Proclamar Libertação – Volume 33
Prédica: Isaías 64.1-9
Leituras: Marcos 13.24-37 e 1 Coríntios 1.3-9
Autor: Tânia Cristina Weimer
Data Litúrgica: 1º Domingo de Advento
Data da Pregação: 30 de novembro de 2008
Tema: Advento
1. Introdução
“Oh! Se fendesses os céus e descesses! Se os montes tremessem na tua presença” – (Is 64.1).
Esse é o tema do primeiro domingo de Advento, que dá inicio ao novo ano da igreja. Celebra-se a esperança. Afinal, o Advento, como vinda de Deus (de Jesus Cristo), trata da ação de Deus na história da humanidade. A partir da esperança cristã celebramos o agir de Deus.
As passagens bíblicas indicadas para pregação e leituras desse domingo tratam da presença de Deus no todo da história da humanidade. O evangelho procura chamar a atenção dos discípulos para como deveriam se comportar diante das adversidades que terão que enfrentar. O texto de Marcos ainda traz o tema da vigilância enquanto se espera. Isaías retrata a esperança do povo diante do caos vivido e enfrentado depois da devastação de Jerusalém. Em 1 Coríntios, o apóstolo Paulo também trata da esperança de um novo tempo que há de surgir com a volta de Cristo, no dia do Senhor, isto é, quando Cristo regressar.
O tema da espera e da vigilância está presente nos três textos. Além dessas atitudes de espera e vigília (oração), os textos levam-nos a sair de nossa comodidade e a agir enquanto aguardamos o Dia do Senhor. No passado, o povo clamou, Deus interveio. No presente, o povo clama e novamente espera pela intervenção de seu Senhor. Assim está costurada a esperança cristã naquele que era, que é e que há de vir, como Senhor absoluto sobre os céus e a terra.
2. Exegese
Com a vitória dos persas sobre os babilônicos em 539 a.C., mudam as condições de vida tanto dos exilados como dos remanescentes. Aos exilados é permitido regressar à sua pátria. Começa a reconstrução do templo e da cidade de Jerusalém.
O texto de Isaías 64.1-9 faz parte de um bloco maior que inicia em Isaías 63.7 e faz parte do Trito-Isaías (Is 56-66), no qual os capítulos 60 a 66 são a parte central.
Esse bloco maior é um salmo de lamentação do povo. Conforme Westermann, trata-se do “mais impactante salmo de lamentação do povo”. Os salmos de lamentação costumavam ser divididos em petições, lamentações, confissões de pecado e de confiança.
Os v. 1-2 formam uma unidade. Compõem o pedido “Oh! Se fendesses os céus e descesses, se os montes tremessem na tua presença”, seguido de comparações e do objetivo.
O salmista implora por uma epifania, pelo advento do Deus Eterno. Com a vinda do Senhor, as dores reinantes serão superadas e a dor e o lamento deixarão de existir. O “rasgar os céus” é uma imagem única no Antigo Testamento. Ela representa o ato de Deus atravessar as nuvens para descer. É provável que esteja inspirada na tradição do Sinai coberto de nuvens (Êx 19.9; 18.20; 24.15b-18a).
No v. 3, inicia uma nova súplica pela intervenção de Deus. Essa intervenção é imaginada como uma teofania, ou seja, uma manifestação de Deus ligada a fenômenos extraordinários e temíveis da natureza. Rasgar os céus, fazer estremecer os montes, fogo, “coisas terríveis”. Se Deus tivesse se mostrado na história recente como naquelas terríveis teofanias, fazendo coisas maravilhosas, nem sequer esperadas nem sabidas de antemão, teria sido diferente a situação nesse momento.
O v. 4 apresenta o louvor, a adoração a esse Deus, que é acessível e sensível à dor. Por esse Deus, que trará de volta a prática da justiça, vale a pena esperar (v. 5). Deus age em favor daqueles que esperam por ele.
Já os v. 6 e 7 são largamente citados para falar do pecado em que vive o ser humano. Por causa de suas iniquidades, o ser humano é levado a “murchar como uma folha”. A folha murcha, mais tarde transformada em poeira, é varrida embora pelo vento. Se o Deus Eterno não está presente, não resta mais nada senão agarrar-se às próprias iniquidades, e isso é o mesmo que andar cambaleando, como na escuridão.
O profeta continua seu apelo (v. 8) para que o Deus Eterno ajude seu povo, que tinha caído sob severa condenação por causa do pecado. Faz seu apelo final, relembrando a relação de Deus como Pai com seu povo. O Deus Eterno é o Pai de Israel. Israel é o barro especial que a mão divina estava moldando para tornar-se um vaso especial. Mas parecia que o Senhor havia rejeitado o vaso por causa de suas falhas. E o profeta convidou o oleiro a terminar o trabalho que tinha planejado, não permitindo que seu esforço passado se reduzisse a nada.
O nosso trecho finaliza com o apelo final em que o profeta Isaías inclui, mais uma vez, a ideia de que Israel é o povo de Deus (v. 9). É como se o profeta dissesse ao Deus Eterno: “Ainda é possível que intervenhas em nossa angústia presente”. Diante do desespero, é possível a esperança.
O povo de Deus sabe que, no passado, o Deus Eterno revelou-se como um Deus que age em favor dos seus. No tempo presente, o povo encontra-se numa situação calamitosa e sente-se abandonado por Deus. Apesar disso e baseado no que sabe do passado, suplica a intervenção de Deus e deposita toda a sua esperança na intervenção do Deus Salvador.
3. Meditação
É tempo de Advento. O clima natalino já paira no ar. É tempo de decorar as casas e contar os dias que faltam para as festas de fim de ano. O Advento, que começa quatro domingos antes do Natal, marca também o início do Ano da Igreja. A palavra Advento é de origem latina e significa chegada, vinda. É o tempo de preparação para o Natal, a chegada de Jesus. Para muitos, essa é uma época de renovar os sentimentos, deixar para trás as tristezas, colocar as coisas em ordem, arrumar e limpar a casa, um período de expectativa e de alegria pela comemoração do nascimento de Jesus Cristo, que se aproxima.
Há relatos de que o Advento começou a ser celebrado em várias partes do mundo entre os séculos IV e VII. Mas a primeira referência ao tempo de Advento vem da Espanha, onde no ano de 380 o Sínodo de Saragossa determinou uma preparação de três semanas para a Epifania, data que lembra a visita dos Reis Magos ao Menino Jesus. Somente no final do século VII, em Roma, é acrescentado o aspecto escatológico do Advento, recordando a segunda vinda do Senhor e passando a ser celebrado durante cinco domingos.
Só mais tarde é que o Advento passou a ser celebrado em seus dois aspectos: a vinda definitiva do Senhor e a preparação para o Natal, mantendo a tradição das quatro semanas. A igreja entendeu que não poderia celebrar a liturgia sem levar em consideração a sua essencial dimensão escatológica.
Em se tratando de um texto tão rico, como o de Isaías, e de uma época tão rica, como o Advento, buscamos anunciar a esperança cristã que perpassa o tempo.
“Oh! Se fendesses os céus e descesses!” Esse é o tema do primeiro Domingo de Advento, apresentado na forma de uma oração. É um texto muito apropriado; afinal o Advento, como vinda de Deus manifestada em Jesus Cristo, trata da ação de Deus.
No Advento, não celebramos nossos atos humanos, tampouco enfatizamos o que nós queremos ou prometemos fazer. Celebramos o agir de Deus, lembrando-nos de que no Natal se cumpriu a promessa de salvação feita por nosso Deus Eterno.
O que o povo no Antigo Testamento, voltando do exílio, experimentava era uma situação no mínimo calamitosa: cidade invadida e destruída por seus inimigos, templo, lugar e espaço sagrado também destruídos. Além disso, a ocupação e a opressão de estrangeiros gerava dificuldades econômicas, habitacionais. Sem falar no sentimento de abandono. O povo sentia-se esquecido e abandonado por seu Deus, vivia como se fossem órfãos espirituais. A tudo isso se somava a constatação da própria culpa, o reconhecimento de que estavam afastados do caminho de Deus.
Poderíamos assim dizer que o sofrimento do povo se divide em duas dimensões: material e espiritual. No que se refere ao material, também experimentamos situações semelhantes às que viveu o povo que voltava do exílio. Quantas catástrofes nos últimos tempos! Quantas situações de perda material! Algumas situações acompanhadas de mais longe, outras vividas na própria pele.
Em nossa volta manifestam-se os traços evidentes da calamidade física e material em termos de habitação, educação, desemprego, baixo poder aquisitivo, hospitais sucateados, precariedade no atendimento médico e hospitalar, crescimento da violência, ameaça da volta da inflação, impostos altíssimos que não nos deixam respirar.
Já na esfera espiritual, ainda há uma identificação maior. Na comunidade em que pregamos, certamente não é difícil encontrar situações idênticas, até nos mínimos detalhes, com a situação vivida pelo povo que voltava arrasado e precisava recomeçar.
Cada obreiro e obreira que irá pregar sobre esse texto certamente sabe- rá melhor do que ninguém quais os problemas, as angústias e as manifestações de abandono em que se encontra sua comunidade de ouvintes.
Em nosso texto de Isaías, o povo sabe da ação de Deus no passado e por isso atreve-se a suplicar pela intervenção de Deus e até a manifestar sua confiança na ação poderosa do Deus Eterno.
Em que baseamos nós nossa súplica e confiança? Certamente naquele que para nós é a notícia anunciada nesse Advento: Jesus Cristo.
No tempo do profeta Isaías, o povo reunia-se para suplicar pela intervenção de Deus. Será que tal súplica seria possível hoje numa comunidade cristã, em vista da calamidade material e espiritual vivida por nós?
Interceder e pedir a intervenção de Deus para transformar a situação catastrófica de nosso mundo é celebrar o Advento, é preparar a vinda de Cristo entre os seres humanos.
Ser o barro nas mãos do oleiro, deixar-se transformar, deixar-se moldar num recipiente do amor de Deus. Quem sabe essa é a maneira mais adequada de celebrar o Advento, demonstrando num gesto frágil e imperfeito o barro que somos como sinal da vinda última e definitiva do Deus Salvador.
Podemos ainda desenvolver a pregação a partir das perguntas: 1 – Quem pede (todos nós)? 2 – A quem pede (ao Pai, Redentor, Deus único, Deus irado que esconde o rosto, o oleiro)? 3 – O que pede (uma súplica de Advento)? 4 – As implicações do pedido (com que coragem pode um povo iníquo pedir a presença desse Deus?); 5 – O cumprimento da prece.
4. Imagens para a prédica
Uma imagem muito simpática, e talvez até já meio batida, é a do oleiro, do vaso de barro, dos cacos desse vaso que se recompõe, formando um novo recipiente.
Além dessa imagem do oleiro e do vaso, não trago outro imagem para ilustrar a prédica, mas sim ações concretas que “ilustram” a vida das pessoas.
O Advento tem a intenção de motivar as pessoas para uma reflexão sobre o sentido de esperar a chegada de Cristo neste mundo e em nossas vidas. Diante de uma sociedade cada vez mais fragmentada, a comunidade procura despertar as pessoas para o aspecto comunitário da fé.
Motivar as famílias a confeccionar sua coroa de Advento em casa e acender uma vela a cada domingo ajuda-nos a lembrar que Deus age em favor dos que esperam por ele. Pode-se realizar ao longo de todo o tempo de Advento uma campanha de oração (lembram da pergunta mais acima: em que baseamos nossa súplica?) com o objetivo de intensificar a vida de oração necessária para uma adequada preparação para a celebração do Natal e para mostrar a nossa unidade e força, para suplicar em conjunto por uma mesma causa. A campanha pode ser feita convidando para a participação pessoal e comunitária.
Também é possível ir preparando o presépio com as orações: maços de palha ou erva, madeiras etc. podem simbolizar determinados exercícios de oração.
O tempo de Advento é muito apropriado para acentuar a vivência da solidariedade. Que implicações concretas surgem a partir de nosso clamor comunitário, a partir de nossas súplicas?
Organizar a arrecadação de alimentos, roupas e brinquedos torna-se muito significativo nessa época. Em cada culto de Advento, pessoas podem trazer suas doações. Ao término do culto, um grupo de pessoas, representando toda a comunidade, pode levar o que foi arrecadado a um grupo (família) escolhido, levando junto uma coroa de Advento. É significativo fazer isso ao término de cada culto, pois a visita será uma extensão do culto, mostrando a ação comunitária, pois Advento trata da ação de Deus na história da humanidade.
5. Subsídios litúrgicos
Saudação:
Como saudação poderia ser trazido este poema de Leonardo Boff: “Já não estamos mais sós em nossa imensa solidão.
Deus está conosco.
Não somos mais solitários, mas solidários. Emudece a argumentação da razão,
Fala a narração do coração.
Narra-se a história de um Deus que se fez criança, Que não pergunta, mas faz.
Que não responde, mas vive uma resposta. Irmãos e irmãs, a nossa noite se iluminou! O menino que nasce em Belém nos revela: Tudo possui um sentido concreto.
É tão profundo que Deus mesmo quis assumi-lo.
A estreiteza de nosso mundo, no qual Deus entrou, Tem uma saída abençoada e um desfecho feliz.”
Confissão de pecados:
L: Senhor, nosso Deus, queremos como tua comunidade reconhecer nossa fraqueza e nossa falta de esperança em ti. Não confiamos suficientemente em teu Filho Jesus Cristo. Não permitimos que Jesus possa agir em nosso meio, como é teu desejo, por causa de nosso egoísmo. Pensamos por demais em nós mesmos e esquecemos os que estão ao nosso lado.
C: Senhor, perdoa nossas falhas e omissões!
L: Procuramos sempre reservar para o nosso bem o que deveríamos dar a nosso próximo. Deveríamos compartilhar mais o sofrimento de nossos semelhantes. Deveríamos estar sempre prontos a estender as nossas mãos para ajudar lá onde nossa ajuda se faz necessária. Deveríamos usar mais os nossos pés para a caminhada em conjunto com nossos irmãos e irmãs na fé em Cristo.
C: Senhor, pedimos-te o teu perdão, para que, libertos de nosso egoísmo, aprendamos a amar.
L: Reconhecemos nossa fragilidade, nosso descumprimento da tua vontade para com nossos semelhantes, reconhecendo a nossa culpa de vivermos uma vida bastante centrada em nós mesmos. Perdoa-nos e ajuda-nos a viver a tua mensagem de salvação. Por Jesus Cristo. Amém.
Oração geral da igreja:
Convidar a comunidade para verbalizar motivos de gratidão. Após cada prece, canta-se: “Graças, Senhor” (Em tua casa, p. 8).
Na sequência da oração, convidar a comunidade a verbalizar motivos pelos quais necessitamos suplicar; clamores comuns que tiram a esperança e deixam a comunidade mobilizada, sem forças para a ação, apenas numa espera passiva. Após cada prece, canta-se: “Inclina, Senhor, teu ouvido” (Em tua casa, p. 9).
Ainda sugiro esta oração de Johnson Gnanabaranam:
“Não consolem o povo com palavras vazias,
Mas com a boa-nova de Jesus.
Não consolem o povo com suas imposições,
Mas com sua compaixão e sacrifício.
Não consolem o povo com esmolas,
Mas através do repartir.
Consolem os pobres.
Jesus se declara solidário com eles.
Consolem os que se arrependeram.
Jesus oferece-lhes perdão.
Consolem os enlutados.
Jesus promete a ressurreição.
Consolem os que são perseguidos por causa da fé e da justiça.
Eles são especialmente valiosos para Deus.
Consolem os oprimidos.
O Senhor os erguerá.
Consolem os ofendidos.
O Senhor os alegrará.”
Bibliografia
CROATTO, J. Severino. Isaías – A palavra profética e sua releitura hermenêutica, v. III. p. 56-66.
CHAMPLIN, Russell Norman. O Antigo Testamento – versículo por versículo, v. 5. São Paulo: Editora e Distribuidora Candeia, 2000. p. 2967-2968. KIRST, Nelson. In: Proclamar Libertação, v. 1. Auxílios homiléticos. São
Leopoldo: Editora Sinodal, 1976. p. 152-160.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).