Proclamar Libertação – Volume 34
Prédica: Isaías 25.1, (6-7) 8-9
Leituras: João 11.1-5, 17-21 e Romanos 8.31-39
Autora: Vera Regina Waskow
Data Litúrgica: Dia de Finados
Data da Pregação: 02/11/2010
1. Introdução
Inicialmente, vale dizer que esse texto já foi abordado em outras edições do Proclamar Libertação, como por exemplo nos volumes XXI, p. 258 e XXXI, p. 128 e ainda no volume XIX, p. 114, onde são trabalhados somente os versículos 6-9. Os textos anteriores foram trabalhados numa ótica diferente, pois estavam previstos dois deles para o Domingo da Páscoa e outro para o tempo após Pentecostes. É a primeira vez que esse texto é trabalhado sob a ótica do Dia de Finados. A delimitação sugerida é Isaías 25.1,8-9. Propositalmente, os versículos 6 e 7 foram aqui incluídos devido à comparação feita entre o banquete e a Ceia do Senhor, sugerindo inclusive que ela seja celebrada. Para o aporte exegético farei uso das edições anteriores, partindo do pressuposto de que nem todos têm a coleção.
O livro de Isaías está dividido em três grandes partes: Primeiro Isaías – 1-39; Segundo Isaías – 40-55; Terceiro Isaías – 56-66. O texto em estudo encontra-se dentro do primeiro bloco, o Primeiro Isaías. Isaías e sua profecia estão localizados em Jerusalém. Alguns textos evidenciam uma relação entre o profeta e círculos de poder e do templo (1.21, 6; 8.16-18; 14.32). O profeta não está de acordo com as instituições de poder, mas sabe colocar-se a partir da realidade que vive. O profeta tem como objetivo resgatar a esperança de um povo pobre e sofrido e transformar o templo em abrigo dos pobres (14,32), lugar sem armas, espaço de crianças (cap.11). O livro de Isaías aponta para a reconstrução da esperança nos momentos mais difíceis desse povo. Essa esperança está carregada de uma linguagem simbólica, enigmática, mas tem como meta clara a mensagem da salvação. Deus caminha com o povo. Deus salva seu povo.
No texto do Evangelho de João, temos a história da morte de Lázaro e a palavra de Jesus de que essa realidade, a morte, não é final, mas que isso está acontecendo para que um poder glorioso se revele.
Na Carta de Paulo aos Romanos, temos a maior das confissões de fé de que “nada nos pode separar do amor de Deus…. nem o mundo lá de cima, nem o mundo lá de baixo”. Assim amparados e sustentados pelo amor de Deus, que nem mesmo a morte afasta de nós, somos capazes de enxugar toda lágrima de nossos olhos e seguir a caminhada em meio às diferentes dores e dificuldades que a vida nos apresenta.
2. Da exegese à mensagem
Isaías 25 é uma parte do material que ficou conhecido como o “Apocalipse de Isaías” (24-27). Deus intervém não mais numa realidade específica, mas intervém na terra, no mundo como um todo. O descontentamento com os poderes vigentes está revelado na iminente vontade de que Deus mesmo venha reinar (24.21-23). Todo o sofrimento do povo precisa ter fim, e, sendo assim, é anuncia- da a vinda do reino de Deus com um grande banquete. A delimitação para esse texto inicia no versículo 1 do capítulo 25, onde temos uma confissão de fé: “Ó Senhor, tu és o meu Deus…” Quem assim confessa consegue perceber que esse Deus é quem “prepara o banquete, dissipa a nuvem de tristeza e choro, enxuga toda a lágrima e mudará a face do mundo”.
Deus reinará. Esse reinado acontece com atitudes bem práticas e concretas da parte de Deus: 1) Deus prepara uma mesa farta para todas as pessoas (v. 6). 2) Ele termina com toda dor, sofrimento, choro, luto e morte (v. 7-8). Termina com a dor de todos os povos (v. 7), de cada um individualmente (v. 8a) e a dor de Israel em especial. 3) A reação: Este é o nosso Deus, nossa esperança, motivo de alegria, de festa (v. 9).
O banquete no monte Sião (v. 6) assinala uma atitude concreta de Deus, ou seja, o fim da fome e, mais, para esse banquete estão convidadas todas as pessoas. O privilégio de dividir a mesa com Deus, de participar de sua comunhão de fartar-se com o que ele tem a nos oferecer, não é mais de alguns poucos escolhidos, mas um direito de todos os povos. Assim todo povo sendo alimentado pelo mesmo Deus gera paz. Se dessa mesa todos saem saciados, reconhecendo que Deus provê e sustenta, não há mais como justificar atitudes que causem dor e sofrimento. Sendo assim, não é importante o que levamos para o banquete, mas o que Deus tem a nos oferecer, portanto o que levamos do banquete para nossa vida. A comunidade de Isaías reconhecia que tudo o que possuía vinha das mãos de Deus (26.12). A imagem do banquete, da mesa farta, também é empregada por Jesus em suas parábolas (Mt. 22.1-10; Lc.14.16-24). Os sinais desse grande banquete já experimentamos em Cristo, quando ele mesmo senta-se à mesa com publicanos e pecadores e permite que mulheres e crianças estejam ao seu redor.
O fim da dor (v. 7-8) – A comunidade estava completamente inconformada com o sofrimento, a falta de liberdade, os altos impostos. O poder helenista explorador tirava o pouco da mesa do povo, causando miséria, causando dor e morte. Essa comunidade descreve o alcance do reinado de Deus. Quando a soberania pertencer a Deus, não haverá mais guerra, mais lutas, portanto não haverá mortes, nem sofrimento, nem dor. O reinado de Deus unifica, traz a justiça e a paz. Se até aqui o choro, o clamor das pessoas e suas dores nunca haviam sido ouvidos, agora Deus mesmo pega cada um, cada uma em seus braços e acolhe sua dor, enxuga suas lágrimas. Aqui vemos revelado o rosto materno de Deus, que se importa com a dor e o sentimento de cada pessoa.
A reação (v. 9) – Essa comunidade que acredita na soberania de Deus, em seu poder e em seu amor já o reconhece em sua caminhada diária e confessa: “Ó Senhor, tu és o meu Deus. Eu te adorarei e louvarei o teu nome, pois tens feito coisas maravilhosas….” (v. 1). Ao final, no grande banquete, essa comunidade dirá: “Ele é o nosso Deus. Nós pusemos a nossa esperança nele. Ele nos salvou. Ele é o Senhor, e nós confiamos nele. Vamos cantar e nos alegrar porque ele nos socorreu” (v. 9). Dessa forma, essa comunidade de fé descobriu uma maneira de vencer suas dificuldades, suas dores, preservando sua liberdade diante das amarras do mundo. Aqueles que se diziam donos da terra, donos de tudo, não poderiam ser levados a sério, pois a última palavra é de Deus.
O texto de Isaías é um canto à liberdade. É uma grandiosa confissão de fé, que nasce de uma confissão (v. 1) e culmina em uma confissão (v. 9): “Ó Senhor, tu és meu Deus” (v. 1). Esse é o ponto de partida para a compreensão de todo o restante do trecho. Se não cremos que Deus é nosso Senhor, também não creremos que ele seja capaz de dissipar qualquer nuvem de dor, tristeza e choro, nem mesmo enxugar qualquer lágrima. Onde está depositada nossa fé? Em quem cremos? Em que cremos?
Diante das dores e das dificuldades que temos enfrentado, qual tem sido nossa confissão de fé? Muitas vezes, muito antes de dizermos: “Ó Senhor, tu és meu Deus”, dizemos: “Deus me abandonou”. Quais são as atitudes de uma comunidade que tem Deus como seu senhor? São atitudes muito mais concretas, confiantes, carregadas de certezas e de amor. Assim como aquele grupo de Isaías, a comunidade passa a testemunhar e viver sustentada na verdade de que Deus é o Senhor da história.
A metáfora do banquete escatológico revela a carência de um povo e o desejo de ver, juntamente com Deus, sua fome saciada. Qual é a nossa carência? Qual é o nosso desejo? Quais são os motivos que nos provocam lágrimas e nos trazem dor e choro? As lágrimas nos ofuscam a visão, embaraçam nosso olhar. Para superarmos nossas dores, precisamos conhecê-las; para que nossas lágrimas cessem, precisamos descobrir sua causa. Nesse processo não estamos sozinhos. Pela graça de Deus somos alcançados em nossa dor, e ele mesmo dissipa todo medo, toda tristeza e nos auxilia na caminhada diária. Somos assim chamados a testemunhar o amor de Deus, amor esse que se revela concretamente em nossa vida.
3. Imagens para a prédica
Uma refeição – a imagem da mesa posta. Lembro-me de minha infância. Tínhamos uma mesa grande. Éramos onze pessoas ao redor dela. Era um momento muito especial. Todas as refeições eram feitas assim ao redor do mesa. Cada um tinha o seu lugar, e se fecho os olhos, vejo cada pessoa no seu lugar. As pessoas reunidas ao redor da mesa, compartilhávamos alegrias e preocupações. Sabíamos quando alguém não se sentia bem e perdia o apetite e também sabíamos quando alguém estava com muita fome. Na comunhão de mesa nos dávamos a conhecer, compartilhávamos nossa vida e o que havia acontecia até ali ou mesmo ao longo do dia. Essa comunhão experimento, em parte, hoje na Ceia do Senhor, mas chegará o dia em que Deus mesmo nos reunirá e nos preparará um banquete, uma gostosa refeição.
Lágrimas? O que elas expressam? Por que choramos ao nos despedir de alguém aqui nesse lugar? O que não foi dito? O que não foi vivido? Quais os nossos medos? Qual é, afinal, a nossa dor e o real motivo de nossas lágrimas? Penso que essas perguntas podem ser impactantes, mas importantes para que se inicie um processo de autoconhecimento. As lágrimas revelam que estamos sentindo algo de maneira mais forte, mais profunda, mas que sentimento é esse?
4. Subsídios litúrgicos
O culto do Dia de Finados é celebrado, em muitas comunidades, no cemitério. Ainda assim, tendo em vista o texto, a imagem do banquete, sugiro que a Ceia do Senhor seja celebrada. Ela nos indica o centro da mensagem: Deus vem a nós, também aqui, neste lugar, em meio à nossa dor, à nossa saudade, vem nos alimentar, conceder-nos forças, ele enxuga de nossos olhos toda lágrima e nos convida a prosseguir.
Confissão de pecados (baseado no Salmo 25):
Ó Senhor Deus, a ti dirijo a minha oração. Meu Deus, eu confio em ti. Salva-me da vergonha dos meus pecados, não permita que ninguém se alegre com as minhas falhas. Ó Senhor, ensina-me os teus caminhos! Faze com que eu os conheça bem. Ensina-me a viver de acordo com a tua verdade, pois tu és o meu Deus, o meu Salvador. Eu sempre confio em ti. Ó Senhor, lembra da tua bondade e do teu amor, que tens mostrado desde os tempos antigos. Esquece os pecados e os erros da minha mocidade. Por causa do teu amor e da tua bondade, lembra de mim, ó Senhor Deus! O Senhor é justo e bom e por isso mostra aos pecadores o caminho que devem seguir. Ó Deus, olha para mim e tem pena de mim, pois estou sendo perseguido e não tenho proteção! Livra o meu coração de todas as aflições e tira-me de todas as dificuldades. Vê as minhas tristezas e sofrimentos e perdoa todos os meus pecados. Que a minha honestidade e sinceridade me protejam porque confio em ti! Ó Deus, salva o teu povo de todas as suas dificuldades! Isso te pedimos por Cristo nosso Senhor, amém.
Absolvição:
Jesus Cristo disse à mulher: “Teus pecados estão perdoados” (Lc.7.48). Assim como Jesus anunciou nova vida à mulher que lavou seus pés com perfume, ele também perdoa nossos pecados e anuncia nova vida a cada um, a cada uma de nós. E convida-nos a seguir caminhando confiantes de sua presença. Confiantes dessa certeza, eu anuncio o perdão dos pecados em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém.
Kyrie eleison:
(A comunidade participa trazendo seu motivo de choro, ou da comunidade, ou alguma situação)
São muitos os motivos pelos quais as pessoas choram. Neste momento em todo o mundo há muito choro, e assim nos colocamos diante de Deus pedindo que ele ouça o clamor e o choro de seu povo. Clamamos pelas pessoas que choram por….. (medo, fome, saudades, por sofrer violência, por dor, falta de trabalho, por sentimentos de ódio…).
Senhor, a ti pedimos, ouve nosso clamor, pois isso pedimos cantando: Tem, Senhor, piedade.
Glória:
Por Deus nos enxugar toda lágrima, por nos acolher em nossa dor, em nossa fragilidade, por todo o seu amor é que lhe rendemos graças cantando:
Oração eucarística:
(Oração eucarística conforme Livro de Culto da IECLB, p.318. Fiz algumas adaptações utilizando os textos do dia.)
Deus criador e mantenedor da vida! Ouviste o clamor dos escravos hebreus na terra estrangeira. Ouviste o clamor de Jó em meio à sua enfermidade. Ouviste o clamor dos profetas em seu receio de anunciar e denunciar. Ouviste e ouves quem clama do meio da dor. Enxugas de nossos olhos toda lágrima. Por isso és Deus santo. E nada, nem mesmo a maior tristeza e dor nos podem separar de teu amor. E é esse o motivo que também nos faz cantar hoje:
(Hinos do Povo de Deus – vol. 2 – n° 364) Santo, santo, santo.
Cantamos tua santidade e te damos graças, Deus misericordioso, pois em Jesus vieste ao nosso encontro. Ele ouviu o clamor das pessoas malvistas. Sentou e comeu com as pessoas desprezadas. Parou e foi ao encontro do clamor de gente sofrida como Marta e Maria, que choravam a morte de Lázaro. Esses todos são motivos que nos fazem confiar na tua presença viva hoje, especialmente quando clamamos. É essa presença que celebramos ao redor desta mesa, pois (segue a Narrativa da Instituição).
Anunciamos, Jesus, a tua morte. E proclamamos tua ressurreição. Vem, Senhor Jesus! Envia o Espírito Santo, Espírito que dá confiança e coragem para sair do silêncio e clamar em alta voz:
Envia teu Espírito, Senhor, e renova a face da terra.
A ti, trino Deus, toda a honra e toda a glória, agora e para sempre. Amém.
Bibliografia
LIVRO DE CULTO – IECLB
PORATH, Renatus. 21º Domingo após Pentecostes. In: SCHNEIDER, Nélio; DEIFELT, Wanda (Org.) Proclamar Libertação, v. 21. São Leopoldo: Sinodal,
1995. p. 258-263.
SCHMIDT, Werner H. Introdução ao Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1994. 395p.
STRÖHER, Marga Janete. Domingo da Páscoa. In: HOEFELMANN, Verner; SILVA, João Arthur Müller da (Org.). Proclamar Libertação, v. 31. São Leopoldo: Sinodal, 2005. p. 128-132.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).