O jardim brota do que foi semeado
Proclamar Libertação – Volume 45
Prédica: João 1.6-8,8-11
Leituras: Isaías 61.1-4,8-11 e 1 Tessalonicenses 5.16-24
Autoria: Anelise Lengler Abentroth
Data Litúrgica: 3° Domingo de Advento
Data da Pregação: 13/12/2020
1. Introdução
Escrevo este estudo em tempos difíceis. O planeta está doente! Há uma guerra sem armas, sem fronteiras. Decreta-se calamidade pública em cidades, estados, países. Milhões de mortos, antes doentes, muito doentes, sozinhos, isolados. E agora, enterrados sem velamento, sem despedidas de pessoas amadas. A Covid-19 trouxe medo, angústias e fez o que ninguém imaginou: parou o capitalismo insano, devastador, pelo menos durante esse tempo.
Advento é tempo de espera, de preparação para o novo que há de vir. Como ele será? Esperava-se o Messias. Há anúncio, mas ninguém sabe quem, quando, onde. Advento prepara-nos para o tempo de Deus, para a ação de Deus neste mundo doente.
Oportuno é o texto de Isaías. É um texto de esperança pela reconstrução do país devastado. Deus chama, escolhe e envia os seus para levar boas novas, para animar aflitos e pobres, libertar presos, consolar quem chora, transformar o luto em festa. Ele faz isso porque ama a justiça, odeia o roubo e o crime e quer fazer uma aliança eterna de salvação e vida com seu povo. Para crescerem a justiça e o direito, é preciso semear o chão, pois assim como o jardim brota do que foi semeado, assim o Senhor fará brotar sua salvação (v. 11). O texto da carta de Paulo em 1 Tessalonicenses 5.16-24 nos conclama a conformar nossa vida de acordo com a esperança que temos na vinda de Jesus Cristo.
No novo tempo, Deus envia João para falar a respeito da luz (v. 6). Ele fala para que o povo possa ouvir a mensagem e crer nela. Mensageiros, testemunhas, profetas são enviados por Deus, porque ele quer salvar! Mas quem são eles e elas?
2. Exegese
Há vastos recursos e detalhes exegéticos nas edições anteriores de Proclamar Libertação, escritos por pessoas competentes. Todos eles com contribuições relevantes, com enfoques diversos, que merecem ser pesquisadas. Resumidamente, recordamos que nosso texto faz parte do prólogo do Evangelho de João. É a primeira coisa que se lê, mas a última a ser escrita. Tudo o que existe é expressão da palavra de Deus. A presença da palavra é vida e luz para os seres humanos. No entanto, mesmo presente em tudo, a palavra quis chegar mais perto e fez-se carne em Jesus.
O Evangelho de João, também chamado “Evangelho do Discípulo Amado”, foi escrito por volta do ano 90 d.C. Passaram-se cerca de 60 anos entre os acontecimentos históricos e a redação do evangelho. A partir do ano 70 d.C., aumentou o conflito entre judeus e cristãos. Os judeus não aceitavam Jesus como o Messias esperado e os cristãos não aceitavam mais a observância cega da lei de Moisés. No contexto da expulsão dos cristãos das sinagogas é que acontece a redação final do evangelho.
Dizem os estudiosos que esse evangelho foi tecido com três fios que se combinam entre si: um são os fios dos fatos da vida de Jesus, acontecidos pelos anos 30 d.C. O segundo são os fatos da vida das comunidades: os conflitos e as perseguições sofridas marcaram a maneira de descrever os conflitos de Jesus com os fariseus. E o terceiro são os comentários feitos pelo evangelista.
As comunidades que estão por trás desse evangelho eram formadas por diferentes grupos. Havia judeus com postura crítica frente ao Templo de Jerusalém e à lei. Havia samaritanos, pagãos convertidos com origens históricas e culturais bem diferentes. Havia muita gente excluída de uma participação política, social e religiosa, dentre esses escravos, estrangeiros e mulheres. Sem esquecer a presença do pensamento gnóstico, que prioriza a razão e o conhecimento, em detrimento do corpo e da vida concreta.
A situação difícil do povo, dominado e explorado pelo Império Romano, levou as comunidades a valorizar, aprofundar e defender a vida (palavra que aparece 36 vezes no evangelho). O seguimento a Jesus é entendido como vivência concreta e solidária do amor. Essa é a chave!
Nesse contexto está a nossa perícope, composta por duas partes distintas, que foram incluídas dessa forma, mas fazem parte de um bloco somente.
João foi enviado por Deus para falar, testemunhar sobre a luz, como fazem os profetas, mensageiros ungidos por Deus para uma tarefa. Percebe-se que o testemunho de João foi tão importante, que muitas pessoas começaram a pensar que ele fosse o próprio Messias anunciado. Isso chegou ao conhecimento das autoridades do Templo, que foram interrogá-lo.
Fica evidente a centralidade de duas perguntas: quem ele é? E por que batiza? À primeira pergunta, ele responde enfaticamente que não é o Cristo, não é a luz. Também não é o Messias, o novo Moisés que viria para renovar a libertação do Egito e inaugurar um novo tempo. Nem ao menos Elias, que, segundo uma compreensão escatológica, seria o precursor do reino de Deus. Ele é o enviado a testemunhar sobre a luz. E a luz, no Evangelho de João, sempre é a metáfora para a vida de Cristo. O objetivo do testemunho é a fé das pessoas ouvintes. O batismo de João é a adesão do povo para a chegada do Messias, que já está presente, mas não é João. Ele é a voz que clama no deserto e que chama ao arrependimento, à mudança de rumo, de caminho. Ele não é digno daquele que vem em nome do Senhor e que já está presente, mas eles ainda não o conhecem.
3. Meditação
Advento é tempo de preparação para a vinda do Messias, do Filho de Deus, do Deus que se tornou gente e habitou entre nós no Natal. João anunciou que ele já estava presente, mas que as pessoas ainda não o conheciam.
Não posso imaginar qual será o contexto histórico real desse tempo de pregação, pois escrevo em pleno distanciamento social para evitar o colapso do sistema de saúde brasileiro e a morte de milhões de pessoas. Comércios fechados ou parcialmente, pouca produção industrial, muita procura por alimentos, remédios, insumos de proteção. A economia está ruindo, ou pelo menos o sistema baseado no estado mínimo e no sucateamento com vistas à privatização de todos os setores, especialmente o da saúde. A ordem que se impôs é outra. Com muita dificuldade os cofres estão sendo abertos e os recursos estão indo para onde é preciso para preservar vidas.
Em meio aos esforços homéricos para fazer a população compreender que as medidas de isolamento são necessárias, o presidente da República, que tem “Messias” em seu nome, insiste em ser televisionado saindo às ruas, aos mercados populares, coçando o nariz e dando as mãos, cumprimentando as pessoas, inclusive idosas, que estão nas ruas. Estima-se que pelo menos 30% da população ainda vê nessa figura o “iluminado”, aquele que quer e pode colocar o país no rumo certo. Também vemos pastores de grandes templos religiosos, que são mantidos pelo dízimo dos fiéis, relutantes em parar os cultos, pois esses arautos de Cristo pregam contundentemente que o bicho não pega quem tem fé!
Nesse contexto, cabe a pergunta a esses líderes: quem são vocês? Por que fazem o que fazem?
A inclusão desses dois textos que se complementam no prólogo do Evangelho de João, nos faz perceber que era muito forte o movimento messiânico em torno de João Batista. Uma grande multidão o seguia e se deixava batizar por ele. Sua pregação era ouvida e mexia com a vida das pessoas. De tal forma, que alguns líderes foram enviados pelas autoridades do Templo para interrogá-lo. Precisavam saber de quem se tratava e o que estava anunciando. João, porém, nega categoricamente ser o Cristo. Ele tem consciência da sua humanidade, dos seus limites e se coloca como testemunha enviada por Deus para preparar o caminho para o Messias. João é aquele que grita no deserto (Is 40.3).
Essa expressão do v. 23 (aquele que grita assim no deserto) nos faz pensar em terra seca, arrasada, que um dia já foi verde, abundante. Tornou-se árida, de difícil sobrevivência, de sofrimento extremo. Alguém grita nessa terra: “preparem o caminho para o Senhor passar”. Quem está no deserto, com certeza, está no limite de suas forças. Olha para todos os lados e vê areia em morros e vales. Preparar um caminho, aplainar morros, construir estrada, com que força, com que ânimo, com que esperança? Diz o profeta: “para o Senhor passar”. Quem aceita esse chamado? Com que garantia de que ele viria e que daria certo?
Como seres humanos, muito facilmente depositamos nossas esperanças em pessoas. Somos levados a nos deslumbrar com falas elaboradas, com apelos emotivos, com imagens, sons, cheiros e toques. As ciências ajudam-nos a compreender como isso funciona. Assim, podemos fazer uso desse saber, desses recursos para o bem das pessoas, ou para o nosso próprio, tornando-nos admiradas, amadas, veneradas até. Nem sempre isso é feito com consciência ou por maldade. Faz parte de quem testemunha fazê-lo com convicção, com eloquência, com o melhor recurso possível. Mas não podemos nos esquecer da pergunta feita a João: quem é você? Por que faz o que faz?
Cristo foi enviado ao mundo para salvá-lo. Ele está entre nós. Sua proposta de vida em abundância, de cuidado com a criação, de justiça, de partilha, de solidariedade e dignidade a toda a vida já foi e é ouvida constantemente. Pessoas são mensageiras, testemunhas, arautas, ungidas ou não, batizadas. Mas são humanas! Não merecem a honra de desamarrar as correias das sandálias dele (de servir!). Se Deus nos chama em nosso batismo, nos envia, faz suas testemunhas, Ele espera de nós não somente palavras, mas atitudes concretas que cuidem, recuperem e se comprometam com a vida digna de todas as pessoas. A vida é a chave! Vida das pessoas, da criação toda!
A comunidade cristã é chamada a não fixar seu olhar nas pessoas nem depositar nelas a sua total confiança ou esperança. Pessoas são pessoas por mais que as amamos. O processo de reconstrução da vida mundialmente vai precisar de verdadeiro mutirão, porque o jardim brota daquilo que foi semeado. Se voltarmos ao que éramos antes, esperando “salvadores da pátria”, não teremos aprendido nada com todo o deserto e o sofrimento.
Em breve será Natal mais uma vez. O tempo de Deus, o agir de Deus para salvar o mundo! E essa vontade de Deus acontece no trabalho, no comprometimento, no serviço, na participação de comunidade que se une para recuperar vidas, especialmente das que historicamente ficaram excluídas. Que a graça e o amor de Deus nos levem a conhecer e testemunhar firmemente a salvação que Deus fez e faz habitar entre nós.
4. Imagens para a prédica
Sören Kierkegard escreveu: “Um incêndio se dá no interior de um teatro. O palhaço sobe no palco para avisar o público; eles pensam que é uma piada e aplaudem. O palhaço repete e é aplaudido com mais entusiasmo. É como eu penso que o mundo chegará ao seu fim: sendo aplaudido por testemunhas que acreditam que tudo não passa de uma piada”. Por que o público não entendeu o que estava acontecendo? O que se espera do palhaço? Por que a mensagem não foi levada a sério?
5. Subsídios litúrgicos
João Batista, o batizador, em versos
Por Sílvia Araújo Motta
João Batista, pregador judeu,
no início do Séc. I, chamado
de JOÃO, o BATIZADOR,
citado por Evangelizadores
nasceu 2 a.C. e morreu 30 d.C.
Filho do Sacerdote Zacarias
e de Isabel, prima de Maria,
a jovem Mãe de Jesus.
Batizou muitos judeus,
incluindo seu primo Jesus.
João foi reconhecido Profeta!
Considerado pelos cristãos,
como o precursor do Prometido,
o Messias, Jesus Cristo, por ele
batizado no Rio Jordão.
João Batista introduziu
o Batismo de Gentios
nos Rituais Judaicos
de Conversão, adaptados
para o Batismo do Cristão.
João nasceu na cidade de Judá,
a seis quilômetros de Jerusalém.
Sua mãe pertencia à Sociedade
Religiosa para a Educação,
das “Filhas de Aarão”.
João foi muitas vezes chamado
de “Encarnação de Elias.”
Até na forma de se vestir,
com peles de animais
e no método de exortação.
O Discurso principal de João
era sobre a vinda do MESSIAS,
fonte de Esperança para a Nação
que esperava sempre o dia
de tornar-se digna e independente.
Os judeus defendiam a ideia
da sua nacionalidade
ter iniciado com Abraão
e que culminaria, na Verdade,
com a chegada do Messias da Salvação.
João, na aldeia chamada
“Adão” pregou sobre o Messias:
“Aquele que viria”, do qual
não seria digno de atar-lhe as alparcas…”
A polêmica surgiu, naturalmente…
Importante notar o novo Batismo
que João trouxe aos arrependidos…
A experiência do Batismo de Jesus
motivou ainda mais a sua fé
e seus Ministérios vividos.
A mando do Rei Herodes Antipas,
João ficou dez meses preso até à morte,
porque lhe fez críticas pelo discurso…
A cabeça de João foi entregue ao Rei
e o corpo queimado, em uma fogueira.
Errei
(Autoria desconhecida)
Errei quando deveria ter falado e me calei.
Errei quando aconselhei e deveria ser aconselhado.
Errei em não pedir ajuda pensando que poderia ter suportado.
Errei quando achei que todos estavam errados.
Errei em não ouvir, pois deveria ter analisado.
Errei em não pensar, pois deveria ter parado.
Errei em gritar quando deveria ter me calado.
Errei em me calar quando deveria ter gritado.
Errei em negligenciar, pois deveria ter ajudado.
Errei em fazer separação, tinha que promover a união.
Errei em continuar, quando deveria ausentar-se para crescimento.
Errei por errar,
Errei por ensinar,
Errei por aprender,
Errei por quê?
Porque não sei.
Bibliografia
MESTERS, Carlos; OROFINO, Francisco; LOPES, Mercedes. Raio-X da vida: Círculos Bíblicos sobre o Evangelho de João. São Leopoldo: CEBI, 2000.
RUBEAUX, Francisco. Mostra-nos o Pai. Uma leitura do Quarto Evangelho. Belo Horizonte: CEBI, 1989.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).