Proclamar Libertação – Volume 42
Prédica: Isaías 40.1-11
Leituras: Marcos 1.1-8 e 2 Pedro 3.8-15a
Autoria: Marcos Henrique Fries
Data Litúrgica: 2º Domingo de Advento
Data da Pregação: 10/12/2017
1. Introdução
Estamos no tempo de Advento. É a época em que a igreja celebra a chegada de Jesus Cristo ao mundo, ao mesmo tempo em que se prepara para recebê-lo em sua segunda vinda. Celebra-se a inauguração do reino de Deus, com o nascimento do Salvador, e celebra-se a esperança pela consumação definitiva desse Reino.
Neste sentido, os textos propostos apontam para a esperança (2Pe 3.8-15) e convidam para uma atitude enquanto se espera: a preparação do caminho para o Senhor (Mc 1.1-8). Pelo fato de haver uma explícita unidade temática entre os textos previstos para este domingo, a leitura de Marcos e 2 Pedro no culto/estudo bíblico pode ser de grande ajuda para a compreensão da perícope de pregação: Isaías 40.1-11.
O texto de Isaías, que será em seguida analisado, já foi apresentado por Proclamar Libertação em quatro oportunidades (VIII, 40; XIV, 124; XIX, 15; 31, 9). Sugere-se que, se possível, esses excelentes estudos sejam lidos pelo pregador ou pregadora.
2. Exegese
O texto foi escrito no contexto do exílio babilônico, por um autor denominado na pesquisa bíblica de Dêutero-Isaías, normalmente situado entre os anos 550-540 a.C. Embora o autor ainda desconhecesse a tomada da Babilônia pelo rei Ciro, da Pérsia, em 539 a.C., esse já era conhecido como um grande conquistador desde 550 a.C., época de sua ascensão. Essa perspectiva da proximidade dos exércitos persas já influenciou Dêutero-Isaías em seu escrito. Os escritos proféticos, em geral, denunciam pecados e injustiças, preveem a punição aos que insistem no erro e chamam ao arrependimento, como forma de evitar o castigo. Mas os textos proféticos também apresentam palavras de conforto em meio aos tumultos da vida, convidando para a esperança e a ação. Esse é o caso de nossa perícope.
v. 1: Consolai, consolai. Remete à misericórdia de Deus, que tendo ouvido a queixa dos exilados (Lm 1.1-2), deseja colocar um fim no sofrimento, ou seja, permitir ao povo que retorne para a sua terra após décadas de exploração e opressão no exílio. Ainda que o exílio não tenha terminado, é possível alegrar-se novamente, pois há esperança de um novo recomeço.
v. 2: É findo o tempo da sua milícia. Estão por terminar os anos da dura servidão de Judá na Babilônia. Isso porque o pecado que levou o povo ao exílio está perdoado. O povo já recebeu castigo dobrado. Não há mais razão para permanecer cativo em terra estranha. O exílio era entendido como punição pelos pecados do povo: Teu pai pecou primeiro. Os teus guias prevaricaram contra mim. Pelo que profanei os príncipes do santuário, entreguei Jacó à destruição e Israel ao opróbrio (Is 43.27-28).
v. 3, 4: Voz do que clama no deserto. A voz que clama no deserto foi associada, mais tarde, a João Batista, que convocou o povo ao arrependimento e à mudança de vida, a fim de receber o Messias. Preparai o caminho do Senhor… todo vale será aterrado… e os lugares escabrosos, aplanados significa remover obstáculos, fazer limpeza, endireitar o que está torto. Na Babilônia, os habitantes de uma localidade a ser visitada por um rei ou uma celebridade empenhavam-se para que o visitante pudesse desfilar triunfalmente em caminhos livres de qualquer barreira. O Senhor que passará pelo caminho é Deus, que vem para libertar. Mas aqui também é possível que Dêutero-Isaías estivesse se referindo ao rei Ciro, que em breve chegaria. No discurso de João Batista, Cristo, o enviado de Deus, era quem passaria por esse caminho, e o caminho é o coração, que deve ser preparado para receber o Salvador.
v. 5: A glória do Senhor se manifestará. No caminho a ser preparado desfilará o próprio Deus, glorioso e triunfante, que será visto por todas as pessoas. Ele é poderoso para derrotar os babilônios e levar seu povo de volta a Jerusalém. A boca do Senhor o disse atesta a veracidade e credibilidade da promessa.
v. 6-8: Toda carne é erva… o povo é erva. Denota a fragilidade dos seres humanos que são como a erva, que seca, cai a sua flor e desaparece. Essa afirmação do texto pode ter duas explicações: 1) Apenas uma parcela da população de Judá esteve exilada na Babilônia: a elite econômica e intelectual. Essas pessoas haviam pecado contra Deus, explorando, espoliando e julgando injustamente o povo. O exílio as fez perceber que a glória humana é passageira. Elas são como a erva que seca e desaparece. Sua glória foi destruída pelos babilônios. Se num momento elas oprimiram, o exílio as fez experimentar a opressão. 2) A erva que seca e morre pode ser uma referência ao próprio Império Babilônico. Seus dias de glória estavam por terminar, já que Ciro se aproximava e, de fato, derrotou a Babilônia alguns anos mais tarde.
v. 9: Boas novas. A boa notícia a ser anunciada em voz alta e do alto de um monte é que Deus vem chegando para pôr fim à escravidão do seu povo.
v. 10: O seu braço dominará: é uma referência ao poder absoluto de Deus, tanto para o juízo dos babilônicos como para salvação do seu povo. O galardão, ou recompensa, é a própria liberdade.
v. 11: Como pastor. No antigo Oriente Médio, imaginava-se o rei ideal como um pastor de ovelhas. Também a Bíblia compartilha dessa simbologia. Deus passará pelo caminho preparado, levando consigo o seu povo, agora liberto, de volta para o lar. Ele o fará como um pastor que carinhosa e zelosamente conduz o seu rebanho.
O texto de Isaías 40.1-11 contém uma dupla mensagem, que tem fortes paralelos com os textos complementares de Marcos e 2 Pedro: 1) É um apelo à esperança, que não deve morrer. Embora o fim do exílio ainda levaria alguns anos para acontecer, o povo já deveria se alegrar, pois o Deus forte os havia perdoado e em breve os libertaria da servidão. 2) É um apelo para que, enquanto espera, o povo trabalhe, preparando o caminho para a chegada do Deus libertador.
3. Meditação
Quando preparo a prédica para o domingo, uma das coisas que costumo fazer é fechar os olhos e pensar nas pessoas que estarão diante do púlpito, ouvindo e meditando a palavra de Deus. Entre os membros das comunidades que atendo, vejo muitas pessoas marcadas por árduas lutas, que sofreram ou que ainda estão sofrendo, gente que chora, que lamenta e até mesmo protesta. São casais em conflito, pais e mães com dificuldades para criar seus filhos, irmãos disputando heranças, doenças que entraram em casa e afl igem os corpos e as mentes, limitações financeiras ou mesmo o fantasma do desemprego, o flagelo da violência ou a tragédia do álcool e outras drogas. São situações que angustiam, deprimem, tiram o sono e a paz. Por que tanto sofrimento? De onde vêm todas essas lutas? Quem está sofrendo costuma se fazer essas perguntas. E é certo que nem sempre temos uma resposta satisfatória.
Embora muitas vezes sejamos vítimas, que não provocaram a dor e não buscaram as adversidades, em boa parte das situações, o que sofremos são consequências das escolhas que fizemos. O salário do pecado é a morte (Rm 6.23). O pecado de hoje deixa marcas para amanhã. Assim, é possível dizer que muitas das nossas mazelas são resultado da rebeldia para com a vontade de Deus. Como sinais de trânsito, os preceitos de Deus são uma seta a indicar caminhos seguros que, se trilhados, poderiam evitar muitas das lágrimas que derramamos. Hoje, pagamos um alto preço por não termos sido obedientes ontem. O povo de Judá amargou décadas de exílio como consequência de seu pecado. A Babilônia foi o castigo de Deus para eles. Assim também nós amargamos os nossos exílios (agruras, adversidades, sofrimentos) porque, tal como aquele povo, somos igualmente desobedientes.
A boa notícia é que as coisas podem mudar. Há esperanças de um novo tempo, onde o sofrimento terá passado. O profeta anunciou que o tempo de sofrimento estava no fim, porque o próprio Deus estava chegando e, como pastor, levaria seu rebanho de volta para casa. O exílio estava com os dias contados. E nós ouvimos que também o nosso sofrimento está no fim. Deus está chegando em Jesus, vem nos visitar, vem como bom pastor para dar a vida por suas ovelhas, remover seus pecados e conceder vida plena, abundante, com novo sentido (Jo 10.10). Os pecados de ontem são perdoados; a vida ganha um novo sabor. Deus, em Cristo, auxilia na reorganização da vida, inspira para a reconciliação com o cônjuge, fortalece para o abandono dos hábitos nocivos, orienta os pais na educação de suas crianças e adolescentes, encoraja para a luta por dignidade. As coisas voltam a entrar nos eixos. As lágrimas, aos poucos, dão lugar aos sorrisos. O nosso exílio parece estar no fim.
Mas assim como na Babilônia era necessário preparar o caminho para o libertador que estava chegando, assim é preciso que também nós preparemos o caminho para Jesus. O caminho aqui é o coração, que precisa estar pronto para receber o Redentor. E como preparamos o coração? Alguém poderia dizer que um coração preparado é um coração puro, sem pecados; que a vida preparada para acolher o Salvador é aquela que está em ordem. Mas isso não é possível. O perdão dos pecados, que purifi ca o coração, e a própria reorganização da vida competem a Jesus, que vem em busca do doente para oferecer a cura (Mc 2.17). Preparar o coração tem a ver com arrependimento, fé e permissão. Está pronto para receber o perdão aquele que se arrepende de seus pecados e crê que Jesus é o enviado de Deus para nos redimir. Está pronto para receber Jesus Cristo aquele que sabe que sozinho nada pode, mas confia no poder transformador do Filho de Deus. Está pronto para receber o Redentor aquele que permite a sua entrada para se submeter ao seu senhorio, abdicando do desejo muito humano de se autogovernar, com base em seus próprios preceitos e desejos. Arrependimento, fé e permissão, portanto, são os sinais de que o coração/caminho está preparado para a visita do Messias, do libertador, daquele que vem para pôr fim ao nosso exílio.
4. Imagens para a prédica
Na conhecida tela de Holman Hunt, “A luz do mundo”, há um casebre abandonado e em ruínas. Em frente à janela existe um grande espinheiro com ervas daninhas quase cobrindo o caminho. A porta está coberta de musgo. Diante da porta bem fechada, de gonzos enferrujados, acha-se na obscuridade e no sereno um homem de estatura grande e possante, cujo rosto revela cansaço e fadiga. Uma das suas mãos está levantada para bater à porta, enquanto a outra segura uma lâmpada, cujo raio talvez possa penetrar por uma fresta da porta. É Cristo, o Filho de Deus, procurando entrar no coração do pecador! Ele está esperando a porta se abrir. Quando Holman pintou esse quadro maravilhoso do Rei coroado de espinhos, batendo do lado de fora, mostrou a tela na sua oficina a um de seus melhores amigos, antes de apresentá-la ao público. O amigo examinou a figura real de Cristo, do lado de fora daquela porta, e disse:
– Mas você cometeu uma grande falta!
– Qual? – perguntou o artista.
– Pintou uma porta sem maçaneta.
– Não é um erro – disse o artista. – Esta porta não tem maçaneta por fora, ela só se abre por dentro. Assim, a porta do coração só pode ser aberta pelo lado de dentro. Cristo não força, apenas bate.
5. Subsídios litúrgicos
Versículo de acolhida: o lema da semana, indicado pelas Senhas Diárias: O profeta Isaías disse: Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas. E toda a humanidade verá a salvação de Deus (Lucas 3.4,6).
Kyrie: Ó Senhor, que visitas o mundo, manifestando tua misericórdia, enche nossa vida de esperança, abre nosso caminho para celebrar tua chegada, visita-nos, mais uma vez, com a graça do teu Santo Espírito. Ó defensor dos pobres, refúgio dos fracos, alívio dos pecadores, consolo dos enlutados, orientação dos desnorteados, vem salvar o que está perdido. Vem criar um mundo novo. Concede-nos
a tua paz. Kyrie eleison! (René Krüger)
Sugestão de hino: HPD 1, 9: “Ó vinde, em humildade vossa alma preparai”.
Bibliografia
RADMACHER, Earl D. O Novo Comentário Bíblico – Antigo Testamento. Rio de Janeiro: Central Gospel, 2009.
SCHWANTES, Milton. Sofrimento e Esperança no Exílio: História e Teologia do Povo de Deus no Século VI a.C. São Paulo: Paulinas; São Leopoldo: Sinodal, 1987.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).