Nome: Rosalina Raasch
Participação na IECLB: Desde a Confirmação
Comunidade: Luz no Mundo, Alta Floresta-RO
Sínodo: Amazônia
A história de Rosalina tem origem na imigração pomerana. As famílias imigrantes chegaram ao Brasil entre os anos de 1856 e 1872, desembarcando no porto capixaba, Vitória, capital do estado do Espírito Santo. Estas famílias pomeranas vinham da Alemanha em busca de novos sonhos e um futuro melhor. Com estes desejos no coração, os imigrantes pomeranos chegavam às terras capixabas com fé, coragem e esperança de uma vida mais próspera.
Com gratidão registramos a história de vida de Rosalina Raasch, carinhosamente conhecida como Rosinha. Rosinha nasceu no dia 06 de maio de 1942, em Vargem Alegre, município de Baixo Guandu-ES, filha de Augusto Ricardo Carlos Antônio Raasch e Albertina Bilke Raasch. Foi batizada no dia 02 de agosto de 1942, no Córrego Bley, na Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB), pelo Pastor E. Walter Streich.
A família tinha suas posses, terras, roças, cavalos e tropas de mulas… Como de costume, as famílias se preparavam para o Natal, que aos poucos se aproximava. Viajavam dias em lombo de cavalo até a cidade para as compras de Natal. Numa dessas viagens, o pai de Rosinha sofreu um trágico acidente. Imagina-se que, na travessia de um mata-burro, o cavalo se assustou, jogando-o bruscamente ao chão, entre pedras, e pisoteando-o. Quando o acharam, estava agonizando, com muitas dores e muito ferido. Até que conseguiram encaminhá-lo para algum recurso médico, ao hospital em Vitória, levou uns 15 dias. Mas não se tem notícia do que aconteceu depois. Acredita-se que tenha morrido. Ninguém ficou sabendo onde foi enterrado. Tinha 30 anos idade. Esta tragédia trouxe dias de muita amargura, tristeza, solidão e saudades para a família.
A insegurança, o medo, a propriedade para gerenciar… Os filhos foram separados e criados por famílias diferentes. Por isto, Rosinha foi viver longe de sua mãe e irmãos e irmãs. Foi confirmada na IECLB no dia 30 de março de 1958, em São Bento, pelo P. Georg Berthlein. Aos 18 anos de idade, moça linda e crescida, conheceu outro destino e tomou outro caminho.
Falamos agora de um pomerano. Lá no interior, bem pra lá… Caminho da roça. Crescia feliz, um menino com sua família. Wilson Kramer, filho de Edmundo Augusto Kramer e Olga Ohnerzorge Kramer, nasceu no dia 22 de abril de 1941, em Pancas, ES. Foi batizado no dia 02 de junho de 1941, pelo Pastor Friedrich Heid, em Panquinhas, Paróquia São Bento, ES, e confirmado em 11 de abril de 1955, na Comunidade Evangélica de Confissão Luterana no Córrego do Jacarandá, Paróquia do Córrego Bley, pelo Pastor Richard Rosenbauer, que lá atuou de 1951 a 1958.
“Assim como o céu e o mar que, através de raios de luzes e na profusão de cores, revelam a mais pura essência da beleza da imagem um do outro”, assim Wilson e Rosinha se encontraram, num evento comunitário. E, após alguns meses de namoro, no dia 14 de novembro de 1962, em Vila Fartura, município de São Gabriel da Palha, ES, foi registrado o casamento civil deste lindo e jovem casal. A bênção matrimonial foi realizada na Comunidade Evangélica do Córrego do Jacarandá, Paróquia Córrego Bley, no dia 18 de novembro de 1962, pelo Pastor Horst Schmeckel, que atuou na paróquia de 1960 a 1968. O início de vida a dois não foi fácil. Muitas dificuldades… Porém, a persistência na busca de condições de vida melhores, coragem e paciência foram ingredientes importantes para que a família tivesse o necessário para viver… Muitas mudanças e adaptações…
Em 1970, Rosinha e Wilson, morando em Cachoeira da Onça, São Gabriel da Palha, passaram por dias de muito sofrimento, doença, falta de emprego e busca de melhores condições de vida.
Rosinha e Wilson, com as suas cinco crianças e amparados por familiares, mudaram-se para a localidade do Córrego do Jacarandá. Lembro que nós crianças agora estávamos chegando a um verdadeiro paraíso. Minha mãe, com lágrimas nos olhos, com satisfação e alegria nos alimentava com leite de vaca, com verduras e frutas que ela mesma podia colher. Podia fazer e assar o saboroso pão de milho. Podia-se colher laranjas, mangas, tomar banho no rio e na bica, subir em árvores, brincar na grama… descobrir essa vida no campo, no interior… ir à igreja todos os domingos, agora, sim, isso era festa. Antes tinha que ter dinheiro para o ônibus. Além de mim, eram mais seis filhos.
Agora, meus pais iam trabalhar na roça, plantar café, milho, feijão, fazer horta, criar vacas, porcos…
Meu pai, Wilson Kramer, participava de cursos, seminários oferecidos pela ADL. Reuniões… Presbitério… Na comunidade do Córrego do Jacarandá, meu pai assumia o culto infantil, ensino confirmatório, juventude, coral, estudos bíblicos nas casas, cultos, sepultamentos. Na ausência do pastor, a comunidade tinha a ele para qualquer emergência. Fui crescendo, observando e vivenciando isso tudo. Isso era lindo! Como o domingo demorava a chegar! Meu pai era o maestro do coral, tocava violão, acordeão e harmônio. Minha mãe, com gratidão e zelo, fazia a tarefa de zelar pela igreja, preparava o altar, o cálice, a pátena, toalhas para a santa ceia, celebrações, cultos, encontros, reuniões, fazia almoço para grupos de pessoas que, porventura, vinham conhecer a comunidade. Não havia rancor, cobrança, cansaço… Ela fazia por amor. Tudo voluntário. Sempre havia um sinal desta tarefa. O acolhimento podia ser visto e sentido, através do bem-estar, através de um toque especial e característico, bem pessoal dela: flores.
Assim, em 1970, chegaram à paróquia de Vila Valério o P. Roberto Hollerbach e sua esposa Marlene Kurtz Hollerbach. Com o incentivo deles, nascia ali o grupo de OASE. Minha mãe fazia parte do grupo das fundadoras. Na companhia de minha mãe e minha avó, eu e minhas irmãs íamos junto quando podíamos. Antes de irem à igreja, as mulheres chegavam primeiro à nossa casa.
Outra coisa bonita de minha mãe era a atenção que dava às crianças e aos idosos. Ela motivava para que crianças e idosos fossem presenteados com casquinhas coloridas e recheadas de amendoim doce na Páscoa, e no Natal com os famosos pacotinhos, ou nem que fosse um simples cartão feito à mão. Ela não sabia ler nem escrever. O importante era que todos fossem lembrados.
Para as pessoas menos favorecidas, dispensava tempo e ajudava no que fosse necessário. Tentava amenizar a dor e apaziguar “conversas acaloradas”, fofocas. Sua simplicidade era uma característica admirável que fazia dela uma pessoa calma, bela e branda. Ela era referência para receber pessoas que necessitassem de apoio, quando não era ela quem precisava deste apoio. Assim, sua caminhada dentro da OASE e IECLB sempre permitiu que nossa casa fosse lugar de muitas visitas, parada e de acolhida das pessoas que vinham visitar a comunidade e paróquia.
Posso afirmar que ela deu exemplos dos quais não posso me desviar, deixar de falar e aqui registrar. Todo este envolvimento na comunidade do Córrego do Jacarandá, Paróquia Evangélica de Vila Valério – ES, os momentos de grandes alegrias, assim como também estamos sujeitos aos momentos de mudanças, decisões… E, em busca de dias melhores, em 1981 a família Kramer se mudou para a Rondônia.
A conquista de um pedaço de terra custou muitas lágrimas, suor, calos nas mãos, feridas que até hoje ainda sangram, perdas de vidas, dias de muita solidão, saudades de quem ficou para trás, medos, inseguranças, sem economia alguma, estradas de barro, doenças e sem recursos médicos…
Rosinha e Wilson, na luta por um pedaço de chão, no início morando debaixo de lona preta, com suas filhas e filho. Depois de um roçado, as sementes foram lançadas ao chão, as primeiras colheitas… enfim, aos poucos as coisas iam se ajeitando… Porém, a saudade da comunidade e de outros familiares que ficaram em terras capixabas era grande.
Com o sonho de conquistar algo melhor, noites e dias minha mãe ficava sozinha com seis crianças, enquanto meu pai e meu tio construíam escolas, igrejas em outras localidades, onde tudo estava começando. Elas ficavam com muito medo… bichos selvagens rondavam o barraco.
Nesta época eu já estava estudando e morando na Casa Matriz de Diaconisas em São Leopoldo, RS. Na primeira vez em que fui passar férias em casa, a viagem de São Leopoldo para Cacoal durou 15 dias. Assim, a cada ano que eu saía de férias, minha família estava num lugar diferente. E onde eles residiam começava um ponto de pregação ou uma igreja era construída pelo meu pai, tios e vizinhos.
Chegou o dia em que meus pais conquistaram o sonho de um pedaço de terra, em Alta Floresta d’Oeste, P-50. O Pastor Inácio Lemke e outros pastores vinham realizar cultos, quando era possível, pois na época das chuvas, com o barro e os atoleiros, a situação ficava mais difícil. Logo ali, na P-50, também foi construída uma igreja para as celebrações. Também ali o trabalho de canto coral, culto infantil, ensino confirmatório foi realizado. Através de minha mãe, as mulheres eram convidadas a participar de encontros sobre ervas e pomadas medicinais, oferecidos e motivados pelo P. Inácio Lemke, sua esposa Magda e sua irmã Iracema Lemke.
Passaram-se dias, anos… na cidade de Alta Floresta d’Oeste… de repente, a comunidade Luz no Mundo, construtores, meu pai, irmão, tios… ergueram uma casa, uma igreja, um centro comunitário… e quem estava lá lavando piso, varrendo quintal, ornamentando altar, preparando jardim, plantando árvores frutíferas… preparando comidas saborosas, assando pão, fazendo saladas, coando café, cuidando de crianças, adolescentes, jovens, idosos… preparando salas para reuniões, abrindo e fechando as portas da igreja e salas do centro comunitário, hospedando mulheres grávidas que aguardavam a hora para seguir até o hospital, que era ao lado, recebendo visitantes? Rosinha.
Com gratidão por tudo o que já tinham experimentado e vivenciado, no dia 13 de janeiro de 2013, em Alta Floresta d’Oeste, celebramos as Bodas de Ouro de Wilson e Rosinha, com muita alegria. Um culto muito esperado… fizemos uma grande festa após o culto. Reunimos os familiares e junto com a comunidade, agradecemos e louvamos na certeza de que a fé de meus pais permitia que eles continuassem ouvindo atentamente e a se dedicar com amor.
Porém, no decorrer, dos anos seguintes, Rosinha, sorridente, a doença a abateu e começou outra luta. Exames… Internações, médicos… E os olhos azuis foram ficando cansados. Muitas adaptações, Zione decidiu deixar a sua casa em Campo Grande-MS, e veio morar com mamãe e papai para ajudá-los nos afazeres domésticos e encaminhamentos médicos. Cirurgia foi necessária para aliviar dores… dores… Para mim foi importante cuidar doze dias de minha mãe no hospital. Momentos de conversa, de dar banho, de massagear seu corpo cansado, de dar comida a sua boca, pentear os cabelos brancos… momentos de reflexão sobre a vida. O coração lentamente parando, a respiração enfraquecendo. A mulher com alma de menina e simplicidade extrema não teria mais o colo de mãe a oferecer. Rosinha faleceu no dia 04 de março de 2015, em Alta Floresta d’Oeste, RO. Para todas as pessoas que conviveram com ela e a conheceram, ficaram na memória os cabelos brancos, a pele cansada, marcas da jornada; muita experiência a compartilhar.
Simplicidade – sim, esta palavra é o resumo da história desta mulher que foi mãe, esposa, avó, amiga, companheira, irmã… No embalo de todos os sentimentos, ela viveu a sua vida dedicando-se às pessoas, à sua família, sua igreja, sua comunidade.
Hoje meu pai, Wilson Kramer, com 75 anos de idade, continua se dedicando ao canto coral na comunidade Luz no Mundo, Alta Floresta-RO. Minhas irmãs Zione e Mara Kramer e suas filhas Jordana e Joice continuam com a tarefa de zelar pela igreja, preparando e ornamentando o altar e o templo para as celebrações e cultos festivos da comunidade. Ficam aos olhos e na vida os bons exemplos. Saudosamente, sempre minha Rosinha!
Texto: Diácona Telma Merinha Kramer
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