Proclamar Libertação – Volume 35
Prédica: João 1.29-42
Leituras: Isaías 49.1-7 e 1 Coríntios 1.1-9
Autor: Vera Immich
Data Litúrgica: 2º Domingo após Epifania
Data da Pregação: 16/01/2011
1. Introdução
Grande parte do primeiro capítulo do quarto evangelho é testemunho de João, o Batista, sem diminuir nem desconsiderar os demais personagens. Com habilidade e boa retórica, João tira a si mesmo do centro das atenções e põe aquele que é o centro: Jesus. A intencionalidade de João está clara: ele quer levar o ouvinte à fé. “Eu não sou o Cristo” (1.20) e, tão conhecido texto, símbolo de humildade: “Não sou digno de desamarrar as suas sandálias” (1.27). Nosso texto concentra-se no eixo teológico: “Eis o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”, proferido por João várias vezes. Essa máxima teológica deverá ser o guia do pregador/a.
No texto de Isaías 49.1-7, encontramos o poema de anúncio da vinda do Servo Sofredor. Autores afirmam ser a primeira alusão ao fato de ser um caminho de dor e de sofrimento. No v. 2, encontramos a alusão da palavra de Deus, como sendo mais cortante do que uma espada de dois gumes. Para seguir essa palavra, são necessários submissão e coração aberto. Palavra que escandaliza e que faz inimigos, que leva ao deboche.
Ao escrever a Primeira Carta aos Corintos, Paulo está preocupado com as divisões internas. Ele chama sua comunidade a unir-se em torno das verdades pregadas e ensinadas e comunica-lhe que são motivo de suas orações e de sua gratidão a Deus. Paulo lembra os ensinamentos de que devem manter-se unidos e fieis ao Deus do amor, pois são seus santos e receberam os dons, enquanto aguardam o fim, quando deverão apresentar-se perante Deus de forma irrepreensível. A carta de Paulo inicia de forma bastante amorosa, mas clara de que espera obediência. E para obedecer são necessários humildade e um sentimento de unidade comunitária. Ainda hoje é um texto desafiador que leva o ouvinte a esquecer-se de suas verdades e voltar-se para as verdades do Senhor da Igreja.
2. Exegese
Nosso texto inicia com João dirigindo-se a Jesus e revelando que ele é o Cordeiro que tira o pecado do mundo (2.29); esse é o Servo de Isaías 53, que carrega o pecado dos homens e se oferece como “cordeiro de expiação”. O rito do cordeiro pascal lembra o símbolo da redenção de Israel (At 8.31-35 e 1Co 5,7). A imagem do cordeiro também se aplica a Jesus em outros textos do Novo Testamento, lembrando o cordeiro da Páscoa (Êx 12.1-24; 1Co 5.7), o Servo sofredor do Senhor (Is 53.4-7) e o Cordeiro vencedor universal de todo mal.
João testifica que esse é o esperado, o anunciado, que veio após ele, mas já existia antes dele. Sua missão é anunciar sua vinda. João batiza com água, mas ele com o Espírito Santo. Entra então a imagem da pomba, a materialização do Espírito Santo, definindo a obra do Messias anunciada desde o Antigo Testamento, “porque o Espírito repousa sobre ele” (Is 11.2,42.1).
O Messias poderá dar o Espírito Santo à humanidade e o fará, através do batismo do Espírito Santo, após sua morte e ressurreição. Somente depois de “elevado” e de passar para o Pai. Somente então ele enviará o “consolador” (Jo 14.26, Jo 15.26) e então o Espírito de Deus se difundirá sobre o mundo. João testifica a revelação feita pela pomba, que, ao repousar sobre Ele, distingue-o e revela-o como sendo o Messias esperado e aguardado.
A partir do v. 35 até o v. 42, ocorre o reconhecimento por parte dos primeiros discípulos de que ele é o Messias e o seguimento voluntário provocado pelo testemunho de João. Eles o confessam como seu Mestre e querem segui-lo, que- rem saber onde ele vive. Chamam-no de rabi, que é aquele que ensina o Antigo Testamento, de onde vem a palavra rabino. Jesus acolhe-os e convida-os para que o acompanhem até sua casa. Concluindo nosso texto, Jesus aceita Simão, filho de Jonas ou de João (há discussões em torno desta questão), e muda seu nome: “Será chamado Cefas, que quer dizer Pedro” (v. 42). No original aramaico, a mesma palavra é usada para designar Pedro e pedra. Ao mesmo tempo, a materialidade da rocha e o nome de um discípulo, sobre o qual será edificada a igreja (Mt 16.18).
3. Meditação
O nosso texto oferece várias possibilidades ao pregador. Convém delimitar e enfatizar algumas para não se perder com muitas informações. Temos o evento da referência ao batismo de Jesus, que, juntamente com o nascimento e a morte/ ressurreição, destacam-se como os eventos mais importantes da vida de Jesus. A partir do batismo é possível destacar algumas boas-novas. Destacamos alguns pontos:
3.1 – Deus reconcilia
“Eis o cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (v. 29). João encontra Jesus e testemunha que esse veio para reconciliar o mundo com o Pai. O pecado afasta o ser humano de Deus, mantém-no isolado, infeliz, amargurado, acumulando bens, amarguras, inimigos, bajuladores e distanciando-o da vida plena e do amor de Deus, de relações autênticas, não perfeitas, mas fiéis e constantes e não de acordo com a conveniência. O cordeiro quer tirar o pecado o mundo, “lavar” nossas vidas da cobiça, do desamor, da insegurança e das muitas transgressões, às quais sucumbimos. Em Isaías 44.22 há uma belíssima palavra sobre isso: “Desfaço as tuas transgressões como a névoa e os teus pecados, como a nuvem; torna-te para mim, porque eu te remi”. Ainda no texto de Isaías, da leitura bíblica, somos lembrados de que não viemos ao mundo por acaso, mas que desde o ventre de nossa mãe já existimos no projeto de Deus e somos amados por ele e capacitados para viver neste mundo.
3.2 – Deus chama e acompanha
Deus chama com as mesmas palavras de João sobre Jesus aqueles que estavam com ele: “Eis o cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”. Dessa forma, João Batista chama a atenção dos ouvintes e também de nós hoje que é hora de largar tudo o que nos separa de Deus e que nos mantém ocupados demais e voltar nossos olhos e corações ao cordeiro de Deus. Imagino que alguns devem ter achado que o excêntrico andarilho conhecido por João Batista estava querendo impressionar com seu discurso aquele que elegera como seu rabi. Como? Olhar para Jesus, o nazareno? Seria esse o Messias, o Salvador prometido há tanto tempo? Não pode ser. De que forma uma pessoa tão humilde como Jesus pode salvar? Ainda ontem ele fora batizado, e gerou-se um falatório a respeito do batismo, que teria tido seu ápice com a presença misteriosa de uma pomba que testificava ser esse o Filho amado: “E, sendo batizado, saiu logo da água, e eis que se lhe abriram os céus, e viu o Espírito de Deus descendo como pomba e vindo sobre ele. E eis que uma voz dos céus dizia: este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” (Mt 3.16,17).
Outros, porém, deixam-se sensibilizar pelo anúncio de João e seguem Jesus, não sem antes indagá-lo por onde vive. Jesus, então, sem cerimônia, convida- os para ir com ele e passar o resto do dia onde ele vivia.
Convém destacar que nem João Batista tampouco Jesus fazem um discurso com apelo conversionista. Apenas ocorre o testemunho revelador de que Jesus é o Messias esperado e que batizará com o Espírito Santo. Também se observa que o texto deixa claro que João faz o mesmo discurso no dia do batismo, não acontecendo nada. Somente “no dia seguinte”, ou talvez nos dias seguintes, é que, repetindo o mesmo discurso, leva ao seguimento.
Outra figura que pode ser explorada na pregação é a do cordeiro, tão conhecida pelos judeus da época. O Messias tão esperado estava entre eles, embora não fosse como muitos esperavam: não veio com grande majestade e glória; não veio como leão de Judá, embora o fosse; não veio como rei, mas como servo (Mt 20.28). Diariamente, cordeiros eram sacrificados no templo. Aos nossos olhos, uma cena chocante: um animal manso e indefeso era degolado inocentemente em favor dos pecados do povo. Assim veio o Messias. O salvador. O redentor. Como um cordeiro. E da mesma forma foi morto, ao ser pregado na cruz do Gólgota.
O cordeiro conclui a obra
“Cordeiro de Deus, que tiras o pecado do mundo,
Tem piedade de nós.
Cordeiro de Deus, que tiras o pecado do mundo,
Dá-nos a paz”.
A canção litúrgica ensina-nos constantemente que, cantando ao cordeiro de Deus, damos testemunho de sua obra salvífica, clamamos para que tire o pecado do mundo e tenha piedade de nós. Acertadamente, cantamos duas vezes, implorando piedade, e somente na terceira é que clamamos pela paz.
Esse cântico se encarna na realidade individual e comunitária de todos os ouvintes. O mundo está cheio de pecado e de tristezas, que fazem o ser humano sofrer e que, muitas vezes, o afastam da igreja. São tantas as mortes prematuras causadas pela violência urbana, por assaltos, invasões de domicílio, quando não é somente a casa que é invadida, mas o warmes Nest, o aconchego e o espaço de descansar e recarregar as energias; o espaço da individualidade e de silenciar para ouvir a voz de Deus. Porém não sem antes verificar se as portas e janelas estão trancadas, se as grades não foram serradas. Clamar ao cordeiro para tirar o pecado do mundo, porque a paz urge. Da paz que vem de Deus e que chega mesmo para aquele que está atrás das grades ou está triste ou desiludido, tomado de dor e tristeza. Paz que vem de Deus, revelada no cordeiro, é paz maior que todas as tribulações, que toda a dor, que toda perda ou insegurança que se pode sentir e experimentar. A paz que vem do cordeiro inspira mansidão.
A imagem do cordeiro tem algumas semelhanças com o próprio Jesus. Primeiro chama a atenção por sua natureza mansa. Em seu Espírito de humildade, Jesus personifica o cordeiro. No livro de Apocalipse, o autor refere-se a Jesus 28 vezes como cordeirinho. Além da mansidão, o cordeiro também tipifica pureza. O cordeiro que era oferecido em sacrifico não podia ter mancha ou defeito. Quando Deus deu instruções para a primeira Páscoa, também recomendou um cordeiro sem defeito (Êx 12.5). Cristo, o cordeiro de Deus, anunciado por João, personifica essa qualidade. E a terceira e mais forte semelhança deve-se à forma de sua morte. O cordeiro nascia para passar para a morte sacrificial. Desde Abel, que ofereceu as primícias do rebanho (Gn 4.2-4). Também em Números 28 e 29, são apresentados muitos cordeiros para ser sacrificados. E, na plenitude dos tempos, Deus providencia um sacrifício melhor, sem mancha e sem defeito. Deus, em sua infinita sabedoria, fez desse grande, último e definitivo sacrifício uma fonte ininterrupta de redenção, da qual também cada um de nós pode participar ainda hoje ao clamar: “Este é cordeiro de Deus”.
4. Imagens para a pregação
O pregador poderá levar um triângulo (instrumento musical) ou, na falta desse, levar em cartolina, quem sabe com a indicação dos três vértices iguais, sendo que a do cume aponta para Deus e as duas da base, uma representa o indivíduo e a outra o próximo, conforme ilustra o texto abaixo.
A força do amor
Martin Luther King
(in: As mais belas orações do todos os tempos, org. MURARO, R.M. e
CINTRA, F. R., Ed. Rosa dos Tempos, p. 130)
Toda a vida tem três dimensões: comprimento, largura e altura. A extensão da vida, o seu comprimento, é o caminho interior de cada homem à procura de seus fins: ambição, bem-estar, realização. A largura é a procura do bem-estar, realização. A largura é a procura do bem-estar do próximo. A altura é a subida para Deus. A vida completamente realizada é um triângulo coerente. Num de seus ângulos está o indivíduo; no outro, o próximo; no cume, a pessoa infinita de Deus.
Sem o desenvolvimento adequado de cada parte do triângulo, vida alguma estará inteiramente realizada.
Somente o amor permite ao homem atingir estas três dimensões: o amor de si mesmo, visando a realização sadia e justa de sua personalidade; o amor do próximo, como a si mesmo; o amor de Deus, fonte e centro de tudo o mais.
Deus está sempre no seu universo.
Nossas realizações técnicas e científicas não o podem banir nem do espaço microcósmico do átomo, nem das vastas e insondáveis extensões do espaço interestelar. Vivendo num universo em que as distâncias de certos corpos celestes devem ser medidas em bilhões de anos-luz, o homem moderno pode ainda exclamar como o salmista antigo: “Quando contemplo os céus, obra de tuas mãos, o que é o homem, para que te lembres?”
João elevou-se a essa alta visão. Permita Deus que também nós a percebamos e nos ponhamos em marcha para a cidade perfeita – em que a extensão, a
largura e a altura são iguais.
Como autênticos filhos de Deus.
5. Subsídios litúrgicos
Bênção:
Deus te abençoe além do dia.
Deus te abençoe e te dê alegria.
Deus te abençoe e te ilumine.
Deus te abençoe com poder.
Deus te abençoe com saber.
Deus te abençoe com saúde.
Deus te abençoe a virtude.
Deus te abençoe em seu labor.
Deus te abençoe a vida inteira.
Assim te abençoe o Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Amém!
Bibliografia
ROLOFF, J. A Igreja no Novo Testamento. São Leopoldo: Editora Sinodal, 2005. MURARO, R.M.; CINTRA, F.R. Poemas para encontrar Deus. Editora Rosa dos Tempos, 1970.
MURARO, R.M.; CINTRA, F.R. As mais belas orações de todos os tempos. Edi- tora Rosa dos Tempos, 1995.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).