai, meu Pai¨.
7.
Assim vocês não são mais escravos; vocês são filhos. E, já que são filhos, Deus lhes dará tudo o que ele tem para dar aos seus filhos.
Bíblia de Jerusalém
4.
Quando, porém, chegou a plenitude do tempo, enviou Deus o seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a Lei,
5.
para resgatar os que estavam sob a Lei, a fim de que recebêssemos a adoção filial.
6.
E porque sois filhos, enviou Deus aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: Abba, Pai!
7.
De modo que já não és escravo, mas filho. E se és filho, és também herdeiro, graças a Deus.
Martin Luther revidiert 1956-1964
4.
Als aber die Zeit erfüllet ward, sandte Gott seinen Sohn, geboren von einem Weibe und unter das Gesetz getan,
5.
auf dass er die, so unter dem Gesetz waren, erlöst, damit wir die Kindschaft empfingen.
6.
Weil ihr denn Kinder seid hat Gott gesandt den Geist seines Sohnes in unsre Herzen, der schreit: Abba, lieber Vater!
7.
So bist du nicht mehr Knecht, sondern Kind; wenn aber Kind, dann auch Erbe durch Gott.
Paulo fala do início da fé cristã. As circunstâncias permitiram que a encarnação ocorresse. O período pré-messiânico completou-se. A longa espera de muitos séculos está inda. “Desde então, nossa história está dividida em ‘antes’ e ‘depois’ de Cristo, o que corresponde também ao antes e depois de alcançarmos a fé” (G. Brakemeier, PL XV, p. 107).
Faz-se um jogo de palavras nos versículos 4 e 5 com o termo filho. O Filho de Deus veio para permitir que nos tornássemos filhos de Deus. Outro jogo de palavras se dá com a palavra lei. O personagem principal da história nasceu sob a lei para resgatar os que estavam sob a lei. A fé judaica está construída sob a lei mosaica. Saulo conhecia muito bem os meandros da lei. “Jesus era de nascimento ‘humano’ e ‘judaico’” (Champlin, p. 482). O fato ocorrido em Jesus permite olhar para Deus de forma familiar, liberto do peso da lei.
Há um elemento muito simples, no entanto, básico para o encontro existencial de uma pessoa: reconhecer que Deus é Pai. Entra em ação o Espírito Santo, que nos convence dessa verdade. O “Espírito do seu Filho” se achega ao nosso coração, e esse responde afirmativamente: Sim, Deus, tu és meu Pai querido. Eu sou teu ilho. A vida recebe sentido pleno quando as pessoas entendem que Deus é Pai e que elas são ilhas de Deus.
Assim a pessoa deixa de pensar que é escrava de Deus e vive como filha de Deus. Essa verdade é libertadora. A lei escraviza. A graça liberta. O cristão não mais se relaciona com Deus com medo do inferno, por descumprir a lei, mas vive de forma responsável com o único propósito de com sua vida honrar o Pai. Saberá clamar Aba, expressão aramaica para pai. “Este clamor instintivo do coração da pessoa é, para Paulo, obra do Espírito Santo” (Barclay, p. 46).
Como herança, já no presente temos qualidade de vida e vivemos em paz com o Pai, com toda a família da fé e com todas as pessoas, decorrente da graça do perdão reconciliador. O que há de vir é pura graça. Seremos surpreendidos com a herança que haveremos de receber.
3. Meditação
A festa natalina continua em nossas celebrações. Chegou um novo tempo.
A revelação de Deus dá-se no ser humano Jesus.
3.1 – Chegou o tempo certo
Esse tempo foi único. Ele não se repetirá. De uma vez por todas, o Messias, o rei esperado por séculos, chegou. Esse fato repercute hoje na vida daqueles que se dão conta da grandeza da boa-nova que se dá no Natal.
Precisamos aproveitar o tempo natalino para focar em seu verdadeiro sentido. De que forma podemos influenciar a nossa sociedade para fazer esse resgate? Nasceu o Messias, o Salvador, o nosso Senhor. Aniversário é sempre uma grande festa. Com enorme amor celebramos o aniversário do Messias.
3.2 – Encarnação de Deus: veio como ilho de mãe humana e viveu debaixo da lei
A graça de Deus tornou-se forma humana. Deus Pai é um grande mistério.
Quem é ele?
Donde ele veio? Para comunicar-se conosco, vale-se de uma linguagem compreensível. Dois personagens: o pai e o filho. A magnitude de Deus aproxima-se da humanidade, tornando-se ser humano, com o propósito de mostrar o rosto de Deus.
A psicologia afirma que uma das razões de desvios de conduta é quando uma criança não volta seu olhar para o pai. Ela é gerada totalmente da mãe. Mas há um elemento psicológico em que o olhar dela deve dirigir-se ao pai. De igual forma, a conduta do ser humano é afetada enquanto não dirigir seu olhar para o Pai. Assim como o pai precisa aproximar-se do filho, Deus aproxima-se de nós.
Tão simples e tão humana é a forma que Deus escolheu para nos conquistar! É algo tão humano que para muitos chega a ser incompreensível. Trata-se da revelação plena de Deus. Os profetas, os filósofos, os sábios, os teólogos, os rabis transmitiram a mensagem de Deus. Todos tinham a palavra de Deus, mas nunca foram a palavra de Deus. Jesus Cristo foi e é a palavra de Deus.
E o verbo se fez carne e sujeitou-se à lei da natureza e viveu considerando os ritos, normas e leis da religião judaica.
Para libertar os que estavam debaixo da lei.
Quem está escrevendo é o apóstolo Paulo, que, antes da sua conversão ao cristianismo, era um legítimo seguidor da lei e valia-se da lei para afirmar a perseguição que ele fazia aos cristãos. A religião vigente tinha um arcabouço de leis que aprisionavam as pessoas, deixando de promover a vida. As religiões facilmente fecham as pessoas num esquema, e elas acabam servindo ao esquema e não a Deus. Semelhante foi a experiência de Lutero, que viu um povo escravizado pelo medo de Deus, longe do verdadeiro sentido da boa-nova anunciada por Jesus.
Jesus resgata no Sermão do Monte o verdadeiro sentido da lei: “Não pensem que eu vim para acabar com a lei de Moisés ou com o ensinamento dos profetas. Não vim para acabar com eles, mas para dar o seu sentido completo” (Mt 5.17). Um filho que nunca precisou obedecer, que nunca teve limites, torna–se um joguete de seus caprichos, um escravo dos seus próprios desejos e de suas paixões. A lei se faz necessária, mas o simples cumprimento da lei não significa que a pessoa esteja convicta do que faz. A exemplo das leis de trânsito, quando compreendermos que elas estão a nosso favor, entenderemos a sua razão de ser. De igual forma, os Dez Mandamentos têm o propósito de promover a vida.
O pai dá liberdade, amor e limites. Ao pai devemos obediência, porque ele, sendo Pai, deseja o melhor para seus filhos. Mas ele não fez de seus filhos robôs. Ele dá a liberdade de escolha, a exemplo da parábola do ilho pródigo (Lc 15.11-32).
Deus enviou o Espírito do seu Filho ao nosso coração.
Cristo ensinou-nos a chamar Deus de Pai. Ele nos atrai carinhosamente. É o Espírito Santo que nos convence de que Jesus é o Filho de Deus. Nele é possível ver o ser de Deus. Ele é a palavra divina. Nenhum profeta pôde dizer: Olhe para mim e saberás quem é Deus.
Jesus por sua vez disse: “O que eu ensino não vem de mim, mas vem de Deus, que me enviou” (Jo 7.17). “Quem me vê a mim, vê o Pai” (Jo 14.9). “Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6). Jesus não prega acerca da salvação, mas ele mesmo é a salvação. Quando fala de si mesmo, fala de Deus. O que Cristo ensinou é definitivamente divino.
3.3 – O Espírito que clama: Pai, meu pai
Uma das primeiras palavras que uma criança aprende a falar é pai. E como se sente feliz ao poder chamar: Pai! Feliz também é o pai que ouve seu ilho tratá–lo assim.
Sou filho do Deus altíssimo. Aqui brota uma autoestima adequada, que favorece um encontro consigo mesmo. Vivemos aos cuidados do Pai. Se os nossos corações assim clamarem, haverá convicção de que somos filhos de Deus.
4. Imagens para a prédica
4.1 – Natal em família
É oportuno, por tratar-se do tempo natalino, explorar o ambiente familiar, lembrando o que significou ou significa a vinda de uma criança. Natal é a festa em que a família faz questão de estar reunida. Pensando nos avós, pais, filhos e demais familiares, poderemos encontrar uma linguagem que transmita o que o apóstolo Paulo nos deixou escrito.
Todo parto traz consigo a tensão da espera. Depois da vinda vem a surpresa do estado físico do que nasceu. Encontrei-me no Dia de Natal de 2004 com um jovem casal. Três meses antes havia nascido uma linda menina com sérios problemas de formação. Buscaram todos os recursos possíveis na esperança de ver sua ilha curada. No dia 23 à noite, a cardiologista pediátrica confrontou-os com a gravidade dos fatos. O que restou fazer foi clamar: Deus, se for da tua vontade, faça um milagre. As lágrimas rolam quando somos confrontados com o nosso limite. Nada mais resta do que dizer: Pai, paizinho, ajude-nos. Essa menina veio a falecer.
Pensamos em nossa família e em nossos filhos. Como pais, a exemplo de Jesus, ansiamos que eles e as gerações que os seguem consigam encontrar em Jesus o rosto de Deus. Clamamos que eles creiam no Deus que é Pai, Filho e Espírito Santo. Desejamos que eles creiam e se relacionem com Deus, tratando-o de pai querido. É algo tão simples e ao mesmo tempo tão elementar.
Deus escolheu falar conosco a partir da paternidade. Deus faz-nos aprender com as crianças. Quando nos tornamos pais, conseguimos entender um pouco do sentimento que Deus tem por cada ilho seu que nasce. O abraço em família pode ser a porta que abrirá o caminho da fé.
4.2 – Falando da lei
Recomendo a leitura da meditação feita por Márcia Blasi no devocionário Castelo Forte, de 31 de maio de 2014. “As leis foram dadas para auxiliar, gerar vida e não oprimir, dividir e causar dor”.
5. Subsídios litúrgicos
Invocação – Clamor ao Pai:
Nos lábios de Jesus encontramos o clamor pelo Pai. A prova de que somos filhos dá-se no clamor instintivo do coração. Na necessidade mais profunda, as pessoas dirigem-se a Deus e clamam: Pai.
Confissão de pecados:
Deus, tu és nosso Pai. Cristo, tu és Deus que está conosco. Desde o nas- cimento de Jesus, a luz da tua verdade brilha sobre nós. A luz faz-nos deparar com nossas faltas. Tu vieste ao mundo para fazer diferença, para promover vida. É necessário que nos arrependamos dos caminhos que não condizem com a tua vontade. Converte-nos, Senhor Jesus. Transforma nossos corações. Perdão por duvidarmos que tu és o nosso Pai. Perdão quando nos portamos como filhos rebeldes.
Tem piedade de nós, Senhor.
Proclamação da graça de Deus:
Ler HPD 22, estrofe 6.
Há dois textos que sempre fazem parte do culto. O Pai-Nosso e o Credo Apostólico. Ambos iniciam citando o Pai, dizendo: “Pai nosso que estás nos céus” e “Creio em Deus Pai”. Realce esse conteúdo.
Crer em Deus consiste em reconhecer que ele é o nosso Pai e assim nos colocamos na condição de filhos.
Bibliografia
BARCLAY, William. El Nuevo Testamento, Galatas y Efesios. Buenos Aires: Editorial La Aurora, 1973. V. 10.
CHAMPLIN, Russel Norman. O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo. São Paulo, SP: Milenium, 1982.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).