A adoração na prática da vida cristã
Proclamar Libertação – Volume 39
Prédica: Isaías 58.1-12
Leituras: Mateus 6.1-6, 16-21 e 2 coríntios 5.20b-6, 10
Autora: Marivete Zanoni Kunz
Data Litúrgica: Quarta-feira de Cinzas
Data da Pregação: 18/02/2015
1. Introdução
Estamos nos aproximando da Páscoa. Esta é uma época de reflexão sobre a vida e sua fragilidade. Além disso, na data de hoje, muitos celebram o que é conhecido por “quarta-feira de cinzas”. Esse evento tem ligação com tradições antigas e com o costume bíblico de jogar e cobrir-se com sacos de pano e cinzas como sinal de arrependimento e busca da presença do Senhor. Por isso, para alguns, este é visto como um dia de fazer jejuns e penitências.
Os textos de hoje falam desses costumes, mas mostram que, em alguns momentos da história, esses eram realizados sem condizer com a prática da justiça. O jejum, a adoração e outros rituais estavam acontecendo, mas faltava vida verdadeira. Diante disso e considerando aquilo que os textos lidos apresentam, é possível perguntar: o que realmente você tem buscado? Qual sua real intenção por trás daquilo que faz? Você é como os personagens citados no texto?
Independente de sua resposta, a mensagem que os textos descrevem diz respeito à verdade ou à sinceridade que deve envolver a vida de todo cristão, não somente em ocasiões solenes. Podemos resumir essa verdade ou sinceridade em alguns aspectos, tais como: sinceridade na adoração; sinceridade na oração e jejum; sinceridade na contribuição; sinceridade na religião e outros.
2. Exegese
É importante destacar que a profecia de Isaías diz respeito a questões de jejum, algo que, no exílio ou em qualquer lugar, todos podiam realizar. Ela mostra a diferença entre a religião verdadeira e o espírito de formalismo que pode invadir o ser humano. Assim, o profeta clama para que o povo use de misericórdia para com aqueles que necessitam da mesma.
V. 1 – Chegou o momento em que a falsa religião praticada pelo povo seria denunciada. O desafio que o profeta trouxe ao povo pode ser comparado a algo tão impressionante quanto o sonido da trombeta que era tocada em momentos de solenidade. Todo o trecho inicial (v. 1-5) revela que o costume ou prática do jejum estava sendo condenado. Assim, o profeta faz o anúncio em alto e bom som.
V. 2 – Este versículo mostra que o que existia era, na verdade, uma falsa observância da lei. O desejo, que o versículo demonstra existir, é meramente aparente, pois no coração isso não é verdadeiro. Fica evidente que o que funcionava eram questões formais ligadas à religiosidade, ou seja, tais obrigações eram bem conhecidas e praticadas entre o povo, trazendo uma aparência de prática da justiça.
V. 3-5 – No versículo 3, vemos que o profeta está respondendo às queixas do povo de que Deus não estava atentando e olhando para os jejuns que eles faziam com as mesmas perguntas que o povo fazia a Deus. O texto original mostra que o povo chegava até mesmo a cometer “violência” contra o seu corpo com a finalidade de receber o favor do Senhor, mas isso não estava funcionando. O jejum realizado pelo povo não estava fazendo com que eles recebessem o favor do Senhor.
A razão era que eles não jejuavam por verdadeiro arrependimento, mas por razões de realização pessoal. O texto, a partir do original hebraico, revela que o jejum acontecia por interesse em seus “próprios negócios”. Os versículos 3 a 5 revelam que, embora as pessoas jejuassem, não havia espiritualidade nesse jejum, e elas apenas buscavam cuidar de seus interesses particulares. Esse dia, conforme o versículo 4, era quando o povo fazia seus negócios, e inclusive havia o problema dos trabalhadores não serem liberados para participar do jejum, porque acreditavam que seriam prejudicados nos negócios particulares. O dia do jejum deveria ser um dia de descanso para todos, mas isso na prática não funcionava. Assim, a situação era tão degradante, que chegava ao ponto de acontecerem conflitos e agressões físicas, sem que o jejum cumprisse seu real propósito. Certamente quem sofria tais agressões, conforme descrição do versículo 4, eram aqueles que faziam parte da classe social inferior. Nesse sentido, tal jejum não era aceito pelo Senhor, porque não era o que constituía o verdadeiro jejum. Sua realização era sem sentido.
V. 6-7 – Estes versículos revelam a necessidade da prática de justiça e misericórdia. Mostram que, enquanto o povo fazia jejum com a intenção de receber favor e misericórdia do Senhor, não praticava a mesma com seu próximo. Por isso foi solicitado que eles não praticassem opressão, mas olhassem para as necessidades de seu próximo. Os versículos em destaque mostram que o verdadeiro jejum pode ser visto no dia a dia na prática do bem para com o próximo em todos os dias e não somente em dias de solenidade especial.
V. 8 – Aqueles que usam de misericórdia para com o próximo são como luz para eles. Esse reflexo das manifestações de boas ações ou de genuína retidão auxilia a dar fim em contendas. Toda a sociedade ganha com tais atitudes, e, além disso, há benefício especial para tais indivíduos, pois recebem a proteção do Senhor.
V. 9 – Este versículo mostra que é mediante o olhar genuíno manifestado ao próximo que o indivíduo tem suas orações respondidas. Essas não são esquecidas pelo Senhor, mas quem assim age poderá ouvir a voz do Senhor dizer: “Eis-me aqui”. Para ouvir tal voz, é preciso remover da vida do ser humano as acusações, as ameaças, o desprezo e outras ações com o próximo.
V. 10 – O benefício para o próximo é como a luz de um novo dia que se sobressai ante as trevas e a escuridão.
V. 11 – Grandes benefícios são prometidos àqueles que agem com bondade para com o próximo. Esse receberá todo o sustento necessário de forma permanente e abundante. Ao que concede e serve o seu próximo é feita a promessa de suprimento contínuo e abundante por parte do Senhor, tal qual um jardim bem cuidado. Onde estiver tal ser humano, nada irá faltar devido à sua conduta para com seu semelhante.
V. 12 – Aqueles que procedem de forma digna com seu semelhante são classificados como “restauradores de veredas”, ou seja, esses são indivíduos que fazem a diferença e são representativos no local que habitam.
3. Meditação: a adoração na prática da vida cristã
Nos tempos bíblicos remotos, o dia de jejum acontecia por causa de calamidades, mas no decorrer da história esse dia passou a ser celebrado em datas fixas.
No texto de Isaías, o povo questionava e lamentava ao Senhor por que haviam jejuado e realizado sacrifícios sem que o Senhor atentasse para isso. Eles tinham um belo ritual de práticas religiosas que estavam sendo realizadas em vão; mas o que estava acontecendo? Por que o Senhor não aceitava tais práticas religiosas? A resposta é: porque tais práticas de adoração não condiziam com a vida diária desse povo. Assim aprendemos que os ritos fazem parte da adoração ao Senhor. Mas, para que a adoração venha a ser aceita, é necessário apresentar algumas coisas, pois existem a falsa e a verdadeira adorações.
3.1 – A falsa adoração
A falsa adoração pode ser observada pelo agir diário. Quando refletimos sobre os textos, vemos que o jejum e as orações realizadas deveriam levar à mudança, mas isso não acontecia. A aparente espiritualidade não invadia o dia a dia prático. Os desfavorecidos ou operários não eram tratados de maneira adequada, mas eram oprimidos por seus senhores. Foi por isso que o Senhor se manifestou pelo profeta e pelo próprio Cristo, mostrando que as práticas religiosas (ritos e celebrações) precisam ser acompanhadas pela prática da justiça e amor ao próximo. Conforme o texto, vemos que o verdadeiro jejum deveria estar presente nessas ações manifestas ao semelhante (v. 5). Infelizmente, essa não era a realidade, mas sim a opressão e a violência com os menos favorecidos.
Os textos mostram que o povo, tanto os judeus citados por Isaías como os fariseus citados por Mateus, queria mostrar que tinha intimidade com o Senhor, mas isso era irreal. Tal relacionamento de proximidade com o Senhor não era evidenciado na forma deles agirem com o próximo. As muitas cerimônias e ritos religiosos não eram expressos nas ações do dia a dia. As ações descritas nos textos mostram a real extensão da relação desses grupos com seu Deus e também que é no cumprimento das leis no cotidiano que se espera que sejam expressos o amor e a justiça com o nosso próximo.
A forma como fazemos uso daquilo que possuímos em benefício do próximo mostra o quanto somos espirituais. A falsa adoração é evidenciada pela ganância e cobiça de coisas materiais. Infelizmente, os textos revelam que o povo judeu e os fariseus não tinham uma boa atitude no que diz respeito ao uso dos bens materiais e do poder, pois esses eram utilizados não para o benefício comum ou do próximo, mas para satisfazer seus anseios e ganâncias particulares.
3.2 – A verdadeira adoração
Essa precisa ser sincera (de coração). O jejum ou qualquer outro rito religioso é significativo para o Senhor quando for sincero. É possível que muitos sejam obedientes e até cumpram as leis da Palavra, desejando, aparentemente, buscar o Senhor. Mas o perigo de isso ser algo apenas aparente continua sendo muito presente. A adoração de lábios e não de coração é muito real. Entretanto, o texto de Mateus 6.16-18 mostra que é necessário existir a adoração interior, e não apenas a ritual.
A adoração apenas de lábios é hipócrita. Assim estavam agindo os fariseus: obedeciam às leis do Senhor, jejuavam, mas tudo era só aparência, pois no ritual exterior que praticavam estavam mais preocupados em ser vistos. O resultado era que isso não fazia diferença, e ninguém se importava com o que faziam, nem mesmo o Senhor. Eles não poderiam persuadir ou comprar o Senhor com seus ritos. Era preciso que houvesse obediência de coração a Deus.
Isaías mostra que o povo buscava o reconhecimento humano. Jesus, nos textos apresentados, revela que também os fariseus buscavam isso. Tanto o povo do período de Isaías como os fariseus não queriam servir ao Senhor, mas chamar a atenção para sua espiritualidade; por isso faziam jejuns e ofertas que não surtiam efeitos, eram em vão. Quando a intenção é receber honras humanas, perdem–se as bênçãos de Deus. Os jejuns realizados pelos fariseus eram visíveis para todos, mas não foram aceitos por Deus, porque não eram realizados pelas razões corretas. Não houve adoração sincera, por isso tais ações também não redundaram em crescimento espiritual.
A hipocrisia do povo rendeu-lhe um reconhecimento meramente superficial das pessoas e o silêncio de Deus. Essa foi a recompensa. Não vale a pena ser hipócrita na adoração, não vale a pena representar diante das pessoas e de Deus. Quem age assim já recebeu sua recompensa. Tudo o que fizermos deve ser feito com sinceridade. Nisso consiste a essência da adoração, que se refletirá em nossas ações.
Para concluir, não vale a pena correr atrás do reconhecimento humano por meio de ritos e celebrações. Esse é o tipo de reconhecimento passageiro, que logo se esvai. O que importa são a glória e o louvor de Deus. Minha vida espiritual deve tornar-me um indivíduo melhor para o próximo e mais servo a Deus. Se isso não acontecer, minha adoração não é verdadeira, não passa de pecado diante de Deus. A vida na presença do Senhor deve redundar em ministério que leve justiça e amor aos outros, pois nisso consiste a verdadeira adoração. Assim nossa prática religiosa terá valor diante de Deus quando vier do interior.
4. Imagens para prédica
Amor ao próximo – testemunho: “O Espírito Santo está bem vivo no mundo de hoje, mas talvez não reconheçamos essa verdade. Em 1957, minha esposa e eu ficamos perturbados pela condição dos refugiados da Hungria. Sentindo que deveríamos abrir o nosso lar para um jovem casal, expressamos o nosso desejo à comissão encarregada de alojá-los. Veio morar conosco um casal recém–casado, que ficou em nossa casa quatro meses. Não falavam uma palavra da nossa língua, mas logo verificamos que a linguagem universal do amor era entendida por todos. Recebemos muito mais alegria do que proporcionamos e sentimos a presença do Espírito Santo em nosso lar. Hoje, consideramos esse jovem casal como filhos. São membros respeitados em nossa comunidade e têm dois filhos. Se escutarmos, ouviremos o Espírito Santo falando a nós através de nossas emoções e de nosso intelecto” (E. Everett H. Palmar – EUA. Extraído de BARROS ALMEIDA, 1987).
Amor: “‘Nisto conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros’ (Jo 13.35). Uma noite chegamos às muralhas da China depois de terem cerrado o portão. Através do guichê do portão, o guarda pediu-nos nossa carteira de identidade. Logo o portão se abriu e nos foi permitido entrar. Algum dia chegaremos às muralhas da Cidade Eterna. Que credenciais teremos para apresentar a fim de que a porta se abra? Será o nosso conhecimento da Bíblia? Nossa certidão de Batismo? Nossa carta de membro da igreja? Uma carta de recomendação do pastor? Ou a ficha de nossa vida diária? Jesus deu-nos a única resposta. Disse ele: ‘Nisto conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros’. Eis a prova principal de que fomos redimidos pelo sangue de Jesus Cristo: ‘amarmos a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos’” (Leo K. Mader. Extraído de BARROS ALMEIDA, 1987).
5. Subsídios litúrgicos
Algumas frases de impacto para auxiliar na liturgia do culto:
• A parte mais importante da vida cristã não é o que as pessoas veem, mas aquilo que somente Deus vê.
• Não é errado possuir coisas, mas é errado permitir que as coisas nos possuam.
• O jejum e outras celebrações não devem acontecer como uma forma de receber alguma bênção.
Bibliografia
BARROS ALMEIDA, Natanael de. Coletânea de Ilustrações. São Paulo: Vida Nova, 1987.
CHAMPLIN, Norman Russell. O Antigo Testamento interpretado: versículo por versículo. 2. ed. São Paulo: Hagnos, 2001. v. 5.
WIERSBE, Warren W. Comentário Bíblico Expositivo: Antigo Testamento. Tradução de Susana E. Klassen. Santo André: Geográica, 2006. v. 4.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).