INTRODUÇÃO
Observações sobre o texto da meditação: Mc 10.13-16
A tradução do pronome demonstrativo lhe (autós – dat.) em traziam-lhe crianças (versículo 13) é mais precisa que a proposta de Almeida então traziam-lhe algumas crianças, que pode dar a ideia de um acontecimento acidental. No versículo 14, a tradução de Almeida pequeninos (como mikros em Mt 18.6) não corresponde ao grego paidia = crianças. Ainda no versículo 14, várias traduções são possíveis para a palavra toioutôn: de tal tipo, estas crianças e outras (literal), estas crianças e outras pessoas iguais a elas.
Entre os gregos e os romanos, as crianças não eram muito estimadas. Embora fossem desejadas para constituir famílias e se projetasse nelas a imagem de futuros trabalhadores e soldados, elas não tinham valor em si mesmas. Na arte greco-romana e, posteriormente, da Idade Média até o século XVIII, as crianças eram frequentemente pintadas como adultos em miniatura. Uma miniatura no Evangeliário de Oto III (séc. XI) nos dá uma ideia impressionante da deformação imposta aos corpos das crianças. Na cena de Mc 10.13-16, o miniaturista agrupou em torno de Jesus oito verdadeiros homens, reproduzidos em escala menor. A infância era caracterizada como algo passageiro, como prólogo para a idade adulta.
Jesus declara que o reino de Deus pertence às crianças. O reino de Deus não encontra nenhum obstáculo nelas. Enquanto os discípulos entendiam que só as pessoas adultas eram maduras o suficiente para se decidir responsavelmente, Jesus mostra que o oposto é verdade. O reino de Deus pertence às crianças por sua condição de dependência, não por causa de qualidades subjetivas que possam ter ou por qualquer isenção de pecado ou ideia de pureza. Mesmo assim, o reino de Deus precisa ser aceito e esperado com confiança.
ESTUDO DO TEMA
Materiais necessários: quatro tiras de papel ofício colorido (4 cores) para cada participante, fita adesiva crepe, cola, tesoura, papel pardo (1 m X 4 m), polígrafo, pincéis atômicos.
1. CRIANÇAS NA CEIA DO SENHOR
“ – Por que as crianças não podem participar da Ceia do Senhor?”
Esta continua sendo uma pergunta frequente entre os membros da Igreja. As mudanças na Igreja e sociedade se processam de forma lenta. Por serem demoradas, nem sempre as pessoas se dão conta das mudanças que ocorrem na vida particular e, de uma forma ampla, na sociedade. Também a Igreja muda. Ela não é estática, mas Igreja em movimento, em mudança. A tradição cristã muda ao longo da caminhada do povo de Deus.
O colega Leandro O. Hofstätter escreveu um artigo sob o título: .As crianças e o Sacramento da Eucaristia.. Neste artigo, Leandro diz que a tarefa da teologia é examinar como a palavra de Deus é vivida, experimentada e se torna vida concreta na caminhada da comunidade cristã à luz da Palavra e à luz da tradição onde a Palavra encarnada foi vivenciada. Entretanto, Leandro observa, ainda, que esse examinar se dá a caminho. Aliás, “do Caminho” eram chamadas as pessoas que se tornaram seguidoras de Jesus Cristo (At 9.2).
A pergunta pela participação das crianças na Ceia do Senhor implica uma avaliação profunda da prática e da compreensão desse sacramento em nossa Igreja. Constata-se que, na maioria das comunidades, a celebração da Ceia ocorre esporadicamente, e as crianças não participam dela. Leandro é de opinião que há uma dissonância entre as decisões conciliares da Igreja e o entendimento teológico sobre o sacramento e a prática comunitária. Uma concordância sobre a doutrina dos sacramentos é o pressuposto básico para se permitir a participação das crianças na Ceia do Senhor. Leandro lembra a reflexão que Altmann faz do que Juan Luis Segundo chamou de .crise sacramental. para o catolicismo. “A .crise sacramental. surge quando há o intento de renovação da prática sacramental”. (P. Dr. Walter Altmann, Lutero e libertação, p. 149).
Leandro situa a crise sacramental na IECLB entre os obreiros e as obreiras e vê aí a necessidade do início de sua superação. Embora a crise possa ser sinal de renovação, a comunidade não pode permanecer na crise, pois “permanecer na crise seria atestado de insanidade. Ecclesia semper reformanda não é sinônimo de Igreja sempre em crise!” . conclui Leandro.
2. SACRAMENTO
– O que é sacramento?
As igrejas luteranas admitem dois sacramentos: o Batismo e a Ceia do Senhor. Os sacramentos são chamados .meios da graça. pela Reforma. Através dos sacramentos, podemos experimentar um relacionamento pessoal e comunitário com Deus. Assim como o Antigo e o Novo Testamentos nos contam sobre a maneira em que Deus foi se doando aos seres humanos no passado (na criação, na lei e no profetismo, na vida de seu povo, na pessoa de Jesus), assim ele se entrega e se faz presente aqui e agora através dos sacramentos. Nesta perspectiva, quatro pontos são fundamentais sobre os sacramentos:
1º . É Deus quem age nos sacramentos.
2º . Deus atua nos sacramentos se autodoando: no antigo testamento, no novo
testamento e nos sacramentos.
3º . Por meio dos sacramentos a autodoação de Deus ocorre como amor que se
tornou visível.
4º . A autodoação de Deus como amor é tornada visível por meio de relações de amor
dentro da comunidade.
Os sacramentos têm sua razão de ser a partir do Batismo de Jesus e da sua última Ceia.
Como sinal visível de sua presença, a água do Batismo e o pão e o fruto da videira da Ceia do Senhor não são simples elementos visíveis, mas, junto com a Palavra de Deus, caracterizam a presença real e a ação concreta de Deus. Os elementos visíveis, hoje diríamos sensíveis ou sensitivos, com as promessas de Deus em Cristo, tornam o sacramento o que ele é: ato externo, extra nos, obra de Deus em favor de nós. Através dos sacramentos, Deus nos concede os dons e as promessas de Cristo: graça, fé, justificação, perdão dos pecados, Espírito Santo, santificação, vida eterna e salvação.
Os sacramentos e o anúncio do evangelho são inseparáveis. A palavra de Deus não está somente ao lado dos sacramentos como pregação, mas é, ela própria, o cerne do sacramento (Hospitalidade Eucarística, p. 19).
O reformador Martim Lutero compreende os sacramentos como presente de Deus. Deus presenteia ao ser humano a sua salvação, que é o seu próprio Filho Jesus Cristo. Portanto, o presente de Deus nos sacramentos é obra de sua graça. Não depende de nenhum mérito e de nenhuma condição humana. Isto quer dizer que o amor e a graça de Deus se destinam para todas as pessoas.
Leandro lembra que, para falar desse presente de Deus, Lutero usa a imagem de um testamento, o qual ele diferencia de contrato. O contrato se baseia na seguinte construção casuística: .se fizeres isso …, então!!!.. O testamento se baseia no .porque eu quis assim, portanto, seja feito.. No exemplo do testamento, o peso está na obra de Deus. Dispensa a fé como poder humano, mas pressupõe a fé como dádiva de Deus. Sobre os sacramentos Lutero afirma: “O ponto cardinal é a Palavra e a ordenação ou mandamento de Deus. […] Também esse venerabilíssimo Sacramento permanece inalterado, nada lhe sendo detraído ou tomado, mesmo que o usemos e celebremos indignamente”. Falando especificamente sobre o Batismo: “Venho aqui em minha fé e também na dos outros; todavia, não posso edificar sobre o fato de eu crer e muita gente por mim interceder; edifico, isto sim, sobre o fato de ser a tua Palavra e ordem”. (Catecismo Maior . Martim Lutero, Obras selecionadas 7, p. 431s. e 427)
Apesar do reconhecimento de minha indignidade e da total dependência do amor e da graça de Deus, é necessário que eu creia na promessa de Deus. Os sacramentos não são ato mágico. Exigem resposta à graça recebida. Embora tenha compreensão racional da dádiva de Deus ofertada através dos sacramentos, a presença real de Cristo permanece um mistério (sacramentum). Os sacramentos despertam e fortalecem a fé, mas não dependem da fé de quem os recebe. A fé não faz o sacramento, mas o recebe, aceita. Dizer “eu creio” é sempre uma resposta à graça recebida de Deus e não uma condição para poder recebê-la. Portanto, nenhuma pessoa pode ser impedida de receber o Batismo e a Ceia do Senhor. Em cada celebração da Ceia do Senhor, Deus confirma em nós a sua graça e nos abençoa, enviando-nos para o serviço no mundo.
3. AS CRIANÇAS E A CEIA DO SENHOR
– A partir de que idade as crianças podem participar da Ceia do Senhor?
Nos primeiros tempos da Igreja cristã, as pessoas eram admitidas à Ceia do Senhor imediatamente depois de batizadas. Cassiano Floristan (Catecumenato, história e pastoral da iniciação, Vozes) e James White (Introdução ao culto cristão, Sinodal) fazem uma descrição detalhada da iniciação cristã. A prática da iniciação cristã consistia no processo de preparação batismal, ou seja, envolvia desde a admissão e o catecumenato até os ritos do batismo. O conjunto da iniciação consistia em ritos, gestos e ações anteriores ao banho batismal, no próprio banho batismal (morte e ressurreição com Cristo) e nos ritos, gestos e ações pós-banho batismal: a unção, a imposição de mãos (como sinal da doação do Espírito Santo, sua presença e atuação na vida do batizando); em seguida, incorporados ao Corpo de Cristo pelo Batismo, os recém-batizados participavam da celebração da Ceia do Senhor. Dessa forma, a imposição das mãos dada na entrada da igreja, após o banho batismal, e a Ceia do Senhor faziam parte da iniciação cristã.
A separação do rito da imposição das mãos do banho batismal ocorreu mais tarde, quando se entendeu que somente o bispo deveria realizá-lo. Com o crescimento do cristianismo, as pessoas batizadas deveriam esperar a chegada do bispo para receber a imposição das mãos. A espera pelo bispo tornou-se cada vez longa, vindo a postergar aquele ato que estava unido ao Batismo. O Batismo ficava, assim, à espera de um complemento. Com o tempo, a imposição das mãos veio a constituir um rito próprio, denominado de crisma. A confirmação tem aqui a sua referência.
Com a cristianização (séc VI), generalizou-se o Batismo de crianças, inclusive de recém-nascidos. Apesar dessa generalização, não lhes foi negada a participação na Ceia do Senhor. Até o séc. XII, a Igreja cristã manteve essa prática de incluir as crianças batizadas como parte do corpo de Cristo na mesa da comunhão. (P. Ms. Pedro Kalmbach, Revista Tear, número 5, agosto 2001).
“Até os dias de hoje, na igreja oriental, depois do batismo, as crianças são recebidas e incluídas na comunidade. Na igreja ocidental, esse costume se manteve até o século XIII (quarto Concílio de Latrão, ano de 1215). A partir de então, estabeleceu-se que a condição para participar da comunhão refere-se a uma instrução mínima, a qual pressupõe certa capacidade cognitiva. A crença é que, antes de participar da Eucaristia, as crianças devem
alcançar a maturidade suficiente para professar conceitualmente sua fé”.
“Um dos argumentos teológicos mais fortes a favor da participação das crianças na Eucaristia surge a partir do Batismo. Considerando que, com o Batismo, a pessoa é incorporada no corpo de Cristo, que é a igreja (1Co 12.12-13), e que através dele participa de sua morte e ressurreição (Rm 6.4; Cl 2,12), qualquer pessoa batizada deveria ser admitida à Ceia do Senhor. Sendo ela a Ceia da comunidade de fé, da família de Deus na qual ingressamos pelo Batismo, torna-se difícil justificar a exclusão das crianças batizadas. Entendendo comunidade cristã como uma comunidade de irmãos e irmãs na fé, torna-se problemático excluir as crianças da comunhão de mesa”. (P. Pedro Kalmbach, Revista Tear, número 5, agosto 2001).
“É um erro afastar as crianças da Ceia sob o argumento de que não tenham atingido o grau de fé dos adultos ou que já tenham na palavra pregada toda a dádiva que a Ceia oferece. Tais argumentos dão maior valor à razão do que ao Espírito Santo. Eles impedem que o Deus encarnado habite pessoal e fisicamente em nossa prática da Ceia do Senhor”.
“Ao falar do culto da comunidade, Lutero disse que se dirigiam à mesa da comunhão “homem, mulher, jovem, velho, senhor, escravo, esposa, empregada, pais, crianças como Deus ali a todos reúne””. (P. Dr. Romeu Martini, Revista Tear, número 5, agosto 2001).
No fim de seu texto, Leandro cita um trecho do Catecismo Maior de Lutero sobre o Sacramento do Altar que mostra a importância que o Reformador deu à participação das crianças na celebração da Ceia do Senhor:
“Neste sentido que cada pai saiba que ele é responsável – pela ordem e mandamento de Deus – pelo educar suas crianças sobre o que foi dito acima, ou que as deixe ser ensinadas, sobre o que elas devem saber. Pois, porque elas foram batizadas e fazem parte da cristandade, elas devem também gozar desta comunhão do Sacramento, para que através desta (comunhão) elas nos sirvam e possam nos trazer proveito, pois elas precisam nos ajudar a crer, a amar, a orar e a lutar contra o diabo”. (Catecismo Maior . Martim Lutero, Obras selecionadas 7, p. 442).
A participação das crianças na Ceia do Senhor é importante porque elas recebem o alimento para a fé, que fortalece a esperança e aquece o amor. Participando, as crianças aprendem e, aprendendo, elas participam. A criança que participa de tudo isso terá, no dia de sua confirmação, maior alegria em testemunhar a sua fé perante Deus e a comunidade reunida.
4. A CAMINHO DE UMA COMPREENSÃO INCLUSIVA DA CEIA DO SENHOR
– Podemos chegar a um consenso sobre os fundamentos da Ceia do Senhor?
Até aqui, refletimos sobre os fundamentos do sacramento, a história da iniciação cristã e da participação das crianças na Ceia do Senhor, mas ainda não tratamos da fundamentação bíblica e teológica da Ceia do Senhor propriamente dita.
Os evangelhos nos mostram que Jesus praticava a partilha do pão com todas as pessoas, sem excluir ninguém (Mc 14.2s.; 2.15 e Lc 15.1 a 2). A prática de Jesus contrariava a lei de pureza judaica daquela época. Ou seja, somente os que se consideravam puros, sadios e fiéis cumpridores dos mandamentos podiam participar da comunhão de mesa. Jesus mostrou que o amor de Deus é especial: ele .não veio para ser servido, mas para dar a sua vida em resgate por muitos. (Mateus 20.28).
A última refeição de Jesus com os seus discípulos, antes de sua morte, não foi uma novidade. Jesus celebrou a Páscoa com os seus discípulos como provavelmente o fazia a cada ano. O povo de Israel celebrava a Ceia Pascal em memória de sua libertação do Egito, terra onde havia sido escravo. Esta celebração se desenvolvia nas casas, em volta de uma mesa, e era presidida pelo chefe do clã. Incluía leituras, cânticos e salmos; também uma explicação que atualizava os acontecimentos então vividos. O ponto alto da celebração, porém, consistia na ceia que se dava ao final, em que o chefe do clã abençoava os alimentos mediante uma grande ação de graças – daí o termo Eucaristia, que em grego significa precisamente ação de graças. Em nossa tradição, estamos acostumados a falar de Santa Ceia ou Ceia do Senhor (1Co 11.20).
As primeiras ações de Jesus no relato da instituição da Ceia do Senhor mostram que ele seguia a tradição judaica: “E, tomando um pão, tendo dado graças, o partiu e lhes deu…” (Lc 22.19). A novidade está no que Jesus falou ao distribuir o pão e o cálice. “Isto é meu corpo… Isto é meu sangue… façam isso em memória de mim” (Lucas 22.19 e 20).
Na Ceia do Senhor, somos convidados e servidos por Jesus Cristo. Realizamos a Ceia do Senhor por ordem, em nome e em memória de Jesus Cristo.
TRABALHO DE GRUPOS
Durante a história do cristianismo, as diferentes denominações cristãs têm entendido a Ceia do Senhor de diversas maneiras. Sem querer reduzir o que as pessoas cristãs de todos os tempos e lugares experimentaram e experimentam na celebração da Ceia do Senhor, convido vocês para pensar em palavras-chave que ajudem na compreensão desse sacramento.
1. Cada pessoa define de uma a quatro palavras-chave que fundamentem o sentido da Ceia do Senhor.
2. Organizar grupos (formação de grupos a partir da regra das palmas).
3. O grupo define quatro palavras-chave. Escrever cada palavra-chave em uma tira feita de papel colorido.
4. Plenária:
a) Cada grupo compartilha as suas palavras colando-as no chão, no centro do círculo.
b) Fazer uma síntese propondo um agrupamento das palavras-chave presentes, complementando-as com o texto de subsídio a seguir. (Ver também texto de White, p. 192s.).
Sete temas a partir do Novo Testamento para a compreensão da Ceia do Senhor
1 . Eucaristia ou ação de graças
Os quatro textos da instituição da Ceia narram que Jesus deu graças e louvou a Deus antes de abençoar e repartir os elementos. O agradecer e o louvor são expressões de alegria e de humildade, atitudes de quem se sente dependente do cuidado de Deus. Estes sentimentos (alegria e singeleza de coração) estavam presentes entre as pessoas que partiam o pão nas primeiras comunidades (ver At 2.46). Quem experimenta esta alegria em sua vida sente uma vontade espontânea de repartir com as outras pessoas aquilo que recebeu de Jesus.
2 . Comunhão ou reconciliação
A Igreja se baseou no sentido judaico da unidade das pessoas que comem em conjunto. Ao comer juntos, construímos o sentido de comunidade. Ao compartilhar o pão, a comunidade recebe Cristo, e o único pão se torna um sinal da unidade dos e das comungantes.
Ceia do Senhor tem a ver com a presença do Cristo que já morreu por nós, com reconciliação, comunhão, partilha, compromisso de uns para com os outros por causa da graça de Deus. Quando realizamos a Ceia do Senhor em nossa comunidade, experimentamos o amor de Deus por nós. Na Ceia do Senhor, Deus também nos abre o coração, o nosso entendimento e a nossa fé. Ele quebra as barreiras que nos separam uns dos outros.
Os cristãos das primeiras comunidades também viveram situações de conflito. Em Corinto, por exemplo, o apóstolo Paulo fez uma crítica muito forte. Havia brigas e divisões na comunidade porque alguns cristãos de lá não queriam partilhar seus alimentos com seus irmãos e irmãs mais pobres. Paulo afirma que a comunidade de Corinto não estava mais celebrando a Ceia do Senhor. Podiam chamar isso de refeição particularizada, individualizada, mas não mais de Ceia do Senhor (1Co 11.17-21). Ao reavivar o que Jesus realmente havia instituído na sua última refeição com os discípulos (vv. 23-25), a comunidade faz uma autocrítica do seu dia-a-dia. Olha para as pessoas de seu meio. Faz de tudo para evitar que seus membros tenham a vida prejudicada (vv. 28-30). Na comunidade cristã, a Ceia do Senhor é motivo para esperar e partilhar os meios de vida com aqueles irmãos e irmãs que não os têm (v. 33). Lutero exemplificou isso com a prática das primeiras comunidades cristãs. “Outrora, porém, se praticava este sacramento tão corretamente e se ensinava o povo a entender essa comunhão tão bem, que chegavam a reunir também os alimentos e bens materiais na igreja para distribuí-los aos carentes, como escreve Paulo em 1 Co 11.21.”
3 . Comemoração ou anamnesis
Lembrar, recordar, voltar a saber, vivenciar a realidade do próprio Jesus presente é um dos principais objetivos da prática eucarística. No momento da partilha, recordamos não somente a encarnação, mas todas as obras de Deus, começando pela criação, incluindo ambos os testamentos, e esperamos o retorno de Cristo.
As primeiras comunidades cristãs observaram o que Jesus pediu. Reuniam-se para a Ceia do Senhor (partir do pão), para reavivar os ensinamentos de Jesus, para orar e para conviver (At 2.42). Adotaram a preocupação com o outro como norma reguladora da sua convivência. Tinham tudo em comum. Repartiam. Expressavam o amor de Deus através do serviço ao próximo. Dali brotava sua oração e louvor (At 2.44-47). De fato, faziam tudo em memória de Jesus.
4 . Sacrifício
Rememoramos o sacrifício de Jesus, recordando a aliança que se estabeleceu com o derramamento de sangue (Hb 9.14). Através da Eucaristia, lembramos toda a vida e ministério de Jesus como esvaziamento de si mesmo, assumindo a condição de servo (Fp 2.7).
Jesus deu um novo sentido à Ceia Pascoal. Tudo aquilo que Jesus fez, ensinou e disse
chegava ao ponto máximo. Ou seja, confirmava-se o que há muito tempo se percebia: Jesus pagaria com a própria vida sua fidelidade a Deus e seu amor pelos irmãos e irmãs (Mc 3.6; 11.18; 14.1-2).
A Páscoa de Israel é a celebração da passagem da escravidão para a liberdade. Na Páscoa cristã, celebramos a ressurreição de Jesus dentre os mortos. Celebramos, portanto, a passagem da morte para a vida que não tem fim.
Na saída do Egito, os israelitas mataram cordeiros em sacrifício a Deus. Jesus, porém, fala do seu próprio corpo a ser sacrificado e do seu próprio sangue a ser derramado. Jesus torna-se o cordeiro pascal através da sua morte na cruz. Jesus dá a sua própria vida, fazendo prevalecer o perdão e o amor. Celebramos, portanto, a Ceia do Senhor porque Jesus a instituiu. Essa refeição é parte indispensável de todo culto principal da comunidade, conforme o testemunho de At 2.42s.
5 . Presença de Cristo
Nas palavras da última ceia, Jesus declara a sua presença quando identifica o pão e o fruto da videira com seu corpo e sangue (Mc 14.22-25; Mt 26.26-29).
As primeiras ações de Jesus no relato da instituição da Ceia do Senhor mostram que ele seguia a tradição judaica: “E, tomando um pão, tendo dado graças, o partiu e lhes deu…” (Lc 22.19). A novidade está no que Jesus falou ao distribuir o pão e o cálice. “Isto é meu corpo… Isto é meu sangue… façam isso em memória de mim” (Lucas 22.19 e 20).
6 . Lugar da obra do Espírito Santo
Não aparece explicitado na Escritura, mas aparece na literatura cristã antiga.
7 . Escatologia
Escatologia é a expressão da nossa esperança. É, ao mesmo tempo, o cumprimento e a promessa do reino de Deus. É a confiança e a fé nas promessas de Deus. Aquilo que está por vir é dado por Deus.
5. A CELEBRAÇÃO DA CEIA DO SENHOR COM CRIANÇAS NA IECLB
Quando as comunidades da IECLB iniciaram a reflexão e a prática da Ceia do Senhor com crianças?
Não é possível dar uma resposta precisa. Precisamos de pesquisa neste assunto. Na década de 70, o tema foi abordado em algumas comunidades por iniciativa de obreiros que tiveram contato com literatura teológica ou experiências realizadas na Alemanha. Na década de 80, o número de comunidades que passaram a refletir e a celebrar a Ceia do Senhor com suas crianças se tornou mais expressivo. As primeiras experiências tiveram uma grande repercussão, tanto adesão quanto manifestações de rejeição.
No contexto da renovação litúrgica e da busca por uma educação cristã mais participativa e envolvente (lembramos o movimento do Catecumenato Permanente na década de 70), a proposta da inclusão das crianças na Ceia do Senhor ocupou um espaço de discussão na formação da Faculdade de Teologia (artigo do P. Dr. Lothar Hoch . Estudos Teológicos), em conferências distritais de pastores, e, gradativamente, várias comunidades das mais diversas Regiões Eclesiásticas da IECLB passaram a se confrontar com o tema.
O movimento pela participação das crianças na Ceia do Senhor foi crescendo e chegou aos concílios da igreja. Em 1990, o XVII Concílio Geral da IECLB recomendou o estudo do tema Santa Ceia com nossas crianças a todas as comunidades até o próximo concílio. O XVIII Concílio Geral da IECLB, realizado em Pelotas/RS, recomendou o estudo e a prática da Ceia do Senhor com crianças, em caráter de experiência.
O Boletim Informativo nº 130, do Conselho da Igreja, de 12.11.92 diz o seguinte:
“1. A Santa Ceia celebra a comunhão e a reconciliação do povo de Deus entre si e com o Senhor. […].”
3. Todos devem ser incentivados a participar desta celebração da comunhão.
4. As comunidades e paróquias não deixem de ocupar-se do assunto e de procurar dar passos no sentido de também crianças participarem da celebração da comunhão. (…)
O documento conciliar aponta, ainda, o lugar das crianças na comunhão eucarística. “Deus quer colocar toda a humanidade em nova relação consigo (Jr 31.31), sendo impossível excluir as crianças. As pessoas são inseridas nesta comunhão através do Batismo.
A partir destas recomendações, algumas comunidades e paróquias iniciaram ou continuaram sua reflexão sobre a celebração da Ceia do Senhor com crianças, enquanto outras não o fizeram. É importante lembrar que o Concílio recomenda a Santa Ceia com crianças e não Santa Ceia para crianças. Pressupõe a participação da criança no culto com toda a comunidade.
Como vemos, o Concílio enfatiza que não há razões teológicas que impeça a participação das crianças na Ceia do Senhor. Contudo, tendo por objetivo a participação das crianças, não é possível “fazer experiência” de comunhão. Para as crianças, a experiência faz parte da realidade concreta, não sendo possível colocar tal experiência sob prova de validação.
Depois de dez anos de “experiência”, o XXIII Concílio da Igreja de Santa Maria de Jetibá/ES, 16 a 20/10/2002, aprovou a celebração inclusiva da Ceia do Senhor, nos termos que seguem:
“1.1 . Participação de crianças na Ceia do Senhor
O Concílio da Igreja de 1990 decidiu pela prática experimental da participação das crianças na Ceia do Senhor e o Concílio de 1992 pela continuidade dessa prática. No XXIII Concílio a questão foi retomada, decidindo o Concílio que as crianças não sejam excluídas da Ceia do Senhor. Deverá ser elaborado um caderno de estudos sobre o assunto, dar ênfase à pastoral da criança e buscar o envolvimento da família.. (Boletim Informativo nº 176, 27/11/ 2002).
O XXIII Concílio da Igreja também aprovou a nova versão de Nossa fé – Nossa vida, um guia de vida comunitária em fé e ação, na qual consta:
Quem procura comunhão
Como pessoas batizadas
somos convidados a participar da ceia
quando livremente desejamos
que seja revigorada a comunhão com Deus,
com a comunidade e com a criação.
Nesta comunhão também crianças batizadas,
ainda não confirmadas, podem participar.
Pão e vinho re-presentam o Deus libertador
Ao dar-lhes pão e vinho,
ele se ofereceu a si mesmo,
fazendo-os participantes
da libertação universal,
oferecida a todos e todas,
por sua morte e ressurreição.
Por isso usamos o pão ou a hóstia,
feitos de farinha e água,
bem como o vinho.
Por amor e solidariedade com crianças
e pessoas que se abstêm de bebida com teor alcoólico,
oferecemos suco de uva.
Facilitar a experiência e prática da fé
O preparo também quer facilitar a
experiência e prática de uma vida de fé e amor.
Como parte do preparo pode haver,
após devida conscientização,
a celebração da ceia do Senhor
no grupo do ensino confirmatório.
5. O SENTIDO DO CULTO DE CONFIRMAÇÃO
Um dos receios com a inclusão das crianças na Ceia do Senhor é que a confirmação perca o seu sentido. Mas a confirmação não pode ser entendida como complementação do Batismo nem é o rito para ingressar na Igreja como membro. Na IECLB, as pessoas são membros da Igreja a partir do seu Batismo. Todas as pessoas batizadas são convidadas a participar da Ceia do Senhor. Portanto, o ensino confirmatório é uma etapa significativa de formação na fé na vida de um membro da Igreja, mas não pode ser o único. O culto de confirmação tampouco é formatura na fé, mas uma celebração especial de um dos momentos de testemunho de fé, que tem continuidade nas demais etapas da vida.
A prática da confirmação como Primeira Comunhão apoia-se na ideia de que o Batismo precisa de complementação. Nos primeiros séculos do cristianismo, o Batismo e a confirmação faziam parte de um único rito. A partir do século IV, com Cipriano e, definitivamente, com Agostinho, impõe-se a separação entre Batismo e confirmação. A partir de meados do século V, o Sacramento do Batismo e o rito da confirmação ganham distinção teológica. O Batismo é um ato completo e único, não precisa de complementação nem de renovação. A confirmação se restringiu ao caráter de fortalecimento da fé (Fausto, bispo de Riez, França).1
O conceito teológico fundamental da confirmação é que Deus é quem confirma a sua graça na pessoa. Portanto, não nos confirmamos, mas somos confirmados por Deus e, em resposta à sua graça e amor, respondemos com o nosso sim.
Na confirmação o/a jovem rememora a graça batismal, confessa publicamente com e diante da comunidade a sua fé pessoal, aprimora e continua o seu processo de conhecimento do conteúdo da fé, recebe a bênção de Deus através da imposição das mãos e da intercessão da comunidade e celebra este momento da vida com a participação comunitária na Eucaristia.2
Esta compreensão de confirmação se fundamenta no conceito da rememoração do Batismo (Taufgedächtnis), que foi usado a partir da quarta Assembleia Geral da FLM, em 1963. Depois, foi incorporada na pesquisa sobre a confirmação promovida pela IECLB em 1985, resultando na consulta nacional em 1986, Rodeio/SC. E, posteriormente, na publicação do livro Subsídios sobre o Ensino Confirmatório e Confirmação e do material didático Somos Confirmados, 1989. Por fim, foi reafirmado mais uma vez no material Passos na Fé (2000/1).
A cada culto e a cada dia, Deus nos confirma a sua graça e nos chama a dar sinais de gratidão por seu amor através do serviço ao próximo. Não somos nós que “nos confirmamos”, mas somos confirmados ou confirmadas por Deus em sua graça. Portanto, a resposta dada pelos jovens membros da Igreja no culto de confirmação é uma demonstração de gratidão e reconhecimento do presente recebido de Deus. Em resumo, o sentido do culto de confirmação compreende:
• Um momento de fortalecimento da fé na jornada ao longo da vida.
• Um momento de testemunho da fé, como resposta de gratidão à graça de Deus concedida no Batismo.
• Celebração eucarística de gratidão a Deus por um período de convivência no processo contínuo de ensino e aprendizagem na fé cristã.
• Um momento especial de bênção com imposição de mãos centrada na pessoa do jovem.
• Um momento especial de envio para o exercício do sacerdócio geral.
• Um rito de passagem que fortalece a caminhada e a identidade pessoal e social do ou da jovem.
Notas:
1 Op. cit. Wachs, p. 18
2 Op. cit. Wachs, p. 65