Proclamar Libertação – Volume 34
Prédica: Isaías 55.6-11
Leituras: Mateus 18.1-5 e Hebreus 13.8-9b
Autor: Yedo Brandenburg
Data Litúrgica: Véspera de Ano Novo
Data da Pregação: 31/12/2009
1. Introdução
Véspera de ano novo é oportunidade para pensar sobre o que passou e o que virá. Nós o fazemos sob a luz da palavra de Deus.
Em Mateus 18.1-5, Jesus chama uma criança, coloca-a na frente dos discípulos e diz: “Eu afirmo a vocês que isto é verdade: se vocês não mudarem de vida e não ficarem iguais às crianças, nunca entrarão no reino dos céus”. Jesus não fala da infância como o lugar da inocência, como o paraíso antes da queda. Jesus fala da infância como o lugar do início. Na infância começa tudo. Assim como a criança, Jesus mostra aos discípulos que a vida com ele é o lugar do início de um novo tempo de confiança em Deus e de alegria.
Infelizmente, ao findar o ano, nós constatamos que nem sempre conseguimos viver o novo tempo que Deus nos trouxe com Jesus Cristo. Há o reconhecimento de culpa, de atitudes inadequadas para com Deus, as pessoas e o meio ambiente. Quais são nossos anseios, nossas expectativas, nossas esperanças para o novo ano? Hebreus 13.8-9b diz de forma sucinta: “Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e sempre. Não se deixem levar por ensinamentos diferentes e estranhos que tiram vocês do caminho certo”.
Isaías 55.6-11 nos traz uma realidade de tristeza, de desânimo, de resignação. O profeta diz que é tempo de procurar a ajuda de Deus, de orar a ele, de abandonar os maus pensamentos e de mudar a forma de viver. Nós podemos voltar para Deus porque ele tem compaixão e perdoa completamente. A sua palavra liberta-nos da resignação e nos traz ânimo e coragem para enfrentar as intempéries da vida.
2. Informações exegéticas
O texto de Isaías 55.6-11 faz parte do bloco dos capítulos 40 até 55, atribuí- dos a um profeta anônimo que é designado na pesquisa bíblica de Dêutero-Isaías ou Segundo Isaías. Esse profeta atuou numa época difícil para o povo israelita. Era o tempo do exílio babilônico no século VI a.C. Os israelitas moravam de forma precária nas imediações das cidades e precisavam colocar suas forças de trabalho à disposição dos babilônios. As belas cidades dos babilônios contrastavam com a lembrança de Jerusalém destruída. Mais doloroso ainda era ver o grande templo babilônico e saber que o templo de Deus em Jerusalém estava destruído.
Quantas perguntas, quantas dúvidas acerca do Deus dos pais! Deus esqueceu-se do seu povo lá na Babilônia? É ele realmente o Deus verdadeiro? Onde ele estava quando Judá foi ocupada pelos invasores babilônicos e o templo destruído? Onde ele está agora? Os mais jovens dentre os israelitas não mais conheciam a sua pátria e estavam mais suscetíveis à influência da religiosidade do povo babilônico. Eles pouco esperavam do Deus de seus pais, do Deus de Israel. Um Deus que não se vê e que não interfere para tirar o seu povo da Babilônia, que Deus é este?
Nessa situação de sofrimento, de tribulação, de resignação e até de indiferença da parte de alguns dos exilados, Deus faz ouvir a sua palavra por meio do profeta.
V. 6 – “Procurem a ajuda de Deus” designa a adoração exclusiva de Deus: confiar somente em Deus e ser obediente a ele. Procurar a ajuda de Deus é uma meta de vida (Sl 34.10s). A afirmação “orem ao Senhor” aprofunda esse aspecto de confiar em Deus nas necessidades. O pedido de procurar a ajuda de Deus tem como consequência a promessa de que Deus pode ser encontrado. O sentido é portanto: Deus se deixa achar, ele está próximo (compare 49.15; 54.7s).
V. 7 – Após o convite animador (v. 6), o v. 7 é assustadoramente concreto. As pessoas perversas são aquelas que não servem a Deus (Ml 3.18), que são inquietas e sem paz (Is 48.22; 57.20s). Elas têm mentalidade contrária a Deus. Da mentalidade para a ação maldosa há um pequeno passo. Após a admoestação por mudança na forma de pensar e de agir, há a promessa da compaixão e do perdão de Deus (43.24 s; 44.22; 54.10).
V. 8-9 – A promessa salvífica do v. 6 encontra aqui a sua fundamentação: os pensamentos e os caminhos de Deus estão bem acima dos pensamentos e dos caminhos das pessoas. Deus não pode ser comparado a outros deuses (43.10-13; 44.6). Deus é incompreensível em sua grandeza e em seu poder (40.12.18; 48.12s), inescrutável em seus pensamentos (40.13s.28; 55.8s), especialmente em seus pensamentos salvíficos (41.10.14; 49.22s; 51.3; 53.7-10; compare também Jr 29.11).
V. 10-11 – A superioridade dos pensamentos e dos caminhos de Deus é explicada. Assim como a chuva molha o chão e o fertiliza, assim também a palavra de Deus é acompanhada da ação. A imagem da chuva e da neve, que possibilita a fertilidade da terra e o crescimento das plantas, tem a ver com o campo da ação abençoadora de Deus (Dt 11.13-15) e aponta, mais uma vez, para os pensamentos salvíficos de Deus.
A “palavra” do profeta é palavra salvífica de Deus a seu povo no exílio. Essa palavra é determinada por sua ação: a palavra de Deus realiza a salvação (compare Sl 33.4-11), ela é evento, é fato. Assim se comprova a superioridade dos pensamentos e caminhos de Deus, pois apenas aquele que faz acontecer o prometido merece ser louvado como Deus (41.21-24; 48.3).
Um processo da natureza é usado como parábola para mostrar a eficácia da palavra de Deus. A criação divina tem grande valor para o profeta. Chuva e neve bem como a palavra de Deus alcançam sua meta. Disso advém a confiança na eficácia da palavra de Deus, que não volta vazia.
Diante da crise de fé e até da indiferença para com Deus por parte dos exilados, o profeta aponta para a grandeza e majestade de Deus e para a sua fidelidade para com o povo. Contra a indiferença, a resignação e toda a falta de ânimo dos exilados, a palavra-ação de Deus mostra o caminho para fora da crise de fé.
3. Meditação
3.1 – Deus está perto
O texto foi dirigido a israelitas no exílio babilônico no século VI a.C. Na Babilônia, os israelitas não tinham problemas apenas com a terra estranha, na qual eram obrigados a trabalhos forçados. Eles tinham também problemas com a sua fé em Deus. As duras experiências no exílio, o longo tempo de sofrimento, as esperanças não-realizadas – tudo isso machucou o povo de Deus na Babilônia e trouxe questionamentos para a fé. Sentindo-se abandonado por Deus, o povo não via uma luz no túnel.
Para dentro dessa situação o profeta afirmou: Deus está aqui. Ele se deixa achar também agora e aqui nesta terra estranha. Deus pode mudar tudo! É necessário sair do ciclo da opressão interior, da resignação, da falta de ânimo, da indiferença, do medo, da culpa. Deus está perto, ele se deixa achar também no exílio. Assim, o povo desanimado foi encorajado a procurar a ajuda de Deus.
No ano que finda, talvez nós também tenhamos sentido a ausência de Deus nas horas de tristeza e de sofrimento. Resignação, desânimo, medo e culpa fizeram parte de nossa vida neste ano. Devido a isso, vale para nós: Procurem a ajuda de Deus! Orem para ele! Ele está bem perto.
3.2 – Deus está acima de nossos pensamentos e de nossas ações
No sofrimento, na dor, nas situações de perda, de luto, quando os fatos se tornam incompreensíveis para nós e o mundo parece desabar, nós ouvimos: “As- sim como o céu está muito acima da terra, assim os meus pensamentos e as minhas ações estão muito acima dos seus” (v. 9).
Por trás dessa frase está a experiência de que nós, com nossas concepções acerca de Deus, facilmente incorremos em erro. Nós queremos ditar como Deus deve agir neste mundo e onde ele deve intervir. Nós criamos um deus conforme os nossos anseios. Quando os acontecimentos são diferentes do imaginado, nós entramos em crise de fé, caímos na resignação e até descartamos Deus de nossas vidas.
Procurem a ajuda de Deus, do Deus verdadeiro. Não daquele deus que é uma projeção dos nossos planos. O Deus verdadeiro está muito acima de nossos pensa- mentos e de nossos caminhos: ele é o Deus da compaixão e do perdão (v. 7), nada comparável com a nossa pequena forma de perdoar; ele é o Deus das possibilidades, que está bem além de nossos pensamentos e de nossos caminhos. Ele é o totalmente diferente. Ele é Deus e não um super-homem divinizado e criado por nós.
Ainda bem que Deus não se deixa manipular por nossos pensamentos e nossos planos. Ainda bem que os nossos planos não chegam nem perto do que Deus tem reservado para nós (vide Is 64.4; 1 Co 2.9). Quando se trata do futuro de Deus conosco, nós não conseguimos ver muito longe. Nosso horizonte é limitado. Justamente por isso nós somos convidados a colocar toda a nossa confiança nas grandes possibilidades de Deus. Com seus pensamentos, Deus está muito acima de nós; com sua palavra que age, no entanto, bem pertinho de nós.
Fundamentados no testemunho do Novo Testamento e olhando para o Natal há pouco celebrado, nós afirmamos: em Jesus Cristo, nós temos o Emanuel, o Deus conosco, o Deus pro nobis, o Deus por nós. Deus está bem perto de nós na palavra da Bíblia e nos sacramentos. Ali ele se deixa encontrar.
3.3 – A palavra-ação de Deus
A palavra de Deus não é uma palavra a mais entre as muitas que chegam diariamente aos nossos ouvidos, mas é a força que mantém a nós e ao mundo. Uma força que pode transformar pessoas e circunstâncias. Nós percebemos que existem coisas que nós não conseguimos mudar. Desaparece, então, a vontade de arriscar o novo. Surgem o desânimo, a resignação. Quando nós estamos no fim de nossos recursos, Deus nos abre novas possibilidades.
O profeta exemplifica isso com uma comparação. A palavra de Deus age como a chuva. A chuva cai na terra seca, e a terra fica fertilizada. Assim também a palavra de Deus entra no deserto de nossa vida e o fertiliza. Nós não devemos ressecar internamente, mas viver. Para isso Deus nos dá a sua palavra. A palavra de Deus é mais do que conselho e orientação. A palavra de Deus oferece-nos uma compreensão mais profunda das nossas experiências de vida.
A Bíblia fala nesse contexto muitas vezes de “frutos”. Um bom sentido tem uma vida que produz frutos. Agora, cuidado! Fruto não significa logo sucesso. Sucesso é visível e dá para medir no que uma pessoa tem: em sua conta bancária, em seus bens materiais. O sucesso, contudo, esvai-se com a mesma rapidez com que veio.
Fruto é algo diferente. É necessário esperar, ter paciência. Frutos crescem quando nós nos abrimos para a palavra de Deus e a levamos conosco para toda a nossa vida. Frutos surgem quando nós colocamos os nossos dons a serviço das pessoas e da integridade da criação divina.
Deus afirmou que a sua palavra não voltará vazia. O fato de participarmos do culto é um sinal de que a palavra de Deus nos coloca em movimento e trabalha em nosso íntimo, transformando-nos e abrindo espaço para o novo, para a esperança. Deixemos a nossa vida ser orientada pela palavra de Deus. Então tudo será diferente: nossa vida frutificará.
A palavra mais poderosa de Deus é Jesus Cristo (Jo 1.1,14). Dele parte a ação decisiva no mundo. Ele é o vigoroso doador da vida (exemplos: Jo 4.1-12: água da vida; 6.25-59: pão da vida; 6.68: palavras que dão vida eterna). Em Jesus Cristo, Deus está bem perto de nós, nele Deus se deixa achar. Nele Deus nos liberta de toda resignação.
4. Imagens para a prédica
Diante de tristeza, de sofrimento, de desânimo, de resignação e de crise de fé, Isaías 55.6 diz: “Procurem a ajuda de Deus enquanto podem achá-lo, orem ao Senhor enquanto ele está perto”. Nas palavras do profeta há um alerta: “enquanto podem achá-lo, enquanto ele está perto”. Deus nem sempre está disponível. Deus não é como mercadoria de supermercado, sempre à nossa disposição. Deus também pode ocultar-se. Portanto, cuidado! A procura por Deus não permite adia- mento, quem sabe até pouco antes da morte. Ainda é tempo para procurarmos a ajuda de Deus.
Era uma vez um homem louco que, em pleno dia, caminhava com uma lanterna acesa pela cidade e gritava: “Eu procuro Deus! Eu procuro Deus!”. Muitos que o viam e ouviam não acreditavam em Deus e riam dele, dizendo: “Será que Deus se perdeu como uma criança? Será que ele se escondeu de nós? Deus tem medo de nós? Ele se mudou para outro lugar?”. O homem, por sua vez, caminhava no meio dessas pessoas, fulminava-as com o seu olhar penetrante e dizia: “Onde está Deus? Eu vou dizer para vocês: Nós matamos Deus, você e eu!” (Friedrich W. Nietzsche, 1844-1900).
Também em nossos dias há pessoas para quem Deus morreu. Elas não mais contam com Deus. Acreditam somente no próprio esforço, na tecnologia, na capa- cidade humana. Só que humanidade sem divindade se transforma em bestialidade. Devido a isso, o apelo do profeta: “Procurem a ajuda de Deus enquanto podem achá-lo, orem ao Senhor enquanto ele está perto”.
5. Subsídios litúrgicos
Confissão de pecado:
Misericordioso Deus, tu nos guardaste e guiaste ao longo do caminho per- corrido neste ano. Reconhecemos, no entanto, que nós tendemos a criar um deus que corresponde aos nossos anseios. Nós não procuramos a tua ajuda, deixamos de orar a ti, resignamos e até nos tornamos indiferentes a ti. Nós não colocamos os nossos dons a serviço de tua comunidade. Por amor de teu Filho Jesus Cristo: liberta-nos da resignação, tem compaixão de nós e perdoa-nos. Amém.
Palavra da graça:
Jesus Cristo disse: “Se vocês pedirem ao Pai alguma coisa em meu nome, ele lhes dará” (Jo 16.23 b).
Oração do dia:
Deus bondoso, nós agradecemos por todo o bem recebido no ano que ter- mina e por nos reunires como tua família. Tu nos consolaste e fortaleceste nas horas difíceis e nos concedeste momentos de alegria. Por isso aqui estamos para dar glória e honra a ti, para procurar a tua ajuda e para receber a orientação da tua palavra. Dela precisamos para olharmos o novo ano com confiança e esperança e para sermos lembrados de que tu estás ao nosso lado em todos os momentos de nossa vida. Por Jesus Cristo, que contigo e com o Espírito Santo vive e reina para todo o sempre. Amém.
Oração de intercessão:
Deus, doador da vida, na véspera de um novo ano, nós te pedimos: tira de nós a insegurança e o medo diante do novo e do desconhecido. Nós somos gratos por tua palavra, que nos liberta do desânimo, da resignação e da indiferença, e por poder contar contigo no novo ano. Intercedemos pelas crianças que não têm o necessário para viver de forma digna. Faz com que os governantes reconheçam e assumam a sua responsabilidade junto a essas crianças. Abre também o nosso coração para podermos auxiliar pelo menos uma criança no resgate da vida digna que tu inauguraste com Jesus Cristo. Desperta nos jovens a alegria que brota de uma vida contigo e voltada para o bem das pessoas. Auxilia os casais em crise para que procurem a tua ajuda, superem divergências e encontrem o caminho da paz. Dá sabedoria, amor e paciência aos pais no exercício de sua tarefa educativa junto aos filhos. Concede ânimo e esperança por melhoras às pessoas que estão doentes. Rogamos-te em favor das pessoas que perderam um familiar e que, especialmente nesta época, sofrem com a sua falta. Fortalece esta comunidade com a tua palavra e sacramento para que seja um sinal vivo do teu amor. Amém.
Bênção:
Deus esteja à tua frente para te mostrar o caminho certo; a teu lado para te proteger; atrás de ti para te preservar da maldade das pessoas; abaixo de ti para te amparar quando caíres; dentro de ti para te consolar quando estiveres triste; contigo para te libertar da resignação e te animar para a esperança por um novo tempo. Assim te abençoe Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Amém.
Bibliografia
SIEBERT, John-Walter. Suchet den Herrn, denn er ist nahe. In: Ludwig-Hofacker- Vereinigung (Herausgeber). Zuversicht und Stärke. 5. Reihe. Heft 2. Neuhausen: Hänssler-Verlag, 1989. p. 5-12.
VOIGT, Kerstin. Gott reisst heraus aus aller Resignation. In: LUBKOLL, Hans- Georg (Redaktion). Pastoral Blätter, Perikopenreihe 5. Heft 2. Stuttgart: Kreuz Verlag Zeitschriften GmBH, 1995. p. 86-89.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).