Proclamar Libertação – Volume 38
Prédica: Gênesis 50.15-21
Leituras: Mateus 18.21-35 e Romanos 14.1-12
Autoria: Vera Maria Immich e Odair Braun
Data Litúrgica: 14º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 14/09/2014
1. Introdução
O tema nas passagens indicadas para este domingo é o perdão. O ato de perdoar pode ser desdobrado por meio do agir com bondade, confiança, sem temor e tremor perante Deus e a partir de Deus. Gênesis 50.15-21 é o ponto culminante da saga de José e seus irmãos. Entre caminhos e descaminhos, entre armadilhas e desconfianças, o ponto alto da história é o perdão de José a seus irmãos. Esse perdão revela a forma e o modo de Deus nos perdoar. Somos capazes de agir da mesma forma?
O texto de Mateus 18.21-35 é perpassado pelo tema do perdão, tema esse amplamente abordado por Jesus na oração do Pai-nosso e na passagem de Mateus 5.44-45. Em Mateus 18.21-35, Jesus multiplica o número de vezes em que devemos perdoar. Ele o faz para demonstrar que não há limite para o perdão. Devemos perdoar sempre e assim como demonstrado na parábola, ou seja, de modo gratuito. O perdão da dívida, conforme visto na passagem, equivale à bondade de Deus para conosco. E então: como perdoamos? Como nós agimos? Aqui se apresentam o amor de Deus para conosco e sua intenção, ou seja, vida por meio do perdão.
Romanos 14.1-12 encontra-se inserido em dois capítulos, 14 e 15, dedicados a falar do relacionamento dos fortes e fracos na fé. Na passagem, percebemos a atitude pastoral de Paulo com a comunidade de Roma (para com as nossas comunidades de hoje). Ele se preocupa em preservar a comunhão e a convivência entre os que pensam e agem de modo diverso. Argumenta que o senhorio de Jesus tudo supera e sobrepõe. O questionamento é: quem somos nós para dizer se o meu próximo é forte ou fraco na fé? Paulo aponta que viver em comunidade/igreja equivale a viver e respeitar quem pensa diferente.
Dessas passagens se percebe que a confiança em Deus nos preserva no caminho da verdade. O afastamento desse caminho leva à falsidade, à mentira e, por fim, ao medo e à ausência de plenitude de vida. Assim, nessas passagens se revela o desejo de Deus frente à humanidade, ou seja, que saibamos viver e perdoar, que saibamos receber o perdão e deixar Deus guiar nossos passos.
2. Exegese
A história de José e seus irmãos é provavelmente a mais longa que encontramos na Sagrada Escritura. Por essa razão, as diferentes passagens, abordagens e relatos abrem a possibilidade e perspectiva para interpretações, abordagens e entendimentos diversos. Para este estudo, vamos ater-nos a um tema específico, ou seja, o perdão. Parece-nos um tema central em vista de todos os fatos que envolveram aquela família, ou seja, José e seus irmãos.
Falar de perdão em meio a esse contexto pode parecer estranho. José foi maltratado. Foi vendido como escravo. Foi privado da convivência com seu pai. Foi levado a uma terra distante. Ou seja, ele tinha todos os motivos para ser uma pessoa raivosa, amargurada e ressentida, principalmente com seus irmãos, seus algozes.
Assim seria e assim é sempre que prevalecerem a nossa própria vontade e nossos sentimentos. Certamente agiríamos de modo diferente se estivéssemos no lugar de José. Basta analisar como reagimos quando estamos em situações de injustiça, que nos atingem pessoalmente. Mas José não agiu movido por seus desejos, vontades e sentimentos. Ele se entregou nas mãos e ao cuidado de Deus. Isso faz a diferença. Isso gera transformação. Abre caminho para o exercício do perdão, assim como objetivamente se percebe em Gênesis 50.15-21.
Avaliamos que não são necessários maiores estudos e abordagens sobre os versículos de Gênesis 50.15-21. Abordagens bastante oportunas e ricas em informações são encontradas nas edições anteriores do Proclamar Libertação. Optamos por ater-nos mais detalhadamente na apreciação do texto e nas possibilidades para a pregação sobre o mesmo, conforme a seguir.
3. Meditação
Gênesis 50.15-21 fala de relações familiares, corações que sabem perdoar e corações que têm dificuldade para entender o que é o verdadeiro perdão. Enfim, fala daquilo que vivemos em nossa vida constantemente. Jacó vivia com seus filhos na terra de Israel. Entre seus filhos, José era o mais jovem e o que despertava a inveja dos irmãos, que o viam como empecilho para a intimidade com o pai. Os irmãos reuniram-se e venderam José como escravo para o Egito. Ao retornarem para o pai, disseram-lhe que um animal selvagem devorara José. Trama e mentira. Afastamento da verdade. Distanciamento do desejo de Deus. Isso causou sofrimento a Jacó e fez com que os onze filhos passassem a representar para convencer o pai de que, de fato, uma fera selvagem o havia devorado.
Quis o projeto de Deus que José, mesmo vendido como escravo, fosse reconhecido em seus dons e talentos, vindo a ocupar cargo de destaque junto ao Faraó no Egito. Sobreveio sobre Israel uma grande seca, que trouxe consigo fome e miséria. Dessa forma, Jacó e seus filhos precisaram ir ao Egito em busca de alimentos. O encarregado do Faraó para essa função era José. O encontro do velho Jacó e seus demais filhos com José foi marcado por emoção. José nem sabia que o pai ainda estava vivo, viu-se frente a frente com aqueles que o haviam vendido escravo para uma terra distante. Tentemos imaginar que sentimentos afloraram naquela situação.
Anos haviam passado, e José estava sob a bênção e os cuidados de Deus. Era bem-sucedido e por isso beneficiado enquanto escravo. Nem por isso era soberbo ou autossuficiente. A postura humilde e repleta de bondade de José agradava a Deus. Após o encontro com os irmãos, José perdoa-os e oferece-lhes a melhor comida, bebida e inclusive leva-os a morar consigo, oferecendo-lhes o melhor do campo, de suas ovelhas. Acontece que, depois do reencontro de Jacó com José, passaram dezessete anos, e o pai veio a morrer. E então vem a grande prova: Será que era a presença do pai que fazia José ser bondoso com seus irmãos? Talvez ele tivesse guardado rancor e agora desejaria vingar-se de seus irmãos. Haviam sido perdoados ou agora viria a vingança?
Observa-se uma diferença entre José e seus irmãos. Os irmãos fizeram um teatro por causa do medo de acontecer o mesmo que eles haviam feito. José foi diferente: Ele perdoou. Observa-se que os irmãos de José, num primeiro momento, não conseguem compreender o perdão de seu irmão. Por outro lado, aceitavam tudo o que vinha do irmão e lhes possibilitava uma boa vida.
A passagem revela que um projeto do mal, arquitetado e executado pelos onze irmãos, foi transformado em bem. Assim se revela o misterioso agir de Deus. Os irmãos de José planejaram e executaram a maldade. Agora estavam com medo. E nesse momento José os tranquiliza e fala afetuosamente. A passagem também nos questiona: somos nós hoje capazes de agir assim? José poderia ter morrido como escravo. Esse risco ele correu. Deve ter passado por dificuldades e revolta ao ser vendido como escravo. Ele tinha motivos para estar revoltado com seus irmãos. Ele poderia ter-se vingado na primeira oportunidade possível. Mas José havia sido lapidado por Deus. Assim ele compreendeu e perdoou completamente, pois estava no caminho do Senhor.
Os irmãos não podiam compreender isso, pois ainda não haviam descoberto e entendido o amor de Deus. Por isso maquinavam contra José. Por isso mentiram ao próprio pai. Por isso tiveram dificuldades em aceitar o perdão de José. Por isso temiam a vingança. A única coisa que de fato os perseguia era sua própria culpa. A consciência acusava-os, dizemos hoje. Os irmãos de José não podiam aceitar que aquilo por eles feito estivesse resolvido sem castigo. Era a lógica da época e dos dias atuais. José havia perdido tudo e pela graça de Deus alcançado muito mais. Os irmãos de José não eram filhos da graça. Eram sim filhos do medo, filhos do mérito e do esforço próprio. E o medo sufoca e destrói a vida dessas pessoas. O medo impede a vida plena para a qual fomos criados por Deus e libertos por Cristo.
Conta a história que, depois da Segunda Guerra Mundial, durante quatro ou cinco anos, muitos soldados japoneses, tidos como mortos, apareceram. Estavam refugiados nas selvas. Em março de 1974, 29 anos depois do fim da guerra, o soldado Omada Okada, então com 62 anos, foi o último soldado refugiado a ser encontrado. Ao ser encontrado, dizia: Eu tenho muito medo! Eu tenho medo! Imaginem o que foi aquela vida. Os irmãos de José sentiam-se assim como esse soldado. A culpa do que haviam feito os acusava.
Culpa provoca medo e insônia. Povoa a mente de pensamentos desagradáveis. A culpa, quando não assumida, faz aumentar a falsidade e a mentira, pois se inventa uma nova mentira para tapar a antiga. A culpa faz os irmãos de José oferecerem-se como escravos. Mas justamente sobre esse aspecto é que José os leva a experimentar um novo conceito de vida. Não temais, pois eu sustentarei a vós outros e a vossos filhos (v. 21). Nós sabemos perdoar como José? Aceitamos o perdão ou reagimos como seus irmãos?
Olhando para o texto que ouvimos na leitura bíblica desta manhã, também encontramos indicativos iluminadores. Pedro pergunta quantas vezes devemos perdoar. E ouve de Jesus que se deve perdoar setenta vezes sete. Isso não era uma mera fórmula matemática. Mas significa que devemos e que somos convidados a perdoar infinitamente. Por quê? Jesus responde em Mateus 18.35: “Assim também meu pai celeste vos fará, se do íntimo não perdoardes cada um a seu irmão”. Perdoar não é simplesmente passar por cima e dizer: “Tudo bem, esqueça”. Perdoar não é cobrir com panos quentes e fazer de conta que nada aconteceu. Perdoar também não deve significar que você assuma a culpa de tudo e sempre. Nem mesmo José fez isso. Ele não se colocou diante de seus irmãos e disse: “Deixem tudo pra lá, vamos em frente”. José disse: “Eu sou José, que vocês venderam como escravo” (Gn 45.4b). Perdoar é falar a verdade e agir com amor. José, ao revelar-se a seus irmãos, não deixa tudo de lado. Ele os faz olhar no espelho, pois isso poderia oportunizar a sua transformação. José falou a verdade e atuou com amor.
Como nós perdoamos? É preciso olhar nos olhos, tal como feito por José, e especificar o que aconteceu: Eu sou José, que vocês venderam! É preciso dizer o que você sentiu quando alguém o ofendeu e enganou. É preciso olhar para seu coração e o ressentimento que pode estar guardado. José agiu assim. O versículo 22 revela que ele viveu cento e dez anos. Ou seja, Deus abençoou-o com uma vida longa, plena e abundante. Façamos nós também essa opção e vivamos da graça de Deus. Contudo, depois de perdoado, isso de fato deve ser assim. Não pode ser assim que a cada pouco e a cada momento relembres e faças uso de fatos dados para acusar e melindrar teu irmão. Se assim for, não terá sido um perdão pleno.
4. Imagem para a pregação
Caso a comunidade tenha um grupo de jovens, confirmandos, crianças ou outro, seria positivo montar um texto com narrador e encenar aspectos da vida de José e seus irmãos, dando ênfase especial à fala de José perdoando seus irmãos. Isso contribuirá para que a comunidade retenha a essência do texto, o perdão e o exercício do perdão com mais qualidade.
Outro aspecto a ser explorado é a história do soldado japonês que saiu de seu refúgio na mata 29 anos após o final da guerra. Saiu afirmando: Tenho medo, tenho muito medo. No caso, explorar o que faz e o que gera esse medo, assim como destacar o que Jesus propõe frente ao medo, à culpa e ao perdão.
5. Subsídios litúrgicos
Acolhida: Romanos 14.11.
Confissão de pecados: Hinos HPD I 150 e 221 após a confissão e absolvição.
Palavra de absolvição:
Gênesis 50.21: “Não temais, pois; eu vos sustentarei a vós outros e a vossos filhos”.
Kyrie:
Formular preces que perpassem os sinais de morte em nosso meio, ou seja: mentiras, tramas e jogos de poder, corrupção e desejo de levar a melhor, violência e injustiça etc. Contudo, finalizar positivamente de forma a destacar que a palavra de Deus pode mostrar o caminho da luz e da verdade, a fim de superar toda e qualquer dificuldade.
Oração final:
Bondoso Deus! De José e por meio da tua palavra aprendemos o exemplo do perdão, da bondade e da compaixão. Dá-nos a sabedoria de conduzir a nossa vida tal como José fez. Dá-nos a sabedoria e o discernimento para que saibamos perdoar tal como José nos ensinou. Dá-nos sabedoria e discernimento para nos livrar do medo e das angústias. Concede-nos sempre o discernimento e a sabedoria de reconhecer nossas falhas, nossos erros e clamar por perdão ante Deus e nosso próximo. Permite que não temamos as forças que se abatem sobre nós, obstruindo o caminho, gerando medo e angústia, tremor e escuridão. Concede que saibamos praticar o perdão de modo semelhante ao rei que perdoa seu servo. Amém.
Bênção celta:
Que o caminho venha ao teu encontro,
Que o vento sempre sopre às tuas costas
E a chuva caia suave sobre teus campos.
E até que nos voltemos a encontrar,
Que Deus Te sustente suavemente
Na palma de sua mão.
Que vivas todo o tempo que quiseres
E que sempre possas viver plenamente.
Lembra sempre de esquecer as coisas que te entristeceram,
Porém nunca esqueças de lembrar aquelas que te alegraram.
Lembra sempre de esquecer os amigos que se revelaram falsos,
Porém nunca esqueças de lembrar aqueles que permaneceram fi éis.
Lembra sempre de esquecer os problemas que já passaram,
Porém nunca esqueças de lembrar as bênçãos de cada dia.
Que o dia mais triste de teu futuro
Não seja pior que o dia mais feliz de teu passado.
Que o teto nunca caia sobre ti
E que os amigos reunidos debaixo dele nunca partam.
Que sempre tenhas palavras cálidas
Em anoitecer de frio.
Uma lua cheia em uma noite escura.
E que o caminho sempre se abra à tua porta.
Que vivas cem anos,
Com um ano extra para arrepender-te.
Que o Senhor te guarde em sua mão
E não aperte muito os seus dedos.
Que teus vizinhos te respeitem,
Que os problemas te abandonem,
Que os anjos te protejam e o céu te acolha.
Que a boa sorte te persiga
E a cada dia e cada noite tenhas
Muros contra os ventos,
Um teto para a chuva,
Bebida junto ao fogo,
Risadas que consolem aqueles a quem amas
E que teu coração se preencha
Com tudo o que desejas.
Que Deus esteja contigo e te abençoe.
Que não conheças nada além da felicidade deste dia em diante.
Que Deus te conceda muitos anos de vida e assim seja
A cada dia e para sempre. Amém.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).