Proclamar Libertação – Volume 47
Prédica: 1 Tessalonicenses 4.13-18
Leituras: Amós 5.18-24 e Mateus 25.1-13
Autoria: Antonio Carlos Oliveira, Alesandro Linhaus Binow
Data Litúrgica: 24° Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 12/11/2023
Estamos no antepenúltimo domingo do calendário litúrgico da igreja. Há poucos dias, tivemos os cultos do dia de Finados, período em que refletimos sobre a finitude da vida, mas, principalmente, sobre a esperança da vida eterna. Os textos previstos para este domingo ainda continuam neste campo de reflexão: aspectos especulativos da parúsia de Cristo, em especial.
O texto do Antigo Testamento é de Amós 5.18-24. O profeta Amós faz duras críticas à hipocrisia e incoerência do povo que oferece “holocaustos” e “ofertas” a Deus, enquanto que a injustiça predomina entre o mesmo. Deus quer que o “juízo” e a “justiça” estejam presentes entre seu povo. Amós afirma que quando chegar o tão esperado e desejado “Dia do Senhor”, esse não será um dia de “luz”, mas, sim, de “trevas” e de “escuridão”, por causa da hipocrisia, da incoerência e das injustiças praticadas. O “Dia do Senhor” e a “justiça” perpassam o texto.
O texto de leitura do Novo Testamento é Mateus 25.1-13, que traz “a parábola das dez virgens”, na qual Jesus convida a “vigiar”, pois ninguém sabe nem a hora nem o dia em que “o noivo” (metáfora referente ao próprio Jesus) irá voltar. Já o texto previsto para a prédica é de 1 Tessalonicenses 4.13-18, em que Paulo responde a inquietações da comunidade sobre o que acontecerá na parúsia de Cristo, especialmente com aquelas pessoas que já morreram. Será que tais inquietações estão também presentes em membros de nossas comunidades?
A Primeira Carta aos Tessalonicenses é reconhecida como a carta mais antiga escrita pelo apóstolo Paulo (por volta do ano 50 d. C.) dentre as que estão no cânone bíblico. A comunidade de Tessalônica nasceu a partir de uma passagem e pregação do Evangelho pelo próprio Paulo em sua segunda viagem missionária. Ao escrever a carta à comunidade, Paulo aproveita para reforçar assuntos com os quais a comunidade já estava ambientada, mas também para tentar elucidar dúvidas e questionamentos que surgiram no decorrer do tempo. Esse último aspecto parece ser o contexto da perícope em questão: havia uma inquietação sobre o que aconteceria com aquelas pessoas (membros da comunidade) que já morreram quando da volta de Cristo.
V. 13 – Já neste primeiro versículo da perícope é possível perceber a provável inquietação mencionada anteriormente. É totalmente possível, e até indispensável, pressupor que Paulo, em sua “evangelização” na cidade de Tessalônica, tenha pregado sobre a morte e ressurreição de Cristo. Uma das consequências dessa mensagem é a dádiva da vida eterna concedida gratuitamente por Cristo àqueles e àquelas que nele creem. Parece que, com a morte de membros da comunidade, surgiram questionamentos se essas pessoas receberiam ou não os benefícios concedidos por Cristo, assim como os que estarão vivos no tempo da parúsia. Paulo já inicia sua reflexão apontando para a “esperança”. É preciso conhecer, sim, a promessa de Cristo (não sejais ignorantes), mas, é preciso, principalmente, crer nessa promessa que traz esperança. Inclusive, se contrapõe à crença de que a morte física seria o final de tudo, o que traria um sentimento de angústia e tristeza. Um detalhe interessante neste versículo e em outros dois momentos da perícope é que Paulo, quando faz referência às pessoas que já morreram, utiliza, por exemplo, a palavra (kekoimēnōn: que adormeceram). Isso mostra um viés pastoral da mensagem paulina. Ao invés de falar diretamente da morte, que carrega uma ideia de final, Paulo utiliza uma expressão consoladora e que abre espaço para uma continuação, como é a crença cristã. Afinal, aqueles e aquelas que dormem (em Cristo) serão ressuscitados e ressuscitadas por ele e para ele na sua parúsia.
V. 14 – O apóstolo Paulo reforça a mensagem da morte e ressurreição de Jesus e a necessidade da comunidade de crer nessa verdade. Crer na ressurreição de Cristo é o que permite crer que os que dormem (quem já morreu) serão ressuscitados
e ressuscitadas em Cristo.
V. 15 – A partir desta parte da perícope, Paulo entra no campo da especulação de como será no dia da parúsia. É importante salientar aqui que mesmo que Paulo descreva sua compreensão de como se procederá no dia da parúsia, e é possível que ele acreditasse, em boa medida, que assim o seria, o próprio Cristo, no Evangelho de Marcos 13.32, afirma que a respeito daquele dia ou da hora ninguém sabe […] senão o Pai. Dito isto, Paulo afirma que nós, os vivos, os que ficarmos até a vinda do Senhor […], ou seja, fica explícita a certeza paulina da iminente volta de Cristo, afinal, ele, na sua afirmação, acredita que ainda estaria vivo quando ela acontecesse. A crença na iminente volta de Cristo é algo que perpassa todo o ministério paulino. Romanos 13.11 corrobora tal afirmação. Já a ideia de que ele, Paulo, estivesse vivo no tempo da parúsia parece ir mudando com o passar do tempo (em Fp 3.11, escrito mais tardio de Paulo, ele parece cogitar a possibilidade de que possa estar morto, pois, em Cristo, ele alcançaria a ressurreição dentre os mortos).
V. 16 e 17 – Paulo descreve que na parúsia: a) Jesus daria a ordem, b) voz do anjo, c) ressoada da trombeta, d) descida de Cristo (dos céus), e) mortos em Cristo ressuscitariam e f) juntos com os vivos seriam arrebatados (entre nuvens). Essa seria a compreensão e crença do apóstolo para a parúsia. Pode-se discutir se Paulo estaria, aqui, tentando mesmo descrever alguns aspectos do processo no tempo da parúsia. É plausível entender que ele realmente compreendesse tal descrição na literalidade. É uma herança da apocalíptica judaica. Daniel 7.13, por exemplo, menciona o Filho do Homem que vinha com as nuvens do céu. Marcos 13 é um texto extremamente apocalíptico. Interpretando esse texto na sua literalidade ou na sua forma simbólica, é preciso aceitar que é especulação sobre algo que não se tem autonomia de decisão. Só cabe a Deus. E como o próprio Paulo diz em 1 Coríntios 13.12: agora, vemos como em espelho, obscuramente.
V. 18 – Paulo termina com: Consolai-vos, pois, uns aos outros com estas palavras. O último versículo leva a perceber a intensão pastoral dessa passagem escrita aos tessalonicenses. Parece que a intenção de Paulo não é detalhar aspectos da parúsia, mas, sim, consolar e aliviar a angústia da comunidade com relação ao tema da morte. Crer na certeza da ressurreição de Cristo rompe com a angústia e preocupação com a morte humana, afinal, a ressurreição de Cristo é a promessa da ressurreição daquelas pessoas que já “adormeceram” no Senhor. “Lo importante es que tanto em la vida como em la muerte el Cristiano está em Cristo, y esa es una unión que nada puede romper” (Barclay, 1973, p. 211).
Segundo o calendário litúrgico, esta pregação está prevista para dois domingos após o dia de Finados. É possível que as lembranças e os sentimentos relacionados ao luto por familiares falecidos ainda estejam presentes no coração e na mente das pessoas que estarão no culto. O texto da pregação traz a oportunidade de refletir sobre o tema da consolação e do apoio às pessoas e famílias enlutadas.
O luto é vivido por ocasião da morte de alguém por quem se tem um sentimento de estima, em geral familiares e pessoas amigas. Mas o luto também pode se manifestar diante de outras perdas presentes na vida pessoal, como uma separação, a demissão do emprego, a mudança de uma escola para outra etc. Sentimentos de incompreensão e vazio existencial vêm à tona e desencadeiam um processo de reflexão a caminho da reestruturação, ressignificação e superação. Um luto é entendido como “luto difícil” quando as pessoas apresentam um quadro depressivo acentuado e extenso, devendo nesses casos ter o acompanhamento de profissionais para o tratamento psicológico. O aconselhamento pastoral também é recomendado e de maneira especial reflete sobre questões relacionadas ao ambiente religioso, aspectos da doutrina e da espiritualidade. Questões-chave, por vezes, surgem no diálogo, por exemplo, culpa, castigo, medo, solidão, desamparo, descrença. Esse espaço oportunizado pela conversação pastoral é lugar para trabalhar, entre outros conteúdos, o perdão, a fé, o acolhimento, a autoestima, a resiliência.
A ciência das religiões aponta que as primeiras manifestações religiosas da humanidade possivelmente surgiram por ocasião dos cultos aos ancestrais falecidos no período paleolítico. A própria religião cristã surge acompanhada da vivência do luto por Jesus Cristo e do sofrimento pelo martírio dos apóstolos. O que nos dá a dimensão de que esse sentimento de vazio presente no luto é um dos grandes temas desde sempre na história da humanidade. Fato é que a experiência de acompanhar a morte e o sepultamento de alguém, principalmente de alguém próximo, traz às pessoas um sentimento de impossibilidade diante da realidade da morte. Desejamos a vida, queremos viver, mas nós nos deparamos com o morrer e a inevitabilidade da morte. Nossos conhecimentos chegam apenas até essa fronteira, a partir dela nada sabemos senão aquilo de que nos fala a crença religiosa.
Na vida em comunidade, volte e meia ocorre o falecimento de alguma pessoa membro. É tarefa do ministro, da ministra, bem como de lideranças da comunidade, consolar as famílias e as pessoas em um sepultamento. Cabe à pessoa encarregada do ofício lembrar as pessoas enlutadas que os entes queridos que já partiram desta vida agora descansam nos braços do Deus criador, dormindo o sono da morte até o dia da ressurreição dos mortos. Vivenciar esse momento e render louvor a Deus é testemunho de fé no Cristo ressuscitado, que vive e reina eternamente, que vence a cruz, vence a morte e que, segundo a sua misericórdia, dará nova vida em seu reino de paz e justiça.
O apóstolo Paulo diz que essas palavras que ele escreve são para consolar e para trazer esperança ao coração. Era sabido que a igreja de Tessalônica estava passando por muita tristeza, porque algumas pessoas haviam falecido e existiam dúvidas sobre o que aconteceria depois da morte. Nesse sentido, também para nós, que vivemos nos dias atuais, são igualmente necessárias palavras de consolo e esperança. Pois, devido à pandemia de coronavírus, conflitos e crise econômica, enfrentamos uma época de muito desamparo e desesperança. O sofrimento e o luto fazem parte da realidade de muitas pessoas.
O texto bíblico nos desafia a ter esperança diante da morte. A morte não tem a última palavra, ela não é a última etapa das nossas vidas. Pois nossa fé em Jesus Cristo, o ressurreto, é portadora da promessa de que também nós, segundo a graça, receberemos a ressurreição para a glória do reino eterno de Deus. Em 1 Coríntios 15.19, ao tratar sobre a ressureição de Jesus Cristo, o apóstolo Paulo escreve: Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos as pessoas mais infelizes deste mundo. O que nos leva a entender que a pessoa cristã não deve temer a morte, pois mesmo ela sendo uma realidade da qual não se possa escapar, não é ela que decreta a conclusão ou fim da nossa vida. Ou seja, devemos olhar para a morte como descanso e repouso, como silencioso aguardo em Deus na confiante espera do dia do Senhor. Como afirmou Jesus segundo João 14.2-3: Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se não fosse assim, eu já lhes teria dito. Pois vou preparar um lugar para vocês. E, quando eu for e preparar um lugar, voltarei e os receberei para mim mesmo, para que, onde eu estou, vocês estejam também.
A semente da paineira
Certa vez, havia uma pequena semente. Tudo que ela conhecia era a parede em suas extremidades. Ali, em si própria, encontrava-se segura. Agarrava-se a isso e dizia para si mesma: sou uma boa semente. Mas, à medida que os dias passavam, sentia que algo lhe faltava. Pensava ela: será que isso é tudo que sou? Estaria fadada a existir assim ou haveria algo mais além da vida de semente? Um dia, sem mais nem menos, sentiu um chacoalhar, sentiu medo, sentiu que alguma coisa acontecia além de sua compreensão. Chorou dentro de si mesma, orou sem saber o que pedir e descansou. Algum tempo se passou, e então aos pouquinhos, bem devagarinho sentiu brotar dentro de si uma pontinha de esperança. Tratava-se de algo novo, jamais sentira algo assim. Sentiu-se pequena dentro de si mesma, ao mesmo tempo sentiu que podia expandir-se para além do que lhe era conhecido, e ir como que além de si mesma. Sentiu-se espichar. Agora uma inquietação tomava conta, e se perguntava: o que é isso que estou sentindo? Foi quando irrompeu a luz e ela se viu agora como uma pequena planta a estender suas folhas ao sol e a crescer em direção à luz. A semente que fora até então ficou para trás, havia feito a passagem para a vida que de fato lhe havia sido reservada. O tempo passou, árvore frondosa se tornou, e agora ela compreendia o que antes como semente nem sequer podia imaginar. De seus longos galhos outras sementes partiam ao soprar dos ventos. A amorosa paineira, tal como uma mãe zelosa, orava a Deus por seus rebentos, que suas sementes levassem dentro de si a mesma esperança que um dia germinou dentro de seu coração.
Oração pelas pessoas enlutadas
L.: Querido Deus! Tua mão sempre nos conduz nos caminhos da vida, dando-nos paz, alegria e amor. Nos momentos de dificuldades, tu nos carregas e abençoas através da comunidade de fé. Hoje, recordamos nossos entes falecidos e muitas memórias vêm à nossa lembrança. Também o sentimento de saudade e de luto aperta no nosso peito. Consola-nos, Senhor, e com o teu Espírito Santo dá-nos fé e esperança na ressurreição. Acolhe, ó Deus, nossos corações entristecidos e permite que tenhamos gratidão pela vida que sob a tua graça podemos compartilhar.
C.: Ouve, Senhor, a nossa oração, consola, conforta e dá paz ao coração.
Unção para pessoas enlutadas
L.: O uso de óleos, perfumes e essências aromáticas é um costume antigo das comunidades cristãs. A unção sobre a pele expressa o cuidado com a pessoa que o recebe. Quando há um machucado no corpo, aplica-se um curativo para amenizar a dor. Nesta celebração, este óleo, ao ser aplicado, simboliza um curativo para os nossos machucados que não são visíveis, mas que são sentidos em nossos corações. Convidamos as pessoas que quiserem a vir e receber sobre si esta unção como sinal do amparo, acolhimento e cuidado de Deus. Pois Deus conhece cada pessoa e sabe de nossas dores e nossos sofrimentos. Deus se compadece de nossas angústias e do luto que enfrentamos. Seu amor quer nos cuidar e fortalecer para vivermos com fé a esperança da ressurreição.
L.: Receba este gesto de cuidado em nome do (+) Pai, Filho e Espírito Santo.
Amém!
BARCLAY, William. Filipenses, Colosenses y I-II Tesalonicenses. Buenos Aires: La Aurora, 1973.
BROWN, Raymond E. Introdução ao Novo Testamento. Tradução Paulo F. Valério. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 2012.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).