Princípio, meio e fim
Proclamar Libertação – Volume 47
Prédica: Isaías 25.1-9
Leituras: Mateus 22.1-14 e Filipenses 4.1-9
Autoria: Kurt Rieck
Data Litúrgica: 20° Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 15/10/2023
1. Introdução
O evangelho previsto para este domingo como leitura aponta semelhanças com o texto de Isaías. A parábola da festa de casamento, que encontramos em Mateus 22.1-14, é um convite para o grande banquete oferecido por Deus à humanidade. O cardápio é de primeira qualidade. O convite é feito, mas as pessoas o rejeitam. O extermínio dos assassinos e a destruição de suas cidades se comparam com a ruína das cidades e a destruição dos seus palácios, relatado no livro de Isaías. O mal será destruído. O reino do céu se dará, superadas as tensões originadas pelas pessoas cruéis e tiranas que integram a história da humanidade.
Encontrei dificuldades em traçar um paralelo entre Isaías 25.1-9 e o texto do apóstolo Paulo em Filipenses 4.1-9. As palavras tenham alegria!, sejam amáveis, orem sempre com o coração agradecido, guardados pela paz de Deus são sinais do banquete oferecido por Deus. A essência do todo é, na grande festa, estarem unidos com Cristo Jesus.
2. Exegese
Os capítulos 24 a 27 são conhecidos como “apocalipse de Isaías”. Esses quatro capítulos formam um epílogo para os capítulos 13 a 23. O capítulo 24 relata uma realidade tremendamente sinistra, decorrente do exílio babilônico. O juízo de Deus está posto. Reina o caos. No capítulo 25, brota um hino de esperança que assim se apresenta:
V. 1a – Javé, tu és o meu Deus – Elohim funciona como sujeito de toda atividade divina revelada às pessoas e como objeto de todo temor e genuína reverência por parte delas. Quase sempre Elohim aparece acompanhado pelo nome pessoal de Deus, Javé (Gn 2.3, 5; Êx 34.23; Sl 68.18) (Harris; Archer Jr.; Waltke (eds.), 1998, p. 72). Na maioria das versões, Javé é traduzido por Senhor.
O contexto no qual viviam estava dominado por ancestrais tradições mesopotâmicas, acrescentadas de novos deuses e mitos. O povo de Deus encontrava-se contaminado por idolatria e injustiça. Por viver num ambiente cercado de muitos deuses, o profeta faz questão de objetivamente mencionar o nome de
Deus, afirmando a fé monoteísta.
O autor clama: meu Deus. Trata-se de uma confissão de fé. Ele não se utiliza da expressão “nosso Deus”. É um canto de agradecimento individual, que tem por objetivo exaltar e louvar.
V. 1b – porque tens feito maravilhas – Essa expressão não quer ser entendida como se algum milagre houvesse ocorrido, mas sim como atos de salvação, salvação da angústia da guerra, libertação da opressão, como também a ajuda experimentada por quem que está orando. Embora seja um canto de ação de graças de um indivíduo, após a libertação da opressão política, pode-se pensar numa perspectiva escatológica em que o canto agora brota da libertação das tribulações dos últimos dias.
conselhos antigos, fiéis e verdadeiros (ARA e NAA). O povo de Deus tem sua história marcada pela libertação da escravidão. Desde lá muitos ensinamentos foram colhidos. Fidelidade e verdade modulam esses conselhos. Fidelidade é levar a cabo, não falhar. A palavra verdade denota que os propósitos de Deus são firmes e certamente serão cumpridos. A verdade é indiscutível, ela é absoluta.
V. 2 – As muralhas de uma cidade simbolizam a segurança de uma população. Num horizonte escatológico-apocalíptico, a cidade simboliza a Babilônia, a grande opositora de Javé. A cidade tornou-se símbolo do contrapoder a Javé.
V. 3 – Esse versículo é de difícil compreensão. Povos fortes provavelmente significa os habitantes da cidade destruída ou pelo menos as pessoas cuja capital acabou de ser destruída. Deve-se dizer que a queda da cidade impressionou não apenas as pessoas fortes, mas também as nações opressoras.
V. 4a – É importante para o autor mostrar que Javé é o refúgio dos humildes. O calor, além de irritante, é uma ameaça à vida. Relacionadas estão palavras como seca e calor, sombra e proteção.
V. 4b e 5a – Um aguaceiro, uma chuva torrencial pode ser extremamente desconfortável, especialmente na Palestina. O profeta utiliza uma rica estrutura de linguagem em que a fúria dos tiranos é comparada a tempestade contra o muro e com o calor em lugar seco.
V. 5b – O tumulto dos estrangeiros será cessado. O hino triunfal dos tiranos será silenciado, semelhante à nuvem que abranda do calor. O calor dos presunçosos é repelido à semelhança da sombra de uma nuvem. Sombra era apenas uma imagem para a proteção que o piedoso encontrava em Javé. Aqui as palavras surgem como um meio de amortecer a raiva de seus oponentes.
V. 6 – O anfitrião no banquete real é Javé. A festa da alegria em Sião é uma oferta divina às nações. A refeição não é para Israel ou para a comunidade escatológica dos escolhidos, mas para todos os povos do mundo. Haverá carne e vinho de primeira qualidade. Os antigos árabes consideravam a corcova de gordura do camelo a melhor parte do animal abatido.
V. 7 – Neste monte o véu que cobria os povos será tirado. Há algo que encobre o entendimento de Deus. Há um abismo entre os seres humanos e Deus que deixará de existir. Em 2 Coríntios 3.15s, o apóstolo Paulo utiliza essa mesma figura de linguagem. A revelação, que vem primeiro aos anciãos de Jerusalém (24.23), se estende a todos os povos, que agora bebem o cálice jubiloso do verdadeiro conhecimento de Deus.
V. 8 – Tragará a morte para sempre. Seria a morte nos campos de batalha? A frase deve ficar com seu significado geral e abrangente. Morte é qualquer coisa que afeta a vida. A morte deixará de existir. O texto não fala de ressurreição, mas diz que para Javé não há mais limites para a vontade de salvar.
V. 9 – O hino finaliza não com uma ameaça judicial, mas com um aviso de iminente salvação. Decorre disso uma confissão de fé plena de júbilo.
O hino de agradecimento quer mover a congregação em geral a fortalecer a sua confiança em Javé. Poderemos nos perguntar pelo “eu” desse salmo. Trata-se de um rei ou o “eu” coletivo de Israel? Presumivelmente, pode-se sustentar que se está falando de uma pessoa piedosa, para quem, por intermédio da queda de uma cidade, oferece a oportunidade de apresentar a ajuda de Javé, o poder protetor.
3. Meditação
A riqueza literária está em reunir palavras que consigam expressar de forma criativa, profunda e poética pensamentos que têm a força de levar à reflexão, provocando novos caminhos entre os seus ouvintes.
Pensando no Dia do Professor e da Professora, encontramos no primeiro versículo, na versão NAA, um paralelo à nobre tarefa de ensinar. Lá lemos: […] tens executado os teus conselhos antigos, fiéis e verdadeiros. Cabe aos mestres repassar conhecimentos, dar conselhos, que em grande parte são antigos. A eles cabe a tarefa de ser arautos de virtudes, dentre as quais estão a fidelidade e a verdade.
Eis alguns impulsos:
1) Palavras de confissão de fé (v. 1 e 9)
O ponto de partida desse cântico é a confissão de fé. Iahweh, tu és o meu Deus. A confissão é monoteísta. “Isaías é o profeta da fé e, nas graves crises que a nação atravessa, pede que confiem só em Deus: é a única oportunidade de salvação” (Bíblia de Jerusalém, p. 1.238).
O profeta precisa lembrar o que é essencial: reconhecimento da existência de Deus. Trata-se de um clamor para que todos olhem para Deus e reconheçam a existência do Criador, que é único. O povo de Israel foi influenciado pelas crenças dos assírios e babilônios. Isaías redireciona o olhar para a fé monoteísta.
A história é cíclica. Os fatos acabam se repetindo de tempos em tempos. Há um movimento de afastamento e de retorno às bases da fé. O distanciamento de Deus gera uma sociedade doente, na qual se instaura o caos. Conselhos antigos, fiéis e verdadeiros seguem tendo o mesmo valor dos tempos de Isaías. Cada fase da história humana tem os seus “véus”. A secularização é um exemplo disso.
Aqui estamos prestando culto. Aqui chegamos para adorar e louvar em nome do Trino Deus. Trata-se de uma atitude, de uma postura. Cabe-nos chamar a comunidade para ter tal postura. A presença em culto é um indicativo de desejar estar adorando e louvando a Deus de forma verdadeira. Podemos indagar: Deus está presente em nossas convicções?
“Crer, para Isaías, era dar lugar à ação de Deus, renunciar a se salvar por si mesmo. Para ele, a fé se atualiza num sentido polêmico e negativo: não querer substituir a Deus com medidas políticas ou militares imaginadas pelo homem” (Rad, 1974, p. 152).
Tu és meu Deus! Em meio a tantos deuses, o nome de Deus precisa ser mencionado. Hoje brota de nossa confissão deixar muito claro que cremos no Deus que é Pai, Filho e Espírito Santo.
2) Convívio com pessoas cruéis, violentas e tiranas (v. 2 a 5)
O povo de Israel, ao longo da sua história, sofreu nas mãos de diferentes impérios. Todos sofrem quando pessoas agem sem escrúpulos, com crueldade, violência e tirania. Em contraposição encontra-se o protetor dos pobres, o defensor dos necessitados. Essa tarefa segue sendo nossa. Nessa realidade existimos.
Perto de nós também encontramos exemplos de violência. Falo de uma pessoa que cresceu em nossa comunidade cristã e matou quatro pessoas da sua família e por fim suicidou-se, fato ocorrido em 27 de abril de 2022, na cidade de Porto Alegre. Cada dia, ouvimos relatos de pessoas mortas em decorrência do tráfico de drogas. Temos visto e ouvido acerca da guerra que está acontecendo na Ucrânia. Lembramos cenas nas quais um arsenal bélico de 60 km desfila em direção ao combate. Vemos prédios, quarteirões, bairros, cidades sendo feito ruínas. Contamos milhares de pessoas mortas. Vemos milhões de pessoas em fuga; idosos, mães e crianças seguem para o exílio. Essa é a triste realidade humana que somente é atenuada quando as pessoas se voltam para aquele que tem o poder de salvar.
3) Um banquete será servido – é o apocalipse de Isaías (v. 6 a 8)
Vivemos a angustiante espera de um novo tempo. O banquete é algo comparável ao novo céu e nova terra anunciado pelo profeta João em Apocalipse 21.
Eis o cardápio proposto pelo profeta Isaías: as melhores comidas, os vinhos mais finos, ausência da tristeza, sem motivos para chorar, a morte não mais existirá e o povo de Deus não mais passará vergonha.
O maior banquete é aquele servido numa mesa onde há paz. Lá, um suco de uva se torna vinho fino. Lá, um feijão com arroz terá sabor inigualável. Haverá paz na família, na sociedade e entre as nações. Sinais desse estado de graça acontecerão já agora como prenúncio daquele banquete tão desejado. Olharemos para o nosso trabalho e o faremos com amor e gratidão, e havendo injustiça, buscaremos soluções.
O véu que separava já não separa mais. O pano que cobre o entendimento da vontade de Deus deixará de existir. Nos evangelhos (Mt 27.51s; Mc 15.38; Lc 23.45), encontramos a alusão acerca do rompimento do véu do santuário em Jerusalém no momento da morte de Jesus, testificando que irrompe um novo tempo. Definitivamente a morte será vencida. Em 2 Coríntios 3.16, lemos: Quando, porém, alguém se converte ao Senhor, o véu é tirado. Tudo é obra do Espírito Santo, mas deve ser acolhido pela vontade voluntária das pessoas.
Em meio a guerras e atrocidades surge uma voz de esperança. Apesar de existirmos num mundo cercado de trevas, a luz da esperança apocalíptica alimenta a nossa vida. Para esse banquete, em que o mal não terá lugar, todas as nações
estão convidadas.
Meditamos a respeito de uma palavra escrita há tanto tempo e que segue tendo seu valor inquestionável. Assim recebemos conselhos antigos (v. 1) que seguem valendo sempre.
4. Imagens para a prédica
Temos, no dia 15 de outubro, o Dia do Professor e da Professora, data que celebra a importância dos profissionais da educação. É oportuno reunir esses profissionais que têm vínculos com a comunidade para dar as honras que lhe são devidas. No Brasil, a criação do Dia do Professor e da Professora está associada com a Lei de 15 de outubro de 1827, assinada por D. Pedro I. Nesse documento ficou estabelecido que, em todas as cidades do país, seriam construídas escolas primárias de ensino elementar. Na época, elas eram chamadas de “Escolas de Primeiras Letras”. Mas somente em 1947 a data começou a ser comemorada no estado de São Paulo (https://www.todamateria.com.br/dia-do-professor/).
“Professor é profissão, educador é vocação.” “Em Educação, não avançar já é retroceder.” (Salomão Becker, líder na “Comissão Pró-oficialização do Dia do Professor” no estado de São Paulo.)
É a primeira vez que, nas edições de Proclamar Libertação, o texto se encontra proposto de forma completa. Normalmente está direcionado para o dia da Páscoa e Finados. A ênfase pode ser dada nos três pontos sugeridos na meditação:
1. Ponto de partida e chegada – Confissão de fé (v. 1 e 9)
2. Realidade – Convivemos com pessoas cruéis, violentas e tiranas (v. 2 a 5)
3. Nova realidade. Um banquete será servido – O apocalipse de Isaías (v. 6 a 8)
Os fundamentos apontados pelo profeta Isaías carecem ser ensinados adiante. Aos profissionais da educação também é dado o mesmo desafio.
5. Subsídios litúrgicos
No momento da acolhida, sublinhar a importância da postura de cada participante. Convidar para, a exemplo de Isaías, chegar à presença de Deus com uma postura de adoração e louvor. Hino: LCI 14.
Na confissão de pecados, reconhecemos que estamos cercados de pessoas cruéis, violentas e tiranas. Pedir a Deus perdão caso tenhamos nos portado dessa forma, contribuindo para potencializar o caos. Hino: LCI 49.
Para acolher a leitura do evangelho previsto, proponho o hino LCI 182.
Antes da leitura do texto de Isaías, sugiro o hino LCI 20.
A confissão de fé é o momento de sublinhar o ponto de partida e de chegada.
Havendo Santa Ceia, valorize o significado do banquete oferecido por Deus, materializado no sacramento instituído por Cristo. Já agora experimentamos sinais da paz que Cristo dá em torno dessa celebração. Hino: LCI 206.
A bênção de Deus poderá ser alcançada por intermédio do hino LCI 293.
Bibliografia
HARRIS, R. Laird; ARCHER JR., Gleason L.; WALTKE, Bruce K. (Eds.). Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1998.
RAD, Gerhard von. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: ASTE, 1974.
WILDBERGER, Hans. Jesaja 13-27. Biblischer Kommentar Altes Testament X/2. Neukirchen: Neukirchener Verlag, 1989.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).