Proclamar Libertação – Volume 35
Prédica: Isaías 35.1-10
Leituras: Mateus 22.23-33 e 1 Coríntios 15.12-20
Autora: Tânia Cristina Weimer
Data Litúrgica: Dia de Finados
Data da Pregação: 02/11/2011
Ninguém sabe o que significa crer a não ser aquele
cuja canoa vai sendo invadida pelas ondas.
Martim Lutero
1. Introdução
A morte sempre foi um mistério profundo para todos nós. Ao visitar o cemitério onde estão enterrados nossos entes queridos, deparamo-nos com nossos limites e fraquezas, confrontando-nos com o fato de que um dia também nós esta- remos lá. Ao mesmo tempo, a fé cristã assegura-nos que um dia ressuscitaremos. Jesus ressuscitou na Páscoa, e sua ressurreição é a primícia, a promessa de nossa própria ressurreição.
O Dia de Finados é o dia de celebrar a vida eterna das pessoas queridas que já faleceram. Pois a vida cristã é viver em comunhão com Deus, agora e para sempre.
Já no primeiro século, os cristãos costumavam visitar os túmulos dos mártires nas catacumbas para orar pelos mortos. No quarto século, já encontramos a “memória dos mortos” na celebração do culto cristão (Karl-Heinrich Bieritz, Das Kirchenjahr).
Para nós, evangélicos de confissão luterana, não se trata de reverenciar os mortos ou, quem sabe, ainda procurar fazer algo por eles. Ao invés disso, o Dia de Finados move-nos a refletir sobre a realidade da morte, a anunciar a vitória da vida e a presença de Deus junto às pessoas, tanto na vida como na morte.
2. Exegese
Os textos indicados para este dia falam sobre a esperança e a ressurreição. O texto da pregação faz parte de uma composição maior, que abrange os capítulos 34 e 35 de Isaías. Ele visa animar aqueles que se encontram no exílio babilônico a permanecer firmes. Ele quer consolar os desalentados para que não se deixem abater pelo sofrimento em que se encontram, pois Deus virá e trará salvação. O texto anuncia, com segurança, as maravilhas que se sucederão, transmitindo um sentimento de grande esperança aos que sonham retornar do exílio. Para dentro dessa situação de desesperança ecoa a voz profética, que começa com uma palavra cheia de consolo e ânimo: “Sejam fortes, não tenham medo”. O que fundamenta esse consolo é a presença salvadora de Deus: “Eis o Deus de vocês”.
O texto do evangelho apresenta um confronto entre Jesus e os saduceus sobre a ressurreição. Ele diz que é errôneo pensar sobre o céu nos mesmos termos como se pensa sobre a terra. A vida no céu não será uma mera extensão da existência temporária na terra. Deus cuidará para que haja novos e maiores relacionamentos que transcendem os relacionamentos atuais.
Em 1 Coríntios 15.12-20, Paulo assume, hipoteticamente, a falsa premissa de que não há ressurreição para mostrar as implicações de longo alcance que isso teria. O texto diz que Cristo é a primícia da ressurreição. As primícias são a primeira parte da colheita. Elas são uma garantia de que o restante da colheita está a caminho. Jesus ressuscitou na Páscoa, e sua ressurreição é a primícia, a promessa de nossa própria ressurreição.
Os três textos já foram trabalhados em várias edições anteriores de Proclamar Libertação. Sugiro que se faça uso dessas valiosas reflexões.
3. Meditação
A mensagem profética, a palavra de Deus, sempre é proclamada para dentro de um contexto, de uma realidade específica.
Pensando na situação específica do Dia de Finados, qual é o sentimento que brota do coração das pessoas? Que sentimentos afloram do coração de um enlutado? Mãos cansadas, joelhos trôpegos, gente desanimada e desesperançada. Onde está Deus?
Em situações de perda, pessoas enlutadas precisam de um sinal de esperança. O que seria esse sinal de esperança? A ressurreição de Jesus Cristo?
Como crer na ressurreição numa hora dessas?
Mas há outros sinais à nossa volta sobre os quais fala o profeta: “Os cegos verão, os surdos ouvirão, os aleijados pularão e dançarão, os mudos cantarão de alegria”. Esses são os sinais que envolvem as pessoas. Mas também há sinais que falam da transformação do meio ambiente em que vivemos: “Fontes brotarão no deserto, rios correrão pelas terras secas, a areia quente do deserto virará um lago…”
A esperança não se limita somente a pessoas. O mundo todo deve ser mu- dado. Há sinais da presença e do amor de Deus em toda parte.
A ligação entre Isaías 35 e Mateus 22 lembra, mais uma vez, que a esperança que temos em Jesus não se limita a satisfazer as necessidades individuais. Ela inclui transformação da sociedade, da natureza, das pessoas e do contexto que envolve a vida.
Olhando para a realidade do exílio e para nossa atual situação, poderíamos dizer: “Não há muita razão para alegria”. A desesperança, a desconfiança tomou conta e é o sentimento que mais se manifesta entre as pessoas.
Situações da realidade local e os últimos acontecimentos podem ser apontados. Sempre há coisas ruins acontecendo todo o tempo e em todo lugar.
É a partir dessa realidade (a situação do exílio no tempo do profeta, as situações de sofrimento e opressão atuais, os desertos de nossa vida) que o profeta anuncia que Deus irá agir. E essa ação não acontecerá no além-túmulo ou num lugar onde as pessoas nada podem fazer. Ao contrário, o profeta anuncia que Deus age no presente e muda situações concretas. A presença de Deus transforma a situação de vida. Traz mudanças radicais. A saúde do povo é restabelecida integralmente. Os surdos ouvirão e os coxos dançarão de alegria. A natureza será totalmente recuperada. Fontes brotarão no deserto. O verde cobrirá a terra. O povo exilado voltará para sua casa e viverá feliz para sempre. Tudo isso o povo experimentará agora e no futuro.
A ação de Deus manifesta-se já no presente, libertando-nos de nossas especulações e preocupações quanto ao futuro e à vida depois da morte.
Em Jesus Cristo, temos a realização das promessas de Deus. Em Jesus, a palavra tornou-se carne e habitou entre nós. O futuro faz-se presente em Jesus Cristo, morto e ressuscitado. “O céu encostou na terra, como vemos no horizonte” (Oneide Bobsin, Semente de Esperança, 1988).
Isso mostra que Deus é Deus dos vivos e não dos mortos. Portanto a vida eterna torna-se uma experiência presente. Nesse sentido, Mateus e Isaías se encontram.
Em meio a esse deserto todo, a palavra de Deus surge como uma promessa. Não é palavra de juízo, não é palavra de condenação. Mas é, antes de mais nada, uma palavra de alento, uma palavra que fortalece as mãos e os joelhos cansados. Que imagem bonita em meio aos desertos de nossa vida! Deus quer fortalecer nossas mãos e nossos joelhos para que possamos continuar a caminhada.
Assim é o nosso Deus. Ele não prometeu a nenhum de nós uma vida transcorrida apenas em vales férteis. No caminho de nossa vida estão também os desertos. Mas não estamos sós. Pensemos na velha e conhecida história “Pegadas na areia”: na hora das dificuldades, as pegadas individuais que aparecem não significam que estivemos sozinhos e que Deus nos abandonou, e sim que ele nos carregou nos braços. Deus está conosco nas areias do deserto, fortalecendo nossas mãos e nossos joelhos. Nenhuma família ou pessoa enlutada precisa passar sozinha por seu deserto. Deus está com ela nesse caminho. É verdade que o deserto procura fazer de nós cegos, surdos, mudos e aleijados. Isso já é a morte em vida. Quando não mais vemos, ouvimos, falamos e nos movimentamos ao encontro de Deus e dos irmãos, estamos experimentando a morte em vida.
Há muita razão para a alegria. “Aqueles a quem o Deus Eterno salvar voltarão para casa, cantando. E viverão felizes para sempre. A alegria e a felicidade os acompanharão, e não haverá mais tristeza nem choro” (Is 35.10).
Essa é a razão de nossa alegria. Não temos muitos motivos para nos alegrar com as circunstâncias de nossa vida. Não podemos nos alegrar com o que está acontecendo no mundo ou no meio ambiente. No entanto, temos motivos para alegria: “Pois a verdade é que Cristo ressuscitou, e isso é a garantia de que os que estão mortos também ressuscitarão” (1Co 15.10).
4. Subsídios litúrgicos
Oração do dia:
Deus da vida, nós te agradecemos pela vida eterna que tu nos ofereces. Abre, Senhor, os nossos ouvidos para ouvir a tua palavra. Concede-nos, a cada
dia que passa, a certeza de que a morte foi vencida pela ressurreição de Jesus Cristo. Dá-nos, Senhor, coragem, fé e esperança, a fim de vivermos hoje e sempre a tua verdade. Por Jesus Cristo, nosso Senhor, que vive e reina contigo, hoje e sempre. Amém.
Oração eucarística (dípticos ou mementos):
Os dípticos ou mementos afirmam que celebramos a ceia em união com todas as pessoas que já partiram desta vida como seguidoras e testemunhas da
causa de Cristo. Ao mesmo tempo, eles testificam a esperança cristã na ressurreição para a vida eterna, quando acontecerá o banquete que o próprio Senhor vai preparar, servindo a mesa (Série Colmeia, Fascículo 2).
Ao iniciar os mementos, é trazido o livro de registros onde constam os nomes das pessoas falecidas na respectiva comunidade. Em muitos lugares, é
costume lembrar os falecimentos do último ano. Pode-se dar uma flor a cada família ou mesmo uma vela.
L: Guia-nos, Senhor, à festa da alegria preparada para o teu povo, em tua presença, com teus profetas, apóstolos e mártires, e com todos os que viveram na
tua amizade. Lembra-te, especialmente, de nossos familiares e pessoas queridas falecidas na comunidade (nesse momento, lê-se o nome das pessoas falecidas). Guarda-nos em tua paz, Senhor. Unidos a essas pessoas queridas, que nos antecederam na morte, proclamamos teu louvor e anunciamos a felicidade do teu reino, para o qual em Cristo nos convidaste. (O livro é deixado em cima do altar.)
C: Por Cristo, com Cristo e em Cristo.
Gesto da paz:
Destacar o gesto da paz como um momento especial em que familiares e comunidade se abraçam num anseio profundo por consolo e paz. E essa paz
somente Jesus nos oferece (Jo 14.27). A paz que consola, anima e restabelece as pessoas de seu luto, sua dor e saudade. Tomar tempo para esse gesto.
O nascer para o além…
Texto: Padre Juca
Adaptação: Sandra Zilio
Há quem morra todos os dias.
Morre no orgulho, na ignorância, na fraqueza.
Morre um dia, mas nasce outro.
Morre a semente, mas nasce a flor.
Morre o homem para o mundo, mas nasce para Deus.
Assim, em toda morte, deve haver uma nova vida.
Essa é a esperança do ser humano que crê em Deus. Triste é ver gente morrendo por antecipação…
De desgosto, de tristeza, de solidão.
Pessoas fumando, bebendo, acabando com a vida.
Essa gente empurrando a vida.
Gritando, perdendo-se.
Gente que vai morrendo um pouco a cada dia que passa.
E a lembrança de nossos mortos, despertando, em nós, o desejo de abraçá-los outra vez.
Essa vontade de rasgar o infinito para descobri-los.
De retroceder no tempo e segurar a vida.
Ausência: – porque não há formas para se tocar.
Presença: – porque se pode sentir.
Essa lágrima cristalizada, distante e intocável.
Essa saudade machucando o coração.
Esse infinito rolando sobre a nossa pequenez. Esse céu azul e misterioso.
Ah! Aqueles que já partiram!
Aqueles que viveram entre nós.
Que encheram de sorrisos e de paz a nossa vida.
Foram para o além deixando esse vazio inconsolável.
Que a gente, às vezes, disfarça para esquecer.
Deles guardamos até os mais simples gestos.
Sentimos, quando mergulhados em oração, o ruído de seus passos e o som
de suas vozes.
A lembrança dos dias alegres.
Daquela mão nos amparando.
Daquela lágrima que vimos correr.
Da vontade de ficar quando era hora de partir.
Essa vontade de rever novamente aquele rosto.
Esse arrependimento de não ter dado maiores alegrias.
Essa prece que diz tudo.
Esse soluço que morre na garganta…
E… Há tanta gente morrendo a cada dia, sem partir.
Essa saudade do tamanho do infinito caindo sobre nós.
Essa lembrança dos que já foram para a eternidade.
Meu Deus!
Que ausência tão cheia de presença!
Que morte tão cheia de esperança e de vida!
Bibliografia
BIERITZ, Karl-Heinrich. Das Kirchenjahr: Feste, Gedenk- und Feiertage in Geschichte und Gegenwart. München: Beck, 1994.
CROATTO, J. Severino. Isaías, a palavra profética e sua releitura. V. I:1-39. São Paulo: Imprensa Metodista, 1989.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).