Proclamar Libertação – Volume 33
Prédica: João 10.11-18
Leituras: Atos 4.5-12; 1 João 3.16-24
Autor: Carla Vilma Jandrey
Data Litúrgica: 4º Domingo da Páscoa
Data da Pregação: 03/05/2009
1. Introdução
O texto indicado para este domingo – João 10.11-18 – é bastante conhecido. Provavelmente muitos ouviram a história do bom pastor no tempo em que frequentavam o culto infantil. Quem não se lembra da figura do bom pastor segurando em seus braços/ombros uma ovelha?
Assim surge um desafio. Fazer brotar dessa história conhecida uma mensagem atual e que toque inteiramente cada pessoa presente no culto.
Em João 10.11-18, Jesus identifica-se como sendo o bom pastor – o bom pastor que conhece cada uma de suas ovelhas, que as cuida e que dá sua vida por elas.
Em Atos 4.5-12, Pedro afirma que Jesus é a pedra angular, o fundamento da construção/vida e que não há salvação em nenhum outro.
Em 1 João 3.16-24, João relata-nos que Jesus Cristo nos amou incondicionalmente, a ponto de dar sua vida por nós. Cristo espera que creiamos nele e que guardemos seu mandamento: amemos uns aos outros.
2. Exegese
É impossível ler o texto de João 10.11-18 sem lembrar as profecias que apresentam o Messias como pastor. A Bíblia nasce num povo enraizado na vida pastoril. Nessa situação, Deus apresenta-se como o pastor (Gn 49.24; Sl 23 etc.). Os patriarcas são pastores. Moisés (Êx 3.1) e Davi (1Sm 16) são chamados por Deus enquanto conduzem os rebanhos. Pastor de ovelhas era uma profissão comum e bem conhecida na época. Especialmente Ezequiel 34 serve de pano de fundo para João 10: o pastor futuro, messiânico. Esse texto denuncia o descaso dos pastores malvados (34.4-6) e anuncia que Deus mesmo assumirá o pastoreio de seu povo (34.11-16). Também no Novo Testamento, a imagem do pastor aparece com freqüência aplicada a Cristo (a ovelha perdida, Mt 18.12-13; o pastor separando as ovelhas, Mt 25.32-33).
Neste texto de João 10.11-18, Jesus apresenta-se – Eu sou… – como o pastor, aquele que os profetas anunciavam. Contudo, ele não é qualificado como “verdadeiro”, como foram a luz, o pão, a videira, mas como “belo, valente, adequado, exemplar, excelente” (kalós). Nossas traduções falam no “bom pastor”, certamente em oposição aos maus pastores, mencionados em Ezequiel 34 e outros textos bíblicos.
Jesus é o pastor exemplar, aquele que cuida e empenha sua vida pelas ovelhas (v. 11-13). Essa sua qualidade contrapõe-se não tanto aos “assaltantes” dos v. 7-10, mas antes às pessoas que parecem pastores e não são. Jesus não é como os pastores contratados por salário, que não se importam com as ovelhas, porque não lhes pertencem em propriedade. Um assalariado foge quando aparece uma fera; ele deixa as ovelhas sem proteção diante daquele que as rouba e dispersa. Isso se justifica porque sua motivação para o cuidado não são o carinho ou o amor, mas sim o salário.
Com os v. 14-15 começa um novo pensamento. Primeiramente, repete-se a afirmação “Eu sou o bom pastor”, completando-a com a ideia do mútuo conhecimento. O motivo já ressoava no v. 4, ao dizer que as ovelhas conhecem a voz do pastor e a seguem. Esse conhecimento mútuo não é teórico, mas um conhecimento repassado de amor mútuo, num sentido amplo e aberto. O “conhecer” ultrapassa o saber abstrato e intelectual para indicar a experiência concreta de uma coisa ou o relacionamento íntimo com uma pessoa. Essa relação de conhecimento-amor é tão profunda, que Jesus a compara com aquela que existe entre ele e o Pai.
No v. 16, Jesus realiza a unidade escatológica do rebanho de que falam Ezequiel 34 e 37. O carinho, o cuidado e a salvação do bom pastor estendem-se não apenas às ovelhas da casa de Israel (desse aprisco), mas também às ovelhas dispersas entre os gentios (outras ovelhas). E com isso, embora havendo muitos rebanhos, haverá um só rebanho, um só pastor.
Nos v. 17-18, Jesus aprofunda o mistério do amor do pastor bom e fiel. A fonte desse amor é o Pai. Esse ama Jesus, e Jesus ama os que são do Pai, a ponto de empenhar sua vida por eles. Jesus dá sua vida e por isso pode retomá-la. Jesus pode retomar a vida de que ele dispõe, pois ninguém a tira dele contra sua vontade. Ele empenha sua vida porque quer, assim como ele pode retomá-la (pois ele tem poder sobre a vida: cf. 5.26).
Obs.: Sobre o contexto histórico do texto e do livro de João ver: Proclamar Libertação – volumes 17 e 31.
3. Meditação
Esse texto, como também a figura do bom pastor, é conhecido. Contudo, a cada nova leitura, sempre há algo novo que chama nossa atenção. Na leitura realizada, a situação de cuidado e de não-cuidado despertou uma nova reflexão.
A figura do bom pastor, ou melhor, Jesus sendo o pastor exemplar, fortalece as ovelhas fracas, cura as doentes, procura as desgarradas e busca as perdidas, diferente dos pastores como relatado em Ezequiel 34.4. O bom pastor cuida de suas ovelhas. O cuidado inclui o total empenho por elas, a ponto de arriscar e entregar sua vida.
Jesus foi um ser de cuidado. Ele mesmo se autodenomina como aquele que serve, como diácono (Mc 10.45), e servir inclui cuidado. Jesus mostrou cuidado especial para com os pobres, os famintos, os discriminados e os doentes. O cuidado para com essas pessoas é descrito nos textos de Mateus 9.1-8, Marcos 6.30-44, Lucas 13.10-17, Lucas 14.15ss, entre outros. O cuidado de Jesus para com as pessoas é percebido em suas palavras e ações, pois elas demonstravam afeto, misericórdia, amor, respeito, atenção, zelo, acolhimento, valorização do ser humano, sensibilidade para com a dor, preocupação com a vida. Enfim, Jesus cuida da vida do ser humano (Jo 10.10). Jesus teve cuidado para com a vida integral do ser humano. Da ação de cuidado também faz parte a luta contra a injustiça, a opressão, a exclusão.
Esse cuidado de Jesus para com todos nós está baseado no amor. A fonte desse amor é o Pai. Esse ama Jesus, e Jesus ama os que são do Pai.
Contudo, não é somente Jesus/Deus quem cuida. O ser humano também é chamado a cuidar. De forma especial, os cristãos que representam e dão testemunham de sua fé em Deus. Essa tarefa de cuidar, que é um dos aspectos da diaconia, é expressa no texto de 1 Coríntios 12.12-31, no qual os cristãos precisam cooperar uns com os outros, com igual cuidado, e no texto de Lucas 10.25-37, no qual o cuidado aparece no amor e no auxílio ao próximo, entre outros. Jesus desafia seus seguidores: “Assim como eu vos fiz, façais vós também” (Jo 13.15). Ser cristão é seguir as pisadas do Mestre: acolher o diferente e excluído, incluir, amar, conhecer e dar-se a conhecer.
O texto de 1 João 3.16, indicado como leitura, exorta os cristãos a também “dar a vida pelos irmãos”. Com certeza, João não pensou que todos os cristãos devem morrer reciprocamente uns pelos outros. Mas ele se refere ao “empenho da vida” toda, ao cuidado mútuo que deve e pode acontecer sem cessar em nossa convivência no amor. Para um empenho desses, a morte pode ser a consumação extrema. É isso que acontece com o “bom pastor” Jesus em sua morte na cruz.
Nesse sentido, sugiro que a prédica reflita, num primeiro momento, sobre esse cuidado de Jesus para com cada um de nós. Seria um momento de refletir sobre o texto de forma poimênica. Num segundo momento, a partir do texto de 1 João 3.16-24, refletir sobre as nossas ações: são ações diaconais de cuidado ou de não-cuidado para com o rebanho? Somos como o empregado que foge diante dos perigos, dificuldades, responsabilidades e desafios?
Como cristãos somos chamados e desafiados por Deus a auxiliá-lo no pastoreio, a exemplo do bom pastor. Pastorear as ovelhas significa:
– fortalecer as fracas;
– curar as doentes;
– alimentar as famintas;
– dar água às sedentas;
– afastar do perigo de vida (da morte e seus poderes);
– trazer de volta as desgarradas.
Lembremos que esse pastorear não diz respeito apenas às “ovelhas desse aprisco”, da comunidade, mas a todas as “ovelhas”, sem restrições de raça, credo, idade. Cuidar também exige conhecer, acompanhar, profissionalizar, ajudar a encontrar emprego, casa, escola, envolver-se nos conselhos municipais, requisitar igualdade de direitos e oportunidades.
Esse pastorear provocará questionamentos por parte de alguns. Jesus, Pedro e João também foram questionados. Contudo, tendo a certeza de que Jesus é o bom pastor que não nos abandona diante dos perigos, como também é o fundamento de nossa vida, a pedra angular (At 4.5-12) sobre a qual depositamos nossa fé e que por meio dele temos a salvação, podemos “empenhar nossa vida” no cuidado para com o próximo.
4. Imagens para a prédica
* Quem é cuidado por nós em nossos lares, comunidade, cidade? O que investimos nesse cuidado? Quem não recebe nosso cuidado? Como nos envolvemos no município, nos conselhos municipais, para que políticas públicas possam vir ao encontro de quem precisa de ajuda e cuidado?
Muitos idosos, pessoas com dificuldades de locomoção ou doentes com dificuldades para locomover-se, moribundos precisam da ajuda de outros. Como nós acolhemos essas pessoas, suas famílias e ajudamos a aliviar suas cargas?
Uma idéia/desafio: ter na comunidade um “banco” de horas e de dons. Imaginem se alguém que está sempre “preso” em casa, cuidando de uma outra pessoa doente, acamada, com paralisia, pudesse telefonar para esse banco de horas e pedir que alguém fique com seu familiar numa tarde ou algumas horas para que ela possa sair. Assim ela poderia sair para fazer compras, visitar alguém, participar da reunião da Ordem Auxiliadora de Senhoras Evangélicas (OASE), enfim renovar suas forças, ver outras coisas e falar com outras pessoas.
* Pode-se também relatar ações de cuidado, talvez alguma ação diaconal desenvolvida pela comunidade (visitação: pessoas enlutadas, doentes, pessoas com deficiência). O cuidado da comunidade também se faz visível quando os prédios são acessíveis para todas as pessoas. “Onde uma pessoa com deficiência passa, todas as pessoas passam com mais qualidade de vida.”
Em continuidade, relatar situações de não-cuidado ou que clamam por cuidado para falar sobre nossa missão de ser cuidadores do rebanho de Deus. Não podemos ficar de braços cruzados.
Desafio concreto: no final do culto, distribuir cópias da oração do cuidado, motivando as pessoas para que façam uma visita (a doentes, enlutados, solitários) e compartilhem a oração juntamente com um caloroso abraço. A intercessão é uma tarefa diaconal de cuidado.
Oração do cuidado
Senhor, dá-me a tua mão e conduz a minha vida. Guia os meus passos para que eu caminhe de forma segura. Sob as asas de tua misericórdia sintome protegido/protegida. No colo de tua bondade encontro descanso verdadeiro. Em dias de medo e angústia, abriga-me em teu poder. Em momentos de ansiedade, faz cair sobre mim a tua paz. Ao sentir-me fragilizado/fragilizada, ajuda-me a ter esperança. Cuida de mim e de meus amados. Cuida do meu destino. Quando a culpa me acusar, acolhe-me em tua graça. Absolve-me do pecado e faz-me renascer de teu perdão. Se eu cair, permite que eu caia em tuas mãos. Se eu permanecer caído/caída, dá-me a tua companhia. Seja como for, cobre-me com o manto de teu amor. Graças por teu cuidado, graças pela salvação. Agora dá-me a bênção que tanto anseio. Amém.
(Rodolfo Gaede Neto)
5. Subsídios litúrgicos
Kyrie:
A comunidade reunida em culto é chamada a servir. Uma forma de prestar esse serviço é clamar a Deus em favor do povo que necessita de cuidado. Assim, em conjunto, clamemos pelas dores deste mundo.
Comunidade (canta): Pelas dores deste mundo, ó Senhor…
Oração do dia:
Querido e bondoso Deus, agradecemos por teu amor, que nos cuida diariamente. Sentimos teu amor e teu cuidado desde antes de nascermos e, através da morte e ressurreição de teu Filho, nos acolhe e oferece vida e salvação. Pedimos que teu Santo Espírito nos conceda corações e mentes abertas para ouvir tua mensagem de amor e cuidado. Por Jesus Cristo, que contigo e com o Espírito Santo vive e reina, de eternidade a eternidade. Amém.
Hino após a prédica:
“Dá-nos olhos claros” (Hinos do Povo de Deus, volume 1 – n. 166) ou o hino da Diaconia.
Oração geral da igreja:
1 – Agradecimentos
Bondoso Deus, agradecemos-te por estar reunidos como comunidade cristã. Agradecemos-te por seres nosso bom pastor, que nos cuida por amor e graça. Senhor, obrigado por nos acolheres em teus braços e nos abraçares assim como somos.
Comunidade (canta): Em teus braços, Senhor, em teus braços. Sempre estamos, Senhor, sempre estamos.
2 – Intercessões
Senhor, intercedemos em favor das pessoas que necessitam de cuidado. Há muitas pessoas à espera de um abraço, pois se encontram enlutadas, doentes, solitárias, sem esperança. Tem compaixão delas, Senhor, e ouve nossa oração.
Comunidade (canta): Ouve nossa oração e atende as nossas súplicas. Oramos por todas as igrejas cristãs para que teu evangelho seja pregado corretamente, proclamando paz, reconciliação e cuidado para com toda a tua criação. Senhor, ouve nossa oração.
Comunidade (canta): Ouve nossa oração e atende as nossas súplicas. Oramos por todas as autoridades para que possam governar com sabedoria, honestidade, cuidado e justiça e assim amenizar as diferenças sociais e econômicas. Senhor, ouve nossa oração.
Comunidade (canta): Ouve nossa oração e atende as nossas súplicas. Senhor, colocamo-nos a teu dispor para, com o auxílio de teu Santo Espírito, proclamar uma nova forma de viver, baseada no amor e no cuidado para com todos os teus filhos e tuas filhas. Amém.
Bênção (da Venezuela):
Que Deus toque nossos olhos, para que possamos enxergar; Toque nossos ouvidos, para que possamos ouvir;
Toque nossa boca, para que possamos levar adiante a sua mensagem;
Toque nossas mãos, para que possamos ofertar com disposição;
Toque nossa vida, para que o Espírito Santo possa nos envolver;
Toque nosso coração e nos permita sentir seu amor.
Assim te abençoe o bondoso Deus. Amém.
Envio:
Na companhia do Espírito Santo e na certeza de que Deus cuidará de nós, vamos e sirvamos ao Senhor com alegria.
Bibliografia
KONINGS, J. Evangelho segundo João: amor e fidelidade. Petrópolis: Vozes, 2001.
LÈON-DUFOUR, Xavier. Leitura do evangelho segundo João. v. 2. São Paulo: Loyola, 1996-1998.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).