Alento e desafio na peregrinação
Proclamar Libertação – Volume 40
Prédica: Hebreus 12.18-29
Leituras: Isaías 58.9b-14 e Lucas 13.10-17
Autoria: Jilton Moraes
Data Litúrgica: 14º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 21/08/2016
1. Introdução
A perícope de Hebreus 12.18-29 inicia comparando a experiência do povo de Israel com a vivência da igreja. Os fatos reservados aos salvos na Jerusalém celestial são diferentes dos vividos pelos israelitas no monte Sinai. Enquanto lá a visão causava medo, para a igreja está reservado um encontro festivo. É uma narrativa da ação divina: o Criador revela-se ao ser humano com preceitos a serem seguidos. O acesso ao Pai está aberto, nossos nomes estão inscritos no livro da vida pelo sangue de Jesus Cristo.
O texto de Isaías 58.9b-14 fala do mesmo Deus presente e da possibilidade concreta de ele ser encontrado por aqueles que vivem com integridade de coração. À semelhança da perícope de Hebreus, os fiéis devem cumprir os preceitos do Criador para serem guiados por ele constantemente, com a promessa de que ele “satisfará os seus desejos numa terra ressequida pelo sol e fortalecerá os seus ossos. Você será como um jardim bem regado, como uma fonte cujas águas nunca faltam” (v. 11).
Lucas 13.10-17 também apresenta a ação divina: Jesus curou uma mulher encurvada, que assim vivia há 18 anos. Diante da ordem do Mestre: “Mulher, você está livre da sua doença” (v. 12), “ela se endireitou, e passou a louvar a Deus” (v. 13). O dirigente da sinagoga ficou indignado porque esse fato aconteceu num sábado. Em cenários diversos e de diferentes modos, Deus está agindo maravilhosamente.
2. Exegese
O capítulo 12 de Hebreus inicia com uma chamada à firmeza. Depois da exposição dos heróis da fé vem o desafio a seguir para o alvo, deixando tudo o que atrapalha a caminhada. O texto apresenta a magnificência da graça que o evangelho dá-nos a conhecer, com o desafio para que o recebamos com reverência. Para tanto carecemos da disciplina que nos possibilita viver de acordo com a vontade do Senhor. A partir do v. 18, o autor menciona a vitória final e desafia a ouvir a palavra do Senhor, vivendo em gratidão e adoração.
A perícope abre com os três versículos (v. 18-20): Vocês não chegaram ao monte que se podia tocar e que estava em chamas, nem às trevas, à escuridão, nem à tempestade, ao soar da trombeta e ao som de palavras tais, que os ouvintes rogaram que nada mais lhes fosse dito; pois não podiam suportar o que lhes estava sendo ordenado: Até um animal, se tocar no monte, deve ser apedrejado.
Nessa abertura, temos uma clara alusão à experiência dos israelitas no Sinai. (Tradução Interconfessional): “Vocês não chegaram como os israelitas no monte Sinai”. A mensagem de Hebreus realça o contraste entre a experiência assombrosa do povo de Israel e o espetáculo extraordinário reservado aos salvos. O monte Sinai era palpável, local onde os filhos de Israel, peregrinando do Egito à Canaã, viveram marcantes experiências diante do Altíssimo (Êx 19).
V. 22-23 – Mas vocês chegaram ao monte Sião, à Jerusalém celestial, à cidade do Deus vivo. Chegaram aos milhares de milhares de anjos em alegre reunião, à igreja dos primogênitos, cujos nomes estão escritos nos céus. Vocês chegaram a Deus, juiz de todos os homens, aos espíritos dos justos aperfeiçoados.
As versões NVI, KJ e ARA mencionam: “À igreja dos primogênitos”. A versão MT fala da universal assembleia e igreja dos primogênitos inscritos nos céus; a BJ traduz: assembleia dos primogênitos, cujos nomes estão inscritos no céu; na NTLH lemos: A reunião alegre dos filhos mais velhos de Deus e a Mensagem parafraseia como: “A cidade onde o Deus vivo reside”. Na Tradução Interconfessional lemos: Vocês estão junto da assembleia festiva dos primeiros filhos de Deus, que já têm o nome inscrito nos céus. Estão ao pé de Deus, o juiz de toda humanidade e junto com os espíritos daqueles que já atingiram a perfeição.
A ação vai do passado (a experiência vivida no Sinai) ao futuro (a experiência que viveremos na Jerusalém celestial). Os detalhes da narrativa Êxodo 19 podem ser comparados, por contraste, com a descrição das belezas da cidade do Deus vivo, contadas por João no Apocalipse.
V. 24 – A Jesus, mediador de uma nova aliança, e ao sangue aspergido, que fala melhor do que o sangue de Abel.
Jesus mediador de uma nova aliança – (Cf. 1Tm 2.5): Jesus é o único meio pelo qual o Pai reconcilia-se conosco. E ao sangue aspergido, que fala melhor do que o sangue de Abel (11.4; Gn 4.2-9). A menção ao sangue aspergido lembrava ao povo o momento no êxodo quando, na viga superior e nas laterais das portas das casas dos israelitas, a marca do sangue livrou da morte os primogênitos das famílias israelitas. Esse detalhe na história de Israel apontava para uma realidade maior: o momento quando o Filho de Deus veio ao mundo e ofereceu a sua vida como propiciação pelos nossos pecados (Jo 1.29; Ef 1.7; 1Pe 1.18-20; Ap 5.12).
V. 25 – Cuidado! Não rejeitem aquele que fala. Se os que se recusaram a ouvir aquele que os advertia na terra não escaparam, quanto mais nós, se nos desviarmos daquele que nos adverte dos céus?
TI: Não deixem de escutar quem vos fala. ARA: Não recuseis. KJ, MT: Não rejeiteis. NTLH: Não recusem. M: Não tapem os ouvidos ao que fala.
Ouvir atentamente a palavra do Senhor é indispensável em nossa peregrinação: “Por isso é preciso que prestemos maior atenção ao que temos ouvido, para que jamais nos desviemos. Porque, se a mensagem transmitida por anjos provou a sua firmeza, e toda transgressão e desobediência receberam a devida punição, como escaparemos se negligenciarmos tão grande salvação? Essa salvação, primeiramente anunciada pelo Senhor, foi-nos confirmada pelos que a ouviram” (Hb 2.1-3).
V. 26-27 – Aquele cuja voz outrora abalou a terra, agora promete: “Ainda uma vez abalarei não apenas a terra, mas também o céu”. As palavras “ainda uma vez” indicam a remoção do que pode ser abalado, isto é, coisas criadas, de forma que permaneça o que não pode ser abalado.
Deus revelou-se no Sinai ao divulgar a lei. O povo viu as maravilhas de Deus não apenas nessa ocasião, mas em vários outros momentos. Com grandes sinais Deus abalou a terra; sua promessa é de ainda uma vez abalar e não somente a terra, mas também o céu. O momento quando Cristo voltar para buscar os seus abalará terra e céus, de modo que permanecerá o que não pode ser abalado.
V. 28-29 – Portanto, já que estamos recebendo um reino inabalável, sejamos agradecidos e, assim, adoremos a Deus de modo aceitável, com reverência e temor, pois o nosso ”Deus é fogo consumidor!”
E diante da realidade de que receberemos um reino inabalável, devemos ser agradecidos e adorar nosso Deus de modo aceitável, com total reverência, que nos leva a temer diante daquele fogo consumidor.
3. Meditação
Peregrino é alguém distante da terra natal, longe dos seus, um viajante sempre em marcha. Essa realidade surge na perspectiva dos heróis da fé: eles reconheceram ser estrangeiros e peregrinos na terra e buscaram uma pátria (Hb 11.13-14). Nesse sentido, estamos aqui de passagem.
O texto conduz-nos ao fato de que um futuro incomparavelmente melhor nos aguarda, e essa realidade incentiva-nos e desafia-nos a permanecer firmes no Senhor. Somos peregrinos alentados e desafiados.
a) Somos alentados sabendo que o pavor é substituído pelo encanto.
As experiências do povo de Israel foram pavorosas. Nosso texto refere-se ao êxodo, tempo em que por 430 anos eles viveram o pavor da escravidão (Êx 12.40; Gl 3.17). Não somos escravos, vivemos em regime de liberdade; apesar disso, muitas pessoas ainda vivem escravizadas.
Alenta-nos saber que o passado pavoroso será transformado em alegria. Nos v. 18-22, o autor lembra o momento pavoroso narrado em Êxodo 19. A descrição inclui o monte em chamas, trevas, tempestade e o fato do tangível haver se tornado inatingível, uma vez que o acesso ao monte fora proibido. O contraste entre esse momento e a ocasião do encontro dos salvos com o Senhor é marcante. V. 22: Mas vocês chegaram ao monte Sião, à Jerusalém celestial, à cidade do Deus vivo. Chegaram aos milhares de milhares de anjos em alegre reunião.
É um alento também a convicção de que a presença de Deus será realidade insofismável. Esse é o prêmio reservado aos que se tornam filhos de Deus pela fé em Jesus (v. 23): [vocês chegaram] à igreja dos primogênitos, cujos nomes estão escritos nos céus. Os detalhes da experiência na Jerusalém celestial são encantadores: será a morada de Deus com os salvos, Deus estará conosco e será para sempre o nosso Deus. O Pai enxugará as nossas lágrimas; ninguém mais vai chorar; não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor. As coisas pavorosas terão passado (Ap 21.3-4).
E o alento maior na peregrinação: saber que Jesus é o mediador e o centro para quem tudo converge (v. 24). Ele pagou o preço para que todo pavor fosse substituído pelo encanto. Velho hino afirma: “Livres do medo temos ficado, Cristo morreu levando o pecado; eis o resgate, o pacto se fez, Cristo salvou-nos de uma vez”. Isaías afirmou que “o castigo que nos trouxe paz estava sobre ele, e pelas suas feridas fomos curados” (53.5b). Nada melhor senão aguardarmos o dia quando estaremos com Jesus. Mas o mesmo texto que nos alenta também nos desafia.
b) Somos desafiados à completa aceitação da palavra de Deus.
Vivemos um tempo de descaso pela palavra. A indagação é: até onde aceitamos a Bíblia? De que modo essa palavra nos fala? O texto mostra-nos o modo como podemos aceitar a palavra de Deus.
Com um comportamento de total obediência (v. 25): somos advertidos de modo claro: “É preciso que prestemos maior atenção ao que temos ouvido para que jamais nos desviemos”. O texto prossegue, mostrando que sem isso todo esforço será em vão (Hb 2.3a): “Como escaparemos, se negligenciarmos tão grande salvação?” (Hb 2.1)
Para vivenciarmos as maravilhas do Senhor (v. 26-27): A vinda de Jesus ao mundo foi um acontecimento muito maior do que tudo quanto os israelitas vivenciaram. “Aquele que é a palavra tornou-se carne e viveu entre nós. Vimos a sua glória, glória como do Unigênito vindo do Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1.14). E tão grandes sinais que abalarão terra e céus serão vistos quando o Senhor voltar, como ele mesmo prometeu: Voltarei e os levarei para mim, para que vocês estejam onde eu estiver (Jo 14.3b).
Sendo continuamente agradecidos (v. 28a): a gratidão vem pela consideração. O Senhor estabeleceu um reino perfeito; o privilégio de pertencermos a ele acompanha o compromisso de uma vida de perfeição. Jesus falou da exigência para sermos seus amigos (Jo 15.14): Vocês serão meus amigos, se fizerem o que eu lhes ordeno. E o que é que Jesus nos ordena? O meu mandamento é este: Amem-se uns aos outros como eu os amei (Jo 15.12). A maior expressão da nossa gratidão ao Senhor é o amor ao próximo.
Adorando ao Senhor com reverência e temor (v. 28b-29): o Altíssimo não aceita a adoração simulada; isso fica claro em Isaías 1. Nosso viver inteiro deve ser de contínua adoração em espírito e em verdade. Diante de Jesus todo joelho se dobrará e toda língua confessará que ele é Senhor para a glória de Deus Pai (Fp 2.9-11). Em tempos de tanto espetáculo, vale a pergunta: como estamos adorando o Senhor?
A graça do nosso Deus é o nosso bem maior. E é exatamente essa graça que nos dá alento para não desanimar e desafia-nos a prosseguir em completa aceitação da palavra do Senhor. Amém.
4. Imagens para a prédica
Um futuro de alegria – “Olhem para o outro mundo!”, bradou à aglomeração de milhares de pessoas, com o dedo apontando para o céu em um gesto conhecido de muita gente. Não haverá morte, nem dor, nem tristeza, nem velhice, nem enfermidade, nem corpos deformados, nem olhos embaçados, nem lágrimas. Apenas alegria, paz, amor, felicidade. Não haverá cabelos brancos. Todos serão jovens. Pensem nisto! Vida! Vida! Vida sem fim! E, mesmo assim, muitos homens escolhem esta vida na terra em vez da vida no céu. Não fechem o coração à vida eterna. Aceitem a dádiva, aceitem. Os senhores farão isso? (POLLOCK, John. Moody: uma biografia. São Paulo: Editora Vida. p. 402)
Jesus, o único mediador – O advogado é um profissional que serve como mediador; é um profissional habilitado a defender a causa dos seus clientes. Entre os homens, entre as mulheres, isso é possível; nos tribunais humanos, é isso que acontece no dia a dia; mas nenhuma pessoa ou instituição tem poderes para promover quem quer que seja à condição de mediador entre Deus e o ser humano. Ninguém tem essa autoridade. A afirmação de 1 Timóteo 2.5 é bem clara: duas realidades: (1) há um só Deus; (2) há um só mediador entre Deus e as pessoas. O homem Jesus é esse mediador. A iniciativa da mediação é divina; o Mediador é aquele que é enviado de Deus para realizar a obra da salvação. Nos dois textos que lemos, Paulo declarou ser Jesus, o único mediador que, por seu sangue, aproxima-nos de Deus. Jesus é o único mediador capaz de nos aproximar de Deus e nos dá paz completa (Jilton MORAES. Ilustrações e poemas para diferentes ocasiões. São Paulo: Editora Vida. p. 192).
5. Subsídios litúrgicos
Dirigente: Somos peregrinos, Jesus está conosco. Ele é o nosso Senhor, é a razão da nossa fé. Deus exaltou-o sobremaneira e deu-lhe o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai (Fp 2.9-11).
Todos, cantando: Ontem, hoje e para sempre Cristo é o Senhor. Tudo muda, Cristo nunca: Glória ao Senhor! Glória ao Salvador, glória ao Salvador! Tudo muda, Cristo nunca: Glória ao Salvador! (Hino 248 – HPD).
Dirigente: Então vi novos céus e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra tinham passado; e o mar já não existia (Ap 21.1-4).
Homens: Vi a Cidade Santa, a nova Jerusalém, que descia dos céus, da parte de Deus, preparada como uma noiva adornada para o seu marido.
Mulheres: Ouvi uma forte voz que vinha do trono e dizia: Agora o tabernáculo de Deus está com os homens, com os quais ele viverá.
Todos: Eles serão os seus povos; o próprio Deus estará com eles e será o seu Deus. Ele enxugará dos seus olhos toda lágrima. Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor, pois a antiga ordem já passou.
Todos, cantando: “Céu lindo céu, céu lindo céu há mansões celestiais todas feitas por Deus. Céu lindo céu, céu, lindo céu, eu vou pro céu, lindo céu, Com Cristo eu vou morar num lindo céu”.
Todos: Considero que os nossos sofrimentos atuais não podem ser comparados com a glória que em nós será revelada (Rm 8.18).
Bibliografia
ALLEN, Clifton J. Comentário Bíblico Broadman. v. 12. Rio de Janeiro: JUERP, 1985.
CALVINO, Juan. Epístola a los Hebreus. Michigan: Subcomision Literatura Cristiana, 1973.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).