Proclamar Libertação – Volume 44
Prédica: 1 Tessalonicenses 1.1-10
Leituras: Isaías 45.1-7 e Mateus 22.15-22
Autoria: Antonio Carlos Oliveira e João Henrique Stumpf
Data Litúrgica: 20º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 18/10/2020
São vários os temas que poderiam ser trabalhados a partir dos versículos iniciais da Primeira Carta aos Tessalonicenses. No entanto, quando se analisa brevemente os outros textos sugeridos para o 20º Domingo após Pentecostes (Isaías 45.1-7 e Mateus 22.15-22), é possível identificar um tema que é comum aos três textos: o chamado de Deus é acima de tudo um convite para abandonarmos os valores, as crenças, as posturas, os pensamentos e as práticas não condizentes com a vontade de Deus, para podermos esperar, confiar e viver de acordo com os princípios da palavra de Deus.
Há um amplo consenso entre exegetas de que a Primeira Carta aos Tessalonicenses foi escrita por Paulo, Silvano e Timóteo, conforme afirmação na saudação da carta (1.1). Silvano deve ser identificado como Silas (cf. At 17.4), importante membro da comunidade de Jerusalém, que fora enviado também à Antioquia (cf. At 15.22). Timóteo é o principal auxiliar de confiança de Paulo em suas viagens missionárias e trabalhos de evangelização (COLLINS, 2011, p. 411). A epístola foi escrita por volta do ano 51 da era cristã. Há um amplo consenso entre exegetas de que essa epístola é o escrito mais antigo do Novo Testamento, a primeira das cartas escritas por Paulo (BOHN GASS, 2006, p. 153).
Segundo Atos 17.1-15, Paulo chegou em Tessalônica por volta do ano 50 depois de Cristo, vindo de Filipos, onde havia sofrido perseguição. Depois de um ou dois meses que Paulo e Silas haviam iniciado o trabalho missionário em Tessalônica, alguns judeus se organizaram para forçar a saída deles da cidade. Dali eles foram a Bereia, de onde novamente foram expulsos, indo parar em Atenas (BOHN GASS, 2006, p. 153-154). Com o objetivo de consolidar a formação da comunidade cristã em Tessalônica, Paulo enviou Timóteo e Silas, que, ao retornarem da viagem missionária, trouxeram notícias referentes ao grupo de cristãos e cristãs de Tessalônica. Com base nas animadoras notícias trazidas pelos enviados, Paulo e sua equipe escreveram a Primeira Carta aos Tessalonicenses.
Tessalônica era uma grande cidade para os moldes da época. Como capital da região da Macedônia e ainda por estar localizada perto do mar, onde navios de vários lugares atracavam, concentrava uma diversidade cultural e comercial enorme. “Sua população era diversificada: cada qual com sua cultura, língua, deuses, folclore, superstições, tradições etc. Os comerciantes levavam e traziam mercadorias do mundo inteiro. Na cidade há pensões, hospedarias, saunas, teatros, praças, santuários, prostituição” (BOHN GASS, 2006, p. 153).
A comunidade de Tessalônica representa um grupo de pessoas, minoritário, sem respaldo político, econômico, cultural e social dentro de um grande centro urbano, composto por centenas de propostas semelhantes, por uma pluralidade de religiões e filosofias. Paulo e sua equipe parecem ter claro o risco que essa pequena comunidade corre nesse cenário. O risco de sucumbir pela diversidade de outras propostas é grande. Essa percepção é um dos principais motivos para o envio de Timóteo e Silas aos tessalonicenses, e especialmente uma importante motivação para a edição dessa carta. Paulo e sua equipe escrevem com o objetivo de manifestar sua alegria pelo desenvolvimento da comunidade, orientá-la em algumas questões práticas e teológicas e ainda estimular a perseverança e a esperança, tão necessárias para a sustentabilidade dessa comunidade. O tom amistoso da carta deve ser compreendido dentro desse contexto.
Além dos muitos elogios que Paulo faz ao longo da carta a respeito da forma como os e as tessalonicenses recepcionaram o Evangelho de Cristo, a carta procura orientar a comunidade diante de algumas preocupações teológicas que ela parece ter, como a respeito da segunda vinda de Cristo. As pessoas da comunidade de Tessalônica, por acreditarem que a vinda de Cristo seria iminente, ou seja, que aconteceria nos próximos meses ou anos, preocupavam-se em como se daria a ressureição daqueles e daquelas que já tinham falecido. Paulo sustenta que a morte não é empecilho para a ressurreição em Cristo, pois, no final da história, tanto aquelas pessoas que estão vivas como também as mortas serão igualmente reunidas em torno de Cristo para viver na plenitude do reino de Deus. Como não é possível saber nem o dia nem a hora da vinda gloriosa de Cristo, convém às pessoas cristãs viverem a fé no dia a dia, vigiando e orando, abandonando os ídolos e confiando unicamente em Jesus Cristo, respeitando a vida e o corpo, se esforçando na construção de relações de trabalho dignas e livres da opressão de umas pessoas sobre as outras. Enfim, para Paulo a espera pela realização plena do reino de Deus deve ser exercitada na esperança e na vivência cotidiana, como expressão da fé cristã que nos leva a abandonar os ídolos, os valores absolutos colocados pela sociedade que nada têm a ver com os valores e princípios ensinados por Jesus Cristo.
O trecho para a pregação, 1 Tessalonicenses 1.1-10, apresenta, em tom de ação de graças, os temas que serão aprofundados no restante da epístola.
V. 1 – O primeiro versículo destaca os autores, o destino da carta e faz uma saudação à comunidade de Tessalônica.
V. 2-5 – Nos versículos 2 e 3, Paulo afirma que dá graças a Deus em oração pela boa recepção do evangelho em Tessalônica. Os motivos específicos pelo seu agradecimento é que a fé dos e das tessalonicenses é vivida ativamente na vida cotidiana. O amor manifestado em ações e a esperança na vinda definitiva de Cristo são cultivados mesmo em meio a muitas tribulações e dificuldades enfrentadas. No versículo 4, Paulo se refere às pessoas da comunidade de Tessalônica com o termo grego adelphos, que significa irmãos, demonstrando que a intensa e verdadeira comunhão deve ser um dos fundamentos da comunidade cristã, elemento que será melhor trabalhado por Paulo, anos depois, quando escreve a Primeira Carta aos Coríntios (1Co 12.1ss). Ainda no versículo 4, Paulo refere-se às pessoas da comunidade como amados de Deus, deixando claro que o motivo da eleição dos e das tessalonicenses é o amor de Deus manifestado em Jesus Cristo. Por outro lado, a prova da eleição é a forma como eles e elas receberam e vivenciam o evangelho, por meio da fé ativa, do amor vivenciado na prática e da firme esperança na parúsia. No versículo 5, Paulo reconhece que a boa recepção do evangelho pela comunidade em Tessalônica é obra do Espírito Santo, que agiu por meio do testemunho dos apóstolos quando esses estavam em Tessalônica (COLLINS, 2011, p. 411).
V. 6-8 – Os versículos destacam a importância do seguimento exemplar dos e das tessalonicenses aos ensinamentos dos apóstolos e do evangelho. Na medida em que as pessoas da comunidade em Tessalônica se tornaram imitadoras dos apóstolos e seguidoras fiéis de Jesus Cristo, tornaram-se exemplos para outras pessoas que vieram a se tornar cristãs. O versículo 8 ainda afirma que por meio dos exemplos dos cristãos e das cristãs tessalonicenses a palavra de Deus foi repercutida e alcançou outros povos (COLLINS, 2011, p. 412).
V. 9-10 – Nos versículos finais do trecho, especialmente no versículo 9, Paulo chama novamente a atenção para a importância que o anúncio do evangelho feito por ele e sua equipe teve para a conversão dos cristãos e das cristãs de Tessalônica. A conversão nesse contexto deve ser entendida como sinônimo de “voltar” ou “tornar”, ou seja, como um movimento de mudança de direção (COLLINS, 2011, p. 412). Logo, a conversão implica o afastamento e abandono dos ídolos (v. 9) em prol da esperança e confiança unicamente em Jesus Cristo. Para Paulo, não é possível conciliar a esperança e a confiança em ídolos com a fé em Jesus Cristo. Cabe compreender qual é o significado de ídolos para Paulo, para posteriormente buscarmos compreender quais são os ídolos em nosso contexto contemporâneo.
O convite que o texto previsto para este domingo nos faz é para colocarmos nossa confiança e esperança somente em Deus e em ninguém mais. Em todos os textos bíblicos previstos para esta data, somos alertados e alertadas que viver segundo a palavra de Deus, manifestada em Jesus Cristo, significa abandonar os ídolos. O termo ídolo provém do grego antigo eidōlon e pode ser traduzido como simulacro ou representação enganosa.
Como vimos, na época do apóstolo Paulo, a cidade de Tessalônica concentrava uma grande diversidade de crenças e filosofias. Seguir Cristo, para as pessoas cristãs tessalonicenses, representou a necessidade de abandonar princípios, posturas, pensamentos, práticas e crenças não condizentes com a fé cristã. O elogio feito por Paulo diante da percepção de uma fé vivenciada na prática cotidiana, no dia a dia, nos sugere que suas antigas condutas, costumes e práticas foram transformados pela fé cristã. Nesse contexto, o abandono aos ídolos, muito mais que o afastamento dos antigos “deuses”, presentes em outras religiões, tem a ver com o abandono dos ídolos presentes na cultura, na política, na economia. Tem a ver com as representações que a sociedade endeusa para conferir padrões e valores a determinados grupos e pessoas, mas que não passam de falsos deuses a partir da perspectiva cristã.
A idolatria está presente também hoje em dia, inundando os sentidos das pessoas, principalmente a visão e audição. Na grande mídia, os canais de televisão ou rádio constantemente trazem à tona o sentimento de idolatrar artistas ou personalidades pela sua beleza, talento, poder econômico. Vincula-se à imagem desses astros e estrelas os referenciais e padrões de comportamento e de consumo que as grandes marcas e empresas querem disseminar na sociedade. Esse tipo de “propaganda” influencia pessoas adolescentes, jovens e adultas a consumir determinados produtos ou a imitar certos comportamentos por entenderem que, por esse meio, estarão se aproximando e se assemelhando àqueles e àquelas que idolatram, alcançando assim a tão sonhada liberdade e felicidade.
Nesse mesmo sentido, a internet e as redes sociais, entre elas Facebook, Instagram, Tinder e WhatsApp, poluem os relacionamentos quando disseminam a apologia ao abuso do álcool, da pornografia, da violência, da discriminação, do preconceito, do culto à imagem das pessoas. Nos últimos tempos também se tornou escandalosa a manipulação política e ideológica. A essa altura pode-se perguntar: a quem serve essa idolatria? Quem ganha e quem perde com esses tipos de comportamento? Certamente, quem ganha não são as famílias, os grupos e pessoas historicamente violentados pela opressão e preconceitos, ou as comunidades.
As palavras do apóstolo Paulo e seus colaboradores nesses versículos iniciais da carta aos irmãos e as irmãs tessalonicenses as convida a ter consciência e a medir suas atitudes a partir da fé em Jesus Cristo e segundo a esperança da ressurreição.
Atualizando essa mensagem, pode-se compreender que, inevitavelmente, nós nos tornamos pessoas que “imitam” e reproduzem comportamentos. Nesse sentido, podemos nos perguntar: quem estamos imitando com nossas palavras e atitudes? O chamado bíblico é para que nos tornemos imitadores e imitadoras de Jesus e de seus apóstolos: a única imitação que nos conduz à verdadeira liberdade. Dessa forma, nos tornemos multiplicadores e multiplicadoras do evangelho da vida plena e da ressurreição. Isso certamente liberta de fazermos ou seguirmos ídolos e falsos mestres. Sendo “seguidores” e “fãs” unicamente de Cristo, teremos valores verdadeiros e comportamentos coerentes com o reino de Deus.
O seguimento aos ídolos implica nos deixarmos influenciar e determinar pelos valores e padrões que esses propagam. A busca por alcançar os padrões de beleza, de consumo e de poder impostos pelos ídolos nos leva a adotar o egoísmo, o individualismo, a ganância, como valores e posturas centrais para nossa vida. Essa não é a proposta de Jesus Cristo. Seguir o mestre de Nazaré significa abandonar os ídolos que propagam tais valores e padrões. Somos todos aceitos e todas aceitas da forma como somos e conseguimos ser. Não necessitamos alcançar padrões para obter a salvação. A salvação é presente de Deus. Como gratidão a esse presente, nós nos esforçamos para caminhar o único caminho que conduz à vida plena e à verdadeira liberdade, o caminho ensinado por Cristo, que tem no amor, na solidariedade, na compaixão, na partilha e na busca por um mundo melhor para todas as pessoas as suas guias fundamentais.
Era uma vez um papagaio que havia nascido em cativeiro. Com poucos dias, foi vendido para uma família, que lhe deu o nome de Louro e o colocou em uma gaiola pendurada nos fundos da casa. Ele se acostumou a comer o que lhe davam e a ter as penas das asas cortadas. Aos poucos aprendeu que se ele repetisse os sons que ouvia no dia a dia daquela família, isso agradaria seus donos e lhe traria atenção. E assim ele fazia: “Mãeeeee!”; “Paieee!”. A família se empolgou e começou a repetir insistentemente pequenas frases e trechos de canções preferidas. Logo a pequena ave cantarolava “até a pé nós iremos…”, “atirei o pau no gato…”. E assim os meses e os anos foram passando, até que um dia o Louro conseguiu escapar da gaiola e se esconder na copa de uma árvore. Ali ele ouviu outros sons, ouviu outras aves. Encontrou outros papagaios, que, diferentes dele, não imitavam as pessoas, mas tinham seus próprios cantos. Louro se sentiu livre e arriscou improvisar um novo canto. Aos poucos, abriu as asas para a verdadeira vida de papagaio.
Essa história pode ajudar a refletir sobre o que significa sermos imitadores ou imitadoras. Pode-se perguntar: qual é o canto verdadeiro do papagaio? Será que o papagaio só sabe imitar?
Só em liberdade é possível cantar um canto verdadeiro, um canto autêntico. Jesus veio para nos lembrar qual é a nossa verdadeira voz; é a ele que devemos imitar, repetir suas frases e gestos de amor. Somente a partir do caminho de libertação ensinado por Cristo será possível experimentar, ainda de que de forma parcial, a verdadeira liberdade.
Letra e música: Jaci Correa Maraschin
1. Como vamos cantar este canto imprevisto, tão distantes do lar, tão num mundo sem Cristo? A canção do Senhor tem de ser verdadeira para ser o louvor, na terra brasileira.
2. Como vamos cantar se é tão grande a maldade, se tem gente a chorar com temor e ansiedade? A canção do Senhor tem de ser a primeira à injustiça se
opor na terra brasileira.
3. Como vamos cantar se o irmão é explorado, se lhe fazem calar, se ele é sempre anulado? A canção do Senhor tem de ser verdadeira para ser o louvor na terra brasileira.
4. Como vamos cantar sem amor, liberdade, sem poder partilhar o calor da igualdade? A canção do Senhor tem de ser mensageira de inefável amor na terra brasileira.
Letra e música: Frei Domingos
1. Peregrino nas estradas de um mundo desigual, espoliada pelo lucro e ambição do capital, do poder do latifúndio enxotado e sem lugar, já não sei por onde andar… Da esperança eu me apego ao mutirão.
Est.: Quero entoar um canto novo de alegria, ao raiar aquele dia de chegada em nosso chão. Com meu povo celebrar a alvorada, minha gente libertada, lutar não foi em vão!
2. Sei que Deus nunca esqueceu dos oprimidos o clamor, e Jesus se fez do pobre solidário e servidor. Os profetas não se calam, denunciando a opressão, pois a terra é dos irmãos… E na mesa igual partilha tem que haver.
3. Pela força do amor o universo tem carinho, e o clarão de suas estrelas ilumina o meu caminho; nas torrentes da justiça meu trabalho é comunhão. Arrozais florescerão… E em seus frutos liberdade colherei!
Creio em Deus, que criou a mim e a todas as criaturas; que me deu e sustenta meu corpo com todos os seus membros e meu espírito com todas as suas faculdades; que me provê abundante e diariamente o alimento, vestimenta e habitação e todo o necessário para a vida. Que me ampara contra todo perigo e me protege e guarda de todo mal; e tudo isso ele faz sem nenhum mérito ou dignidade de minha parte, por sua pura bondade e sua divina misericórdia. Isso é certamente verdade. Creio que Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, é meu Senhor. Redimiu a mim, perdido e condenado, libertando-me do pecado, da morte e do poder do maligno, não com ouro ou com prata, mas com seu sangue e seus sofrimentos e por sua morte inocente, para que eu lhe pertença para sempre e viva uma vida nova como ele mesmo, que ressuscitou dentre os mortos, vive e reina eternamente. Isso é certamente verdade. Creio que o Espírito Santo me chama pelo Evangelho, me ilumina com seus dons e me santifica, me mantém na verdadeira fé, na igreja que ele congrega dia a dia. É ele também quem perdoa plenamente meus pecados, assim como a todos os crentes. É ele quem no derradeiro dia me ressuscitará dentre os mortos e me dará, com todos os fiéis em Cristo, a vida eterna. Isso é certamente verdade. (Martim Lutero)
COLLINS, John Joseph. 1 Tessalonicenses. In: BROWN, Raymond Edward; FITZMYER, Joseph A.; MURPHY, Roland Edmund. Novo Comentário Bíblico São Jerônimo: Novo Testamento e artigos sistemáticos. São Paulo: Academia Cristã; Paulus, 2011.
BOHN GASS, Ildo. As comunidades cristãs da primeira geração. 2. ed. São Leopoldo: CEBI; São Paulo: Paulus, 2006.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).